Espanha

Biblioteca Salomão Malina oferece curso de espanhol para iniciantes, gratuitamente | Arte: FAP

Curso gratuito de espanhol é oferecido pela Biblioteca Salomão Malina

João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida

Sem qualquer custo, pessoas a partir de 14 anos de idade podem se inscrever no curso de espanhol para iniciantes, a ser ministrado na Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), no Conic, no centro de Brasília. O início das aulas presenciais está marcado para o dia 6 junho, a partir das 16 horas. As vagas são limitadas.

As aulas serão ministradas pelo professor e poeta argentino Javier Valado. A população de Brasília pode tanto fazer a inscrição online, quanto presencialmente na unidade de leitura. São oferecidas 35 vagas. Sempre às segundas-feiras, o curso terá duração de três meses. 

O professor Valado acredita na possibilidade de construir códigos de confiança e respeito com base na experiência educativa. Ele mora no Brasil desde 2013. Decidiu mudar-se para Salvador, na Bahia, para vivenciar a cultura nordestina e trabalhar com arte.

O argentino pondera que ensinar significa mostrar, aprender com prazer. “É como as crianças aprendem a brincar. Sendo adultos, vamos brincar seriamente de aprender espanhol. Todos somos, de alguma maneira, professor e aluno. Todos temos pelo menos um saber importante para compartilhar”, diz. 

No Brasil, 491 mil pessoas falam espanhol. O idioma é o quarto idioma mais usado no mundo, com 538 milhões de falantes. Valado explica que o baixo número de usuários da língua espanhola é reflexo da relação da população com países coloniais.

"A Argentina olha para Espanha. O Brasil, para Portugal”, afirma o professor do curso para acrescentar que, por ser a grande potência da América do Norte, os Estados Unidos retêm a atenção da população brasileira, considerada por ele como a grande potência da América do Sul.

“Então, é lógico que a grande maioria da população brasileira queira aprender inglês e não espanhol porque não se identifica com as culturas do resto dos países da América. Isso, que é histórico, faz com que o Brasil fique culturalmente quase que isolado do resto da América”, diz Valado.

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Aluno

O curso, realizado pela Biblioteca Salomão Malina, já tem alunos confirmados. Um deles é Alan Douglas Da Silva, de 34 anos, que trabalha como gráfico e vê a importância de aprender um novo idioma para abrir portas para seu desenvolvimento pessoal, cultural e profissional.

Ele é estudante do curso de técnico de enfermagem e ressalta que “o mercado está considerando como pré-requisitos básicos que a pessoa a ser contratada tenha domínio em algum idioma”.

Dados do Ministério da Justiça mostram que, em 2021, 23.147 venezuelanos solicitaram refúgio no Brasil. Douglas diz ter interesse em entrar em contato com esses estrangeiros e outros imigrantes. 

O objetivo de Douglas no curso é aumentar a possibilidade de “diálogo com imigrantes, que estão em Brasília, como os venezuelanos, argentinos e outros da América latina”.

Serviço

Curso de espanhol para iniciantes

Início das aulas: 6/6/2022

Horário: a partir das 16h

Onde: Biblioteca Salomão Malina

Endereço: SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF). CEP: 70393-902

Telefone: (61) 3323-6388

WhatsApp: (61) 98401-5561

Inscrições: https://forms.gle/8AJwnv81zQMfbiSz7  

*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida


El País: Centenas de fotos inéditas da Guerra Civil Espanhola vêm à luz em Barcelona

Museu Nacional de Arte da Catalunha exibe as imagens do conflito feitas por Antoni Campañà, que as escondeu em uma caixa até que seu neto as descobriu em 2018

José Ángel Montañés, El País

Um terceiro C se uniu, há apenas três anos, às grandes imagens feitas por Agustí Centelles e Robert Capa durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39): trata-se do catalão Antoni Campañà (Arbúcies, 1906 – Sant Cugat del Vallès, 1989), autor de milhares de fotos daquele conflito. Longe do caráter épico do trabalho de Centelles e Capa, as imagens de Campañà se centram no cotidiano da retaguarda e representam uma nova contribuição ao patrimônio fotográfico espanhol.

Três décadas depois da sua morte, um de seus netos encontrou duas caixas vermelhas na garagem da casa dele na cidade de Sant Cugat, vizinha a Barcelona, que estava prestes a ser vendida 2018. Dentro, junto com placas de vidro e outros negativos, havia 1.200 cópias, ampliadas no formato 13 x 18 centímetros. Estavam coladas a cartões com legendas que permitiam identificar mais de 5.000 negativos guardados em outra caixa, que Campañà tinha pedido a seus filhos que nunca tocassem.

O fotógrafo ―republicano, catalanista e católico (sempre levava no bolso uma imagem de Nossa Senhora do Carmo) – os tinha escondido por se sentir magoado com o uso propagandístico e repressor que as autoridades franquistas lhe tinham dado. Serviram como prova de crimes dos vencidos contra o novo regime. Novamente, como ocorreu com as malas de Centelles e Capa, uma caixa guardada zelosamente documentava parte de passado espanhol mais recente.

‘Miliciana em uma barricada da rua do Hospital, julho de 1936’, do Antoni Campañà.
‘Miliciana em uma barricada da rua do Hospital, julho de 1936’, do Antoni Campañà.ANTONI CAMPAÑÀ / ARXIU CAMPAÑÀ

MAIS INFORMAÇÕES

Campañà tampouco era um desconhecido antes de 2018. Dele eram conhecidas 200 imagens publicadas em jornais e revistas. No ano da sua morte, a Fundação La Caixa lhe dedicou uma exposição na qual, entre 90 fotos selecionadas, só havia três sobre a Guerra Civil. As demais refletiam seu vasto trabalho em corridas de automóveis, jogos de futebol e dias de festa, seus temas preferidos. Agora, e até 18 de julho, a exposição La guerra infinita. Antoni Campañà. La tensión de la mirada. 1906-1989 reúne no Museu Nacional de Arte da Catalunha (MNAC) 367 fotografias inéditas, muitas das quais jamais haviam saído do negativo, e material documental que repassa a trajetória deste fotógrafo cabal, que registrou os dois lados do conflito, mas também soube se adaptar à normalidade trazida pelo fim da guerra.

