Luiz Carlos Azedo: Os laços da perdição

Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, com os chamados “campeões nacionais”

A discussão sobre capitalismo de laços no Brasil não é nenhuma novidade, assim como a tentativa de reinventar o capitalismo de Estado. Por R$ 100 é possível comprar pela internet dois livros de Sérgio Lazzarini sobre o assunto. Professor do Insper, o economista é um estudioso das imbricadas relações empresa-Estado no Brasil e do modelo político adotado pelo PT e que entrou em colapso com o escândalo da Petrobras, uma espécie de fusão das operações ilícitas envolvendo empresários, gestores públicos e políticos investigados pela Operação Lava-Jato com os mecanismos de intervenção do governo na economia, durante os mandatos de Lula e de Dilma.

Não se pode atribuir ao PT tudo o que aconteceu, até porque as estruturas do Estado e do capitalismo brasileiros foram historicamente constituídas. O problema é que, ao assumir o poder, o partido foi abduzido pelos laços perversos do sistema, ao conquistar a chave do cofre e assumir as redes da política. O transformismo petista, porém, é mascarado pela retórica neopopulista de amplos setores da esquerda, na qual o nacional desenvolvimentismo ainda serve de biombo ideológico. Encaixa-se como luva na velha doutrina dos movimentos de libertação nacional durante a guerra fria: aliança com a burguesia nacional contra o imperialismo, num esquema em que a emergência da China na economia globalizada e o jogo duro da Rússia de Putin contra os Estados Unidos na Ucrânia e no Oriente Médio substituíram a antiga União Soviética e os ex-aliados da Cortina de Ferro. Os sindicatos e a esquerda europeia se encarregaram de dar ressonância internacional ao projeto.

Lazzarini notou que, nos processos de licitação, formavam-se consórcios com atores conhecidos, com a participação do governo e seus agentes, mesmo depois do período de privatizações. O Estado já não tinha controle total sobre grandes empresas, com exceção das Petrobras; havia diluído sua participação em algumas empresas (privatizadas ou não) para atuar em uma rede muito maior de organizações. Com isso, ao lado da ofertas públicas de ações (IPOs – Initial Public Offerings) nas empresas estatais a novos investidores nacionais e internacionais, o Estado permanecia forte e presente em muitos setores.

O Estado não se afastou de atividades econômicas por meio da privatização e da abertura econômica. Pelo contrário, adotou um modelo de maior capilaridade, aumentando o número de empresas que contam com a participação do BNDES e dos fundos de pensão de estatais, que têm laços políticos com o governo. E essa ramificação do Estado é tão ou talvez mais poderosa do que o modelo anterior, concentrado em grandes empresas. Além disso, os mesmos proprietários e grupos, com laços cruzados, estavam em muitas empresas. Com isso, grupos privilegiados pelo governo, em troca de propina, passaram a ter uma grande presença transversal na economia.

Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, os chamados “campeões nacionais”, cuja consequência foi a criação de um ambiente econômico degenerado e pouco competitivo. Ao contrário do que apregoa o discurso de defesa da “engenharia nacional” e da reserva de mercado para a inovação e tecnologia nacionais, quando as empreiteiras formaram o cartel que controlava todos os grandes projetos do governo, da construção de plataformas de petróleo a estádios de futebol, puxaram para baixo a competitividade, a inovação, a qualidade e a produtividade no país.

Caso de polícia

As conexões internacionais do modelo são parte de um esquema de reprodução do projeto de poder, no qual o BNDES entrava como fonte financiadora. A maioria dos empréstimos camaradas tem prazo em torno de 12 a 15 anos, embora alguns contratos com Cuba destoem por terem até 25 anos. As taxas de juros estão entre 3% e 6% ao ano, em dólar. O financiamento desses contratos se dá via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe, nesses casos, remuneração atrelada a taxas internacionais. Mas essas são muito mais baixas do que o custo que o próprio governo consegue captar, aqui ou no exterior. E o próprio Tesouro tem coberto rombos no FAT.

Pois bem, quando um dos maiores fornecedores da Petrobras, com contratos no valor de R$ 25 bilhões, o estaleiro Keppel Fels, reconhece na Bolsa de Cingapura, onde fica a sua sede, que os pagamentos feitos a seu representante no Brasil “podem ser suspeitos”, desnuda os laços mais perversos e conexões internacionais desse modelo, que virou caso de polícia. Seu representante no Brasil é o lobista e engenheiro Zwi Skornicki, preso pela Operação Lava-Jato, que já disse que pagou US$ 4,5 milhões (R$ 14,4 milhões, em valores atuais) ao marqueteiro João Santana, que cuidou das campanhas de Lula (2006) e de Dilma Rousseff (2010 e 2014). A mulher e sócia de Santana, Mônica Moura, confessou que recebeu os US$ 4,5 milhões numa conta na Suíça, uma dívida da campanha de 2010. Os ataques ao juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, não salvarão o modelo fracassado. A crise fiscal do país exige do Estado e da sociedade uma mudança de paradigma.


Fonte: pps.org.br


Freire diz que aumento da aprovação do governo Temer representa reconhecimento no combate da crise

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), afirmou que o apoio da sociedade ao governo de Michel Temer começa a aumentar ao comentar pesquisa da Ipsos, divulgada nesta quinta-feira (13), que indica crescimento da aprovação da nova gestão. De acordo com o levantamento, o índice de aprovação subiu nove pontos atingido 30% enquanto que a reprovação caiu 8 pontos percentuais.

“As pesquisas de avaliação do governo Temer começam a demonstrar aquilo que era esperado pelas forças que apoiaram o impeachment de Dilma. Não poderia, como num passe de mágica, termos um governo com índices altíssimos de aprovação da sociedade brasileira. Começa a ficar evidente aquilo que a própria experiência histórica havia demonstrado no governo Itamar. Um governo que surge de um impeachment traz uma carga de responsabilidade tão grande que necessariamente tem aspectos positivos. Isso está se evidenciando”, disse

Freire lembrou ainda que o eleitorado deu um claro recado nas urnas ao eleger candidatos que apoiaram o impeachment da ex-presidente.

“Um governo que está enfrentando, com muita determinação, a questão da crise econômica. Além disso, demonstrou ter capacidade de superar a crise política no relacionamento entre o Executivo e o Legislativo. Isso Temer faz com maestria, até mesmo pela sua larga experiência como parlamentar e, em algumas oportunidades, como presidente da Câmara dos Deputados. A partir desta boa articulação política, ele iniciou o enfrentamento da crise econômica. Um outro elemento positivo foi a demonstração do eleitorado que deu ampla vitória às forças favoráveis ao impeachment e a fragorosa derrota daqueles que defendiam o governo do PT”, destacou.

O parlamentar apontou que a nova gestão tem apresentado medidas para combater o desmantelo nas contas públicas deixado pelo governo Dilma e citou a aprovação da PEC que estabelece limites dos gastos no orçamento que, na sua avaliação, representa o primeiro grande passo no combate da crise.

“O crescimento do índice de confiança tende a aumentar no momento que começa a surgir pontos positivos na própria superação da crise econômica. Já existem dados positivos relacionados ao aumento do índice de confiança de investidores e consumidores. Há indicadores que apontam para uma efetiva confiança de que vamos enfrentar e superar a crise econômica. Não será uma tarefa fácil e nem será resolvida a curto e médio prazo. Vai demorar um pouco, mas já demos início a esse processo”, defendeu.

A pesquisa

A pesquisa Ipsos apontou que a aprovação de Michel Temer subiu nove pontos percentuais em setembro e fechou o mês em 30%. Já a desaprovação do novo governo registrou queda de 8 pontos e ficou em 60%.

Além disso, o levantamento mostrou o nível de favorabilidade de reformas propostas pelo novo governo. Quatro em cada dez entrevistados (41%) se disseram a favor de que haja mudanças no sistema previdenciário e 43% se mostraram favoráveis a alterações trabalhistas. As outras possibilidades de mudanças foram reforma política (56% a favor), reforma da educação (52% a favor), em programas sociais (46%) e reforma tributária (41%).

A pesquisa foi realizada entre 6 e 16 de setembro em 72 cidades brasileiras com 1.200 entrevistas presenciais. A margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais.


Fonte: pps.org.br


Morre Flavio Gikovate. Reveja a participação dele no #ProgramaDiferente

Aos 73 anos, morreu na noite desta quinta-feira, 13 de outubro, o médico psiquiatra, psicoterapeuta, conferencista e escritor Flavio Gikovate. Reveja a íntegra da entrevista de Gikovate e também o especial sobre a mente exibido pelo #ProgramaDiferente.

Com 50 anos de profissão, ele falou de relacionamentos humanos, redes sociais e interatividade virtual, das mudanças e novidades no comportamento dos jovens, do aumento do individualismo e da mudança de paradigmas nas relações afetivas.

Também opinou sobre o ódio, a revolta e o ressentimento demonstrados na internet por um número crescente de pessoas. Com mais de 10 mil pacientes atendidos e um milhão de leitores dos seus diversos livros publicados, anunciou o seu mais novo lançamento até então: a obra autobiográfica intitulada "Gikovate, Além do Divã".

