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Eleitor vota de forma antecipada em Lansing, Michigan, nesta segunda-feira (7) — Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

EUA vão às urnas para definir composição do Congresso e 'avaliar' desempenho de Biden

g1*

Joe Biden conseguirá manter suas magras maiorias no Congresso dos Estados Unidos? Ou o controle do Senado e da Câmara de Representantes voltará para as mãos dos republicanos, que passarão a obstruir as políticas do presidente?

As respostas para essas perguntas virão nesta terça-feira (8), durante as eleições de meio de mandato, nas quais estão em jogo a totalidade da Câmara de Representantes, 30 dos 100 assentos no Senado, além de 36 cargos de governadores e a renovação de praticamente todas as assembleias locais.

Essas eleições "midterms" funcionam praticamente como um referendo sobre o ocupante da Casa Branca. Em mais de 160 anos, o partido do presidente raramente escapou da punição.

1. O que vai ser votado?

Como acontece a cada dois anos, todos os 435 assentos na Câmara de Representantes dos EUA estão em disputa.

No Senado, que tem 100 cadeiras com mandato de seis anos, serão renovadas 35 - que começarão seu mandato em 3 de janeiro de 2023.

Os americanos também elegerão os governadores de 36 dos 50 estados da União, bem como uma série de autoridades locais.

2. Qual a expectativa de resultado?

De acordo com as últimas pesquisas, a oposição republicana tem boas chances de conquistar entre 10 e 25 novas cadeiras na Câmara, mais do que suficiente para consolidar uma maioria.

Em contrapartida, as pesquisas são menos claras sobre o destino do Senado, mas os republicanos parecem ter vantagem também.

Em resumo, por enquanto, nada está definido.

3. Quando saberemos o resultado?

Na eleição presidencial de 2020, devido à lentidão da contagem de votos em muitos estados, levou dias para ficar claro que Joe Biden era o presidente eleito. Os grandes veículos de comunicação o declararam vencedor, por meio de projeções matemáticas, apenas no sábado (votação foi numa terça).

Desta vez, provavelmente não será necessário esperar tanto, mas é possível que não se conheçam os vencedores das eleições na noite das eleições. Estados como Arizona, Nevada e Pensilvânia, que são fundamentais no mapa do controle do Senado, podem levar vários dias para contar todos os seus votos.

4. Quais os papéis de Biden e Trump na eleição?

Embora o nome de Joe Biden não apareça nas cédulas, muitos americanos veem esta eleição como um referendo sobre o presidente.

Mas também são um grande teste para o futuro político de Donald Trump, que se jogou de cabeça na campanha, fazendo comícios por todo o país.

Para ambos, de olho nas eleições de 2024, o resultado das 'midterms' pode indicar como seria uma possível reedição das eleições presidenciais de 2020.

5. Qual o impacto dessa eleição?

O resultado destas eleições será decisivo em todo o país.

Biden pede aos americanos um voto de confiança com maiorias suficientes para contornar as regras do Congresso que atualmente o impedem de legalizar o aborto em todo o país ou proibir fuzis de assalto.

Foto mostra uma mulher negra protestando pelo direito ao aborto no dia 24 de junho, em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington, DC. | Foto: Jacquelyn Martin/AP

Em quase todos os seus discursos, insiste que o futuro do aborto, das armas de fogo e do sistema de saúde dependerá do resultado dessa votação.

Por sua vez, os republicanos prometem liderar uma luta feroz contra a inflação, a imigração, o crime e continuar sua ofensiva contra os atletas transgêneros.

Alguns também consideram cortar a ajuda de Washington à Ucrânia.

Os candidatos do "Grand Old Party" também prometeram que, se obtiverem maioria legislativa, abrirão uma série de investigações parlamentares contra Biden, seu assessor na pandemia Anthony Fauci e seu ministro da Justiça Merrick Garland.

Também planejam enterrar o trabalho da comissão parlamentar que investiga o ataque de janeiro de 2021 ao Congresso por apoiadores de Trump.

Texto publicado originalmente no g1.


Bolsonaro discursa com semblante de raiva | Foto: NANCY AYUMI KUNIHIRO/Shutterstock

Nas entrelinhas: Bolsonaro faz campanha de anticandidato

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Em termos diplomáticos, o encontro de ontem do presidente Jair Bolsonaro (PL) com embaixadores de vários países para denunciar suspeitas não comprovadas sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seus ministros e a segurança das urnas eletrônicas foi um tiro no pé. Para a maioria dos diplomatas, seu discurso é de candidato derrotado por antecipação e sinaliza a intenção de realmente não aceitar o resultado das urnas. Obviamente, sua escalada contra as urnas eletrônicas é uma campanha de anticandidato, passa para o mundo — e internamente – a ideia de que pretende se manter no poder pela força.

Existe uma correlação entre a política nacional e nossas relações internacionais. Apesar da excelência e dos esforços dos nossos diplomatas de carreira, toda vez que Bolsonaro faz política internacional própria é um desastre. É o que está acontecendo, por exemplo, no caso da guerra da Ucrânia. No mesmo dia em que promoveu o desastrado encontro com os embaixadores, conversou por telefone com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky: “Discutimos a importância de retomar as exportações de grãos para prevenir uma crise de alimentos provocada pela Rússia”, escreveu Zelensky em seu Twitter. “Convoco todos os parceiros a se unirem às sanções contra o agressor.”

Para bom entendedor, a conversa de Bolsonaro com Zelensky não foi nada boa. Ao divulgar seu pedido de adesão do Brasil às sanções contra a Rússia, o presidente ucraniano criou um constrangimento para o Brasil, que assumiu uma posição de neutralidade, na tradição da política de Estado do Itamaraty. Porém, pessoalmente, Bolsonaro cada vez se aproxima mais do presidente russo Vladimir Putin. Por óbvio, esse posicionamento tem muito mais peso nas relações com os países ocidentais do que as suspeitas que levantou sobre a segurança das eleições.

