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Mercado informal artigo | Imagem: reprodução/conexis

Revista online | Mercado informal e a recuperação fiscal

Eduardo Rocha*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)

A pandemia da covid-19 provocou tragédias humanas que afetaram os municípios, os estados e a União de forma sem precedentes com a rápida transformação da emergência sanitária numa crise econômica e social de grandes proporções. Isso provocou recessão econômica; queda do investimento, produção e consumo; fechamento de empresas; aumento do desemprego e precarização nas relações de trabalho; ampliação da economia informal; agravamento do endividamento, inadimplência e calotes de pessoas físicas e jurídicas; ampliação da vulnerabilidade financeiro-social das famílias; aumento dos gastos públicos, queda da arrecadação tributária e piora do desequilíbrio estrutural e conjuntural das contas públicas.

O avanço da vacinação durante 2022 contribuiu para amenizar e retomar positivamente alguns indicadores econômicos, mas o desafio fiscal ainda persiste e a sua superação exige, além da necessária reforma tributária, o enfrentamento da informalidade no Brasil.

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Mais claramente coloca-se a questão de como trazer para o mundo fiscal formal o gigantesco mercado informal, que, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2019 as transações de bens e serviços operadas dentro da economia informal movimentaram R$ 1,2 trilhão. O montante é equivalente a 17,3% do PIB brasileiro. Valor este superior ao PIB das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Fica claro, assim, que essas transações informais de bens e serviços representam uma gigantesca perda de arrecadação fiscal para os três entes federativos, cujos atuais mecanismos arrecadatórios não as abraçam fiscalmente, além de provocar enormes prejuízos sociais e financeiros aos trabalhadores.

Em relação ao mercado de trabalho, o Brasil registrou uma taxa de informalidade de 39,7% no trimestre até agosto de 2022. Ou seja, o país atingiu o recorde de 39,307 milhões de trabalhadores atuando na informalidade no período, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE).

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Mercado informal | Foto: J.M. Image Factory/Shutterstock
Indicador econômico | Foto: megaflopp/Shutterstock
Projeção econômica para 2023 | Foto: RenataP/Shutterstock
Produto interno bruto Brasil | Imagem: rafastockbr/Shutterstock
Macroeconomia | Imagem: TarikVision/Shutterstock
Salário no Brasil | Imagem: rafastockbr/Shutterstock
Mercado informal artigo | Imagem: reprodução/conexis
Pobreza no Brasil | Imagem: rafastockbr/Shutterstock
Inflação de mercado no Brasil | Foto: FJZEA/Shutterstock
Indicador econômico fundo desfocado | Foto: StunningArt/Shutterstock
Mercado informal
Indicador econômico
Projeção econômica para 2023
Produto interno bruto BRasil
Macroeconomia
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Pobreza no Brasil
Inflação de mercado no Brasil
Indicador econômico fundo desfocado
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Projeção econômica para 2023
Produto interno bruto BRasil
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Salário no Brasil
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Pobreza no Brasil
Inflação de mercado no Brasil
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O IBGE considera como trabalhador informal aquele empregado no setor privado sem carteira assinada, o doméstico sem carteira assinada e o que atua por conta própria ou como empregador sem CNPJ, trabalhadores por conta própria sem CNPJ, além daquele que ajuda parentes em determinada atividade profissional. Este trabalhador informal atua à margem do mundo formal sem beneficiar-se das garantias constitucionais, como, por exemplo, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ou benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como auxílio-doença, salário maternidade, Seguro-Desemprego etc.

A retomada sustentável no plano nacional exige medidas inéditas diante dessa crise inédita e a União, estados e municípios podem e devem tomar iniciativas que desenhem um ambicioso e abrangente plano de reativação de sua economia que pressupõe. Dentre outras variáveis macroeconômicas, a recuperação da saúde fiscal dos entes federativos (municípios, estados e União) e a elevação da renda pessoal disponível. E, para tanto, é preciso encontrar as vias para trazer ao mundo fiscal formal as transações de bens e serviços que se dão no mercado informal.

Todos sabem da fragilidade fiscal dos entes federativos (União, estados e municípios) seja para realizar investimento público para estimular o crescimento seja para ampliar a concessão de subsídios/benefícios fiscais ao setor privado – essa receita é impraticável nos curtos e médios prazos.

Portanto, é preciso criar uma nova relação quantidade/qualidade dos gastos públicos. Isto é: fazer mais e melhor com menos recursos, aumentando, assim, a eficiência e eficácia da gestão pública que promovam iniciativas inéditas que, combinadas às ações de saúde e defesa da vida, possibilitem criar de imediato as bases da retomada do crescimento e do desenvolvimento e articular os agentes econômicos nacionais e internacionais para criar um mecanismo de financiamento ao desenvolvimento, instrumento que será proposto e descrito à frente.

A saúde das finanças públicas é um grande desafio para a retomada do investimento público e privado, crescimento, emprego, renda, melhoria dos serviços e desenvolvimento no Brasil. É claro, também, que a obtenção da saúde fiscal demanda a realização de uma justa reforma tributária nacional, que recomponha a capacidade financeira dos três níveis do Estado brasileiro através de ações que potencializem a arrecadação, fortaleça e aprimore a gestão administrativa do aparato fiscal no combate à sonegação de tributos – estimada pelo Banco Mundial em 13,4% do PIB.

Para tanto, é preciso criar alternativas financeiro-fiscais inéditas que permitam, de um lado, a elevação das receitas públicas sem tirar mais um centavo de imposto do já espoliado, cansado e insatisfeito contribuinte, e, de outro, recompensar e valorizar cidadãos e empresas, ou seja, CPF e CNPJ, que terão alívio e retorno financeiro. Nos próximos artigos, apresentaremos as linhas gerais de uma proposta para trazer ao mundo fiscal formal boa parte das transações de bens e serviços que se dão na economia informal.

Sobre o autor

*Eduardo Rocha é economista pela Universidade Mackenzie, com pós-graduação em Economia do Trabalho pela Unicamp.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Evandro Milet: Tecnologia - Desemprego de um lado e vagas sobrando do outro

Evandro Milet / A Gazeta

O pai biológico de Steve Jobs(Apple) era sírio, o pai de Jeff Bezos(Amazon) é cubano, Sergey Brin (Google) nasceu na Rússia, Elon Musk (Tesla) é sul-africano e o brasileiro Eduardo Saverin foi um dos fundadores do Facebook.  Em 2019, 45% das empresas listadas entre as 500 destacadas pela revista Fortune haviam sido fundadas por imigrantes ou filhos de imigrantes nos EUA.

E não é só isso. Além dos fundadores, executivos e técnicos de alto nível são imigrantes. Jony Ive(principal designer Apple) é inglês, Satya Nadella, indiano, é o atual diretor executivo da Microsoft e Pichai Sundararajan, conhecido como Sundar Pichai, também indiano, é o atual CEO da Google e da Alphabet.

Os Estados Unidos são sugadores de cérebros privilegiados de todo o mundo, pessoas habilitadas para serem aceitas nas suas grandes e exclusivas universidades de ponta. A busca dos brasileiros com alta qualificação profissional por um visto de permanência nos Estados Unidos ganhou força durante a pandemia. Para especialistas, a frustração com o mercado de trabalho por aqui - somada à política imigratória mais flexível do presidente americano Joe Biden - pode provocar um recorde no êxodo de mão de obra especializada.

Considerando apenas os pedidos feitos nos consulados do Brasil, a demanda pelo green card de profissionais de “interesse nacional” ou com oferta de emprego nos EUA subiu 36%, de 1.389 para 1.899, em 2020. Além disso, não é mais preciso se mudar para lá para trabalhar em uma empresa americana. O home office pode ser feito aqui mesmo, até na praia, recebendo em dólar.

Enquanto isso, um apagão de mão de obra tecnológica acontece no Brasil e no mundo, inclusive nos Estados Unidos, apesar de toda a imigração.

O fenômeno tem a ver, por um lado, com o fato de que hoje todas as empresas são, e serão cada vez mais daqui para a frente, tecnológicas, dado o impacto do mundo digital em todas as atividades empresariais, do marketing à produção, passando pelos recursos humanos, pela logística, pela administração e finanças, com mudança de perfis profissionais antigos e novas profissões.