Era uma referência clara ao programa de rádio que completava oito anos no ar ("No Divã do Gikovate", exibido todos os domingos, na CBN) e também ao fato dele nunca ter usado divã no consultório nem seguir as doutrinas tradicionais.

Nos anos 70, Gikovate chocava a sociedade (e os colegas terapeutas) por desvincular sexo de amor. As relações atuais confirmaram essa percepção e exacerbaram esta separação. Também outra definição provocativa se acentua: o "sexo frágil", para ele, continua sendo o homem, e não a mulher. Ele esclareceu a polêmica.

Formado em Psiquiatria pela USP, foi assistente clínico do Institute of Psychiatry, na London University, e pioneiro nos estudos sobre sexo, amor e vida conjugal no Brasil. Além do programa semanal de rádio, já assinou, por muitos anos, colunas na Folha de S. Paulo e na revista Cláudia. A estreia foi na Capricho. Também já teve um programa na TV Bandeirantes e chegou a participar de uma novela de Silvio de Abreu (Passione, na Rede Globo), interpretando a si mesmo.

Outro desafio inovador de Gikovate foi integrar a chamada "Democracia Corinthiana", entre 1982 e 1984, movimento liderado por um grupo de jogadores politizados, como Sócrates, Wladimir, Zenon e Casagrande, que foi um marco na história do futebol brasileiro, numa época importante da redemocratização do país e da campanha "Diretas Já".

Este foi um período do Corinthians no qual contratações, regras de concentração, consumo de bebidas alcoólicas, liberdade para expressar publicamente opiniões políticas e outros direitos individuais e coletivos eram decididos através do voto igualitário de seus membros. Ou seja, em tese, o voto do treinador ou do diretor de futebol, por exemplo, valia tanto quanto o de um jogador ou de qualquer outro funcionário da comissão técnica.

O programa “No Divã do Gikovate” era gravado semanalmente no Teatro Eva Herz, na Avenida Paulista, com a participação do público. Acompanhe aqui, com exclusividade para o #ProgramaDiferente, a gravação na íntegra de um dos programas exibidos pela Rádio CBN. Veja também cenas inéditas dos bastidores do programa, com o "aquecimento" de Gikovate e da plateia momentos antes da gravação.

Combate à violência de gênero deve envolver homens e mulheres, diz parceiro da ONU

Em entrevista à Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), a diretora do Instituto Promundo, Tatiana Moura, fala sobre a importância de discutir os papeis de homens e mulheres na sociedade para promover a igualdade de gênero e combater a violência contra o público feminino.

Acabar com debates sobre questões de gênero e orientação sexual nas escolas brasileiras é “um retrocesso perigoso” que pode perpetuar ciclos de violência e desigualdade. A conclusão é de Tatiana Moura, diretora do Instituto Promundo, uma organização não governamental criada em 1997 no Brasil para combater a discriminação contra mulheres através do engajamento de homens e meninos.

Desde sua fundação, a instituição já levou seus projetos para 22 países, como Ruanda, Portugal e República Democrática do Congo, além de firmar parcerias com agências das Nações Unidas, como o Fundo de População da ONU (UNFPA).

Em entrevista ao Observatório de Energias Renováveis para América Latina e Caribe, da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), Moura contou um pouco sobre sua trajetória profissional e sobre o trabalho do Promundo na busca pelo empoderamento feminino e por mudanças na forma como homens, rapazes e meninos vivem em sociedade.

UNIDO: Primeiro, conte-nos um pouco sobre o longo trabalho que o Promundo desenvolve na questão da igualdade de gênero. Você começou a desenvolvê-lo na universidade, não foi?

Tatiana Moura: A consciência sobre desigualdade de gênero não começa necessariamente na universidade. Acho que desde cedo, na adolescência, muito influenciada pela minha família majoritariamente feminina, tive consciência de que a igualdade entre mulheres e homens e igualdade de gênero, em geral, não era uma realidade próxima.

Na universidade, sempre me interessei pela corrente feminista das Relações Internacionais e desenvolvi a minha tese de mestrado sobre o papel das mulheres em guerras e pós-guerras (livro Entre Atenas e Esparta. Mulheres, Paz e Conflitos Armados, Almedina, 2005). Desenvolver e aprofundar esta linha de analise só foi possível graças à faculdade onde estudava (FEUC) e aos professores e professoras do mestrado e do curso de RI.

No doutorado, analisei a violência de gênero e patriarcado em contextos de violência urbana enquanto sistema de guerra. Ou seja, analisando o cenário do Rio de Janeiro, um cenário híbrido de paz formal com índices de homicídios semelhantes a contextos de guerra, perguntei: “onde estavam as mulheres?”. Quais os impactos desta violência armada e urbana nas suas vidas? Quais as formas de resiliência e resistência (onde podemos incluir também homens)?

Desta forma, percebi que cenários de violência armada urbana se baseiam em construções identitárias, (envolvendo) hipermasculinidade e feminilidade subordinada, muito próximas às das guerras formais. Daí, ter chamado estes contextos de “novíssimas guerras”, como forma de provocação e exigência de respostas mais inclusivas e eficazes.

UNIDO: O que a trouxe ao Rio?

T.M.: Paralelamente ao doutorado, coordenei projetos de pesquisa no Brasil e na América Latina. Trabalhei com grupos de resistência e busca de justiça – movimento de familiares de vítimas de chacinas no Rio –, conheci várias organizações que dialogam sobre estes mesmos temas e, o que seria 6 meses no Rio, transformou-se em anos. Em 2004, cheguei ao Rio. Estamos em 2016 e eu continuo no Rio, com alguns períodos em Portugal, pelo meio.

Neste percurso de tentar prevenir violência de gênero, seja no espaço privado, seja no público, decidi aprofundar a pesquisa e trabalho sobre masculinidades. E muito em particular, masculinidades contra-hegemônicas, não violentas e equitativas.

Acredito que, se queremos realmente prevenir violência de gênero e contribuir para a gender revolution, devemos olhar para a construção de formas positivas de se ser homem. Afinal, continuam a ser os homens os principais agressores no espaço doméstico, os principais combatentes nas guerras, mas são também os homens que mais morrem em resultado de armas de fogo – em guerras formais e fora delas; que morrem por fatores externos – acidentes no trânsito –, ou por doenças que se poderiam prevenir.

E, em 2011, passei a integrar a equipe do Instituto Promundo no Brasil. Encarei este passo como algo natural no meu percurso, enquanto pesquisadora e ativista feminista.

UNIDO: Você é diretora do Promundo, uma organização não governamental que promove a igualdade de gênero e a prevenção de violência, partindo de transformações de masculinidades. Por que trabalhar com a questão da masculinidade é tão importante?

T.M.: Trabalhar a questão da masculinidade e, em especial a hipermasculinidade ou masculinidade não equitativa e violenta, é essencial para pensarmos e promovermos a prevenção de violência de gênero.

Acreditamos que trabalhar com homens e meninos para transformar normas e dinâmicas de poder desiguais é um fator estratégico para alcançar a equidade de gênero. Para que o empoderamento das mulheres continue avançando, homens e meninos precisam tornar-se aliados no processo, conscientizando-se de que também são beneficiados quando normas prejudiciais de gênero são questionadas. Nossas pesquisas, programas e ações para influenciar políticas públicas (em inglês, advocacy) mostram que a promoção de noções positivas sobre o que significa ser homem ou mulher proporciona melhorias para suas vidas.

Nossas ações buscam gerar transformações em diversos níveis, tais como intervenções em grupos com homens e mulheres, campanhas, metodologias educativas e diálogo com instituições e governos para influenciar políticas e ampliar programas que proporcionem mudanças sociais.

UNIDO: Como surgiu o Promundo e quais são as principais linhas de ação?

T.M.: Com a criação do Instituto Promundo em 1997, no Rio de Janeiro, Brasil, a equipe do Promundo iniciou um legado de atuação no país. A primeira sede da organização é reconhecida internacionalmente por desenvolver pesquisas, metodologias, intervenções comunitárias e ações de incidência política no Brasil, na América Latina e em países de língua portuguesa, que são avaliadas e disseminadas mundialmente.

Desde sua fundação, o Promundo ampliou sua atuação para diversos países do mundo, a fim de contribuir com o avanço da equidade de gênero. Além de realizar campanhas e grupos educativos em contextos de pós-conflito, trabalhamos com grupos de terapia que criam espaços seguros para que homens e mulheres se recuperem de traumas.

Atualmente, já adaptamos nossas metodologias em mais de 22 países. E temos escritórios no Rio, Washington D.C., Kigali (Ruanda), Kinshasa (República Democrática do Congo) e em Coimbra (Portugal, associado ao Centro de Estuados Sociais da Universidade de Coimbra).

Grandes organizações incluindo a Organização das Nações Unidas, o Banco Mundial, a Organização Mundial de Saúde e governos nacionais, já apoiaram nossa causa, trabalhando como parceiros em nossas iniciativas ou adotando nossos programas e implementando-os em inúmeras comunidades em todo o mundo.

O Promundo é financiado por governos nacionais e locais, fundações, organismos internacionais, grandes organizações não governamentais e por meio de doações individuais.