Bolsonaro utilizou as dependências do Palácio da Alvorada e a estrutura de governo para uma série de acusações sem provas contra a Justiça Eleitoral e os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Também atacou seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva (PT), cujo prestígio internacional só aumenta na medida em que mantém o favoritismo nas pesquisas e as eleições se aproximam. Atacou o petista, porém acabou criticado por dois adversários que sonham tomar seu lugar contra ele, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Ou seja, Bolsonaro está se colocando como alvo fixo de todos os principais concorrentes.

Os ministros Carlos França (Relações Exteriores), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que formam o estado-maior da Presidência, participaram da reunião, que Fachin classificou como um encontro de pré-candidato a presidente da República, ao declinar do convite, com o argumento de que deveria ter uma posição imparcial como responsável pela condução do processo eleitoral. Na Ordem dos Advogados do Paraná (OAB-PR), à tarde, Fachin classificou a apresentação como uma “encenação”. Sem citar Bolsonaro, disse que há “inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade pública” e uma “muito grave” agressão à democracia.

Discurso de perdedor

E o anticandidato? É um sinal trocado. Bolsonaro está agindo como perdedor antecipado das eleições, como quem não pretende aceitar o resultado das urnas e quer virar a mesa, como tentou sem sucesso o ex-presidente norte-americano Donald Trump, seu aliado. Está fazendo uma campanha de anticandidato, que deixa em desespero os aliados do Centrão. O ministro Paulo Sérgio Nogueira reverbera as acusações de Bolsonaro e arrasta as Forças Armadas para uma posição que evoca o passado do regime militar. Somente após as eleições saberemos se age por disciplina, pois Bolsonaro é presidente da República e comandante supremo das Forças Armadas, ou por convicção golpista e autoritária.

A propósito do passado autoritário, o mais ousado desafio ao regime militar, no auge do seu poder, foi o lançamento da “anticandidatura” de Ulysses Guimarães à Presidência da República, pelo MDB, em setembro de 1973, no colégio eleitoral que elegeria o general Ernesto Geisel à Presidência. Como um Dom Quixote, Ulysses percorreu o país desafiando os militares, ao lado do ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, que depois viria a ser presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

“Não é o candidato que vai percorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo. Possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a nação pela censura à imprensa, ao rádio, à televisão, ao teatro e ao cinema”, discursou Ulysses, cuja plataforma era centrada na revogação do Ato Institucional 5 (AI-5), na anistia e na convocação de uma Assembleia Constituinte. Quanta ironia. Bolsonaro faz campanha em busca do passado.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-bolsonaro-faz-campanha-de-anticandidato/

Celso Rocha de Barros: Bolsonaro perdeu nas urnas e nas ideias

Quem tentou ganhar cidade grande com discurso bolsonarista morreu pendurado na mamadeira

Foi uma eleição de continuidade administrativa e de um início de virada no debate de ideias. A centro-direita, que era situação em quase toda parte desde 2016, foi a grande vencedora das urnas, e a esquerda foi bem onde já tinha boa reputação de administração competente. Mas a grande notícia é que ninguém ganhou cidade grande com discurso bolsonarista. Quem tentou morreu pendurado na mamadeira.

A vitória de Bruno Covas em São Paulo não foi nenhuma surpresa. Foi uma eleição de continuidade e de reeleições, com viés de centro-direita. O perfil de Covas é semelhante ao de Eduardo Paes (DEM), Alexandre Kalil (PSD) ou Bruno Reis (DEM), todos eleitos com votações expressivas, os dois últimos vencedores em primeiro turno. Boa sorte para o novo prefeito.

O que é impressionante é que um sujeito com “Covas” no nome, concorrendo pelo PSDB em São Paulo, chegue aos últimos dias da campanha desesperado para ganhar do candidato do PSOL.

A campanha de Boulos e Erundina foi brilhante, e toda a esquerda faria bem em aprender com ela. Chapa bem escolhida, linguagem ágil, bom uso das redes. Ajudou a esclarecer a população sobre a luta dos sem-teto e sobre a necessidade de regularização fundiária. As propostas do programa eram boas, embora realmente não custasse nada a campanha dizer “Vamos cumprir a lei de responsabilidade fiscal” –era óbvio que ia, é a lei, Erundina foi um exemplo notável de responsabilidade fiscal quando foi prefeita, Boulos não é maluco.

Foi um grande salto de qualidade com relação às candidaturas de esquerda recentes. Boulos e Erundina tiveram um resultado tão bom que a gente nem precisa se consolar com aquelas conversas de “não queria estar do lado dos que venceram”, “quem estava comigo nas trincheiras”, enfim. Isso tudo é pra quando você perde feio, aí vai fazer o quê? Faz poema, é o que sobrou. Perder acumulando forças, gerando ideias e dando a direção das próximas disputas não gera esse trauma todo, não.

O que deve preocupar a centro-direita é que Boulos e Erundina encontraram receptividade com gente de centro, gente com quem os tucanos, até 2018, poderiam contar em um segundo turno contra o PSOL.

A candidata da Rede Sustentabilidade, Marina Helou, em quem muitos de meus amigos liberais votaram, fechou com Boulos no segundo turno. A deputada Tabata Amaral (PDT), que sempre atraiu grande simpatia do centro, apoiou Boulos. Não é que esses apoios tenham custado muitos votos para Covas, é que essas pessoas são participantes ativas do debate de ideias, e o debate de ideias parece ter se tornado muito, muito menos hostil à esquerda do que era até 2018.

Mas é aquilo, né, amigos da centro-direita? Vocês esperam ter a mesma reputação apoiando Bolsonaro que tinham quando apoiavam Fernando Henrique Cardoso? Quando o avô do prefeito eleito apoiava a então petista Marta Suplicy contra Maluf? Não dá. Vão ganhar debate de ideias representados pelo Guedes? Sustentando o sujeito que colocou aquele idiota dirigindo a Fundação Palmares?