Esta primeira retrospectiva, com curadoria de Arnau González i Vilalta, Plàcid García-Plainas e do neto que descobriu as imagens, Toni Monné, apresenta Campañà como um homem-banda da fotografia: artista, fotojornalista, especialista em revelação, gerente de várias lojas, agente da marca Leica, correspondente da edição espanhola da revista Galería e difusor da teoria fotográfica em artigos e livros. Apesar de seu extenso e elogiado trabalho, Campañà ficou de fora dos livros de história.

MNAC

Com sua Leica, captou os milicianos que lutavam pela república, como a jovem e sorridente anarquista que, no meio das Ramblas de Barcelona, segura uma bandeira do sindicato CNT. É uma imagem célebre da guerra, porque o próprio sindicato a difundiu, mas até 2019 não havia sido atribuída a Campañà, porque ninguém o considerava um fotógrafo da Guerra Civil. Ele também registrou os refugiados que chegavam da Andaluzia a Barcelona em 1937, como uma mãe malaguenha retratada com seu filho, que recorda a mítica imagem de Dorothea Lange da crise de 1929, e que um jornal de Praga erroneamente situou no cenário da localidade basca de Guernica, bombardeada pela aviação nazifascista durante a guerra espanhola.

Também fez imagens dos devastadores efeitos dos bombardeios em Barcelona, as filas em busca de comida e os refeitórios sociais, o gigantesco enterro do líder anarquista Buenaventura Durruti, o macabro espetáculo das freiras mumificadas expostas na entrada das igrejas, como efeito do saque iconoclasta feito pelos anarquistas, e retratos de libertários tão chamativos que os próprios anarquistas fizeram cartões-postais com eles.

ANTONI CAMPAÑÀ

Campañà criou imagens em que não escondeu os vergonhosos protestos de mulheres por falta de alimentos diante de La Pedrera, célebre edifício do arquiteto Antoni Gaudí, onde então funcionava a sede da Secretaria de Abastecimento do Governo regional catalão; nem a enorme violência, refletida nos primeiros cadáveres ou inclusive nos cavalos sangrando em plena praça Catalunya, marco zero da cidade. “Em algumas se nota que Campañà se sente incômodo com o que retrata e, além de fotografar cadáveres, prefere mostrar a vida cotidiana, o sofrimento das pessoas e como elas se adaptam às circunstâncias”, diz seu neto, Toni Monné, para quem seu avô, “de aspecto risonho e dinâmico”, ficou “traumatizado para sempre” pela guerra, “o que o levou a esconder o material, que não falasse dele e não quisesse explorá-lo economicamente”.

SERGIFMOURE

Campañà fotografou os dois lados do conflito, sem estar comprometido com nenhum deles. Se em 1936 registrou os anarquistas rumando pela avenida Diagonal em direção à Frente de Aragão, em 1939 também imortalizou a retirada do exército republicano e os desfiles triunfais das tropas vencedoras franquistas pela mesma artéria urbana. Tudo com os contra-plongées (visão de baixo para cima) que tanto apreciava, como fez com sua famosa miliciana.

Ao final da guerra, Campañà trilhou o caminho do exílio, mas, ao passar pela cidade catalã de Vic decidiu voltar e se entregar em um quartel de Barcelona. Lá servia o engenheiro Ortiz Echagüe, grande fotógrafo pictorialista, com quem tinha colaborado no começo de carreira. Assim conseguiu evitar qualquer represália e continuar trabalhando, voltando aos mesmos cenários de antes da guerra.

A caixa onde Antoni Campañà havia guardado parte das fotos que fez na Guerra Civil, agora exposta no MNAC.
A caixa onde Antoni Campañà havia guardado parte das fotos que fez na Guerra Civil, agora exposta no MNAC.ALBERT GARCIA / EL PAÍS

Em uma de suas imagens de fevereiro de 1939, dias depois da ocupação de Barcelona pelas tropas do general franquista Yagüe, é uma jovem falangista quem, novamente nas Ramblas, tenta colocar um broche em um jovem de terno, que o aceita com um sorriso. Campañà continuou atuando como fotojornalista, apesar de ter tido sua inscrição negada no Cadastro Oficial de Jornalistas. Em 1944, depois da publicação do livro El Alzamientola Revolución y el Terror en Barcelona, de F. Lacruz, com fotos dele, decidiu esconder todo o seu material, condenando-o ao esquecimento. “Campañà poderia ter sido Agustí Centelles antes de Agustí Centelles, mas não quis ser a referência gráfica da Guerra Civil”, diz Arnau González.

Apesar de tudo, continuou a retratar com sucesso a nova Espanha, mostrando por exemplo a industrialização do país representada pela inauguração da fábrica de automóveis Seat, por encomenda do seu diretor, novamente Ortiz Echagüe, que queria divulgar as instalações industriais e os carros lá produzidos. Conseguiu ser um grande fotógrafo esportivo. Entre 1954 e 1957, acompanhou a construção do Camp Nou e, ao lado de Joan Andreu Puig, fundou o selo CYP, o primeiro a produzir cartões-postais turísticos coloridos em escala industrial.