UNIDO: A instituição está em diversos países. A luta pela igualdade de gênero pode ser analisada de diferentes perspectivas nestes países em que a instituição atua?

T.M.: Cada país tem questões urgentes específicas, como resultado da sua história (guerra, pós-guerra, violência urbana, questões legais e respeito por direitos humanos, etc). No entanto, o fato de usarmos as nossas metodologias, com adaptações a cada contexto, mostra que, na base, os problemas são comuns.

Os homens são considerados os principais provedores da família, as mulheres assumem o trabalho não remunerado do cuidado e das tarefas domesticas; as questões de paternidade –leis e práticas – estão, ainda, longe de ser equitativas; a violência tem, majoritariamente, um rosto masculino.

Podemos dizer que em nenhum país onde trabalhamos a igualdade de gênero, isso é uma realidade. E, portanto, a luta e as estratégias para alcançar essa igualdade são as mesmas, tentando dar resposta a questões nacionais especificas.

UNIDO: Há algum país que seria modelo na luta pela igualdade de gênero ou cada um possui diferentes formas de exprimir esta diferença?

T.M.: Se existir algum país onde a igualdade salarial é uma realidade, onde a divisão das tarefas domésticas e de cuidado é equitativa, onde nenhuma mulher sofra assédio e violência, onde as crianças não sejam vítimas de castigos físicos e humilhantes, onde a escolaridade mínima seja obrigatória e livre para todos os meninos e meninas, etc… esse país seria um modelo de sucesso dos séculos de luta pela igualdade. Não me parece que exista. Mas podemos, no entanto, identificar países que fizeram grandes progressos no caminho pela igualdade, como os países nórdicos na Europa, com as licenças parentais.

UNIDO: Vamos falar um pouco sobre o Brasil. Qual é a maior fragilidade do país na questão de igualdade de gênero?

T.M.: Justamente não querer falar sobre igualdade de gênero, o país passa por um momento de enormes retrocessos nesse tema, ao considerar que gênero, enquanto parte do currículo dos jovens nas escolas, é algo negativo. A existência de propostas – que em algumas partes do país já são realidade – que visam a retirar debates sobre gênero, orientação sexual e equidade das escolas representam um retrocesso perigoso no Brasil.

O Promundo realizou estudos onde percebemos que existe transmissão intergeracional de violência. O que significa isto? Significa que homens que, quando crianças, foram testemunhas de violência na esfera doméstica – do pai sobre a mãe ou do parceiro masculino sobre a mãe –  têm maior probabilidade de usar violência contra a parceira intima na idade adulta.

Ao mesmo tempo, percebemos que homens que, em criança, viveram em um lar mais equitativo, com pai participativo nas tarefas domésticas e de cuidado, reportam atitudes mais equitativas de gênero e menos violentas.

Ao evitarmos o debate sobre o tema, estamos (contribuindo) a perpetuar ciclos de violência que poderiam ser quebrados. A equidade de gênero – e os debates sobre ela desde cedo, na infância e adolescência – é encarada pelos grupos mais conservadores no Brasil como um desafio e ameaça à perpetuação de uma hipervirilidade e masculinidade hegemônica que subordina e subalterniza outros tipos de masculinidade – não violenta, homoafetiva, etc – e as mulheres em geral.

Este tipo de proposta se reflete em vários níveis da sociedade – ver questão do aborto e escolas públicas, direitos LGBT, etc – e terá consequências graves de médio e longo prazo, sem dúvida.

UNIDO: Há algum ponto em que o país tem se destacado no enfrentamento da questão?

T.M.: Em nível legislativo, o Brasil foi o primeiro país da América Latina e do mundo a criar as DEAMs, delegacias especializadas de atendimento à mulher, em 1985, em pleno processo de redemocratização do país. Criou, também, a Lei Maria da Penha que prevê a realização de grupos reflexivos para homens autores de violência, indo além de políticas meramente punitivas e repressivas que não pressupõem a quebra de ciclos de violência.

Movimentos sociais: o Brasil é exemplo global em termos de ativismo e movimentos sociais. Criou o FSM (Fórum Social Mundial), foi exemplo no combate à Aids e, desde 2013, vive o que se tem chamado, internacionalmente, de Primavera das Mulheres – ou feminista, porque homens também fizeram parte dela –, com destaque para os movimentos de mulheres mais jovens, negras, que se reinventaram e ganharam protagonismo.

Mulher e mercado de trabalho

UNIDO: Que tipo de empoderamento as mulheres ainda têm a conquistar para terem as mesmas possibilidades que os homens no mercado de trabalho?

T.M.: Eu colocaria a questão de outra forma: que tipo de ações os homens podem fazer e que espaços devem ocupar para que as mulheres tenham as mesmas possibilidades dos homens no mercado de trabalho?

As mulheres ocupam já 40%-50% do trabalho formal e remunerado no mundo. Mas os homens estão longe de assumir a mesma proporção do trabalho não remunerado que é, na sua maioria, ligado ao cuidado e tarefas domésticas. Enquanto esse desequilíbrio se mantiver, as mulheres terão um peso duplo e as possibilidades de progressão na carreira ou de ter melhores condições diminuem.

UNIDO: Quais são as principais lutas e conquistas sobre a questão da igualdade de gênero nas questões laborais?

T.M.: Nos últimos 20 anos, muita coisa mudou em relação às tendências no campo da paternidade, cuidado e trabalho doméstico não remunerado. No entanto, embora as mulheres representem atualmente 40% da força de trabalho remunerada e 50% da produção de alimentos no mundo, em média, elas ainda passam de duas a dez vezes mais tempo cuidando de uma criança ou pessoa mais velha do que os homens.

Apesar disso, o envolvimento de homens na prestação de cuidados está apenas começando a ser reconhecida como uma forma importante e abrangente para se avançar com a agenda da igualdade de gênero.

Usando dados completos sobre o envolvimento dos homens no cuidado e saúde materna e infantil e sobre as conexões entre paternidade e violência, bem como (sobre a) inserção das mulheres no mercado de trabalho, o Promundo tenta fornecer a base para iniciativas sociais, políticas e de saúde; ampla mudança institucional e sensibilização do público para promover uma transformação sobre paternidade equitativa e envolvida.

Para promover a equidade de gênero por meio de programas de desenvolvimento econômico em países de baixa ou média renda, o Promundo trabalha com iniciativas de empoderamento econômico de mulheres, envolvendo homens e meninos como aliados neste processo, para que compreendam os efeitos positivos do deslocamento dos papeis de gênero nas relações familiares e econômicas.

Por causa desse trabalho, estamos percebendo mais equidade nas relações e aumento nas rendas de famílias que participam de programas de desenvolvimento econômico. Um exemplo recente foi uma parceria com ONU Mulheres, no Brasil, para realizar grupos reflexivos sobre normas de gênero com casais beneficiários do programa Bolsa Família.

Por Marcelo Valadares.


Fonte: nacoesunidas.org


Com o Nobel para Bob Dylan, é hora de redescobrir os trovadores

Espanha, Portugal e Brasil não poderiam reagir com espanto diante do prêmio a Bob Dylan. Nossa literatura em comum nasceu com a música dos trovadores.

Por esta, as casas de aposta britânicas não esperavam: o cantor Bob Dylan ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2016. Seria um sinal de que as já questionáveis fronteiras entre a cultura pop e a chamada alta literatura estão se desfazendo? Deixemos essa questão a quem interessa: os círculos acadêmicos obcecados por categorizar os gêneros do discurso.

Ao mundo hispanoamericano, no entanto, cabe uma lembrança oportuna: a importância dos trovadores para nossa formação cultural e sua atualidade nem sempre reconhecida.

Sim, houve um tempo em que poesia e música eram indissociáveis. A literatura na Península Ibérica nasceu com o canto dos trovadores da Idade Média, menestréis ambulantes ou abrigados nas cortes da Galícia e do norte de Portugal. Eles construíram um vigoroso retrato do amor medieval e deram lugar à voz feminina nas suas composições. Foram eles também os que denunciaram as mazelas daquela sociedade em suas cantigas de escárnio e maldizer.

Soterrados por séculos de esquecimento, os trovadores sofreram críticas pedantes que os consideravam repetitivos, vulgares...populares demais, enfim. Houve uma crueldade especial por parte dos eruditos até sua eventual redescoberta pela professora Carolina Michaelis de Vasconcelos, já no início do século XX. Vale notar que a lacuna de percepção que os menosprezou por 600 anos tem uma estreita relação com o esnobismo acadêmico que recusa às letras de canção o status de nobreza da poesia.

Para os brasileiros, nada disso faz sentido. Aí esteve Vinícius de Moraes que não nos deixa mentir. Tampouco a profunda absorção e diálogo entre MPB e literatura. Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, tornou-se espetáculo musical nas mãos de Chico Buarque; Caetano Veloso e suas constantes referências e citações literárias; José Miguel Wisnik e sua produção musical; Antonio Cícero poeta e letrista, e aí vão muitos et ceteras. Quando perguntaram a Manuel Bandeira qual o mais belo verso já escrito no Brasil, o poeta pernambucano respondeu: “Tu pisavas nos astros, distraída”, decassílabo de Orestes Barbosa na letra de Chão de estrelas.