É sempre difícil interpretar o que as eleições municipais dizem sobre a eleição presidencial seguinte. Em 2016, o PSDB foi o grande vencedor, mas o recado não era esse; já se via a antipolítica e a virada à direita. Em 2020, a antipolítica foi fragorosamente derrotada. E as ideias novas que apareceram não são de direita.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Merval Pereira: O futuro nas urnas

Se é verdade que as eleições municipais têm mais influência local do que nacional, seria também um erro recusar que delas emanam os ventos que movem a sociedade na direção do futuro político que se consolidará nas eleições de 2022 para presidente, deputados federais e senadores, essas, sim, reflexos da situação social e econômica.

Três disputas regionais transformaram-se em nacionais. No Rio, o prefeito Marcelo Crivella pendurou-se em Bolsonaro para tentar virar o resultado contra Eduardo Paes do DEM, mas tudo indica que só aumentou sua rejeição, já alta. Em São Paulo, a disputa entre o PSDB de Covas e a esquerda, representada por Boulos do PSOL, já dá uma boa indicação de que o PSOL pode vir a substituir o PT como protagonista.

Em Recife, a disputa familiar mais dramática também ganhou contornos nacionais. Ali está a única chance de o PT vencer em uma capital importante, e a esquerda rachou com o PSB.

A vitória na eleição presidencial depende muito da estrutura partidária montada a partir das municipais. Mas por vezes tivemos fenômenos pessoais, independentes dos partidos, que se impuseram nas urnas, como Jânio Quadros, Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso com o Real, mais recentemente Bolsonaro.

Lula não se pode chamar de um vencedor pessoal, pois já estivera nas urnas eleitorais por três oportunidades e tinha uma estrutura partidária que foi se consolidando ao longo dessa caminhada. Acabou maior que o PT, mas também a razão da debilidade do partido, seja pelas condenações por corrupção, ou pela incapacidade de permitir a ação de novas lideranças partidárias.

Bolsonaro é exemplar de um candidato que parecia um outsider mesmo depois de mais de 30 anos de mandatos parlamentares sucessivos, e demonstrou um faro político excepcional ao prever um espaço na direita nacional que, a partir de 2013, vinha se impondo nas manifestações políticas contrárias aos governos petistas.

Assim como o PT gosta de jogar todos seus adversários para a direita, também Bolsonaro jogou o PT para a extrema esquerda, propiciando uma polarização entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. A centro-direita teve que ir para Bolsonaro, pois não houve uma candidatura com capacidade de confrontar a extrema-direita com uma proposta que se mostrasse vencedora contra o PT.

Bolsonaro não tem espírito para ir para o centro. Lula era um líder sindical que sabia negociar, Bolsonaro é um líder que quer se impor na base do grito e da opressão do poder temporário que a presidência lhe dá.

Aquele momento de 2018, quando a prisão de Lula radicalizou o cenário político, foi superado pela realidade de um governo inepto que paralisou o país por dois anos devido a uma maneira de fazer política que destrói sem construir nada em seu redor.

O cansaço do cidadão comum com Bolsonaro e seus aloprados que tentam, ainda hoje, derrubar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), não deu margem a que a esquerda se fortalecesse, porém. A direita saiu vitoriosa, mas não a direita extremista. Os partidos que mais elegeram prefeitos foram MDB, PP, PSD, PSDB e DEM. Apenas três partidos tiveram mais de 10 milhões de votos: MDB, PSD e PSDB.

Apenas cinco partidos fizeram mais de 400 prefeitos e quatro mil vereadores: MDB, PP, PSD, PSDB e DEM. Se fizermos de conta, como fizeram assessores palacianos, que o presidente Bolsonaro é do Centrão, ele saiu vitorioso da eleição. Se formos para a realidade, ele saiu derrotado na maioria esmagadora de suas indicações e mais dependente ainda do Centrão.

Uma demonstração clara de que ele hoje depende mais dos partidos do Centrão do que o Centrão dele: o Republicanos, que filiou dois filhos de Bolsonaro e sua ex-mulher que não foi eleita, disse, através do presidente Marcos Pereira não haver hipótese de oferecer a Bolsonaro o controle do partido. O PSD já disse que não é da base bolsonarista nem do Centrão, mantendo uma independência que as urnas lhe deram. O PP tem dono, o senador Ciro Nogueira, assim como o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson.

Não conseguindo organizar seu partido, Bolsonaro depende do Centrão para se resguardar de um impeachment - garantia relativa essa - e montar um esquema partidário para a tentar a reeleição. Não é mais aquele fator fora da curva que hipnotizou o eleitorado.


Bruno Boghossian: Ministros já consideram 'inevitável' tentativa de Bolsonaro de contestar eleição se perder em 2022

Autoridades trabalham para desmontar teorias e veem orquestração para desacreditar processo de votação

Autoridades responsáveis pelo planejamento das próximas eleições já consideram inevitável uma investida do grupo político de Jair Bolsonaro contra o processo de votação em 2022. Ministros de tribunais superiores começaram a trabalhar para conter a tentativa crescente de desacreditar esse sistema.

A contestação sem provas da estrutura de votação no primeiro turno das eleições municipais foi o sinal de que a orquestração começou. Ainda no domingo (15), informações falsas sobre a segurança das urnas nasceram no submundo das redes e foram abraçadas por políticos da base radical do presidente.

A semana terminou com um dos ataques mais intensos e infundados do próprio Bolsonaro contra as eleições. "Fui roubado demais", disse o presidente a apoiadores, na sexta (20), sobre a disputa que ele mesmo venceu em 2018. "Ninguém acredita nesse voto eletrônico", declarou.

Bolsonaro trabalha numa enganação preventiva. Sem nenhum elemento além de textos conspiratórios e imagens falsas, os aliados do presidente preparam terreno para contestar uma eventual derrota em sua corrida pela reeleição.

O roteiro ficou claro para os ministros que vão organizar a disputa de 2022. Não é coincidência que o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, tenha citado a participação de "milícias digitais" com "motivação política" nos ataques feitos ao tribunal na semana passada.