Coincidindo com a exposição, o MNAC recebeu em seu acervo, depois da doação da família, 62 bromóleos (um tipo de impressão a óleo) da sua etapa pictorialista – movimento fotográfico que busca aproximar as imagens da pintura. Trata-se de uma técnica que ele aperfeiçoou em 1933 durante um curso que fez na sua viagem de lua-de-mel à Baviera (Alemanha), quando se impregnou da nova visão de Rodchenko e da estética centro-europeia. São imagens, inquietantes e vaporosas, com as quais Campañà conseguiu se tornar um dos fotógrafos artísticos espanhóis mais difundidos e premiados internacionalmente, como duas de suas imagens mais conhecidos até agora: Tração de Sangue, adquirida pelo Governo catalão em 1994 e Espantalho, as duas de 1933, em que une sua paixão pela beleza de um mundo rural e agrário prestes a desaparecer a enquadramentos atrevidos e linhas de composição em vertiginosas diagonais, influenciadas pelas correntes estéticas da Nova Visão alemã e do construtivismo soviético. São os mesmos enquadramentos que manteve em suas fotos da guerra, nas quais sempre procurava um aspecto artístico. Porque, em Campañà, a estética prevaleceu sobre o relato narrativo explícito, mesmo em meio à crueldade da guerra.

MNAC

Luiz Sérgio Henriques: Os heróis da retirada

Precisamos deles para traçar uma linha nítida diante dos que semeiam caos e tempestade

Um dos muitos encantos de ler Javier Cercas, o autor de Soldados de Salamina e de Anatomia de um Instante, reside na sua consciente mistura de ficção e História, imaginação e política, alimentando-se mutuamente e dando-nos, como compensação, a certeza de que o mundo não é um conjunto de fatos de fácil catalogação. A matéria de Cercas é a Espanha, amada e amarga, como a definiu certa vez o marxista italiano Pietro Ingrao, com sua história atribulada, repleta de violência, golpes e revoluções, e sua democracia tantas vezes interrompida, o que certamente a traz para bem perto de nós.

A ferocidade da guerra civil de 1936, contudo, não tem paralelo possível na nossa própria vida política. Aqui, o putsch de 1935 foi episódio cruento, doloroso, mas circunscrito, sem a fúria das paixões desatadas em torno da República espanhola, verdadeiro ensaio geral para o grande conflito que viria a seguir. E a Espanha, mergulhada na longa noite do franquismo, só em meados dos anos 1970, ainda antes de nós, é que se libertaria do regime do garrote vil e restabeleceria a liberdade perdida no fim dos anos 1930, quando o nazismo e o fascismo pareciam vitoriosos, impondo-se mediante a violência e o irracionalismo tornado ideologia de massas.

O instante cuja anatomia Cercas empreende tem um simbolismo a toda prova. Como em toda jovem democracia, o golpe costuma estar à espreita. No início da década de 1980, chefes militares essencialmente franquistas, não convertidos à ideia fundamental da obediência ao poder civil, encontravam terreno fértil para maquinações. O terrorismo ameaçava a integridade nacional. O princípio da tutela militar sobre as instituições voltava a se insinuar, ameaçando fazer a Espanha retroceder muitas casas no tabuleiro das democracias modernas.

Como consta na generalidade dos manuais de golpe, até hoje e em toda parte, a sedução de um gesto “heroico” empolgava corações e mentes de patentes inferiores. E a invasão do Parlamento, em fevereiro de 1981, pareceu dar vazão a tal instinto predatório. Os parlamentares, vistos com desconfiança por parte grande da opinião pública, como é comum na crise das democracias, foram de fato sequestrados. Entre os poucos que desafiaram as balas dos fuzis, Adolfo Suárez, o primeiro-ministro sob pressão, e Santiago Carrillo, deputado comunista, dirigente do seu partido, lendário inimigo público número um do franquismo.

Este, o instante fixado, prenhe de significados, aberto a múltiplas interpretações. Suárez e Carrillo, o delfim do franquismo e o veterano comunista, tinham sido paradoxalmente, nos anos anteriores, grandes artífices da redemocratização do seu país, a ponto de terem seus destinos políticos associados para sempre, até mesmo no declínio dos anos subsequentes. Na bela expressão de Hans Magnus Enzensberger, que Javier Cercas invoca a propósito dos dois políticos, eles eram heróis da retirada, um tipo de personagem extremamente rico, denso e, em muitos contextos, insubstituível. Ao “se imolarem” metaforicamente, e arrastarem consigo as ideias de toda uma vida, ainda por cima vividas coletivamente, esses heróis permitem que desponte um futuro que, no entanto, não os abrigará.

Detenhamo-nos neste ponto. Lugar-comum entre estrategistas a noção de que uma retirada em ordem é manobra que exige rara inteligência tática. Ela poupa armas e homens, permite uma rearticulação de forças, possibilita alguma contraofensiva. Na política, o herói da retirada é mais do que isso. A manobra, aqui, é mais radical. Ao retirar-se, o herói “desconstrói” os próprios valores sobre os quais desenhara seu percurso, assim como o de todo um grupo social. Não se trata, porém, de ato niilista que provoca perda de referências, mas de percepção do esvaziamento das antigas orientações em face de nova configuração do mundo. Um ato do mais puro realismo, portanto, que parte da constatação de que determinadas percepções subjetivas e categorias de pensamento viraram pó diante do juízo severo da realidade.

Suárez, criatura do franquismo, toma consciência da sua caducidade. Carrillo, combatente antifascista desde sempre, sabe que o leninismo dos PCs não faz nenhum sentido em democracias modernas. No contexto da transição, direita e esquerda, se quisessem contribuir para a nova democracia, deveriam renovar-se de alto a baixo. E só heróis da retirada têm consciência dos próprios limites ideológicos, uma consciência que se manifesta em cada um dos seus atos. No instante decisivo podem até ser aniquilados, mas só eles se empenham em dissolver antagonismos esclerosados e, ao menos, apontar o caminho das pedras.