Do lado da oferta de pessoal, a carência detectada de formação nas áreas STEAM(Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) cria o fenômeno de desemprego alto e vagas sobrando, por que não há pessoas capacitadas para as vagas que se apresentam.

Esse desbalanço provoca uma onda de contratação de pessoas antes de estarem formadas, empresas não exigem mais curso superior nas vagas tecnológicas, ainda mais que fica muito patente a defasagem de currículos nos cursos universitários, apartados da realidade das empresas.

O lado positivo é a enxurrada de novos cursos de formação de profissionais para a área de TI bancadas por empresas e por instituições que operavam formações diversas, incentivando profissionais de outras áreas a aprender programação.

A tecnologia também reage, criando plataformas de desenvolvimento sem código, que permitem que programadores e pessoas sem conhecimento de programação criem software aplicativo usando interfaces gráficas e configurações em vez da programação de computador tradicional.

Segundo a Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), o Brasil forma 46 mil pessoas com perfil tecnológico por ano. E a estimativa para o futuro não é boa: até 2024 serão necessários 420 mil profissionais na área.

Urge formar pessoal aos milhares para ocupar essas vagas, com o risco de atrasar qualquer projeto de recuperação econômica do país.

Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/tecnologia-desemprego-de-um-lado-e-vagas-sobrando-do-outro-1221


População negra será a mais prejudicada com reforma trabalhista

Empregos informais e instáveis, baixos salários e longas jornadas marcam nova reforma trabalhista

Caroline Nunes / Agência Alma Preta

A Câmara dos Deputados aprovou uma nova reforma trabalhista no início do mês, que altera diversas regras para os trabalhadores. Com 304 votos a favor e 133 contra, a Medida Provisória (MP 1045/2021), de autoria do deputado Christino Áureo (PP-RJ), aguarda parecer positivo do Senado para entrar em vigor.

Para a economista e diretora técnica adjunta do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri, as perspectivas de futuro para a população negra e periférica não são promissoras.

“Esse quadro de precarização pode contribuir para a interrupção e desestímulo em relação à formação, qualificação e desenvolvimento dessa população. A proposta aprovada tende, inclusive, a reforçar e legitimar a contratação e substituição de jovens e adultos, em postos de trabalho cada vez mais instáveis, que não caracterizam vínculo empregatício, mal remunerados e sem proteção previdenciária, ao mesmo tempo em que concede subsídios para as empresas contratantes, gerando efeitos futuros cada vez piores para a estruturação produtiva no país”, ressalta a economista.

A diretora salienta ainda que as oportunidades de trabalho para esse grupo serão marcadas pela desigualdade social, com postos de trabalho de baixa qualidade, empregos informais e instáveis, baixos salários, longas jornadas e possibilidade reduzidas de ascensão profissional.

Mudanças

Caso aprovada no Senado, a nova reforma trabalhista cria uma modalidade de trabalho que não garante o direito às férias, 13º salário ou FGTS. Outro ponto é a possibilidade de trabalhar sem carteira assinada (Requip) ou direitos trabalhistas e previdenciários. Nessa modalidade, o trabalhador recebe apenas uma bolsa auxílio e vale transporte.

O texto também prevê, de acordo com a diretora técnica do Dieese, a redução dos direitos trabalhistas na contratação de jovens em primeiro emprego (Priore - Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego) e de adultos com 55 anos ou mais de idade.

“Além disso, flexibiliza a jornada por meio de negociação individual entre patrão e empregado, e reduz o adicional de horas extras que atualmente é de 50%. Também altera os limites da jornada no setor do minério, eliminando o limite de seis horas diárias para permitir jornadas de até 12 horas”, explica a economista.

O pagamento de horas extras, como coloca Patrícia, também é reduzido para algumas categorias específicas, como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing. O texto da reforma trabalhista também proíbe que juízes anulem aspectos de acordos extrajudiciais entre empresas e trabalhadores, e restringe o acesso à justiça em geral, para além da esfera trabalhista.

“Na prática, impossibilita o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, quando determina o pagamento dos honorários sucumbenciais pelo trabalhador que perder uma ação trabalhista, mesmo que seja beneficiário da justiça gratuita”, pontua Patrícia.

Além dessas mudanças, a reforma prevê o seguinte: contratação temporária feita pelas prefeituras; limite de salário de R$ 2.200 para beneficiários do Priore e restrição de acesso à Justiça gratuita.

Sindicalistas se posicionam contra a reforma

As Centrais Sindicais se posicionam contra o que prevê a reforma trabalhista. Em nota oficial, os sindicalistas afirmam que “as novas medidas de flexibilização laboral e afastamento dos sindicatos das negociações mais uma vez seguem a linha da precarização e aumentarão a vulnerabilidade dos trabalhadores e das trabalhadoras''.

O secretário geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves pondera que desde o governo Michel Temer (MDB), e agora na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), os sindicatos estão sendo retirados da função de negociadores. “Em nossa opinião, isso deixa o funcionário à mercê dos patrões, que decidem individualmente o que vai ser feito”, afirma.

O secretário ainda pontua que os sindicatos foram criados para negociar por todos, para que o trabalhador não se sinta vulnerável por estar sendo pressionado. “Essa redução de custos, citada na reforma trabalhista, é na verdade uma retirada de direitos. E a luta dos trabalhadores desde sempre vem no intuito de garantir esses direitos, até quando o trabalhador fica desempregado”, avalia João Gonçalves.

Impacto na população negra e desemprego

“Em direção contrária ao que deveria ser uma política de emprego inclusiva, as propostas apresentadas e aprovadas não oferecem alternativas consistentes e também não estimulam a permanência da população negra e periférica em seus postos de trabalho”, diz a diretora do Dieese, Patrícia Pelatieri.

Ela explica ainda que o mercado de trabalho brasileiro é estruturalmente desigual e heterogêneo, e tem como característica a oferta de postos de trabalho com baixa exigência de qualificação profissional. “Boa parte dessa população ingressa no mercado de trabalho em condições inferiores às desejadas, como forma de garantir seu sustento e de seus familiares”, salienta.

Com a reforma trabalhista aprovada, o secretário da Força Sindical também teme por esse grupo. Segundo João, “os negros são os mais vulneráveis, em quem o desemprego atinge mais. Novamente essa parcela será a mais prejudicada”, lamenta.

Fonte: Agência Alma Preta
https://almapreta.com/sessao/politica/entenda-o-que-muda-com-a-nova-reforma-trabalhista


Mercado já começa a falar em desembarque do governo Bolsonaro

Analistas têm precificado as dificuldades impostas pelo risco de uma deterioração do quadro fiscal

Douglas Gavras e Isabela Bolzani / Folha de S. Paulo

O risco de um descontrole fiscal com aumento de gastos e perspectivas cada vez mais duras para a economia no ano que vem encontraram eco em uma piora do cenário externo, e o mercado já começa a falar em desembarque do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Para ficar em uma figura de linguagem cara ao presidente, é como se o casamento do governo com os investidores estivesse mais próximo do divórcio do que da lua de mel.

Não é de hoje que os analistas têm precificado as dificuldades impostas pelo risco de uma deterioração do quadro fiscal, com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos precatórios, e a inflação mais alta do que se antecipava.

Também pesa a crise política gerada pela tentativa de reeleição do presidente, que tem colocado em descrédito o processo eleitoral e confrontado ministros do Supremo Tribunal Federal.

As preocupações dos investidores já se refletem na Bolsa de Valores brasileira e na cotação do dólar.

Nos mercados de renda variável, o Ibovespa, principal índice acionário do país, que até a última sexta-feira (13) acumulava um ganho de 1,83%, reverteu o sinal ao longo desta semana, apesar da alta registrada nesta quinta-feira (19). Agora, o índice acumula uma perda de 1,56% desde o início do ano. Só nesta semana, o Ibovespa acumula uma queda de 3,32%.

O dólar encerrou a sessão desta quinta em alta de 0,87%, a R$ 5,4220. Na semana a moeda americana sobe 3,4%. No ano a alta é de 4,5%.

No exterior, parte da explicação para a piora das expectativas em relação à retomada da economia em um cenário pós-pandemia veio de dados fracos da China e dos Estados Unidos, desde a última segunda-feira (16).


Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
pauloguedes_braganeto_foto_Alan Santos_PR
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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O temor de um retrocesso econômico ganhou ainda mais força na terça (17), quando os Estados Unidos também reportaram dados aquém das expectativas: uma queda de 1,1% nas vendas do varejo em julho, ante a estabilidade esperada pelo mercado.

Outro ponto de influência nos mercados foi a ata da última reunião de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Nela, a autoridade monetária sinalizou que o patamar de desemprego para que o suporte à economia seja reduzido pode ser atingido neste ano.

Essa desaceleração no ritmo dos estímulos dados pelo Fed à economia americana, na prática, também pode refletir em um aumento das taxas de juros nos Estados Unidos –o que, para o Brasil e os mercados emergentes, pode significar menos investimento.

No cenário interno, a percepção é de incerteza e insegurança, que tendem a aumentar caso o governo não sinalize um comprometimento com as regras fiscais, aumente gastos e mantenha um ambiente de confronto com as instituições até a eleição de 2022.

Um sintoma disso é que as curvas de juros futuros para cinco e nove anos voltaram a atingir os dois dígitos nesta semana, recuperando patamares de três anos atrás.

A deterioração da confiança do mercado no governo é visível e muitos já compreendem que a busca por uma reeleição por parte do presidente seria bastante preocupante do ponto de vista da agenda econômica, avalia a economista Zeina Latif.

"Às vezes, há um acúmulo de notícias negativas, mas o mercado demora a reagir por falta de um gatilho. Agora, esse gatilho veio lá de fora, com o Fed e um cenário externo não tão confortável, com a China desacelerando e o impacto nos preços de commodities. Isso acaba forçando o mercado a reavaliar o cenário interno", explica.

Segundo ela, cada vez mais o Brasil será afetado por ondas de volatilidade e, se antes o mercado apostava muito no governo Bolsonaro, hoje certamente não é assim. "É difícil falar sobre o mercado como uma entidade de opinião única, mas eu diria que antes havia mais unanimidade, como em 2018, e isso não existe agora.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, é ainda mais enfático ao afirmar que o mercado já não espera que o governo entregue algo de relevante até as eleições do ano que vem.


Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
 Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Ele considera que o governo perdeu as condições de colocar em prática a política econômica às vésperas de uma disputa eleitoral que deve ser muito tensa. Essa combinação é ruim para o mercado, diz, e a taxa de câmbio deve continuar subindo, colocando pressão sobre a inflação e os juros.

Com um discurso golpista, o presidente acaba prejudicando a imagem do país e a capacidade do investidor de fazer negócios, diz Vale. "O governo Bolsonaro, nesse sentido, acaba sendo pior que o da ex-presidente Dilma Rousseff. As dificuldades econômicas de agora são similares ao que havia no fim do governo da petista, só que com riscos institucionais que não existiam", afirma.

"Hoje, com Bolsonaro criando crises, trazendo riscos fiscais crescentes e com a falta de equilíbrio na política, o mercado gradativamente vai abandonar o governo, o que já está acontecendo."

Ele ressalta que a perda de paciência com Bolsonaro não significa um embarque na candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que hoje lidera as pesquisas eleitorais. ​O mercado, na verdade, deve manter a expectativa por uma terceira via em 2022, aponta.

Há também um desconforto entre os analistas, ao avaliarem que muitas das medidas propostas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não avançaram ou tiveram dificuldades para sair do papel. A reforma mais relevante até agora, a da Previdência, é vista como um esforço do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ).

"Com Arthur Lira [PP-AL], só temos tido bola fora, do ponto de vista fiscal. A reforma tributária que está se discutindo agora, por exemplo, é muito ruim. O mercado percebe que o governo e o ministro da Economia não são funcionais e esse elemento ajuda no desembarque", diz Vale.

O economista avalia que só ocorreria um reembarque do mercado se houvesse sinal por parte do Executivo de mudança da trajetória de gastos. "Talvez não tenha mais volta."

Para o ex-diretor do Banco Central e consultor da Schwartsman e Associados, Alexandre Schwartsman, apesar de vários alertas, o mercado ignorou os riscos domésticos, por estar surfando na onda de uma enorme liquidez mundial, que elevava o preço dos ativos. "Agora que há risco de o cenário mudar lá fora, os problemas domésticos ficaram à vista."

Ele acrescenta que é preciso diferenciar o mercado das pessoas que atuam nele, ao medir as chances de uma retirada do suporte dado ao governo.

"O mercado, em si, vende ativos sem dó e, portanto, pode-se dizer que já desembarcou. Sobre as pessoas, algumas já soltaram a mão do governo, como os manifestos recentes sugerem; outras, porém, há pouco erigiam estátuas em homenagem ao ministro Paulo Guedes."

Sob condição de anonimato, o economista de uma grande gestora de investimentos lembra que
o mercado sempre espera que o governo proponha boas reformas. O fato, diz esse economista, é que hoje os investidores estão céticos com a aprovação de medidas importantes até o final deste mandato, e agora começam a sentir os efeitos dos ruídos eleitorais e fiscais.

Ele também avalia que não havia como prever a proposta de adiamento no pagamento dos precatórios, por exemplo, nem o tamanho exato da pressão que haveria do Executivo para aumentar os gastos no ano que vem. Ainda segundo esse economista, o que o mercado vê hoje é que essa pressão é muito maior do que se imaginava.

André Perfeito, da Necton, avalia que se o Banco Central conseguir ajustar a curva de juros para algo mais razoável, isso pode resolver parte dos problemas. Foto: Banco Central/Divulgação

Os precatórios são dívidas do governo reconhecidas pela Justiça. O ministro Paulo Guedes e sua equipe têm elevado a pressão no Congresso sobre os efeitos no Orçamento do ano que vem, caso o parcelamento das dívidas de precatórios não seja autorizado.

“Estávamos vindo de uma situação fiscal que trazia notícias positivas para o curto prazo, com uma redução da dívida pública, uma arrecadação mais forte e a volta da atividade. Mas todo o bom humor virou quando surgiu a questão do aumento da provisão de pagamento dos precatórios para o ano que vem”, diz a chefe de economia da Rico, Rachel de Sá.

Para o economista-chefe da Necton, André Perfeito, se o Banco Central conseguir ajustar a curva de juros para algo mais razoável, isso pode resolver parte dos problemas. "Mas o mercado já entende que as necessidades políticas e eleitorais do presidente estão cobrando um preço alto demais na disciplina fiscal."

Para parte dos investidores, a PEC dos precatórios é um desrespeito, e o mercado entende que a agenda que se imaginava no começo do governo não vai mais ser aprovada. "Mas isto é uma fotografia do momento. O rei está nu agora, mas pode voltar a se vestir", pondera o economista.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/08/desconfianca-cresce-e-mercado-ja-comeca-a-falar-em-desembarque-do-governo-bolsonaro.shtml


Adriana Fernandes: Negociação pelo Refis é a mais nova batalha da equipe econômica

Se no auxílio pesava o lado dos pobres na balança, agora no Refis, é o peso empresarial que vai mostrar a sua força

A negociação do novo parcelamento de débitos tributários é a mais nova batalha no campo econômico em Brasília após a votação da PEC do auxílio emergencial em conjunto a um grupo de medidas fiscais.

A aprovação de um projeto de parcelamento de dívidas tributárias já estava devidamente contratada no Congresso desde 2020, mas o Ministério da Economia vinha segurando o seu avanço para não perder o controle e abrir uma brecha para uma renegociação ampla.

O problema para Guedes é que a pandemia piorou e a pressão ganhou um reforço de peso do presidente do SenadoRodrigo Pacheco.

A hora chegou. 

Logo depois da sua eleição, no início de fevereiro, Pacheco já havia pedido o Refis ao ministro. Guedes respondeu que seria melhor esperar a reforma tributária e começou a discutir uma ampliação do programa aberto de transação tributária, que prevê negociação direta com os contribuintes com base na capacidade de pagamento.

Não resolveu. Com a PEC aprovada, não está dando mais para segurar a pressão pelo Refis que sempre aparece pelo menos a cada três anos nas últimas duas décadas.

A reforma tributária não vai andar como se fala oficialmente (muitos parlamentares nem acreditam nela até 2022) e o Refis é hoje considerado mais importante para o cenário atual de pandemia e queda do PIB, como aconteceu com o auxílio emergencial, que não pode esperar a ampliação prometida do programa Bolsa Família.

Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, foi escalado por Pacheco para ser o relator e o diálogo foi aberto nessa semana. De partida, Guedes quer limitar o Refis a débitos de 2020 e à lista de setores mais afetados.

Botou seus limites para iniciar as negociações. O posicionamento do ministro é uma tentativa de freio de arrumação muito semelhante às contrapartidas fiscais buscadas na PEC, mas, quando a discussão no Congresso esquentar, o negócio é outro com o Centrão em peso querendo o Refis. O Senado quer uma tramitação rápida para votação direta no plenário.

A questão é que tipo de Refis vai sair do Congresso? A dificuldade maior no Brasil é que foram tantos os programas especiais de parcelamento de débito (levantamento da Receita Federal aponta um total de 40 desde 2000) que se acabou criando por aqui o fenômeno do contribuinte “devedor contumaz”, aquele que deixa de pagar os tributos sempre à espreita do próximo. 

Para a Receita, que tem que arrecadar e financiar as despesas, esse é o pior dos mundos. Os Refis constantes também desestimulam o contribuinte que paga em dia. A publicação pelo Estadão nesta sexta-feira de reportagem sobre as negociações em curso para o Refis gerou esperança para muitos empresários, que estão esperando o programa, mas também críticas de que o Congresso está penalizado os que pagaram os tributos em dia, em prol de “caloteiros”, reforçando uma concorrência desleal.

Esse tipo de posicionamento mostra o tanto que os sucessivos Refis foram nocivos para o País e quanto o assunto é sensível. Agora, que a crise maltrata o setor produtivo e as pessoas físicas que perderam renda, argumentos desse tipo não fazem muito sentido.

É por essa razão que mais do nunca é importante impor limites que impeçam que o novo programa abarque o parcelamento de dívidas passadas que nada tem a ver com a pandemia permitindo mais “boiadas” na área tributária, como foi a confirmação pelo Congresso esta semana do perdão da dívida das igrejas ao isentá-las do pagamento da CSLL. Uma renúncia de R$ 1,4 bilhão com aval do presidente Jair Bolsonaro.

O dilema mais uma vez é a situação de fragilidade das contas públicas. Com a movimentação, que antecipa mais uma queda de braço entre o mundo político e a equipe econômica, o novo Refis já entrou ontem no radar do mercado financeiro como mais um risco fiscal a ser monitorado. Se no auxílio, o outro lado da balança era o mais fraco, os pobres, agora no Refis, é o peso empresarial que vai mostrar a sua força. 

Não por acaso o assunto de ponta entre os especialistas em contas públicas, que estão pensando na fase pós-covid-19, é justamente a necessidade de aumento dos impostos - tema hoje travado no debate nacional. Na Webinar do Estadão e do Ibre-FGV desta semana, a avaliação dos economistas é que ele vai voltar mais cedo ou mais tarde. Vale muito conferir o debate.


Monica de Bolle: Os desafios do Brasil aquém e além da pandemia

Ou se aceita que a escolha de gastar para salvar vidas requer abrir mão do que se reconhece como sendo fiscalmente responsável, ou se permite o alinhamento com bolsonaristas

Os desafios a que me refiro no título deste artigo não são nem os da saúde pública, que são imensos, nem os econômicos, também enormes. Em momento sombrio da história brasileira, dou um passo para trás em um esforço para perceber mais claramente os desafios que a sociedade brasileira já havia criado para si com a eleição de Bolsonaro em 2018 e que foram agravados pela pandemia. Podemos dividir o país em dois campos, como é mais habitual: de um lado, figuram os bolsonaristas; de outro os que a elem se opõem. Mas vale tentar ir além do binarismo, para contemplar nuances que já eram visíveis em 2018 e ficaram mais explícitas no decorrer do último ano.

Há os bolsonaristas. Eles possuem uma linguagem própria, e este elemento merece atenção porque o bolsonarismo se define menos por uma ideologia do que por estratégias de comunicação que ou apresentam a violência ou repõem a sua potencialidade. Não menos importante, o bolsonarismo é antipluralista. É antipluralista em relação à vida social, como fica claro quando contemplamos a sua relação com minorias; na política, como podemos ver, sugere a ilegitimidade de seus adversários, desde a sua perspectiva; nos valores, o que notamos quando atentamos para os seus operadores (”cidadão de bem”, “humanos direitos”, “a família brasileira”) e no plano das ideias. Falas bolsonaristas, como são as do presidente, deixam ver práticas patriarcais longamente constituídas. Para ilustrar com uma manifestação recente: contestando medidas que governadores tentam implementar, o presidente afirmou em uma mídia social que “atividade social é toda aquela necessária para um chefe de família levar o pão dentro de casa”. O viés do bolsonarismo também é nitidamente colonialista, como se nota em sua relação com povos indígenas, com esboços de defesa ou justificação do desmatamento em nome do “desenvolvimento”.

Se o bolsonarismo é antipluralista, o antibolsonarismo seria pluralista. compreende o antirracismo, o feminismo e sua luta mais que secular no Brasil pelos direitos das mulheres, a igualdade de todos os seres independentemente de gênero ou orientação sexual, o rechaço à desigualdade e a contestação de uma democracia universal na forma, mas restrita na vida, em que negros e pobres são tratados como não-cidadãos, ou cidadãos de segunda classe. O pluralismo percebe o traço autoritário na operação de uma lógica absolutista e que instrumentaliza a razão em causa própria. A razão assim instrumentalizada é cerceada. Ser pluralista, ao contrário, é manter-se aberto aos conflitos trazidos pela abertura ao real e os questionamentos dos pressupostos que a realidade suscita. O pluralismo supõe uma abertura que é antagônica a tudo o que é estático.

O antagonismo do pluralismo ao que é estático ficou em evidência maior na pandemia, um evento cujo ineditismo não permite que permaneçamos apegados a conhecimentos estabelecidos e formas de ordenar o mundo informadas por experiências passadas. A pandemia fez ver. Fez ver o tamanho da desigualdade, a inadequação da política econômica, o desconhecimento científico da população, o sofrimento, a vida e a morte. Esses aspectos da realidade brasileira ficaram tão visíveis, tão despidos de construções e fantasias, que o inaceitável ―para o campo pluralista― passou a ser permitir que o mundo não fosse visto por determinados grupos da sociedade.

Mas, nas fraturas da sociedade brasileira, há ainda outro grupo: aquele formado por pessoas que se declaram antibolsonaristas, mas, ao encontro com o real, não resistem a se agarrar a um conhecimento estabelecido, mantendo intactos os seus pressupostos, sem reexaminá-los. É o que chamo, hoje, de relação absolutista com a racionalidade, que faz certa razão aparecer como antipluralista. Esses atores políticos percebem a importância das causas do pluralismo e as abraçam. Porém, o antipluralismo embutido na forma como entendem a relação de especialistas com o público torna algumas de suas práticas compatíveis com o bolsonarismo. Sendo preciso dar-lhes um nome, proponho chamá-los de “anti-anti”.

Eles estão presentes na economia, mas não só: os antibolsonaristas e antipluralistas aparecem à luz do público, eventualmente. São pessoas bem intencionadas, de diferentes gerações, que defendem causas a meu ver justas, tais como a renda básica, a redução da pobreza e das desigualdades, mas que ao mesmo tempo não se dão conta de que defendê-las pode implicar abrir mão de certas crenças e pressupostos. Na economia, o pressuposto mais hostil a dúvidas, e proveniente do conhecimento estabelecido a partir de experiências passadas, é o de que a responsabilidade fiscal é um valor inegociável, ainda que a realidade o exija, em uma crise humanitária e com um governo que atua por ação e omissão para deixar morrer e fazer morrer. No mundo dos anti-anti, a defesa da igualdade de acesso e o inevitável choque com aquilo que consideram fiscalmente responsável estão em planos distintos, correm em paralelo. Mas a realidade não permite que se opere em planos paralelos. Ao contrário, ela coloca esses planos em rota de colisão: ou se aceita que a escolha de gastar para salvar vidas requer abrir mão do que se reconhece como sendo fiscalmente responsável, ou se permite o alinhamento com bolsonaristas.