A ação desse ano abriu uma brecha para a busca de um antídoto contra potenciais tentativas de subverter o resultado da próxima eleição. Investigadores vão buscar vínculos entre personagens da órbita de Bolsonaro e a construção de um mecanismo para difundir o discurso falso de fraude eleitoral.

Ministros acreditam que essa é a única maneira de travar o processo artificial de erosão da confiança na votação. Sem isso, eles dizem que os ataques sem provas vão continuar. Se Bolsonaro for derrotado, a ação de radicais bolsonaristas pode terminar nos tribunais.


Vera Magalhães: João Alberto e as urnas

Casos de grande comoção às vésperas de pleitos podem influenciar o voto

Casos como o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, por espancamento seguido de asfixia numa loja do Carrefour em Porto Alegre, ocorrido na última quinta-feira, quando acontecem próximos de eleições, costumam ter o condão de virar tema das campanhas e mobilizar setores do eleitorado.

O exemplo recente mais rumoroso vem dos Estados Unidos e tem muitos pontos de contato com o caso João Alberto: foi o assassinato de George Floyd por asfixia por policiais em Minneapolis, em maio. Lá como aqui, a ação dos assassinos foi filmada. A frase repetida por Floyd, “I can’t breath”, que significa “Eu não posso respirar”, virou mote de manifestações que cobriram o país.

O movimento Black Lives Matter, ou Vidas Pretas Importam, surgido anos antes, ganhou dimensão nacional e deu força a grupos locais, que tiveram grande engajamento nas eleições presidenciais e peso real na vitória de Joe Biden sobre Donald Trump em Estados como a Geórgia.

No Brasil, os casos mais conhecidos de comoção nacional às vésperas de pleitos são a greve da siderúrgica CSN em Volta Redonda, em 1988, e o massacre do Carandiru, em 1992, em que 111 presos foram chacinados pela Polícia Militar para conter uma rebelião.

No primeiro, operários da Companhia Siderúrgica Nacional, ainda estatal, entraram em greve por reajuste salarial e redução de jornada e tomaram a planta de Volta Redonda (RJ). Quatro dias depois do início da greve, em 9 de novembro, o Exército e a PM invadiram a empresa e três grevistas foram assassinados.

As eleições municipais nas capitais ocorreram no dia 13 e, em São Paulo, venceu Luiza Erundina, feito inédito do PT numa capital. As pesquisas até as vésperas apontavam vitória tranquila de Paulo Maluf, e cientistas políticos e historiadores veem grande peso de Volta Redonda na virada.

Quatro anos depois, o massacre do Carandiru ocorreu na noite de 2 e outubro, a sexta-feira anterior à eleição. Ali, no entanto, a tragédia não teve influência no pleito, porque a Secretaria de Segurança Pública abafou os dados. Paulo Maluf venceu e o candidato do governador Luiz Antonio Fleury Filho, Aloysio Nunes Ferreira, ficou em terceiro lugar.

E agora, como o caso João Alberto vai ecoar nas urnas? Em Porto Alegre, onde ocorreu o assassinato, Manuela D’Ávila (PC do B) enfrenta uma eleição dura, em que foi, ao longo de toda a campanha, alvo de ataques ferozes dos adversários e agora aparece nas pesquisas em desvantagem em relação a Sebastião Melo (MDB). Ela se engajou de imediato nos protestos pela morte de João Alberto.

Em São Paulo também pode haver influência do crime. Foi aqui que ocorreu o maior protesto depois do assassinato, com o quebra-quebra numa loja do Carrefour nos Jardins. Guilherme Boulos não participou. O candidato do PSOL tem lutado na campanha contra a pecha de “radical”. As urnas mostraram que candidaturas em defesa de direitos civis, equidade e diversidade encontraram um eleitor disposto a investir nessas agendas, antes tachadas pejorativamente de “politicamente corretas” ou “identitárias”.

A sanha com que Jair Bolsonaro oprimiu minorias, ou mesmo maiorias sem representatividade política, provocou reação oposta dois anos depois de sua eleição. No caso João Alberto, o presidente só se manifestou 24 horas depois, para negar racismo no ocorrido e sem mencionar o nome da vítima nem se solidarizar com sua família.

Os próximos dias vão mostrar se o caso João Alberto vai virar tema central da campanha ou se os protestos vão perder fôlego. E o que terá mais peso: o voto de protesto contra a recorrência de fatos como esse ou a reação maior de parte da sociedade ao que ela chama de “vandalismo” que ao assassinato em si?


Marcus André Melo: Manipulação eleitoral nos EUA e no Brasil

Há justificada perplexidade em relação à governança eleitoral na maior democracia do mundo.

A criação de barreiras à participação de determinados segmentos do eleitorado é inédita nas democracias. As formas que essa exclusão potencial assumem são variadas: exigências peculiares quanto ao voto pelo correio, problemas de acessibilidade às cabines de votação ou quanto à sua localização, além de exigências quanto à identificação do eleitor.

A situação é tão crítica que os estados com um histórico de práticas excludentes têm que submeter as alterações de procedimentos ao Departamento de Justiça. No passado, tais práticas consistiam de exigências como quitação de taxas individuais ou testes severos de alfabetização, o que acabava excluindo a população negra e/ou pobre.

Entre nós a exclusão dos setores pobres é muito mais complexa. A Lei Saraiva (1881) proibiu o voto dos analfabetos; a legislação posterior referendou-a, mas a implementação era pífia. As coisas só mudam na prática com a adoção, em 1955, da cédula oficial em substituição as fornecidas pelos próprios partidos, e que permitia a violação sutil do sigilo do voto.

A nova cédula exigia que o eleitor escrevesse o nome/número dos candidatos para os vários cargos, o que acarretou uma enorme expansão dos votos inválidos. A cédula distribuída pelos partidos já continha esta informação, o que permitia que os analfabetos votassem. Prevalecia assim um equilíbrio perverso que permitia a sobrevivência política de elites rurais com controle histórico sobre um eleitorado cativo.