Já admitimos que a carga de dramaticidade que nos envolveu no passado e agora nos envolve é bem menor. Golpistas não faltam, até em posição de mando, mas não há guerra civil nem fascismos invencíveis à vista. Mesmo assim, precisamos daquele tipo particular de heróis – por ora, e com urgência, terão de vir da direita moderada, civil e militar, para traçar uma linha nítida diante dos que semeiam caos e tempestade.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil


Marcelo Tognozzi: O caso de Josep Borrell nas eleições do Parlamento Europeu 

Eleições serão realizadas até domingo. Borrell é contra independência da Catalunha

O filho de um padeiro nascido no interior da Catalunha se tornou um dos mais respeitados engenheiros e matemáticos da Europa, foi duas vezes ministro e presidente do Parlamento Europeu. Josep Borrell, 72 anos, é mais uma vez candidato a eurodeputado nas eleições deste domingo. Nasceu na Espanha do pós-guerra, na primeira das 4 décadas da ditadura de Francisco Franco.

Desde 1975 milita no PSOE (Partido Socialista Obrero Espanhol) e nas últimas décadas consolidou seu perfil de líder moderado, uma espécie de voz da razão num cenário político onde os extremos ocupam cada vez mais espaço. Um homem das exatas convertido em mestre de uma inexata ciência chamada diplomacia.

Josep Borrell tem uma eleição praticamente certa –não digo exatamente certa, porque vencer eleição não depende só dos votos, mas sobretudo do imponderável. Ministro das Relações Exteriores do governo de Pedro Sánchez, é contra o movimento de independência da Catalunha e há meses o sempre elegante e polido Borrell abandonou o estúdio de uma emissora alemã depois de pressionado por um jornalista visivelmente parcial em relação aos independentistas, parecendo mais um inquiridor a la Torquemada do que um repórter.

Foi uma atitude corajosa. Cobrou do jornalista que se informasse melhor sobre o assunto e fez deste episódio um exemplo de sua luta contra o separatismo.

Precisamos fazer pedagogia contra as mentiras deles”, declarou Borrell há poucos dias numa entrevista ao jornal El Mundo. Ele sabe muito bem que tem pela frente uma guerra de narrativas, a qual até agora vem sendo vencida pelos líderes do movimento separatista catalão, cujo principal comandante Carles Puigdemont fugiu para a Bélgica e seus outros companheiros estão presos e processados por rebelião pela Suprema Corte.

Chegará forte no Parlamento Europeu depois de ser um dos artífices da vitória socialista nas eleições de abril, quando todos imaginavam um cenário diferente: a extrema direita crescendo e dando aos partidos de direita e centro-direita os votos necessários para tirar o PSOE do poder, como aconteceu em dezembro na Andaluzia.

Como um dos líderes da Espanha socialista saída das urnas, ele chegará a Bruxelas levando uma agenda de mudança, a qual passa pelo enfrentamento de forças como Trump, Orban, Salvini, China, Putin, o Brexit e os separatistas da Catalunha.

Entende ser este enfrentamento capaz de transformar riscos em oportunidades, como usar o Brexit para incrementar a união política da Europa, reforçar o discurso de defesa dos direitos fundamentais e rediscutir a política de defesa.
As propostas que os socialistas espanhóis levarão a Bruxelas são de uma Europa mais social e democrática, com mudança no atual modelo pelo qual o social é responsabilidade de cada um dos países e o macroeconômico da União Europeia. A agenda Borrel passa por uma unificação do salário-mínimo, do seguro desemprego e dos tributos.

Com este discurso e estas propostas, o governo espanhol pretende que ele ocupe a cadeira de Alto Representante para a Política Exterior, uma espécie de ministro das relações exteriores da Europa, hoje nas mãos de Federica Mogherini, 46 anos, ex-chefe da diplomacia italiana. Dentro de poucas semanas, quando os sócios da União Europeia se reunirem para decidir a partilha dos seus principais cargos, o governo espanhol reivindicará o posto.

Com a Inglaterra enfraquecida pelo Brexit, o governo Macron sacudido pelos protestos dos coletes amarelos e com Trump atacando o superávit alemão, uma Espanha que emergiu politicamente forte, respaldando o centro no Parlamento Europeu, tem grandes chances de fazer a agenda de Borrell triunfar. Como filho e neto de padeiros, saberá colocar a mão nesta massa ou melhor; nesta agenda de futuro para os próximos 5 anos.


O Estado de S. Paulo: Premiê espanhol mantém intervenção na Catalunha após eleição

Andrei Netto

ENVIADO ESPECIAL / BARCELONA,

O Estado de S.Paulo

O premiê espanhol, Mariano Rajoy, anunciou nesta sexta-feira, 22, que não revogará a intervenção de Madri na Catalunha, nem abrirá o caminho para o retorno do governador deposto, Carles Puigdemont, vencedor das eleições regionais de quinta-feira. A decisão prolonga o impasse político causado pela votação, que deu a vitória à coalizão independentista. Apesar de somar 47,5% dos votos, os secessionistas elegeram 70 deputados, conquistando maioria absoluta e o direito de voltar ao poder.

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Puigdemont, deposto em novembro após a declaração unilateral de independência da Catalunha, que precipitou a intervenção de Madri, ficou em segundo lugar no cômputo total de votos, com 21,5% do eleitorado. Em primeiro ficou Ines Arrimadas, líder do partido unionista de centro direita Ciudadanos, com 25% dos votos. Mas, mesmo que os partidos pró-Espanha tenham somado 52,1% do total de votos, os partidos ditos “constitucionalistas” fracassaram em obter.