Mesmo assim, entre nós, as manchetes denunciam a surpresa diante do compositor nobelizado. Como se não fosse ele sério o suficiente. Como se ele fosse produto de outro mundo... popular demais, enfim.

Espanha, Portugal e Brasil não poderiam reagir com espanto diante do prêmio a Bob Dylan. Nossa literatura em comum nasceu com a música dos trovadores. A lírica galego-portuguesa é um ponto de convergência das culturas ibéricas e influenciou profundamente a tradição brasileira. Não há como compreender a cultura popular nordestina, os repentes, os cantos de aboiar, a literatura de cordel, sem a presença do medievo ibérico, notadamente das cantigas trovadorescas. E o amor romântico, da literatura à música popular mais dor de cotovelo, alimenta-se delas também, em boa medida.

Infelizmente, o ensino de literatura nas escolas brasileiras mais e mais abandona o trovadorismo. Já na Galícia, há um movimento de revalorização da produção dos trovadores, na educação e na cena cultural. Os jovens voltam a se interessar pela cultura daquele período, produzindo inclusive música de excelente qualidade, reinventando a tradição. Seria hora de nós, aqui no Brasil, seguirmos o exemplo.

Por: José Ruy Lozano é professor do Instituto Sidarta e autor de livros didáticos.


Fonte: El País


Venezuela, rumo ao autoritarismo

Se o chavismo ignorar as eleições regionais de dezembro, o país será oficialmente um Estado autoritário

São três as medidas das quais Nicolás Maduro está se valendo para a criação de um Estado autoritário na Venezuela, desprezando a pluralidade política existente no país, a desejo popular expresso nas urnas e a vontade da comunidade internacional de facilitar uma saída para a crise política que também permita aliviar a extrema penúria na qual a população foi submetida.

A primeira é a vexatória tática procrastinadora de impedir em tempo e forma a realização de um referendo revogatório que, segundo as pesquisas, desterraria Maduro do poder e acabaria com 18 anos de chavismo. O descumprimento sistemático dos prazos legais, os obstáculos colocados para que a oposição reúna os requisitos, a escassez injustificada de material para a verificação de assinaturas e o absurdo de prazos quase impossíveis de cumprir representam uma coleção de argúcias que desacreditam totalmente qualquer insinuação de boa vontade de Maduro no sentido de respeitar uma lei idealizada e promulgada pelo próprio Hugo Chávez.

Igualmente grave é a ocorrência do regime de imputar ao preso político Leopoldo López a morte de 43 pessoas durante as manifestações antichavistas de fevereiro de 2014. Para o chavismo, deve ser frustrante que, longe de ficar esquecida tanto dentro do país como pela comunidade internacional, a liberação dos presos esteja no topo das exigências para a resolução da situação. López foi preso ilegalmente, submetido a uma vergonhosa farsa de julgamento e encarcerado sem garantias à sua integridade. Voltar a julgá-lo revela a natureza abjeta de Maduro e de seu regime.

Finalmente, vêm as insinuações em relação às eleições regionais de dezembro. O chavismo diz agora que a prioridade é a “guerra econômica”. Esperamos que não pretenda ignorar essa eleição, pois, se assim for, a Venezuela será oficialmente um Estado autoritário.


Fonte: El País


Doutores da Alegria: palhaços que mudam o mundo no #ProgramaDiferente

Se você juntar o Dia da Criança, neste 12 de outubro, com o Dia do Médico, no próximo dia 18, vai dar uma mistura bem divertida: os Doutores da Alegria invadem o #ProgramaDiferente. A promoção da saúde através da solidariedade, do humor e da diversão. Palhaços interagindo com a medicina tradicional. Como revela o título de um famoso filme sobre o tema: o amor é contagioso.

A nossa receita de hoje é em dose homeopática: 30 minutinhos de remédio para a alma. Conhecemos duas histórias incríveis: um brasileiro de São Paulo, Wellington Nogueira, idealizador dos Doutores da Alegria; e um norte-americano de Washington, D.C., Patch Adams, criador de uma metodologia inusitada para o tratamento de pacientes hospitalizados.

Humanistas, ativistas pela paz e por um mundo diferente, ambos são referências neste trabalho público voluntário que, através da arte do palhaço, proporciona dignidade e conforto a milhares de pessoas de todas as idades. O programa desta semana adverte: Não assistir faz mal à saúde. Assista.


Ivan Alves Filho*: O Brasil começa a virar a página da insensatez

O petismo e alguns aliados seus podem ser encarados como uma variante do fascismo, movimento autoritário surgido na Itália  no fim da Primeira Guerra Mundial? Tendemos a considerar que o bloco capitaneado pelo petismo esteja pelo menos a um passo dele. Por que razão? Porque alguns dos componentes estruturais do fascismo estão presentes na cultura petista ou do chamado lulopetismo. Corporativismo, conluio criminoso com o grande capital, autoritarismo político, manipulação das massas pelos sentimentos e emoções, venda de ilusões, recurso à demagogia barata diante das demandas vindas dos setores populares, instrumentalização dos sindicatos, política de apelo nacionalista cada vez que uma dificuldade séria se apresenta, aparelhamento do Estado, linguagem incitando à violência, corrupção desenfreada e tentativas de estabelecer o chamado diálogo direto com as massas por intermédio de um chefe carismático - eis em que se assenta o petismo, que vai além das fronteiras do PT propriamente dito. E só para refrescar a memória, o grande ideólogo do fascismo, o italiano Benito Mussolini, o Duce, fez parte de sua carreira política na esquerda.

O petismo, historicamente, sempre defendeu um ideário autoritário, de exclusão do outro da política. É a tal postura do "nós contra eles", dos “puros contra os impuros”. Alguns dos dirigentes petistas mais proeminentes sempre acusaram os membros dos outros partidos de fazerem o que eles mesmos fizeram depois, surpreendendo a nação. Durante várias campanhas eleitorais, petistas acusavam seus adversários de proporem a privatização da Petrobrás - e promoveram, sem dúvida, a pior das privatizações, ou seja, o assalto aos cofres da nossa maior empresa, para atender aos interesses de uma entidade privada, como é o caso de um partido político. O juiz Sergio Moro, da Operação Lava Jato, falou diretamente na existência de um "grupo criminoso estruturado e sofisticado" atuando no desvio de dinheiro público.

No tocante ao aparelhamento do Estado, a performance petista só é comparável, em termos de Brasil, ao Estado Novo de Vargas e à Ditadura de 1964. Basta citar as dezenas de milhares de nomeações que promoveu país afora. Era uma tentativa de perpetuação no poder como em outras fases autoritárias da nossa História recente. E como lembrou com muita razão Cristovam Buarque, defender o Estado não significa colocá-lo a serviço dos "funcionários das estatais", numa espécie de "estatização neoliberal". Pelo contrário, implica ampliar sua capacidade de administração e intervenção públicas.

E o que dizer dos arroubos nacionalistas que, volta e meia, acomete o petismo? Toda vez que se confronta com uma dificuldade intransponível, esta corrente política grita por socorro: isto é, se escora no pré-sal, no golpe imperialista e por aí vamos, em um bolivarianismo primário (e talvez estejamos aqui cometendo um pleonasmo).

Sabemos que as atitudes racionais não estão muito em alta na política, hoje. No plano das tiradas emocionais, o petismo tampouco trai sua dívida para com um certo autoritarismo. As declarações de alguns de seus dirigentes, ao longo do processo de impeachment, foram totalmente movidas à emoção, com insistentes lembranças por parte da ex-presidente afastada Dilma Rousseff, por exemplo, da prisão que sofreu durante o regime militar ou mesmo da doença que teve de encarar, colocando-a frente à frente com a morte, segundo ela. O que aconteceu com a ex-presidente foi duro - mas não é preciso que seja lembrado a todo instante. Afinal, com todo o respeito, muitas outras pessoas também passaram - ou ainda passam - por situações duríssimas na vida. O discurso do ex-presidente Lula, na sede nacional do Partido dos Trabalhadores, a 25 de setembro último, um dia após ser denunciado pelo Ministério Público Federal à Operação Lava Jato, foi na mesma direção emocional da de Dilma.

E aqui abordamos a questão do carisma pessoal, de que tão bem se vale Luiz Inácio, com não menos insistentes referências à sua infância de menino pobre do Nordeste, de filho do povo. Alguém com a cara do Brasil atingia, finalmente, ao mais alto cargo da República, algo que nunca acontecera na História deste país. Isso foi apresentado a todos nós como se o povo tivesse, por fim, alcançado o poder. O indivíduo era a massa - quase uma versão, em sinal trocado, do l´Etat c´est moi do Absolutismo. E a identificação do partido com o seu chefe passou a ser total, a ponto de podermos falar hoje em lulopetismo, conforme destacamos acima. No decorrer do processo de impeachment da ex-presidente Dilma, chegou-se a justificar o recurso aos créditos suplementares - sem a devida autorização do Congresso, como determinava a Constituição Federal - em nome da manutenção do programa Bolsa Família, do auxílio aos pobres. Com um detalhe altamente significativo: um deputado revelou, com base nos próprios números divulgados pelo Governo Dilma, que tal verba representava apenas 3 % do total dos recursos arrolados pela administração federal para justificar os tais créditos. O recurso aos pobres - algo de forte conotação religiosa, elevado aqui quase a um conceito de corte sociológico -, e não os trabalhadores, como até alguns petistas salientaram, foram se configurando como o alvo político preferencial do partido. Se fôssemos nos pautar exclusivamente pela política latino-americana, talvez seja o caso de considerar que o modelo justicialista de Juan Domingo Perón e dos descamisados argentinos era aquele que mais se aproximava da prática do petismo. E se quisermos nos apoiar ainda no exemplo argentino, seria muito mais interessante para a nossa democracia beber na fonte da Unión Democrática, frente política que fazia oposição a esse mesmo peronismo, reunindo comunistas, socialistas, os radicais da UCR e os liberais, em 1946.