Os bastidores da reforma de 1955 estão disponíveis na forma de registro diário e detalhado das negociações ocorridas entre 11 e 26 de agosto daquele ano, transcritas pelo paladino da reforma, Afonso Arinos, em suas memórias. Tratava-se de uma das medidas da UDN contra o abuso de poder do getulismo, e contou com apoio ativo da Igreja Católica e do TSE, e pressão dos militares. O ator chave, o PSD (majoritário no Congresso), só retirou seu veto após a garantia de que a cédula oficial também pudesse ser distribuída pelos partidos na eleição de 1955.

Esse estado de coisas foi simbolicamente alterado com a extensão do voto aos analfabetos pela emenda constitucional 25, de 1985; a mudança radical ocorreu em 2000, com a adoção da urna eletrônica. A percentagem de votos em branco e nulos que era uma das maiores do mundo —a média para o período 1980-2000 chegou a inimagináveis 37%, enquanto na Costa Rica, Uruguai, Chile, Argentina girava em torno de 5%— caiu brutalmente.

Desde 2000 o Brasil é modelo de governança com altas taxas de comparecimento às urnas e baixas taxas de votos nulos.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).


Alon Feuerwerker: Duas eleições. E as dúvidas entre o "se" e o "quando"

Não haverá debates, ou haverá poucos. A propaganda compulsória no rádio e na TV, dizem, atrairá bem menos interesse. O eleitor está tomado de preocupações relacionadas à pandemia da Covid-19 e à situação da (própria) economia. Há candidatos demais a prefeito, uma grande dispersão, o que provoca certo cansaço antecipado. E a campanha de rua e o corpo a corpo estão bastante limitados.

Bem, se tudo isso for mesmo verdade estas serão as eleições da inércia. E a inércia beneficia os mais conhecidos, quem está na frente nas pesquisas. E a grande dúvida: o que pode romper a inércia?

Um forte propulsor da tendência inercial são a homogeneização e pasteurização das candidaturas. O desfile dos nomes e suas propostas transmite certa sensação de "fim da história". Todo mundo propõe alguma modalidade de renda básica, mais dinheiro para as escolas, mais atenção para a saúde, subsídio ou gratuidade para o transporte, e por aí vai.

Eleições locais têm mesmo a tendência de serem essencialmente paroquiais, mas o grau previsto de paroquialidade destas apresenta uma contradição flagrante com o ambiente de polarização em que a sociedade brasileira já vem mergulhada há anos. Outra dúvida: a chegada da polarização nestas eleições municipais é uma questão de "se" ou de "quando"?

Bem, aqui cada um tem seu palpite, então lá vai mais um. Talvez estejamos diante do cenário não de uma eleição, mas de duas. Uma nos primeiros turnos repletos de candidatos, na maioria inexpressivos, com o eleitor desatento e desinteressado. Outra nos segundos turnos, quando o mano a mano irá, quem sabe?, impor automaticamente alguma polarização.

Joga contra a polarização, mesmo na eventual segunda rodada, o fato de a esquerda exibir muita fraqueza, numa escala inédita pelo menos nos últimos trinta e poucos anos. Até agora, a presença de candidatos competitivos da esquerda tem sido exceção. A praxe é a disputa mais provável estar entre as diversas correntes que se autonomeiam do centro para a direita que se declara como tal.

Claro que sempre é possível uma reviravolta, mas talvez seja sinal de que a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 tenha sido mais estratégica que circunstancial. A dispersão das candidaturas de esquerda explica apenas parte do quadro. Tirando as exceções, mesmo a soma das intenções de voto do chamado campo progressista está abaixo de desempenhos anteriores.

Outra variável a checar será a influência dos padrinhos nacionais. Outro palpite: ela tende a ser bem menor na eleição municipal que na presidencial.

Vamos então olhar o desenrolar dos acontecimentos. E vamos olhar também para o pós-eleição. Quando o eleitor finalmente se deparar com o provável cenário combinando 1) o fim do auxílio emergencial (mesmo os programas cogitados para substituir não parecem tão apetitosos assim), 2) o possível aumento de impostos, 3) a inelasticidade do desemprego.

Aguardam-se as consequências. Também aí a dúvida está entre o "se" e o "quando".

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Cristovam Buarque: Armas e urnas

Diante da violência generalizada por bandidos armados, os eleitores foram às urnas para eleger um candidato que defendia autorização para facilitar a posse de armas. Com a ilusão de que arma guardada em casa impede bandido, o eleitor teve razão no seu voto, e o presidente eleito, comprometido com sua promessa, tem razão em cumprir seu compromisso. As urnas pediram armas.

Os eleitores sempre têm razão, mas nem sempre estão certos. A razão vem do clima de desconfiança e do desespero, mas estar certo depende dos resultados que serão obtidos: nada indica que o armamentismo vai reduzir a violência no presente, e tudo indica que vai trazer consequências negativas no futuro.

Precisamos de polícia armada para nos defender, não de nos armarmos para reagir a ruídos na porta, desentendimento no trânsito, rejeição de atendimento a um familiar doente nas portas de hospitais. Em outubro, armas e urnas casaram, mas não darão bons frutos.

Um mínimo de lucidez sem demagogia permite imaginar os negativos resultados do armamentismo individual: aumento no desprezo e na falta de respeito aos policiais e soldados; mais armas nas mãos de bandidos que se dedicarão a roubar pessoas de que eles desconfiem ter armas; pessoas decentes que em momento de raiva se transformarão em assassinos; risco de nas mãos de crianças de famílias descuidadas provocarem tragédias definitivas. Autorizar posse de arma não combate a violência, expande-a, leva-a para dentro de casa, nas mãos de menores curiosos, de maridos violentos, de vizinhos nervosos.

Num tempo em que não se confia na polícia e nos policiais, nem em outras forças armadas e profissionais da segurança, o eleitor votou no que lhe parecia ser o melhor caminho para se defender. Sobretudo quando os próprios governantes recomendam não confiar na polícia nem nos policiais e autorizam cada um a comprar sua arma.