A distorção ocorre porque o sistema eleitoral espanhol prevê um prêmio às províncias catalãs de Tarragona, Girona e Lérida, menos povoadas – e mais independentistas – em relação a Barcelona, que acabam super representadas no Parlamento.

Com esse cenário, Puigdemont tem o direito de formar um governo de coalizão, regrupando seu partido, Juntos pela Catalunha (JxCat, centro direita), Esquerda Republicana Catalã (ERC) e Candidatura de União Popular (CUP, extrema esquerda). O problema é que, processado pela Justiça por crime de rebelião por ter liderado o movimento independentista, ele será preso se pisar em solo espanhol.

Ontem, em Bruxelas, Puigdemont propôs a Rajoy a abertura de negociações “sem condições” em um encontro “fora da Espanha” com o objetivo de encontrar “soluções políticas”. “Nós ganhamos o direito de sermos escutados”, argumentou Puigdemont, garantindo que “a via prioritária sempre foi o diálogo”. Ele acusou ainda o governo espanhol de manter a intervenção em Barcelona via Artigo 155 da Constituição, apesar da derrota eleitoral.

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Em resposta horas depois, sem citar Puigdemont, Rajoy disse: “Farei um esforço para manter um diálogo com o governo que saia dessas eleições, mas também farei um esforço para que a lei seja cumprida. Espero que o novo governo abandone a unilateralidade e não se situe fora da lei.” Rajoy disse ainda que o Artigo 155 seguirá em vigor até a 23 de janeiro, data limite para a escolha do novo chefe de governo catalão.

Para Luis Moreno, cientista político do Instituto de Políticas e Bienes Públicos, o resultado eleitoral prolonga a incerteza política na Catalunha. “Longe de ter sido resolvido, o acomodamento da Catalunha ou sua separação política final da Espanha permanece como um enigma nas agendas políticas espanhola e europeia.” Segundo Moreno, entre as questões em aberto estão mais uma vez a reforma constitucional, por ora em ponto morto, que permitiria chegar a um novo estatuto para a Catalunha, em uma Espanha federalizada.

El País: Independentistas da Catalunha derrotam Governo espanhol em eleição com participação recorde

Bloco de partidos que querem a separação da Espanha consegue a maioria das cadeiras e poderá eleger novo presidente catalão

Em uma eleição parlamentar apertada nesta quinta-feira, que retratou uma população dividida, os independentistas da Catalunha saíram como os grandes vitoriosos da batalha com o Governo espanhol que se arrasta há meses. Apesar de um partido anti-separatista (Ciudadanos) ter conseguido obter a maior quantidade de cadeiras de deputados, o bloco formado pelos três partidos que defendem o descolamento da Espanha conseguiu a maioria das vagas e terá a quantidade de votos necessária para indicar o próximo presidente catalão. Impuseram, assim, uma derrota ao Governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, que no final de outubro dissolveu toda a cúpula de poder da Catalunha e convocou novas eleições como resposta à realização de um referendo separatista ilegal. A expectativa governista de que a crise poderia ser amenizada após o pleito se esvai e uma nova etapa de incertezas se abre em um país já fraturado.

A eleição desta quinta teve dados de participação históricos: com 90% das urnas apuradas, já se apontada que mais de 80% dos 5,5 milhões de catalães aptos a votar compareceram às urnas, comprovando a importância que este pleito adquiriu na Catalunha. A decisão era maior do que uma simples eleição de deputados. Ela apontaria se o processo separatista ganharia um novo ímpeto ou se seria rechaçado. Durante o dia, os candidatos e líderes dos movimentos convocaram a população para a votação e filas de até 40 minutos foram registradas em alguns colégios eleitorais. Tudo transcorreu sem incidentes, ao contrário do que foi registrado na votação do referendo independentista de 1º de outubro, marcado por forte repressão policial por parte do Governo de Rajoy e o confisco de urnas. Na ocasião, 90% dos votantes disseram sim à independência em uma votação de pouca segurança eleitoral, mas apenas 42% dos aptos a votar participaram —muitos deixaram de ir às urnas porque não queriam legitimar o processo considerado ilegal.

No bloco independentista, o partido que logrou a maior quantidade de cadeiras foi o Junts per Catalunya, cuja lista de deputados é encabeçada justamente por Carles Puigdemont, o ex-presidente destituído por Rajoy após o referendo e que fugiu para Bruxelas para evitar a prisão. Foi seguido pela ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), cuja cabeça da lista é ocupada por Oriol Junqueras, o ex-vice-presidente da comunidade autônoma, que se encontra preso preventivamente em Madri. A CUP (Candidatura de Unidade Popular), terceiro partido do bloco independentista, assegurou as vagas restantes para que o bloco obtivesse ao menos 68 das 135 cadeiras do parlamento.

"As forças independentistas voltaram a ganhar as eleições na Catalunha apesar da ofensiva policial e da ofensiva midiática do Governo espanhol", comemorou Marta Rovira, a número dois da ERC. "O resumo desta noite é muito simples: o independentismo voltou a ganhar as eleições e Mariano Rajoy perdeu", destacou. Puigdemont também se pronunciou, de Bruxelas: "Os catalães temos que decidir a solução e nosso futuro, e nenhuma receita que queira prescindir das maiorias parlamentares na Catalunha funcionará."

Os três partidos, que na última eleição, em 2015, lançaram uma candidatura única (a coligação Junts per Sí ou Juntos pelo Sim) não conseguiram chegar, desta vez, a um acordo para formar uma lista de deputados única, mas garantem que se unem em determinados pontos, como a "recuperação das instituições após a aplicação do artigo 155 da Constituição", que permitiu que o Governo central espanhol destituísse o Governo catalão. Uma das discordâncias, especialmente entre o Junts per Catalunya e a ERC era, justamente, sobre o nome que o bloco apontaria para a presidência da comunidade autônoma, caso obtivesse a maioria das cadeiras. Junts per Catalunya é a favor de devolver o Governo a Puigdemont. Enquanto a ERC prefere indicar Junqueras. A incógnita agora é saber a qual nome comum eles devem chegar e se qualquer um dos dois, ausentes fisicamente do Parlamento, poderá assumir a tarefa.