Evidente na economia, tal absolutismo é difuso. No jornalismo opinativo ―nos editoriais ou nas colunas de opinião― a construção de um mundo que não tem relação com a realidade está igualmente presente. Constroem-se argumentos para sustentar essa ou aquela tese com base em uma dissociação da realidade. Temas que tentam reconstituir uma realidade que deixou de ser com a pandemia dão a tônica à representatividade dos veículos de comunicação. Aceita-se de bom grado o absolutismo econômico, científico, ou seja lá qual for, ainda que se manifeste uma opinião contra o Governo, contra o presidente da República. A imprensa que se permite tratar o mundo real com demasiada maleabilidade, ou negligenciá-lo, para habitar esse outro construído valida o bolsonarismo sem querer fazê-lo: é anti-anti pelo que deixa ver, pelo que faz não ver.

Está posta, assim, a tragédia do Brasil atual: atores importantes da sociedade não enxergam, em suas construções e atitudes, pontes para a perpetuação do antipluralismo bolsonarista. Esses grupos preferem desqualificar aqueles que estão com os pés na realidade, tentando dar conta de um mundo repleto de fraturas, de descontinuidades, que requer novas ideias e o livre pensar, ou o que Hannah Arendt chamou de pensar sem corrimão. Preferem tudo isso a enxergar insuficiências e inadequações do conhecimento que nos foi legado. No limite, e nós nos encontramos em alguns limites, tornam-se facilitadores, conscientes ou desavisados, da franca decadência moral que marca um país que se recusa a chorar pelos seus mortos, seus doentes, seus destituídos.

Monica de Bolle é economista, PhD pela London School of Economics e especializada em medicina pela Harvard Medical School. É professora da Universidade Johns Hopkins, pesquisadora-Sênior do Peterson Institute for International Economics e mestranda em Imunologia e Microbiologia na Georgetown University.


Luiz Carlos Trabuco Cappi: A relevância do senso de urgência

No Brasil, o mais previsível é que o imprevisível sempre pode acontecer

Um prognóstico coincidente entre os líderes do Congresso, parlamentares, equipe econômica e analistas aponta, desde já, como é atípico este 2021 – e não somente pela questão do ritmo da vacinação e a resistência da pandemia com as novas variantes da covid-19. Em declarações públicas, protagonistas da vida brasileira indicam que o ano legislativo deverá ter calendário curto, por conta das articulações antecipadas, e já iniciadas, para as eleições gerais de 2022.

Deputados e senadores voltarão seu foco para as bases em seus Estados e as negociações da formação das chapas para a sucessão presidencial passarão a ser o centro da preocupação dos partidos e classe política, gradualmente.

Essa previsão se sustenta no ritmo dos acontecimentos e no ciclo eleitoral natural, que coroa a democracia brasileira de dois em dois anos, com as eleições municipais e as eleições gerais acontecendo de forma intercalada. Trata-se, pois, de sermos realistas para esse cenário de limitações de calendário em relação às expectativas sobre reformas econômicas e de modernização do Estado brasileiro.

Entretanto, não se deve olhar essa combinação de presente e futuro imediato de maneira apressadamente pessimista.

Os congressistas, em trabalho articulado com a equipe econômica, podem fazer muito neste período concentrado de votações. O principal estímulo é a própria situação emergencial vivida pelo Brasil, que registrou PIB negativo de 4% em 2020, o maior tombo em 30 anos, tem 14 milhões de desempregados e vive o pior momento da pandemia.

As lideranças do Congresso demonstram clareza sobre o tamanho de sua responsabilidade perante a sociedade brasileira neste início de ano. O desejado senso de urgência, porém, ainda não se fez presente no conjunto do Congresso, como se viu na votação da PEC Emergencial e no encaminhamento do Orçamento da União.

Mas é preciso criar expectativas positivas em relação à pauta que pode definir a recuperação econômica, resumida em três pontos: vacinação intensa, reforma tributária e reforma administrativa.

Não há como acelerar o crescimento sem injetar confiança econômica. E tudo começa por meio de medidas legislativas novas, que permitam ao governo instrumentos para uma gestão eficiente das suas contas, e livrar a sociedade de amarras burocráticas e obrigações em excesso pelo pandemônio tributário atual.

A questão tributária e a falta de eficiência do setor público explicam o baixo investimento na economia, o que se refletiu nos dados de PIB dos últimos anos pré-pandemia. O crescimento patinou pouco acima do 1% de 2017 a 2019. Com o dado de 2020, o Brasil andou para trás e saiu da lista das dez maiores economias do mundo. 

Nenhum cenário é imune a crises – o lançamento de um amplo programa de vacinação em massa, igualitário, intenso e rápido, por exemplo, ainda é um desafio.

Não teremos projetos no feitio dos sonhos de todos, não devemos nos iludir. Mas apenas a sinalização de que é possível o início de uma nova etapa virtuosa para a economia pela aprovação desta pauta básica é um grande alento.

Bem aproveitados pelo Congresso, sem a tentação de sobrepor assuntos não econômicos que possam atrasar o andamento da agenda legislativa, esses próximos meses podem ser um atalho de muitos anos para o desenvolvimento e prosperidade do Brasil.

O período eleitoral promete trazer volatilidade aos mercados, como sempre acontece. Mas seu efeito será tanto menor quanto maior forem os avanços na pauta das reformas em 2021. É a garantia de maior estabilidade futura, tanto para o governo quanto para a oposição. Ou seja, uma vez bem encaminhadas as reformas fundamentais, a projetada antecipação do debate eleitoral não vai prejudicar a vida das empresas, os planos de investimentos, a criação de empregos e a atração de capital estrangeiro. 

E as eleições serão, outra vez, a festa imponente da democracia – com a economia direcionada para um novo ciclo de crescimento.

Porque, no Brasil, o mais previsível é que o imprevisível sempre pode acontecer.

*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO 


Bruno Carazza: Mais próximo do que se imagina

Autonomia exige cautela de presidente do BC

No seu discurso de fênix na quarta (10/03), Lula disse não saber por que o mercado deveria ter medo de sua volta ao poder, diante de tudo o que ele e o PT fizeram pelo empresariado. Em resposta à repórter Cristiane Agostine, do Valor, porém, deixou explícita uma exceção: “Eu era e sou contra a autonomia do Banco Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão do mercado. [...] A quem interessa essa autonomia? Não é ao trabalhador urbano, não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro”.

Embora real, o risco de captura de órgãos reguladores por representantes de empresas é difícil de ser comprovado. Seguir os caminhos do dinheiro, mapeando doações de campanhas, ajuda bastante. Monitorar agendas públicas e verificar com quem eles se sentam à mesa também. Outra estratégia que costuma funcionar é observar o movimento das portas giratórias da administração pública, quando agentes do mercado são nomeados para cargos nas agências reguladoras e, depois de um tempo, retornam aos antigos empregadores.

O pesquisador David Finer, da Chicago Booth School of Business, deu um passo além. Utilizando a Lei de Acesso à Informação de Nova York, teve acesso a dados anônimos de mais de um bilhão de viagens de táxi ocorridas na maior cidade dos Estados Unidos entre 2009 e 2014, incluindo as coordenadas de GPS, data e horário do início e do fim de cada deslocamento.

Interessado em mapear o relacionamento entre funcionários do Banco Central americano e executivos das grandes instituições financeiras, Finer analisou cuidadosamente os padrões dos trajetos dos famosos táxis amarelos entre o prédio do FED, na 33 Liberty Street, e as sedes de gigantes como Bank of America, Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley. Lembrando que os encontros também podem se dar fora dos escritórios, o pesquisador incluiu no seu rastreamento as viagens que partiam de ambos os endereços para um terceiro destino (que poderia ser um restaurante ou um bar, por exemplo) num curto espaço de tempo.

Buscando minimizar o risco de vazamento de informações que podem abalar o mercado (e enriquecer muita gente), o FED impõe restrições a seus diretores e funcionários, como um período de silêncio em que são proibidas reuniões com o público externo e declarações à imprensa nos dias que antecedem os encontros do Comitê de Política Monetária (o FOMC, na sigla em inglês).

Após garimpar uma montanha de dados, Finer obteve evidências de que as movimentações entre as sedes do FED e dos bancos, ou de ambos para centros de lazer e alimentação, se intensificam na proximidade das datas em que as taxas de juros básicas são estabelecidas, particularmente no horário de almoço. Há também um aumento atípico nas corridas entre os mesmos destinos nas primeiras horas da madrugada após o encerramento do período de silêncio - o que sugere uma busca de integrantes do mercado por explicações sobre as decisões tomadas pela autoridade monetária.