A coerência em relação às práticas autoritárias tampouco nega fogo quando o assunto é corporativismo. Sindicalistas, muitas vezes comprometidos com o projeto petista, deflagraram greves cujo centro era o ganho salarial imediato para uma determinada categoria profissional, em detrimento do interesse mais geral da comunidade ou do conjunto dos trabalhadores. Muitos ainda devem se lembrar dos grevistas que ameaçaram desligar os aparelhos nas unidades de tratamento intensivo de alguns hospitais de Pernambuco, gritando slogans despropositados contra o Governo Arraes. Ou de um chefe sindical ameaçando invadir - diante da própria ex-presidente Dilma, no próprio Palácio do Planalto, em 1º de abril de 2016 - residências e gabinetes de parlamentares.

Destacaríamos ainda que a ex-presidente afastada tentou desqualificar, o tempo todo, o processo de impeachment, alegando que tivera 54 milhões de votos. Uma vez mais estamos diante de um grave equívoco, para dizer o mínimo. Por vários motivos. Primeiro, a ex-presidente não obteve tais votos sozinha - Michel Temer compôs a chapa com ela; e não era nem de longe o candidato das oposições, ao que consta. E nunca é demais lembrar que o PMDB é o principal partido do país, com grande penetração nas pequenas e médias cidades, ajudando de forma significativa a eleger a então candidata do PT. Segundo: os congressistas que a afastaram do poder também foram eleitos pelo povo - e Dilma, sabe-se lá porque motivo, parece ter se esquecido disso. Terceiro: a representatividade do Legislativo é a mesma do Executivo, já que emana igualmente das normas eleitorais da democracia brasileira. Quarto: curiosamente, como observou o jornalista Zuenir Ventura, em artigo no jornal O Globo, a ex-presidente afastada, que tanto criticou o suposto golpe de Estado promovido contra sua gestão, se esqueceu de rechaçar o "fatiamento" da votação do impeachment, o qual a possibilita manter seus direitos políticos intactos. Por uma questão de coerência, deveria ter recusado o tal "fatiamento". Quinto: os juízes do impeachment julgaram apenas as ações que a ex-presidente realizou no exercício do seu governo - e as consideraram criminosas, por sinal. Em nenhum momento, eles questionaram o número de votos que obteve ou sequer da forma como os obteve - uma atribuição do Tribunal Superior Eleitoral, que ainda vai julgar as contas da sua campanha de 2014. Somente no Absolutismo e nas ditaduras fascistas ou populistas é que o "príncipe" não é submetido ao império das leis.

O lulopetismo também cometeria graves equívocos no que tange a seu relacionamento com o grande capital financeiro. Segundo o próprio ex-presidente Lula, nunca os bancos ganharam tanto dinheiro como nos seus dois governos (2003-2006 e 2007-2010). Isso, para não aludirmos aos desacertos que promoveram junto aos bilionários fundos de pensão (nos primeiros dias de setembro, os jornais divulgaram que o déficit atuarial atingia 46 bilhões de reais nos fundos da Caixa Econômica, dos Correios, do Banco do Brasil e da própria Petrobrás). E se formos entrar no terreno igualmente pantanoso do chamado mensalão - ou da compra de apoio parlamentar para a formação de uma base política dócil aos interesses do PT, compra esta que condenou à prisão membros destacados do Governo Lula, no primeiro grande escândalo da sua gestão - constataremos que sua política subordinou sistematicamente o interesse coletivo ao privado, o Estado perdendo parte de sua dimensão pública. Patrimonialismo é isso aí - e em caráter quase puro. Não por acaso, a Lava Jato prendeu mais de cem pessoas, em dois anos e meio de atuação, condenando mais de meia centena delas. E tudo indica que vem muito mais por aí até setembro de 2017,  novo prazo dado para suas averiguações. Seguindo os preceitos de Maquiavel, o PT imaginou que os fins justificavam os meios. Só que os fins se foram e ficaram apenas os meios - e esses eram em boa medida autoritários e marcados por práticas de corrupção. Shakespeare chegou a ser cruel quanto aos abusos que se fazem em torno da ética: "a honestidade é a forma mais refinada de empulhação".

E aqui cabe uma observação de corte mais geral: determinadas práticas da política brasileira até lembram, pelo seu refinamento, o modus operandi de organizações mafiosas. Ocorre que os agrupamentos que possuem um pé no autoritarismo têm um inegável viés marginal, uma atração irresistível pelo crime e não é um mero acaso se tantos delinquentes se sentem atraídos por determinadas ações. Quem não respeita a lei geral costuma fazer a sua própria lei. A Alemanha do falecido Adolfo Hitler chegou a ser pródiga nessa matéria e muitos chefes do Partido Nazista vieram do chamado lumpenproletariat.

Os marginais não têm adversários: têm inimigos e estes têm de ser liquidados. O confronto é tudo e o diálogo nada. A lógica da negociação e da conversa, esta sim, é que emana da prática política propriamente. Fato muito preocupante – e, sem dúvida, estimulado pelo clima reinante na política e na sociedade brasileiras - foi a irrupção, nas eleições municipais de 2016, do crime organizado na cena política, promovendo atentados que aterrorizaram algumas regiões do país e custaram a vida a vários candidatos.

A lógica do autoritarismo é, portanto, a da terra arrasada. E os petistas, em particular, sempre tiveram dificuldades em entender ou assimilar as instituições da democracia. Os fatos não desmentem isso, ao contrário. Quando da ida das oposições ao Colégio Eleitoral, em 1984, os petistas chegaram a expulsar de seus quadros os parlamentares que votaram com o oposicionista Tancredo Neves contra Paulo Maluf, candidato da base do regime ditatorial. Aparentemente, para uma grande parte ao menos dos petistas, era indiferente o país continuar ou não vivendo sob uma ditadura militar. Na visão de alguns, talvez porque o PT tenha sido legalizado por ela, contrariamente ao que ocorrera com o PCB, o PCdoB e o PSB, que tiveram de aguardar a instalação do regime civil democrático para vislumbrar plenamente a luz do dia. Nesse sentido, os petistas não poderiam mesmo dar tanto valor assim a algo que receberam de bandeja do regime militar moribundo. Seja como for, o porquê disso é, ainda hoje, motivo de grande controvérsia. Prosseguindo, convém recordar que a chamada Constituição Cidadã não foi bem absorvida pelo PT por ocasião da sua promulgação, em 1988, já que o partido se recusou a participar da sua homologação coletiva. Apesar de tê-la assinado formalmente, o PT votou contra o texto, infelizmente. Em 2013, o próprio ex-presidente Lula reconheceria que se "o Regimento (do PT) fosse aprovado, o país seria ingovernável". Mais: quando Itamar Franco assumiu a Presidência da República, o petismo simplesmente lançaria a palavra de ordem “Fora, Itamar”, chegando a pedir seu impedimento, assim como o de Fernando Henrique, mais adiante. Em 1993, quando do plebiscito sobre a forma de regime (se republicano ou monarquista) e o sistema de Governo (se presidencialista ou parlamentarista), os petistas se posicionaram contrários ao parlamentarismo, apesar desse modelo ser bem mais avançado do que o presidencialismo.

De outra parte, já que nos referimos anteriormente à Alemanha no conturbado período Entre Guerras, nada mais parecido com a situação que o petismo nos legou do que a triste República de Weimar, que abriria a via ao nacional-socialismo. Em outras palavras, o petismo abalou a esquerda brasileira. Concordemos ou não com suas propostas, os comunistas iam para a cadeia por subversão - conforme diziam em seu linguajar os defensores das diversas ditaduras que os perseguiram, daquela de Bernardes ao Estado Novo de Vargas, do regime de Dutra à ditadura militar de 64. Infelizmente, altos dirigentes petistas foram encarcerados por suspeita de corrupção - algo que deixará marcas profundas na História do Brasil, muito tempo após o desaparecimento de cena do lulopetismo. E pensar que muitos desses dirigentes repetiram, durante anos, o slogan "ética na política" até à exaustão. Vai ver que alguns acreditavam mesmo que uma inverdade dita muitas vezes poderia virar a mais sincera das verdades. Como o fazem agora com a narrativa do "golpe".

A marcha do petismo ilustra um daqueles casos típicos de transformismo, quando um partido ou agrupamento, uma vez no poder, abandona suas bandeiras iniciais e assume posições conservadoras, senão reacionárias. O problema não consiste tanto em saber de onde se vem - mas para onde se vai.