Os partidos anti-independentistas, que formam o bloco denominado constitucionalista (pois apoiam a aplicação do artigo 155 da Constituição e a decisão do Tribunal Constitucional de que o referendo separatista é inconstitucional), também chegaram à eleição divididos em três partidos: Ciudadanos, Partit dels Socialistes e o PP de Rajoy, que tem pouca força na Catalunha. Apesar de suas diferenças políticas, eles prometeram se unir em um Governo de coalizão caso somassem a quantidade de cadeiras suficientes para formar a maioria e eleger um presidente e, com isso, colocar um ponto final no processo independentista. Ciudadanos foi o partido com o melhor desempenho e conseguiu assegurar a maioria das vagas do Parlamento, mas o desempenho dos demais partidos do bloco fez com que eles não alcançassem a maioria.

Após os resultados, o líder do PP na Catalunha, Xavier García Albiol, reconheceu que os constitucionalistas "não foram capazes de gerar uma alternativa diferente ao separatismo no Parlamento". " "Vemos com muita preocupação um futuro social e econômico para a Catalunha com uma possível maioria independentista", ressaltou.

 


Sérgio Abranches: O impasse catalão e a grande transição global

A incerteza continua a assombrar a Catalunha. Ninguém é capaz de dizer como se desenrolará o confronto entre o governo conservador de Madrid, que deu uma resposta autoritária ao referendo, e a coalizão que liderou o referendo, considerado ilegal. A aliança que apoiou o referendo é, ela mesma, uma fonte de contradições. Reúne partidos conservadores e de esquerda autonomistas. Os que se puseram contra, são igualmente divididos entre social-democratas, liberais e conservadores. Em outras palavras, nenhuma das forças em confronto tem unidade suficiente para formar um governo de coalizão com plenas condições de governabilidade. As pesquisas eleitorais mostram que o lado autonomista tende a manter sua maioria e pode conquistar a maioria absoluta nas eleições, que Madrid fixou para 21 de dezembro. Rajoy não tem condições de impor sua visão centralista. Os "nacionalistas” catalães não têm condições de impor seu projeto de uma república independente.

A polarização se agravou com a reação conservadora de Rajoy e com a aprovação pelo parlamento catalão do processo constituinte da república independente. A única forma de Rajoy impor a dissolução do governo e do parlamento catalães usando, pela primeira vez na história, o duro artigo 155 da constituição, é com repressão. E a repressão apenas radicalizará a polarização e aumentará a convicção independentista. O artigo 155 é um resquício da Espanha autoritária para reprimir as tendêncas históricas pela autonomia. A resposta repressiva pode metamoforsear em independentistas pessoas que têm o sentimento predominante de pertencerem à Catalunha, de serem, portanto, antes de tudo catalãs, mas desejam continuar parte da Espanha. O poder que oprime e humilha perde o respeito e a legitimidade dos que sofrem suas ações. O ambiente social alimenta os impulsos conflituosos. O desemprego continua alto. O desalento da juventude continua a ser um elemento perturbador. A crise de 2008 ainda não foi totalmente superada.

O conflito autonomista que opõe a Catalunha ao poder central espanhol ainda não é intratável. Ou seja, não chegou ao ponto em que não há solução negociada possível. Mas pode virar, com respostas repressivas de Madrid e maior radicalização do sentimento nacionalista. Até agora, nenhuma voz surgiu com lucidez suficiente para propor saídas negociadas que contenham avanço e um compromisso pan-hispânico. Entre os intelectuais há os que condenam o referendo, inclusive à esquerda, e os que apóiam a independência, inclusive à direita.

A saída para o conflito catalão já estava na agenda política dos progressistas de centro e de esquerda. É a ampliação das autonomias para criar uma Espanha federativa, com maior autogoverno pelas regiões autônomas e menor intervenção do governo central, mais circunscrito às questões comuns e à interação harmônica entre as regiões. Uma microeuropa, se quiserem, apoiada em um pacto federativo, aperfeiçoado pelo exame das insuficiências institucionais da União Europeia.

Mas Rajoy e o PP sempre foram contra e sempre buscaram maior centralização, desde quando estavam na oposição. Rajoy e seu partido detestaram o Estatut, o estatuto de autonomia aprovado pelo parlamento catalão seguindo a previsão constitucional. Mas o Estatut cometera o pecado capital de tratar a Catalunha como nação. Rajoy, na oposição, pediu um referendo sobre o Estatut, em 2006. Em 2007, ele e o PP contestaram na corte constitucional numerosos artigos do Estatut, entre os quais dezenas idênticos a artigos do Estatuto da Andaluzia, que foi aprovado pelo Congresso e o PP não contestou. A “advocacia do estado” pediu ao Tribunal Constitucional que abrisse procedimento para que o PP explicasse a contradição, que mostrava um viés anti-catalão. Somente em 2010, o Tribunal Constitucional decidiu sobre o caso, derrubando 14 artigos mais autonomistas do Estatut e definindo como deveriam ser interpretados numerosos outros. No governo, Rajoy vinha — e continua — com uma atitude e decisões centralizadoras atiçando a ira dos independentistas. O Estatut tinha forte legitimidade na Catalunha e a decisão de 2010 claramente contribuiu para engrossar a revolta. Ela acabou explodindo no referendo.