Com uma metodologia inovadora, a pesquisa de David Finer aponta para a necessidade de se aprofundar os instrumentos para que a independência dos Bancos Centrais seja para valer e valha para ambos os lados - perante o governo e o mercado.

No Brasil, depois de pelo menos duas décadas de discussão legislativa, somente no final do mês passado a autonomia operacional do Bacen virou lei. Embora nosso Banco Central já tenha incorporado muitas das melhores práticas internacionais, como o próprio período de silêncio antes das decisões do Copom, ainda temos um longo caminho a percorrer para torná-la efetiva.

Não é preciso GPS para observar que são cada vez mais frequentes os deslocamentos feitos pelo presidente Roberto Campos Neto entre o Setor Bancário Sul, onde se localiza a sede do Banco Central, e a Praça dos Três Poderes, para atender a chamados de Jair Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

É bem verdade que o BC brasileiro possui atribuições que extrapolam aquelas típicas de uma autoridade monetária - como a regulação e a fiscalização do sistema financeiro - e a nova Lei Complementar nº 179/2021 ainda exige que a instituição zele para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomente o pleno emprego, ao lado de manter a inflação sob controle. Tudo isso acaba exigindo que o presidente do Bacen compareça ao Palácio do Planalto ou ao Congresso Nacional para prestar contas de suas decisões.

O grande problema é que Roberto Campos Neto, pela sua capacidade técnica e habilidades interpessoais, tem entrado de cabeça na negociação política da agenda econômica do governo - e com isso tem avançado perigosamente a linha de independência exigida de um central banker.

Na semana passada, quando o governo se dividia entre as votações da PEC Emergencial e as tratativas com a farmacêutica Pfizer para a compra de um novo lote de vacinas, Roberto Campos Neto esteve duas vezes com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Além disso, visitou o presidente da Câmara em sua residência oficial para convencer diversos deputados da necessidade de aprovação de dispositivos de ajuste fiscal como contrapartida à nova rodada do auxílio emergencial.

Não há dúvidas que o presidente do BC tem um excelente trânsito com os parlamentares e tem se mostrado um ativo valioso do governo para construir pontes e aparar as arestas, muitas vezes afiadas, criadas por Paulo Guedes nas suas relações com o Congresso. Mas não pode se prestar a esse papel, sob pena de perder sua credibilidade.

Caso queira continuar contando com a capacidade técnica e o fino trato do neto de Bob Fields nas negociações de sua agenda econômica, Bolsonaro tem uma saída. O art. 8º da lei da autonomia lhe deu 90 dias para referendar a atual diretoria do Bacen e empossá-los nos novos mandatos.

Com os rumores cada vez mais constantes de que Paulo Guedes balança no cargo, de repente a solução para uma transição suave, que não assuste o mercado e ainda agrade ao Centrão, está mais próxima do que se imagina. Nem precisa chamar um táxi.


Evandro Milet: Transformar para não quebrar

Transformação digital(TD) está na moda. E como toda moda na gestão de empresas parte de uma visão nova que faz todo sentido, mas é entendida por muitos, e aplicada, de forma superficial e equivocada, se tornando em muitos casos apenas um irrelevante modismo. O livro “Transformação Digital” de Antônio Salvador e Daniel Castello dá boas dicas para um entendimento correto do tema.

Um primeiro equívoco é achar que TD é tecnologia. TD é muito mais que tecnologia. É o redesenho da operação, da forma de gerar valor ao consumidor, do modo de pensar e da maneira de competir, bem como a capacidade de entrar em novos mercados.

A jornada da TD passa por três estágios. O primeiro é embarcar na empresa novas ferramentas, trocar processos físicos por digitais e automatizar tarefas. Por exemplo, colocar um chatbot(robô de software) para conversar com clientes no telefone, como já fazem bancos e outras empresas. O segundo é a transformação digital de funções. A adoção de tecnologias altera os papéis das pessoas nas empresas, impactando a rotina de áreas inteiras como RH, financeiro ou operações. O terceiro estágio - e o mais complexo - é a TD do negócio, que acontece quando a empresa se reinventa usando as tecnologias digitais disponíveis e os novos modelos de negócio que melhoram sua performance como um todo ou até ampliam sua atuação para outras áreas.

A TD verdadeira é mudança de cultura. TD é a possibilidade de ter processos nunca feitos antes, que eram impossíveis de imaginar, seja por limitações de comunicação ou tecnologia.

E por quê as startups têm um papel importante na TDs? Tudo na startup é ágil. Elas usam dados intensamente para entender o que está acontecendo. Confiam mais em fatos que em feeling e, claro, não têm nada a perder - nem reputação, nem uma fatia do mercado, como acontece em negócios maiores ou mais estabelecidos. Por isso tendem a assumir mais riscos. Como diz uma piada conhecida do setor de tecnologia, Deus só construiu o mundo em sete dias porque não tinha “legado”. Outras características dessas empresas: se convencem os investidores de que possuem uma boa ideia, podem ficar com tanto dinheiro em caixa quanto muitas organizações gigantes do setor; além da ausência de compromisso com o lucro durante o período de crescimento.

O livro dá algumas dicas para um processo de TD. Primeiramente, manter uma hiperatenção sobre o ambiente. É a capacidade de observar o ambiente de negócios e constantemente coletar informações para detectar mudanças ou oportunidades, inclusive no próprio negócio. E ter um senso de futurismo. Construir essa competência começa por consumir informações. Pode ser lendo notícias, vendo um documentário, fazendo um curso, conversando com especialistas, frequentando eventos, monitorando várias fontes sem estar ancorado por uma única perspectiva.

Outra dica é praticar a cultura da experimentação. Antes da era digital fazer testes custava caro, demorava, era arriscado e envolvia uma complexidade logística, pois o cliente não estava a um clique de distância. Agora, com o uso de tecnologia e dados e a possibilidade de monitorar o comportamento de pessoas em tempo real, é possível experimentar mais, de maneira mais barata e com menos risco antes de empacotar o produto.

Por fim, implementar a capacidade de execução rápida com organização de squads(pequenos grupos multidisciplinares) e a utilização de metodologias ágeis. Enfim, trazer o espírito startup para dentro das empresas.

Não é fácil fazer, mas quem não fizer arrisca o seu negócio.


Monica de Bolle: Uma proposta para ressuscitar o auxílio emergencial

O mínimo de humanidade que precisamos resgatar é o senso de empatia com as dezenas de milhões de pessoas atingidas que precisam trezentos reais para ontem

De acordo com um estudo recente de pesquisadores da Universidade de São Paulo liderado pela economista Laura Carvalho, o auxílio emergencial impediu que a economia brasileira sofresse retração de dois dígitos em 2020. Muitos de nós já havíamos aventado que isso aconteceria antes mesmo de sua adoção. Segundo o estudo, os efeitos do auxílio emergencial foram canalizados de várias maneiras, em particular devido ao apoio ao consumo e à consequente sustentação da arrecadação.

Conforme escrevi ao longo de vários meses para veículos distintos, era mesmo de se esperar que o auxílio, assim como os programas de renda básica, tivesse esse efeito. Afinal, trata-se de um programa de transferência direta de renda para a população mais pobre, que, por ter menor renda, tende a consumir parcela bem mais elevada do que recebe quando comparada à população mais rica. A razão é óbvia: ricos podem poupar, enquanto os mais pobres não dispõem desse privilégio, tendo de atender às suas necessidades imediatas de subsistência. Em razão disso, o deslocamento de recursos para os mais pobres tem maior capacidade de sustentar setores diversos, evitando mergulhos recessivos mais profundos. Mas essa não é a principal defesa para a reinstituição do auxílio emergencial.