Em 2016, diante da iminência da derrota de seu projeto de governo, uma resolução da direção do PT publicava um documento onde se podia ler: “Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação.”

Trata-se inegavelmente de um projeto autoritário, de corte bolivariano. Tão grave quanto essas tentativas, felizmente abortadas, foi o estrago causado pela corrupção em quase todos os setores da vida nacional. O historiador francês Marc Bloch, ao se debruçar sobre as razões pelas quais os franceses não resistiram à invasão hitlerista, em agosto de 1940, atribuiu o fato à desenfreada corrupção que se abateu sobre a França nos anos anteriores, abalando a auto-estima do seu povo. Para os franceses daquela época, os políticos eram todos iguais, a nacionalidade importando pouco... Em tempo: Marc Bloch escreveu seu trabalho entre sua entrada na Resistência, verificada nesse mesmo ano de 1940 e o seu fuzilamento pelo ocupante nazista, dois anos mais tarde. Esse seu livro - A estranha derrota - é muito rico em ensinamentos para todos nós.

A trajetória do PT dá o que pensar. Muitos jovens acreditaram sinceramente nesse projeto partidário e alguns se vêem hoje desiludidos com a política. Afinal, como os jornais destacaram, a soma dos votos brancos, nulos e abstenções foi superior aos votos do candidato que ficou em primeiro lugar em nove capitais. Mas desanimar, daqui e dali, não significa desistir. E a esperança deve voltar. É de se lamentar que o PT tenha perdido a oportunidade histórica de mudar o Brasil. Paciência, ainda não foi dessa vez. Mas sociedade alguma vive sem esperança e tampouco sem política. Se o Brasil começa a virar a página da insensatez, podemos notar também que o petismo pode ganhar uma sobrevida por meio de outros movimentos que se põem a trilhar o mesmo caminho seu do início dos anos 80.  Corre-se, então, o risco de repetir os equívocos do PT em outros espaços políticos. Uma espécie de petismo sem PT, em suma. Um petismo dessa vez muito mais universitário, comportamental até, do que sindical.

Não foi fácil lidar com essas dificuldades durante todos estes anos. Para que uma outra prática se imponha, é preciso que o campo democrático se mantenha unido em torno de dois objetivos claros e imediatos, a saber: recuperação da economia e manutenção das regras constitucionais. Isso vai muito além das esquerdas. Isto é, superar a gravíssima crise econômica, gerar empregos e aprofundar a democracia representativa são tarefas fundamentais, nacionais. Tarefas árduas, sem dúvida, implicando reformas incontornáveis, tamanho o descalabro que grassa em várias esferas da vida brasileira, da educação à saúde, da segurança ao sistema de transporte. Antonio Gramsci escreveu certa feita que toda a luta da Humanidade implicava na criação de instituições cada vez mais democráticas e que satisfizessem as necessidades de cada um. Este nos parece ser o caminho. E aqui cabe realçar o protagonismo dos liberais nas diversas frentes que derrotaram todos, mas absolutamente todos, os governos autoritários ou populistas entre nós, do Estado Novo de Vargas à ditadura dos generais e desta ao Estado Novo do PT (esta última expressão foi desenvolvida pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, um dos maiores intelectuais brasileiros).

Sabemos todos da força histórica do populismo - e podemos citar a sua adoção na antiga Roma, com sua política de panem et circensis satirizada por Juvenal (o que aliás não impediu as revoltas populares, apesar de tudo, e menos ainda que a velha capital criasse a prática do voto secreto, há quase dois mil e duzentos anos...). Mas há razão para algum otimismo. A consolidação da democracia, em várias partes do mundo, as extraordinárias mutações que se processam no aparelho produtivo das sociedades e a expansão do conhecimento e das pesquisas apontam para o fato de que talvez estejamos às portas de um novo Renascimento. O trabalho por conta própria, o desejo de uma maior autonomia por parte das pessoas, as alterações nas formas de comportamento delas em seu cotidiano, tudo indica uma mudança profunda na nossa maneira de ver o mundo, de estar nesse mundo. Contudo, para que essa mudança se verifique de fato, é preciso também promover - conforme destacou Maquiavel, ao analisar a situação dominante na Itália do seu tempo, o estupendo Cinquecento - o encontro da virtù com a forza, pois até então os fortes não eram virtuosos e os virtuosos não eram fortes. Ontem como hoje, empoderar a virtude parece ser a única maneira de fazer triunfar os valores da civilização - liberdade, igualdade e fraternidade.

Sim, a experiência histórica e o aprimoramento das ideias ensinam e muito. Senão, vejamos. Jacob Boheme era um sapateiro nascido em 1575, na Alemanha. Era também um apaixonado pela Filosofia e receberia séculos mais tarde elogios de Georg Hegel. Um filósofo popular, fato raro na Europa do Renascimento. Um dia, o nosso sapateiro-filósofo percebeu, no seu ateliê, um magnífico raio de luz projetado sobre um fundo sombrio de uma chapa de estanho e concluiu que a luz precisava de obscuridade para resplandecer. Para Jacob Boheme, "uma coisa se opõe a outra não com a intenção de provocar uma hostilidade, mas para que tudo se mova e se manifeste".

O que queremos dizer com tudo isso, em síntese? Que o humanismo é uma força considerável do nosso tempo no plano internacional. E suas bases, como na época do seu florescimento, na Itália renascentista, estão assentadas em duas premissas. De um lado, se alicerça na crescente consciência que o indivíduo vai tomando sobre seu papel na sociedade e, de outro, se alimenta da sensação que esse mesmo indivíduo tem de que vive em um mundo extraordinário, passível de ser explorado ad infinitum. Em seu tempo, o filósofo e  estadista inglês Francis Bacon entendeu a importância da técnica para o pleno desenvolvimento da sociedade burguesa. E, de fato, a fábrica virou a unidade produtiva por excelência do modo capitalista. Da mesma forma, o pleno desenvolvimento do mundo atual pressupõe o recurso às tecnologias de ponta, cujo impacto sobre as forças produtivas não para de nos assombrar. É que não há democracia nem desenvolvimento sem o conhecimento. Hoje, a luta pelo afastamento do homem do trabalho embrutecedor passa pelo incremento da robótica. No plano da base material, as condições estão muito mais maduras para o estabelecimento de uma sociedade sem classes do que em 1917, durante a Revolução Russa, quando não existia a automação. Só perdemos momentaneamente as condições políticas, fazendo-se necessário uma adequação entre a esfera produtiva e aquela da participação coletiva. Provavelmente um novo projeto político global está nascendo diante de nós, incorporando os nossos anseios de paz, de busca por um equilíbrio ambiental efetivo e também integrando propostas que deságuam no fim da exploração dos povos e da opressão de uma pessoa por outra. O grande desafio é saber exatamente qual a cara política que terá essa nova realidade alicerçada nas profundas transformações porque passa a base material da sociedade contemporânea.

Nas últimas décadas, ditaduras desmoronaram - basta pensar na Grécia, em Portugal, na Espanha e em grande parte da América Latina - e inúmeras guerras terminaram - no Vietnã, no Laos, no Camboja, e nas antigas colônias portuguesas da África e em Timor Leste. Evidentemente, persistem situações terríveis em países como Venezuela, Síria e Coreia do Norte. E há uma preocupação crescente com as atitudes aventureiras do líder russo Vladimir Putin. Mas a solidez da democracia - materializada recentemente pelo avanço do Partido Democrata nas eleições presidenciais dos EUA, em detrimento da candidatura desse inacreditável Donald Trump - permite ainda um certo regozijo.

Tudo indica que a batalha da sociedade brasileira por mais transparência e exercício pleno da cidadania deve continuar se expandindo e se manifestando. A proposta que poderíamos chamar de hobbesiana de submissão do homem ao Estado está se esgotando rapidamente. A revolução burguesa - isto é, aquela que garante que todos sejam iguais perante a lei - ganhou as ruas do Brasil, em junho de 2013, e depois como que se completou com o apoio decisivo desta notável Operação Lava Jato e do próprio Congresso Nacional, ao consagrar o afastamento de Dilma Rousseff. Além disso, a vitória eleitoral das forças do campo democrático nas principais cidades do país, no final de 2016, também demonstra que o povo, em centenas de cidades, não deseja mais ser governado pelo sistema político do lulopetismo, derrotando as ameaças autoritárias. Sopram ventos democráticos, apesar de alguns impasses, como no Rio de Janeiro (mesmo assim, os partidos mais identificados com o campo democrático, que infelizmente se apresentaram divididos, tiveram mais votos do que os dois primeiros colocados vistos separadamente).

Democracia como meio e fim, ampliação da autonomia e dos diretos individuais, transparência e gestão compartilhada das riquezas, inovações tecnológicas incidindo sobre o modo de vida aqui e agora, luta pela diminuição do fosso entre a ciência e a população, oportunidades iguais para todos, estão entrando na ordem do dia entre nós. Já não era sem tempo.