O caso catalão não será o único mundo afora. Os arranjos existentes nos estados nacionais multiétnicos ou multiculturais são insatisfatórios e perderam a funcionalidade com o avanço da grande transição global. É tolice forçar a centralização do poder no estado nacional, neste estágio avança e irreversível da gobalização. A tendência dominante é de esvaziamento do estado nacional, ampliação da pauta global e de regulação multilateral, ainda que haja episódios de reconcentração e nacionalismo ao longo da grande transição. Neste processo de alargamento da pauta global e de sua gestão multilateral, ficará cada vez mais claro que a autonomia e a relevância das ações se realiza no plano local. Estamos entrando na era das cidades inteligentes, cada vez mais autossuficientes e, portanto, dispostas a mais autogoverno. Regiões mais autossuficientes e autogovernadas, compostas por uma rede de cidades inteligentes conurbadas, farão mais sentido do que governo centrado no estado nacional. É o estado-nação precisa encontrar seu papel de articulador dessas redes locais, cuidando da pauta “multilateral” interna de forma mais democrática e aberta. É sua única salvação. A mim, parece evidente que esse mundo de autonomias locais, reunido em uma espécie de pacto ou convenção multilateral para solução negociada de pautas comuns de sobrevivência e bem-estar faz mais sentido e pode ser muito mais democrático do que o mundo de estados-nação que experimentamos no século 20.

* Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. É colaborador do blog com análises do cenário político internacional

 


El País: Governo da Espanha destitui cúpula da Catalunha e abre nova fase na crise

Presidente espanhol pedirá ao Senado a dissolução do Governo catalão e a realização de novas eleições

A crise espanhola entrou em um novo patamar neste sábado, depois de o Governo central estabelecer quais serão as medidas que tomará para intervir na Catalunha, assumindo o poder da comunidade autônoma que no início do mês realizou um referendo independentista considerado ilegal pelo Tribunal Constitucional do país. A decisão é algo inédito na democracia espanhola. Em uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros, o Governo de Mariano Rajoy determinou a saída de toda a cúpula de poder da Generalitat, como é conhecido o Governo catalão. Nos próximos meses, a comunidade autônoma também deverá passar por uma nova eleição. As medidas ainda precisam ser aprovadas pelo Senado antes de serem colocadas em prática.

Em sua fala à imprensa após a reunião, Rajoy qualificou o processo independentista de "unilateral e contrário à lei", cuja missão era a de fazer o Governo aceitar um referendo que se sabia que "não podia ser aceito". Ele ressaltou que sua intenção nunca foi aplicar o artigo, que só deve ser usado em "situações excepcionais". "Nenhum Governo de nenhum país democrático pode aceitar que se ignore a lei", ressaltou ele, que disse que a intervenção está baseada em quatro pilares: a volta da legalidade, a recuperação da normalidade e da convivência, a continuidade da recuperação econômica (ressaltando a saída da Catalunha de sedes sociais de várias empresas desde o início da crise) e realizar eleições "assim que se recupere a normalidade", destacando a vontade de que seja em um prazo máximo de seis meses. Na prática, detalhou ele, a medida suspende o presidente e o vice-presidente da Generalitat e os ministérios assumirão suas funções.

O movimento do Governo abre uma nova etapa de incertezas na crise, que já se arrasta com intensidade há semanas. A expectativa é que gere reações duras por parte da Generalitatque já ameaçou, na última quinta-feira, prosseguir com a votação da declaração formal de independência no Parlamento catalão caso o Governo central "persista em impedir o diálogo e continuar a repressão". Caso isso aconteça, a procuradoria espanhola afirmou, também neste sábado, que fará uma denúncia por "rebelião" contra o presidente catalão, Carles Puigdemont, e outros dirigentes. Um crime que prevê até 30 anos de prisão.

Há ainda a expectativa de que os independentistas comecem a mobilizar as ruas para tentar atrapalhar a tentativa do Governo central de tomar o controle das instituições catalãs, entre elas a polícia regional, a Mossos d'Esquadra, acusada de ter se dividido durante o referendo de 1º de outubro, quando tinha a missão de evitá-lo. No final deste sábado, eles prometem realizar um grande protesto em Barcelona, capital da comunidade autônoma, onde a decisão do Governo central deve ter grande peso e se somar à indignação dos independentistas pela prisão sem fiança de Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, líderes dos principais movimentos sociais separatistas que promoveram atos pró-independentismo nos últimos meses.

Por outro lado, a intervenção na comunidade autônoma é vista por seus defensores como uma das únicas possíveis saídas para o maior impasse vivido pela Espanha desde o final da ditadura, pois só assim seria possível realizar novas eleições na Catalunha. Nos últimos dez dias, após uma fala ambígua de Puigdemont, em que o presidente catalão não deixou claro se, de fato, declarava a independência —mas ainda assim a suspendeu em busca do diálogo com o Governo central—, não houve qualquer progresso na negociação entre as partes. Rajoy afirmava que, caso Puigdemont convocasse eleições, o artigo 155 não seria acionado. Mas isso não ocorreu. Rajoy, em sua fala à imprensa deste sábado, afirmou que Puigdemont recusou todas as tentativas de diálogo com o Governo dentro das instutuições democráticas espanholas.

Esta é a primeira vez que a Espanha coloca em prática este artigo da Constituição, que permite que o Governo central intervenha em uma comunidade autônoma. Estas entidades, 17 no total, foram criadas na Constituição de 1978, que marcou o fim da ditadura franquista, justamente para aumentar a descentralização do poder após um período de intensa centralização — elas podem aprovar leis e realizar as tarefas executivas que estejam estabelecidas em seu estatuto próprio; têm um presidente e um parlamento próprios.