Como já escrevi nesse espaço, o Brasil atravessa o momento mais crítico da pandemia de covid-19, o que significa que estamos muito piores agora do que no início da pandemia. Os sistemas de saúde em diferentes localidades estão sobrecarregados e as pessoas já não têm qualquer tolerância às medidas sanitárias mais restritivas – na verdade, não mostram tolerância sequer com o uso de máscaras para proteger a si e aos outros. O comportamento é compreensível. Há sensação de fadiga em relação à pandemia, lideranças políticas falharam em dar às pessoas o devido senso de alarme, o Presidente da República jamais perdeu oportunidades de minimizar os riscos relacionados à doença e à disseminação do vírus, não houve campanha nacional de informação. Por mais que o comportamento de muitos nos deixe aturdidos, indignados até, muitos estão mal informados e há pessoas que simplesmente não têm alternativa que não seja a de se expor, sobretudo após o término prematuro do auxílio emergencial em dezembro do ano passado. O grande problema é que agora temos novas variantes perigosas do vírus em circulação, duas delas surgidas no Brasil.

Desde que o auxílio emergencial acabou, a pobreza aumentou e dezenas de milhões de pessoas ou não têm o que comer, ou enfrentam situação extrema de insegurança alimentar. No contexto de uma pandemia que tende a se agravar, como é o brasileiro, essa situação é insustentável. Não à toa o governo, após ter dito em diversas ocasiões que não reconsideraria a adoção do auxílio emergencial, parece se preparar para lançar alguma proposta. Como de costume, não há nada de concreto, apenas a situação de urgência. Como de costume, Paulo Guedes prefere lançar balões de ensaio para sentir os humores do mercado financeiro enquanto mais de 80 pessoas padecem de covid-19 por minuto em todo o país.

Um recente balão de ensaio foi a proposta de reerguer o auxílio emergencial por um valor menor do que os 300 reais que vigoraram ao final de 2020 e por tempo limitadíssimo: um par de meses, quiçá três, não mais. A “proposta” viria acompanhada de alguma contrapartida, pois, pela lógica do ministro da Economia e de seus assessores, não se pode aumentar despesas sem que sejam cortados outros gastos. Surgiu, portanto, a ideia contraditória de um auxílio emergencial condicionado. Ora, por definição, qualquer coisa que seja condicionada a outra perde o caráter emergencial, já que a condicionante teria de ser aprovada conjuntamente. O balão de ensaio de Guedes, ou um deles ao menos, previa que a condicionante fosse a PEC Emergencial. Vejam, Proposta de Emenda Constitucional: algo exigente do ponto de vista jurídico-formal e das negociações, ou seja, que exige tempo para que se costurem as adesões no Congresso e para que sejam feitas as análises de sua real constitucionalidade. É claro que tal proposta esvazia por completo a razão de ser de um auxílio emergencial.

O que fazer, então? Penso que o ideal, considerando as altas inflacionárias em 2020, seria retornar ao valor original do benefício, isto é, 600 reais. Mas,temo que, se os grupos da sociedade que tanto lutaram pelo auxílio no ano passado se mobilizem em torno desse valor, tenham de abrir mão do prazo de vigência do programa como contrapartida. E o prazo de vigência do auxílio é de extrema importância pela situação de calamidade que vivemos, o atraso da vacinação, as variantes perigosas disseminadas e a perspectiva de que a pandemia esteja muito longe de acabar – inclusive, já escrevi nesse espaço que transitaremos de uma pandemia aguda para outra crônica. Portanto, minha proposta é a manutenção do valor do benefício em 300 reais, alcançando o mesmo número de pessoas de 2020, isto é, pouco mais de 70 milhões, até o fim do ano. Se esse programa tivesse início em março, custaria nesse ano cerca de 220 bilhões de reais.

Um bom programa emergencial de transferência de renda não pode acabar de súbito: é necessária uma regra de transição

Contudo, há mais. O auxílio não pode terminar abruptamente, como ocorreu no ano passado. O fim abrupto é um choque profundo nos orçamentos familiares, na capacidade de subsistência das pessoas. Um bom programa emergencial de transferência de renda não pode acabar de súbito: é necessária uma regra de transição. Penso ser razoável uma regra de transição de seis meses a partir da data de término do programa, reduzindo gradualmente o benefício. Esse modelo de auxílio emergencial teria, assim, um custo fiscal ainda em 2022.

Como financiá-lo? Com emissão de dívida. Vou repetir: com emissão de dívida. Trata-se de um programa emergencial, que não nos permite o luxo de buscarmos recursos em reformas como a tributária, que demoraria a ser negociada, mesmo com elevações pontuais de impostos, que exigem negociações. Põe-se de pé o auxílio, emite-se dívida para financiá-lo. Mais à frente instituímos os impostos progressivos, particularmente sobre lucros e dividendos, para dar conta dos desequilíbrios fiscais. Repito: estamos falando de uma emergência, não de uma situação normal. Emergência requer pressa. E é preciso lembrar do que disse no início dessa coluna: uma parte do auxílio se autofinancia. O auxílio gera consumo, que gera arrecadação. Vimos isso em 2020, já temos a experiência.

Precisamos de condicionalidades? Tudo o que não precisamos é de condicionalidades. O auxílio emergencial é incondicional por seu caráter de urgência. O mínimo de humanidade que precisamos resgatar é o senso de empatia com as dezenas de milhões de pessoas que precisam desses trezentos reais para ontem. Insistamos para que se resgate um pouco de decência na política pública.

Monica de Bolle é economista, PhD pela London School of Economics e especializada em medicina pela Harvard Medical School. É professora da Universidade Johns Hopkins e pesquisadora-sênior do Peterson Institute for International Economics.


Afonso Benites: Ricardo Salles aposta na gestão Arthur Lira na Câmara para avançar mineração na Amazônia

Sob pressão com mudança de poder nos EUA, titular do Meio Ambiente afirma que não está preocupado com possível reforma ministerial sinalizada por Bolsonaro

Ricardo Salles tem oscilado entre altos e baixos no Governo Jair Bolsonaro. Apontado por ambientalistas como um representante de ruralistas no Ministériodo Meio Ambiente e visto por alguns diplomatas como um extremista, Salles tenta buscar uma sobrevida para sua permanência na pasta. Para isso, tenta se apoiar no novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para emplacar projetos caros ao bolsonarismo, que têm potencial para dizimar regiões florestais e que podem prejudicar a sobrevivência de populações tradicionais. Entre essas propostas estão a regularização fundiária de regiões florestais e a que autoriza a mineração em terras indígenas. Ambas têm tudo para avançar sob a gestão Lira.

A primeira sinalização que o ministro fez para a base de apoio bolsonarista foi a de reclamar que, durante a gestão Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrada no início deste mês, pautas governamentais pouco avançaram. Agora, ele diz estar confiante de que a situação será mais favorável ao Governo. “O que nós vimos ao longo desse período que acabou é que nem sequer as discussões podiam ser feitas. Você mandava um projeto de lei ou até uma medida provisória que caducaram no Congresso, e as discussões não aconteciam”, disse Salles em entrevista ao programa Poder em Foco, do SBT, da qual o EL PAÍS participou como convidado.

Sobre seu apoio ao polêmico projeto de mineração em terras indígenas, o ministro diz que gostaria que houvesse regras claras sobre o tema. “A mineração na Amazônia, seja em terra indígena ou fora da terra indígena, qual é a regra que vai ser imposta? Nós estamos desde a Constituição de 1988 aguardando a solução de uma norma que já previa uma regulamentação e esse assunto vai sendo jogado pra baixo do tapete ano após ano. Então é preciso discutir e encontrar um caminho, a solução não é não ter solução”.

Nesta montanha-russa da política, Salles esteve fortalecido com o presidente mesmo após seguidas altas dos índices de desmatamento e de queimadas na floresta amazônica e no Pantanal ao longo de 2019 e 2020. O prestígio decaiu depois que, em março do ano passado, foi filmado em reunião ministerial dizendo que o Governo deveria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” no afrouxamento de regras ambientais. Ficou um tempo fora das manchetes jornalísticas depois desse episódio. Mais recentemente, voltou a ter seu nome em destaque quando Joe Biden venceu Donald Trump na disputa presidencial dos Estados Unidos e vários analistas apostaram que ele seria demitido.

Manteve-se no cargo porque Bolsonaro estava irritado com seu vice, Hamilton Mourão, que comanda o agora esvaziado Conselho Nacional da Amazônia. O presidente queria ter alguém para se contrapor ao general. Mourão é visto por alguns bolsonaristas como uma ameaça a Bolsonaro, que já acumula mais de 60 pedidos de impeachment. Essa queda de braço tem sido vencida pelo ministro, por enquanto, já que os militares subordinados indiretamente ao conselho deixarão de atuar na fiscalização da região amazônica nos próximos dois meses.