Aprendemos com Armênio Guedes que o conceito de esquerda não é fixo e que o que era considerado esquerda lá atrás não o é mais hoje. Na verdade, ampliou-se talvez o espaço para uma política de novo tipo, ao mesmo tempo em que se verificou um certo cansaço em torno de posicionamentos demagógicos. As redes sociais hoje são praticamente um novo poder. Ernest Bloch chegava a falar em "escuridão do momento vivido" ao tentar entender uma determinada conjuntura. Realmente, não é nada fácil.  Porém, é inegável que o cerco agora vai se fechando com uma tripla vitória das forças democráticas: política (impeachment), jurídica (Lava Jato) e eleitoral (com o grande passo dado nas eleições municipais de 2016, quando as forças que se juntaram para apoiar o impeachment de Dilma Rousseff foram as grandes vencedoras). Acabou o tempo das ilusões com propostas que nunca saíram do papel. Adeus, populismo - aos vencedores, a democracia.

*Historiador, autor de mais de uma dezena de livros, entre os quais Memorial dos Palmares


Com votos do PPS, Câmara dos Deputados aprova em 1º turno PEC do teto de gastos públicos

Para Rubens Bueno, “a proposta é para o bem do Brasil”

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta segunda-feira (10), em primeiro turno, Proposta de Emenda à Constituição (PEC 241/2016) que cria um teto para despesas federais pelos próximos anos.

A alteração constitucional foi aprovada com votos favoráveis de 366 parlamentares. Votaram contra a proposta apenas 111 deputados. Para ser aprovada, a PEC precisava de 308 votos. Houve duas abstenções.

Para o Governo Federal, a PEC é essencial para promover o controle dos gastos públicos, reequilibrar as contas e superar a crise financeira. A medida é essencial, na visão do PPS e de especialistas em orçamento público, para ajustar o gasto do governo federal, que foi alvo da irresponsabilidade do governo do PT, ao longo dos últimos 13 anos.

A oposição foi derrotada em todas as deliberações ao longo desta segunda-feira. A base aliada a Michel Temer, já no início da tarde, conseguiu derrubar o interstício (intervalo) que era necessário entre a conclusão da votação da matéria na Comissão Especial e a apreciação no plenário da Casa.

O líder do PPS, Rubens Bueno, ao encaminhar a votação, criticou a incoerência do Partido dos Trabalhadores que, quando estava no governo federal, pretendia implantar o teto de despesas para a União. Na noite desta segunda-feira, o PT votou contra a PEC 241.

O líder do PPS lembrou de um discurso do então ministro da Fazenda, Antônio Palocci que, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, defendeu o ajuste das contas públicas por meio de um projeto para limitar o gasto público do governo central.

“Esse é o PT da mentira de sempre. Vamos votar a PEC 241 pelo bem do Brasil”, disse Bueno.


Fonte: pps.org.br


David Kupfer: A indústria ainda é aquela

A pesada queda sofrida pelo nível de atividade industrial em agosto último, que foi 3,8% menor do que o do mês anterior, virtualmente anulou toda a recuperação que a indústria havia acumulado em 2016. Esse resultado tão negativo, surpreendente somente para as Polianas de plantão, é revestido de importante caráter didático. O problema econômico brasileiro está longe de ser eminentemente expectacional.

Claro que alterações no estado de confiança dos tomadores de decisão de produção e investimento são variáveis de grande relevância na determinação das perspectivas da economia. Mas o Brasil de hoje está muito menos parecido com um mar de oportunidades enevoado por um quadro expectacional cinzento do que com um deserto de novos e bons projetos provocado pelas toneladas de areia que graves distorções estruturais estão colocando nos motores da economia.

Se é correto que a estagnação da economia brasileira tem origem primariamente estrutural, a solução não estará ao alcance de medidas que simplesmente tenham o dom de convencer investidores reticentes a reencontrarem o espírito animal perdido. Terá de vir de políticas que proporcionem a retirada das amarras ao processo de investimento, reabrindo um horizonte de atratividade econômica para as empresas. Daí a importância crucial de se entender a dinâmica (ou a falta de) recente da formação de capital na economia brasileira, visando identificar onde estão as principais travas.

Sob a ótica da demanda, os números que descrevem a contribuição dos seus componentes para a variação do Produto Interno Bruto durante o último ciclo de crescimento (2004-2010) mostram com clareza o papel fortemente dinamizador exercido pela formação de capital fixo.

Com a exceção de 2009, ápice da crise financeira global, a contribuição desse componente se elevou ano após ano no período até atingir 3,4% em 2010. Isso correspondeu a quase a metade da variação do PIB nesse ano, que foi de 7,5%, e quase igualou a contribuição dada pelo consumo das famílias, que foi de 3,9%, mesmo tendo esse último um peso no produto três vezes maior. Esse dado é importante para desmistificar uma ideia muito difundida, embora muito pouco verdadeira, de que a economia brasileira teria experimentado um puro ciclo de consumo nos anos de expansão da década passada.

Com a chegada de 2011, as tensões e dilemas que vinham marcando o processo de retomada econômica no Brasil começaram a aflorar. No plano internacional, o mergulho da Eurozona sinalizava que a recuperação da economia mundial não viria como resultado das medidas monetárias tomadas pelos bancos centrais líderes. No Brasil, o sucesso das políticas anticíclicas adotadas após a crise de 2008 levou a um paradoxo fundamental: como prosseguir com essas políticas anticíclicas na arquitetura de um modelo de estabilização tão procíclico como o do Tripé Macroeconômico adotado pelo país. Evidentemente, a corda iria arrebentar para algum lado. E arrebentou para o lado da robustez macroeconômica, fazendo do investimento o grande perdedor de longo prazo.

Sob a ótica da oferta, o ciclo anterior de expansão (2004-2010) ocorreu em meio a um quadro muito favorável de preços internacionais dos bens commodities nos quais a economia brasileira é relativamente especializada, que pode ser atribuído, de forma simplificada, ao chamado efeito China que preponderou nesses anos. Mas a expansão dos serviços, especialmente comércio, transportes, e serviços prestados às famílias, também constituiu uma fonte dinâmica tão ou mais relevante, como consequência do efeito renda que se estabeleceu no mercado interno.

A contribuição da indústria manufatureira (não-commodities) foi minimizada pelo “vazamento” para fora decretado pela perda de competitividade relativa trazida pelo período muito longo de apreciação cambial conjugado à estagnação da produtividade e forte ampliação dos custos sistêmicos da produção.

Com o esgotamento do ciclo anterior que se dá a partir de 2011 teve lugar uma reviravolta. Ao invés de premiar, os mercados internacionais de commodities passaram a penalizar a economia brasileira enquanto o dinamismo dos serviços, totalmente dependente que era do efeito renda, literalmente evaporou. Projeções que se possam fazer para frente indicam ser inevitável que, sem o impulso da demanda, os preços dos serviços acabem cedendo como, aliás, a despeito das defasagens, vem sendo gradualmente captado pelos índices de inflação. Mais cedo ou mais tarde, essa trajetória de queda de preços irá disparar um intenso processo de aumento da produtividade dos serviços, que implicará novas tensões sobre a economia brasileira.

A saída da crise, quando vier, vai envolver, necessariamente, a viabilização de novos blocos de investimento. E onde estarão essas oportunidades? Não é preciso ter uma bola de cristal para responder que uma parcela importante virá da infraestrutura. Mas há um outro bloco de investimentos, talvez menos visível, que poderá vir exatamente do processo de modernização dos serviços acima discutido. Ambos acarretam um crescimento da importância da indústria no fornecimento de insumos intermediários e bens de capital mais sofisticados que serão necessários.

Daí decorre uma conclusão cristalina. Dificilmente a retomada virá sem que se recomponha o papel indutor da indústria como motor do crescimento. Mas atenção: será uma nova indústria. E é exatamente nas políticas voltadas para a promoção dessa nova indústria que está a saída. (Valor Econômico – 10/10/2016)

David Kupfer é diretor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ). Escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br.


Fonte: pps.org.br


Vinicius Mota: Pela segunda vez em uma geração, Brasil tenta sair do buraco econômico

SÃO PAULO – Esta semana pode marcar a abertura de um longo período de alterações constitucionais no domínio econômico. O congelamento do gasto global do setor público, se for cimentado sobretudo pela reforma previdenciária, alterará em alguns graus o curso do transatlântico.

No correr dos anos, lentamente, ele vai se desviar da rota de choque com os rochedos da falência civil, que no modo brasileiro costuma significar inflação e desigualdade ascendentes, desorganização produtiva e estagnação econômica.

A ocasião se assemelha à do início dos anos 1990. Como acontece hoje, o país vinha de uma trombada recessiva e de uma crise política que decapitara o presidente da República. Como agora, deparava-se com amarras constitucionais a bloquear o avanço da produtividade.

Seja porque a visão da forca ajuda a concentrar o pensamento, seja por outra razão, a resposta do sistema político submetido ao estresse foi notável. De 1995 a 2006, maiorias de no mínimo 3/5 do Congresso aprovaram cerca de 30 mudanças na Carta com impacto na economia.

Outra batelada de consertos infraconstitucionais foi implementada ao longo daquele período. Tanto ativismo normativo favoreceu a abertura à competição econômica, o fortalecimento do direito de propriedade, o florescimento do crédito e a percolação da eficiência produtiva por diversos setores antes fossilizados.