O eleitor iludido tem razão, mas comete um equívoco; o governante ilude e compromete a segurança, no lugar de enfrentá-la. A solução correta seria recuperar a confiança do eleitor na polícia e nas forças armadas, mas preferiu-se a solução simplista e demagógica de concordar com o cidadão para manter o desprezo à polícia e assumir o papel de defender pessoalmente a si e sua família.

O voto foi democrático, o presidente cumpre sua promessa de campanha, mas eleitores e ele estão errados, porque em política nem sempre ter razão é estar certo. Ter razão vem dos argumentos que ouvimos e nos convencem, estar certo decorre dos resultados positivos que ocorrerão em função da decisão tomada.

Pior é que esse armamentismo dificilmente será revertido. Uma vez armados, brasileiros nunca mais serão desarmados. Os que têm dinheiro para comprar armas e balas vão adquirir o direito e, no Brasil, direito adquirido fica pétreo para os ricos. Não faltarão políticos demagogos e populistas para serem aplaudidos ao proporem juros baixos para os pobres comprarem armas e “bolsas-bala” para municiá-las.

Além disso, medidas simplistas como essa tendem a impedir debates sérios. Iludem, ofuscam e fogem de perguntar por que o país que antes instigava pela tolerância agora intriga por substituir o diálogo pela intolerância; que aceitava e até se divertia com suas divergências, agora transforma as divergências em disputa, brigas, guerras.

O país que instigava pela tolerância é o campeão mundial de mortes violentas com mais de 60 mil assassinatos por ano, é campeão de concentração de renda e de desprezo aos professores; último colocado na qualidade de suas escolas e pior na desigualdade como suas crianças são educadas.

Não se debate como foi possível manter a persistência da pobreza ao longo de décadas, sem renda suficiente, água, esgoto, cultura; como deixamos nossas cidades se transformarem em “monstrópoles”, no lugar de metrópoles; como perdemos o controle e deixamos continuar o desmatamento da Amazônia, a contaminação dos rios, a sujeira nas ruas; sobretudo não nos perguntamos por que ficamos violentos, achando que o problema decorre da falta de armas nas mãos dos cidadãos e não do excesso delas na sociedade desigual, descontente, desconfiada.

No lugar de buscarmos soluções definitivas, o armamentismo aparece como opção simplista que não resolve e muito possivelmente agravará o problema. No lugar de entendermos o porquê da violência e como construir harmonia, estamos preferindo iludir o eleitor com a demagógica e grosseira falta de lucidez de que mais armas constrói paz e reduz mortes. (Correio Braziliense – 15/01/2019)

Cristovam Buarque, senador pelo PPS-DF e professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)


Tasso Jereissati: Janela de oportunidade

Parlamento tem de entender resultado das urnas

O eleitor brasileiro deu um claro recado de que não suporta mais viver sob o jugo de um Estado dirigista, provedor de privilégios para uns e de privações para outros. Clama por uma política de simplificação tributária, de controle dos gastos públicos e combate permanente à hipertrofia do Estado que levou à bola de neve da estagnação econômica.

No seu dia a dia, o cidadão pode até não saber formular com clareza sua demanda, mas, ao votar na proposta mais distante do establishment político, deixou patente que não suporta mais conviver com a falta de atendimento à saúde, à educação, com o transporte público ineficiente, sem segurança e, principalmente, com os escândalos de corrupção que tomaram conta da cena política.

Para fazer frente a tantos e urgentes desafios, o mundo político não pode fazer de conta que essa mensagem foi dirigida apenas ao Executivo. Trata-se de um recado também ao Legislativo e ao Judiciário.

O mesmo eleitor que votou para presidente votou também, com o mesmo sentimento, para os seus representantes no Congresso, de quem se esperam demonstrações de distanciamento do jogo de toma lá dá cá, que se tornou quase um padrão nas relações com o Executivo.

As grandes reformas estruturantes, da Previdência, fiscal, e trabalhista, assim como tantas outras de não menor importância, são pautas que exigem atitude republicana de deputados e senadores.

Combater o patrimonialismo e o corporativismo, enfrentar a ferida absurda da desigualdade social, ao mesmo tempo criando um ambiente democrático favorável à livre iniciativa e aos negócios, com segurança jurídica, são exigências morais que não podem estar condicionados a jogos de interesses paroquiais. Sem as reformas, ninguém conseguirá governar, seja o presidente, sejam os governadores ou os prefeitos.

Para conseguir obter consenso na reforma da Previdência, a mãe de todas as reformas, o governo terá que lidar com a maior fragmentação partidária da história do Parlamento. Somente no Senado, foram 15 os partidos que obtiveram assentos. Mesmo considerando fusões inevitáveis, o Parlamento brasileiro apresenta-se com uma das maiores fragmentações partidárias do planeta, perdendo apenas para Papua-Nova Guiné.

E não se espere que tamanha fragmentação seja o reflexo do contraste do nosso quebra-cabeça coletivo. Agremiações parecem não ter um autêntico lastro social que resulte no acesso dessa miríade de partidos às cadeiras do Parlamento. A governabilidade já é comprometida na origem pela ausência de uma maioria estável, exigindo tratativas e negociações com uma base tão heterogênea que se traduz em alto custo político do processo decisório.

Em democracias consolidadas e maduras, o partido mais votado alcança em torno de 40% do total dos votos. No Senado, o mais votado, o MDB, alcançou só 14,8%. Vale lembrar que para aprovar uma PEC (proposta de emenda constitucional) são necessários 60% dos votos. Isso indica as dificuldades enormes de articulação política que terá o novo governo. Sem contar o fato de que, das 54 vagas em disputa neste ano, 46 serão ocupadas por novos nomes.