O curioso é que o mesmo Centrão que pode dar sobrevida a Salles com o prestígio junto a Lira é o grupo que pode derrubá-lo, em busca de nacos de poder na Esplanada dos Ministério. O nome de Salles juntamente com o do chanceler Ernesto Araújo, volta a ser apontado como um dos próximos a ser demitido numa iminente reforma ministerial realizada para acomodar políticos do fisiológico Centrão. “O cargo é do presidente (...) Eu não estou preocupado se vai ter reforma, se não vai ter reforma”, disse no programa do SBT.

Primeira reunião com representante de Biden

Ao mesmo tempo em que tenta, mais uma vez, se equilibrar no cargo, Salles busca demonstrar institucionalidade e proatividade. No último dia 18, Salles e Ernesto Araújo se reuniram pela primeira vez, por videoconferência, com o secretário de Estado americano, John Kerry. Na ocasião, levaram uma proposta ao homem forte da área ambiental de Biden na qual pediam mais dinheiro para a proteção ambiental. Segundo interlocutores, o Governo americano não discordou da proposta. Apenas sinalizou que alguma compensação financeira poderia ser apresentada nos próximos meses. A proximidade entre Bolsonaro e Trump, e as declarações de apoio feitas pelo brasileiro antigo presidente americano por ora, tem criado barreiras entre a cúpula dos dois Governos.

A busca de Salles por mais recursos tem várias razões. Uma delas: em 2021, o Ministério do Meio Ambiente se deparará com um de seus menores Orçamentos das últimas décadas. O resultado prático disso será a redução de fiscalização, que está cada vez menor, e o enxugamento administrativo. Ainda assim, mesmo com menos recursos, desde que Bolsonaro chegou ao poder o país abriu mão de receber doações da Noruega e da Alemanha por meio do Fundo Amazônia. Atualmente, há 40 projetos de proteção ambiental com 1,4 bilhão de reais parados nas contas porque Bolsonaro e Salles decidiram alterar as regras de gestão desses recursos. A razão é ideológica. “Ao invés de mandar o dinheiro para projetos e ideias que não necessariamente o governo concorde, dissemos que queríamos ter maior participação nisso e os doadores, Noruega e Alemanha, não concordaram”, justificou-se o ministro.

Como alternativa para suprir esses recursos, Salles disse que o Brasil busca convencer os países ricos a doarem mais para a proteção ambiental. A contrapartida brasileira seria antecipar de 2060 para 2050 o prazo em que se zeraria as emissões de gás carbônico no país. A conta sairia cara para os países ricos, entre eles, os Estados Unidos: 10 bilhões de dólares por ano (algo em torno 53 bilhões de reais). “Pedimos cem Fundos Amazônia por ano”, afirmou na entrevista, gravada no último dia 10.


Andrea Jubé: “Ele não vai botar o pijama, não!”

General é a aposta para as crises do diesel e da energia

O presidente Jair Bolsonaro tem se notabilizado por jogar com as cartas abertas sobre a mesa. Após a intervenção na Petrobras, já anunciou que promoverá novas trocas no governo: “Mudança comigo não é de bagrinho, é de tubarão”. Pescador profissional, ele contou para os peixes que lançou a tarrafa.

Indicado para a presidência da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna nunca foi uma carta na manga. Ele foi apresentado como um dos homens da máxima confiança do presidente no segundo dia de governo.

Pelas idiossincrasias da política, declarações do presidente na posse do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, no dia 2 de janeiro de 2019, ainda repercutem, e estão relacionadas às principais crises da última semana.

Naquela solenidade, Bolsonaro trouxe à luz a estreita amizade com o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. “Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, afirmou, em uma inconfidência que gera desassossego até hoje.

Villas Bôas não expôs no controvertido “Conversa com o comandante”, da editora FGV, o conteúdo dessas conversas. Mas a revelação dos bastidores dos tuítes que pressionaram o Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do “habeas corpus” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva produziu a folia mais agitada da atual gestão, desde o “golden shower”, culminando na prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).

Na mesma cerimônia, Bolsonaro tornou público seu apreço ao ex-ministro da Defesa do governo Michel Temer, anunciando que Silva e Luna, “um excelente homem”, integraria sua equipe. “Ele não vai botar o pijama, não!”

Menos de dois meses depois, em 21 de fevereiro de 2019, Silva e Luna seria nomeado diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional.

Representante da ala militar não palaciana, avesso aos holofotes de Brasília, o ex-ministro de Temer projetou-se como um dos quadros mais prestigiados pelo presidente.

Nestes dois anos, Bolsonaro compareceu a oito eventos da binacional no Paraná. Nesta quinta-feira, o presidente estará novamente no palanque ao lado do general em uma solenidade da hidrelétrica.

Esse é o pano de fundo da relação entre Bolsonaro e o ex-ministro, que culminou na conturbada intervenção na Petrobras, e no derretimento do valor da companhia.

Desse episódio, Silva e Luna emerge como o homem de confiança de Bolsonaro em meio a nova crise com os caminhoneiros, e, simultaneamente, para iluminar caminhos para a redução da tarifa de energia.

Bolsonaro avisou apoiadores que também vai “meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema”. O presidente ouviu de Silva e Luna que Itaipu é uma das soluções.

Após dois anos na direção-geral brasileira da hidrelétrica, Silva e Luna tem expectativa de que, no ano que vem - ano eleitoral -, a tarifa de energia tenha queda substancial devido à amortização relevante de parcela da dívida da binacional, que deve ser integralmente quitada em 2023. “Será a energia mais barata do país”, tem dito Silva e Luna.

Sobre a Petrobras, o general nega que Bolsonaro lhe tenha encomendado mudanças na política de preços dos combustíveis.

Nos bastidores, entretanto, sabe-se que Bolsonaro se irritou com o desdém de Castello Branco em relação às queixas dos caminhoneiros, seu eleitorado cativo. Por isso, o presidente espera que o general tenha sensibilidade com esse público, com quem dialogou quando era ministro na greve de 2018.

Silva e Luna afirma que todo general tem uma missão imposta, e outra que é deduzida. A dedução do mercado é que Bolsonaro lhe incumbiu de resolver a crise dos combustíveis.

Mas o general deu sinais de querer trabalhar em sintonia com a diretoria-executiva e o conselho de administração. “Isso aí [alta dos preços] são considerações que têm que ser analisadas junto com o conselho, junto com a equipe”, disse ao Valor.

O economista- chefe da Guide Investimentos, João Maurício Rosal, observa que o mercado ainda não analisou as credenciais do general Silva e Luna para assumir o comando da Petrobras porque o ambiente de desconfiança gerado pela intervenção na companhia impede avançar uma casa num tabuleiro onde explodiram uma mina.

“A sinalização de que o controlador pode tomar decisões “ad hoc”, sem grandes explicações que não sejam ligadas ao valor da companhia vai pairar como um espectro por muito tempo. Reputação é difícil para uma empresa conquistar, mas é fácil de se perder”, diz Rosal.

O economista afirma que superar essa desconfiança vai ser missão hercúlea para o general. “Ele vai ter esse peso para carregar, essa desconfiança não se dissolve da noite para o dia”.

Rosal reconhece, entretanto, que a crise do preço dos combustíveis também é um espectro que volta e meia assombra os governos. Pedro Parente, a quem se atribui o primeiro movimento significativo de recuperação da empresa após a Lava-Jato, deixou o cargo na esteira da crise provocada pela greve dos caminhoneiros de 2018.

Por isso, Rosal sugere que o governo busque uma solução, citando o exemplo do Chile, que instituiu por um período longo um mecanismo, com gatilhos acionados sob critérios específicos para gerir a oscilação dos preços.

“Talvez o pais não esteja preparado para conviver com um mercado onde o preço dos combustíveis siga os preços internacionais, dada essa sensibilidade política. Mas o governo precisa pensar num mecanismo para o mercado de combustíveis, e não optar pela ingerência na Petrobras”, diz o economista. A alternativa seria encontrar uma política de preços final para o consumidor capaz de suavizar os ciclos internacionais sem comprometer a saúde fiscal do país”.