Deixou-se sem remédio eficaz, contudo, a insustentável marcha da despesa pública. Mais tarde, a volta do velho desenvolvimentismo com seu consórcio de parasitas do Estado colocou obrigações pesadíssimas sobre os ombros de algumas gerações de contribuintes brasileiros.

O Brasil quebrou, mas o passado e eventos recentes indicam que talvez tenha preservado a capacidade de reformar-se na crise para melhorar a perspectiva do futuro. É o que veremos a partir de agora. (Folha de S. Paulo – 10/10/2016)


Fonte: pps.org.br


Mesmo com retomada do crescimento, classes D e E terão mais 1 milhão de famílias em 2025, diz estudo

Sem alívio para os mais pobres

Estica, aperta e corta se tomaram palavras de ordem para lidar com o desemprego e a alta de preços na casa de Glória de Oliveira Brito e Anderson Ornelas, ambos de 42 anos. Depois que Anderson perdeu o cargo de gerente num areal, no início do ano, a renda da família foi reduzida a um terço, para R$ 1.300. A rotina sofreu mudanças drásticas: TV a cabo é coisa do passado, assim como as idas ao shopping e a lanchonetes com as três crianças — Maria Fernanda, de um ano e 7 meses, Daniel, de 6 anos, e Gabriela, de 10 —, que abandonaram as aulas de judô e balé. As viagens habituais para Belo Horizonte e para a Região dos Lagos já não fazem parte dos planos. E até os livros escolares dos filhos mais velhos de Glória só puderam ser comprados no meio do ano.

Nos últimos anos, desde que a economia mergulhou na recessão, o cotidiano das famílias de baixa renda se tornou mais austero. E tudo indica que o cenário vai demorar a mudar. Estudo da Tendências Consultoria Integrada mostra que, até 2025, haverá expansão da pobreza mesmo com a perspectiva de retomada da economia. As famílias das classes D e E — com renda mensal de até R$ 2.166 — continuarão a crescer e chegarão a 41 milhões. A comparação das projeções para este ano e o de 2025 indica que as classes D e E devem ganhar mais um milhão de famílias. Diversos fatores contribuem para a projeção, como a migração de famílias da classe C que não conseguem manter o padrão de vida conquistado, e o surgimento de novas famílias, que se formam em condições piores.

A deterioração do cenário impressiona, especialmente à luz das conquistas da década passada. Entre 2006 e 2012, quando o Produto Interno Bruto (PIB) crescia, em média, 4% ao ano, 3,3 milhões de pessoas ascenderam das classes D e E para a C, que abrange lares com renda entre R$ 2.166 e R$ 5.223, de acordo com o critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). Com a recessão e a alta da inflação, os ganhos desse período se perderam de 2014 a 2016, período em que as classes D e E tiveram aumento de 3,5 milhões de famílias. Com base no estudo, nem mesmo uma década será capaz de aliviar integralmente os efeitos da recessão. O aumento na base da pirâmide deve ocorrer em ritmo mais moderado, mas, ainda assim, somente de 2019 a 2025, período para o qual se prevê expansão da economia, serão mais 438 mil lares.

— Quando você conduz mal a política econômica, deixa a inflação subir, as mais prejudicadas são as famílias de menor renda. Aliado a isso, se deixou que os gastos públicos subissem muito. A combinação de BNDES inchado, isenções de impostos e incentivos a setores não beneficiou os mais pobres. A economia mais fechada e com viés estatizante impediu maior concorrência e oferta de preços menores. Isso privilegia alguns poucos e prejudica a maioria — avalia Adriano Pitoli, economista, autor do levantamento e diretor da área de Análise Setorial e Inteligência de Mercado da Tendências.

MODELO FRÁGIL DE MOBILIDADE SOCIAL

O problema nos próximos anos, segundo Pitoli, é que a “fórmula mágica” que permitiu a ascensão dos mais pobres entre 2006 e 2012 — com expansão do consumo das famílias no dobro da velocidade do PIB e ampla criação de vagas para mão de obra menos qualificada em comércio e serviços — não deve se repetir. Especialistas destacam também outros componentes que impulsionaram a mobilidade social na década passada, como a política de valorização do salário mínimo, que acumulou crescimento real de 72,31% entre 2003 e 2014, o crédito facilitado, a inflação controlada e a entrada de mais mulheres no mercado de trabalho.

— Há muita coisa errada para consertar na economia. O mercado vai continuar muito fraco. As empresas vão demorar a voltar a contratar. Daqui por diante não tem mágica. As famílias vão ter de se acostumar a viver com menos por mais tempo — resume Pitoli. Com o quadro adverso na economia nos últimos anos, o nível de endividamento das famílias saltou de 18% da renda em 2005 para 30% no ano passado. Para especialistas, a rápida deterioração evidencia a vulnerabilidade do último quadro de expansão.

— Chama a atenção a intensidade do movimento. Ele sugere uma fragilidade da mobilidade social promovida anteriormente. É claro que é bom ter geladeira, carro, televisor e viagem de avião, mas não torna permanente a capacidade de a pessoa se sustentar, dar educação e saúde de qualidade aos filhos — avalia Gesner Oliveira, economista, professor da FGV e pesquisador na área de infraestrutura social.

Para as famílias que sentem no dia a dia o retrocesso na qualidade de vida, o jeito é se adaptar ou escolher criteriosamente quais gastos preservar. Glória e Anderson, que estão desempregados, tiveram de abrir mão do conforto de viver numa casa de dois andares, em Bangu. Eles alugaram o térreo a uma outra família. Junto com o aluguel de outro imóvel, herdado por Glória, esta se tornou a renda familiar no momento. Além de jogo de cintura, a mudança exigiu que eles transferissem a cozinha para o terraço e instalassem uma escada caracol para garantir o acesso direto ao segundo andar. Segundo Glória, a prioridade é preservar a qualidade da alimentação dos filhos.

— Eles têm de ter na mesa aquilo ao que já estão acostumados. A gente deixa de comprar roupa, estica dali, mas não corta alimentação. Os meses que meu marido trabalhou na Ceasa foram ótimos. Ele podia trazer para casa o que não era vendido. Chegava com “tonelada” de inhame, melancia, brócolis e couve-flor — conta Glória, em referência a um bico de três meses que o marido fez transportando alimentos.

PERDA DE BEM-ESTAR

Para Miguel Foguel, economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nas áreas de mercado de trabalho e desigualdade, a perda de bem-estar é um dos efeitos mais duros sobre as famílias, principalmente porque pode respingar na educação:

— Não é de se estranhar que crianças deixem de ir à escola para trabalhar ou que jovens adiem a entrada na faculdade pela mesma razão.

Apesar do prognóstico negativo para os próximos anos, Carlos Antonio Costa Ribeiro, sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Uerj, avalia que a perda – de bem-estar é longe de ser irreversível. Ele aponta duas razões: a chamada mobilidade intergeracional, que mede se os filhos vivem em condições melhores que os pais, tem mostrado resultados positivos, e o ritmo menor de crescimento da população: — As pessoas estão tendo menos filhos. O Brasil tem taxa de reposição menor do que dois, está em 1,8 filho por família. Se a população diminui, e o sistema educacional continua se expandindo, isso significa menos gente entrando na economia ao longo do tempo, com maior escolaridade.

Oliveira condiciona a sustentabilidade da ascensão de classe à melhoria do que chama de infraestrutura social: educação, saúde, saneamento básico e segurança:
— Precisamos de foco na eficiência e na qualidade da infraestrutura social para obter resultados melhores do que as projeções. Caso a família perca o plano de saúde e a possibilidade de manter o filho em escola particular, poderia encontrar bons hospitais públicos. Um grande investimento nessas áreas pode fazer a diferença e criar ascensão social mais lenta. Com isso, não ocorreriam grandes movimentos de consumo ou euforia, mas a construção de uma nação mais igualitária.

Enquanto a realidade se mostra menos acolhedora, as pessoas se adaptam como podem: topam ganhar menos, fazem trabalhos temporários, dirigem Uber ou trabalham por conta própria, lista Foguel: — Elas aceitam para se defender, mas acabam contribuindo para piorar a renda.

Glória está desempregada há três anos. Reclama que o mercado é cruel com quem tem mais de 40 anos e três filhos. Desde então, a técnica em TI só conseguiu um trabalho temporário de três meses, durante os Jogos Olímpicos. Comemorou como se fosse promoção:

— Trabalho desde os 15 anos. É muito difícil ser só dona de casa. Cansa. Mexe com o emocional. Resolvi aceitar essa oportunidade e invertemos os papéis. Foi ótimo. O Anderson cuida das crianças melhor do que eu. É muito rígido com os horários: elas dormiam cedo, só faziam as refeições na mesa, e, antes do meio-dia, o almoço estava pronto.

Glória cansou de procurar emprego. Investiu R$ 400 em equipamentos e montou um salão de beleza em casa, que deve abrir esta semana. Anderson vai usar a experiência na direção para trabalhar como motorista do Uber. Esperam, assim, aumentar a renda da família em, pelo menos, R$ 1.000.

Por: Daiane Costa – O Globo


Fonte: pps.org.br