Mas devemos ter presente que o momento que vivemos não é um soluço no tempo. É fruto de camadas de ressentimentos populares contra o que se tornou a imagem da política e dos políticos. A população, pelo voto, não apenas elegeu seus novos representantes, mas definiu uma carta de navegação para a ética política, à qual estamos todos sujeitos, independente do espectro político que ocupemos. Sendo o Legislativo o poder originário, o único em que todos os seus membros se submetem à vontade coletiva, devemos ser também os primeiros a auscultar o ânimo que brota do voto democrático e soberano da cidadania.

Esse quadro torna ainda mais importante a eleição de um presidente do Senado capaz de se constituir de fato como o representante máximo do Parlamento frente à sociedade. Cabe a ele a interlocução com os meios de comunicação, autoridades, sindicatos, empresas e representantes diplomáticos. Estamos numa rara janela de oportunidade para desenhar um novo pacto constitucional entre os Poderes e, para tal, é necessário que o Parlamento, independente e altivo, compreenda o resultado das urnas.

*Tasso Jereissati, senador (PSDB-CE) desde 2015 e de 2003 a 2011; ex-governador do Ceará (1987-1991 e 1995-2002)


Cristovam Buarque: Ressurreição pelas urnas

O livro A ressurreição do General Sanchez, publicado pela Editora Paz e Terra, em 1981, reeditado em 1997 pela editora Geração, conta a história de um ditador latino-americano que, percebendo o esgotamento de sua ditadura, decide terminar seu regime e escolher um substituto. Usando as técnicas da engenharia genética, mandou fabricar um clone. O herdeiro seria idêntico ao pai, mas enquanto crescia, foi mudando de personalidade e de ideologia. Descobriu-se depois que a CIA havia produzido outro clone de direita, neoliberal; o Vaticano tinha produzido um democrata cristão, carola. Os clones foram sendo substituídos clandestinamente pelos serviços de espionagem dos países. O ditador aceitou pacientemente essa variação, até descobrir que os soviéticos também tinham o seu clone. Comunista, ele não aceitou.

O general mandou matar o último clone, o comunista, e engravidou três mulheres para escolher como seu herdeiro o primeiro filho que nascesse. Para surpresa de todos, cada mulher deu à luz cinco meninos, todos com cara e mãos de demônio. O ditador então legalizou os partidos e autorizou uma eleição livre, universal, desde que disputada entre os quinze meninos, seus filhos demônios. Não esperava o caos provocado por uma eleição com tantos candidatos, todos com alta taxa de rejeição pelos eleitores que não queriam escolher entre diabos, ainda que filiados a partidos diferentes.

Ao sentir os limites de seu poder para controlar e organizar sua sucessão, o general mandou dizer ao povo que tinha decidido morrer, para ressuscitar quando o país precisasse dele outra vez. E desapareceu. Em um estilo de realismo fantástico, o livro descreve o período democrático como um grande carnaval, em que a população brinca nas ruas, os constituintes dentro do parlamento, enquanto a desordem se espalha, até que o general ressuscita, durante a tristeza e a ressaca da quarta-feira de cinzas histórica.

Ainda é cedo para dizer se essa ficção de 1981, anterior à redemocratização no Brasil, se assemelha à história recente de algum país. Mas é possível dizer que o período entre o fim de uma ditadura e o renascimento de outra se parece com a história que o livro descreve: os democratas civis perdem mais tempo brigando entre eles e olhando para as reivindicações de cada grupo no presente do que imaginando a melhor forma de construir o futuro para o país. Até que o povo, cansado do caos, da corrupção, do crime, da pobreza, da desigualdade, termina exigindo a volta da ditadura.

O autor não imaginou, porém, a possibilidade de que o fracasso dos democratas levaria os eleitores a votarem, democraticamente, pela volta do ditador: no livro, o fim da democracia decorre da ressurreição, por determinação divina. A obra conta: “Na sua autobiografia, sob o título Predestinado, que foi escrita pelo jornalista Ruiz Jimenez, e distribuída grátis em todas as escolas do país, o general Sanchez relembra a tarde de agosto quando ele decidiu tomar outra vez o governo de Sinandá. ‘Eu estava sentado, na varanda da Casa Grande, quando do Riacho Pequeno pareceu sair a voz de Deus dizendo: General, chegou a sua hora. Eu pensei que ia morrer e lembrei que um soldado não teme esse momento. Mas aí a voz disse pausadamente: General, seu dever é tomar o governo da Pátria e transformá-la em um exemplo aos olhos do mundo. E eu respondi: com vossa ajuda?”. O livro não diz: “missão não se discute, se cumpre; e Deus provê capacidade para quem Ele escolhe”.

Quase 40 anos depois de publicada, a obra exige uma nova versão em que a ressurreição se daria pelo voto, pelas urnas, não pelas armas. O desânimo do povo preferindo o risco do autoritarismo e da intolerância ao caos criado por civis perdidos em suas brigas partidárias, sem espírito público, sem perspectiva de longo prazo. Uma nova versão deveria descrever os erros cometidos pelos políticos democratas ao longo do período em que o ditador estava morto, esperando voltar. Ajudaria ao autor inspirar-se em um personagem do próprio livro, um escritor que previu o que aconteceria: o caos provocando a ressurreição; e que antes de partir para seu exílio em Paris afirmou que “a história ocorre como um carrossel, onde os políticos sobem e descem, e o povo, mesmo quando vota, fica de fora, olhando o sobe e desce dos políticos montados nos cavalinhos”.

http://www.pps.org.br/2018/11/06/cristovam-buarque-ressurreicao-pelas-urnas/


Roberto Romano: Cuidado, nas urnas a foto é de Platão!

Quem nega que o vitorioso será o político que mais cativar, com mentiras e lisonjas...?

Nas atuais eleições é notável o uso de mentiras e violência. Muito se discutem o voto eletrônico e as informações falsas veiculadas na internet. Os pronunciamentos de Rosa Weber, presidente do TSE, não amainam as suspeitas sobre a eficácia das medidas contra fraudes e manipulações das notícias. Mergulhados na vida recente, imaginamos enfrentar um fenômeno inusitado, a crise letal do sistema democrático. No entanto, desde a Grécia antiga esse modo de governar beira o abismo. Recordo alguns escritos clássicos de Platão, o maior adversário do governo popular. Eles trazem um diagnóstico válido para nossos tempos.