Aplicá-lo é algo tão delicado na sociedade espanhola que Rajoy buscou obter, nos últimos dias, todos os apoios possíveis, para que a decisão parecesse unânime entre as maiores forças políticas do país. Entre os conseguidos se destaca o do PSOE, principal partido de oposição, que concorda com a aplicação do 155, mas quer que ela aconteça com um período determinado e de forma leve. Neste sábado, Pedro Sánchez, líder do PSOE, declarou que "o secessionismo é oBrexit da Catalunha", em referência à separação do Reino Unido da União Europeia.

Na cúpula da União Europeia, ocorrida nesta última quinta e sexta, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da França, Emmanuel Macron, também manifestaram apoio inequívoco ao Governo de Rajoy na questão catalã. “Apoiamos a posição do Governo espanhol”, afirmou Merkel. E, por fim, nesta sexta-feira, o Rei Felipe VI abordou a situação em cerimônia dos Prêmios Princesa de Astúrias. Ele assinalou que a Espanha enfrenta "uma tentativa inaceitável de separação em parte de seu território nacional e irá resolvê-la por meio de suas instituições democráticas legítimas". "Dentro", ressaltou, "do respeito pela a Constituição e se atendo aos valores e princípios da democracia parlamentar em que vivemos por 39 anos".

As propostas decididas no Conselho de Ministros agora serão encaminhadas ao Senado, onde o Partido Popular (PP), de Rajoy, tem a maioria. Na Casa, elas tramitarão por uma comissão, que terá que apresentar ao pleno um parecer favorável ou contrário às medidas. Depois acontecerá a votação final entre todos os senadores, prevista para acontecer na próxima sexta-feira.

 

 


FAP presente em seminário da Espanha

O Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca (USAL), na Espanha, vai promover, no próximo dia 18, às 11 horas, o seminário Brasil: Desenvolvimento e Sustentabilidade - Quais são os desafíos?. O importante evento, que será realizado no Palacio de Maldonado (Plaza de San Benito, 1- Salamanca), terá como expositores os doutores George Gurgel, professor da  Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente do Conselho Consultivo da Fundação Astrojildo Pereira, e José Luis Alonso,  professor da USAL.

Invitacion Seminario sostenibilidad-page-001


Com o Nobel para Bob Dylan, é hora de redescobrir os trovadores

Espanha, Portugal e Brasil não poderiam reagir com espanto diante do prêmio a Bob Dylan. Nossa literatura em comum nasceu com a música dos trovadores.

Por esta, as casas de aposta britânicas não esperavam: o cantor Bob Dylan ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2016. Seria um sinal de que as já questionáveis fronteiras entre a cultura pop e a chamada alta literatura estão se desfazendo? Deixemos essa questão a quem interessa: os círculos acadêmicos obcecados por categorizar os gêneros do discurso.

Ao mundo hispanoamericano, no entanto, cabe uma lembrança oportuna: a importância dos trovadores para nossa formação cultural e sua atualidade nem sempre reconhecida.

Sim, houve um tempo em que poesia e música eram indissociáveis. A literatura na Península Ibérica nasceu com o canto dos trovadores da Idade Média, menestréis ambulantes ou abrigados nas cortes da Galícia e do norte de Portugal. Eles construíram um vigoroso retrato do amor medieval e deram lugar à voz feminina nas suas composições. Foram eles também os que denunciaram as mazelas daquela sociedade em suas cantigas de escárnio e maldizer.

Soterrados por séculos de esquecimento, os trovadores sofreram críticas pedantes que os consideravam repetitivos, vulgares...populares demais, enfim. Houve uma crueldade especial por parte dos eruditos até sua eventual redescoberta pela professora Carolina Michaelis de Vasconcelos, já no início do século XX. Vale notar que a lacuna de percepção que os menosprezou por 600 anos tem uma estreita relação com o esnobismo acadêmico que recusa às letras de canção o status de nobreza da poesia.

Para os brasileiros, nada disso faz sentido. Aí esteve Vinícius de Moraes que não nos deixa mentir. Tampouco a profunda absorção e diálogo entre MPB e literatura. Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, tornou-se espetáculo musical nas mãos de Chico Buarque; Caetano Veloso e suas constantes referências e citações literárias; José Miguel Wisnik e sua produção musical; Antonio Cícero poeta e letrista, e aí vão muitos et ceteras. Quando perguntaram a Manuel Bandeira qual o mais belo verso já escrito no Brasil, o poeta pernambucano respondeu: “Tu pisavas nos astros, distraída”, decassílabo de Orestes Barbosa na letra de Chão de estrelas.

Mesmo assim, entre nós, as manchetes denunciam a surpresa diante do compositor nobelizado. Como se não fosse ele sério o suficiente. Como se ele fosse produto de outro mundo... popular demais, enfim.

Espanha, Portugal e Brasil não poderiam reagir com espanto diante do prêmio a Bob Dylan. Nossa literatura em comum nasceu com a música dos trovadores. A lírica galego-portuguesa é um ponto de convergência das culturas ibéricas e influenciou profundamente a tradição brasileira. Não há como compreender a cultura popular nordestina, os repentes, os cantos de aboiar, a literatura de cordel, sem a presença do medievo ibérico, notadamente das cantigas trovadorescas. E o amor romântico, da literatura à música popular mais dor de cotovelo, alimenta-se delas também, em boa medida.

Infelizmente, o ensino de literatura nas escolas brasileiras mais e mais abandona o trovadorismo. Já na Galícia, há um movimento de revalorização da produção dos trovadores, na educação e na cena cultural. Os jovens voltam a se interessar pela cultura daquele período, produzindo inclusive música de excelente qualidade, reinventando a tradição. Seria hora de nós, aqui no Brasil, seguirmos o exemplo.

Por: José Ruy Lozano é professor do Instituto Sidarta e autor de livros didáticos.


Fonte: El País