O povo que segue o palpite de pessoas sem técnica na arte política, segundo Sócrates, só pode ser doente. Em vez da prudência nos assuntos de Estado, ele obedece ditames que pioram as mazelas. Como o milagre é efetuado? Pela demagogia nas assembleias onde dominam a retórica e a lisonja . Em vez de rir ou caçoar dos que mentem e adulam a massa, o povo adoentado os aplaude e os elege para os cargos, submete-se à sua propaganda. Como curar um coletivo insensato? O símile do médico surge depressa em Platão. Para conseguir a higidez dos eleitores, pergunta o personagem socrático: “Eu deveria batalhar contra eles para os fazer melhores, como se fosse um médico? Ou me pôr a seu serviço e em ótimas relações com eles lhes agradar?”.

Com a resposta de seu parceiro, de que o mais avisado seria se pôr à disposição dos eleitores, Sócrates afirma: “Então eu devo lisonjeá-los”. E chega a premonição, pelo próprio filósofo, da sua própria sorte: dizer o verdadeiro à massa que deseja ser enganada é seguir para a morte. A cicuta destina-se aos inimigos de toda demagogia. Contra os políticos, Sócrates descreve a si mesmo como integrante do pequeno número dos estadistas (“talvez o único”, diz ele). Quando falo, minhas palavras não se destinam ao agrado, pois digo “o que é melhor, não o prazeroso”.

Vem a célebre comparação do médico e do mestre-cuca, símile que deveria estar na mente de todos os políticos ou eleitores verdadeiramente democráticos. Um médico é acusado pelo cozinheiro em tribunal de crianças. Como poderia ele se defender das acusações feitas pelo cozinheiro? “Crianças, eis aqui um homem que lhes causa muitos males. Ele esfola até os novinhos, corta ou queima, disseca e sufoca de tal modo que vocês não sabem onde se esconder. Ele obriga a tomar remédios amargos, a ter fome e sede! Ele não é como eu, pois sirvo doces para seu regalo!”. Paralisado, o médico não consegue dizer a verdade: “ Tudo faço para a sua saúde!”. O povo criança adoecida só escuta a lisonja, a mentira. A verdade é-lhe insuportável.

Em tempos de fake news, a maior é dizer que elas surgem com a internet. Seu nascimento se deu quando a linguagem, uma técnica que possibilita a sociedade, foi inventada. A fala revela paixões ou dissimula gestos amáveis em atos agressivos. A política não existe sem mentira, propaganda, demagogia. Da Ágora, onde os únicos instrumentos persuasores eram a boca e o corpo, à televisão e ao WhatsApp, passar adiante o falso é tarefa estratégica de qualquer liderança que reúne massas.

A busca de agradar e mentir chega ao ápice com as práticas de Goebbels, Walter Lippmann e o Agitprop soviético. No tremendo A Língua do Terceiro Reich, Viktor Klemperer mostra a locução diabólica do mundo ideologizado. Quando a mentira se universaliza a doença política atinge o seu grau máximo, a corrupção popular. A massa assassina quem diz algo verdadeiro ou exige disciplina ética e respeito à lei. Chegamos à situação descrita na República (488 aC). O navio do Estado, nave dos loucos, assiste à guerra dos marinheiros pelo comando, sem que nenhum deles tenha saber técnico apropriado. “Eles elogiam e tratam como marinheiro sapiente quem contribui para que obtenham o comando, seja persuadindo o dono do navio ou exercendo violência sobre ele, mas ao que não é capaz disso censuram como imprestável”. O “dono do navio” na democracia é o povo. Para os ignaros movidos pela adulação, o verdadeiro piloto seria inútil.

Platão expõe algo insuportável para as almas democráticas. O certo, num Estado saudável, seria o povo pedir para ser governado, jamais o bom governante implorar o controle. O Estado moderno foi edificado pela burocracia. Nela, o saber técnico toma as decisões e disfarça o desprezo pelas urnas com o uso de propaganda e retórica. Um Parlamento ou rei, diz Max Weber, se tornam frágeis se burocratas não lhes fornecem dados sobre economia e administração. É o “segredo do cargo”. Para vencer semelhante “espírito coagulado” (ainda Weber), na passagem do século 19 para o 20 surgem as políticas do carisma, lideranças de um homem ou partido cuja missão é restaurar todas as coisas corrompidas. Chega a hora do jurista Carl Schmitt com o Führer, que, acima da burocracia, decide sobre o direito, o inimigo e a ditadura. Ele é soberano. Do outro lado, o filósofo G. Lukács exibe fé na revolução proletária internacional que destruiria o aparelho burocrático. À direita ou à esquerda, ambos justificaram tiranias. Hoje a máquina administrativa persiste. O mundo soube em data recente: funcionários detentores dos cargos e do segredo atenuaram iniciativas desastrosas do presidente Trump na política internacional. Mas o engenho da burocracia gera o salvador do povo e sua lisonja para obter, como em Atenas, o apoio do eleitor.

Doutrinas autoritárias ou totalitárias aproveitaram a crítica platônica, nela vendo uma senda para o líder e o partido único. Os ataques de Karl Popper (The Open Society) têm boas razões para recusar a advertência platônica. Mas notemos a demagogia no Estado democrático. Quem nega que as próximas eleições indicarão como vitorioso o político que mais cativar, com mentiras e lisonjas, o maior número de eleitores? Nas urnas, a resposta, não temo adiantar, será uma enorme reiteração do que denuncia o pensador perto de quem “toda a filosofia ocidental não passa de uma nota ao pé da página”. Os votos, na sua maioria, serão em prol do cozinheiro. O médico que se cuide.

*Roberto Romano é professor da Unicamp, Roberto Romano é autor de Razões de Estado e outros estados da razão (Perspectiva)