Livro ‘Almeida, um combatente da democracia’ mostra legado de dirigente

Cleomar Almeida, coordenador de publicações da FAP

Cearense, jornalista, revolucionário e referência na luta pela democracia brasileira, Francisco Inácio de Almeida, de 81 anos, superou prisões, clandestinidades e exílios sem desanimar. Com sabedoria histórica, ele é um dos principais articuladores do Cidadania, que garantiu nova identidade ao PPS (Partido Popular Socialista), do qual foi secretário-geral e que evoluiu a partir do PCB (Partido Comunista Brasileiro), fundado em 1922.

“Almeida enfrentou prisões, clandestinidades e exílios sem nunca esmorecer no combate pelo Estado Democrático de Direito. Tem a Democracia como fundamento da sua práxis ou ação política. Este o seu maior legado. Ou seja, a tolerância, a solidariedade e a dedicação a uma luta”, escrevem os organizadores do livro Almeida, um combatente da democracia (Abaré Editorial, 140 páginas), Ivan Alves Filho e George Gurgel de Oliveira.

Ivan Alves Filho e George Gurgel de Oliveira (D) são os organizadores do livro Almeida, um combatente da democracia (Abaré Editorial, 140 páginas)

Com homenagem e registro da importância de Francisco Almeida para as forças democráticas brasileiras, o livro será lançado no dia 21 de maio, a partir das 10 horas, na Livraria Livro Técnico, de Sérgio Braga, ao lado do Flórida Bar (Rua Dom Joaquim, 54). O evento, realizado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, conta com a participação do jornalista que é descrito na obra como “articulador de pessoas e coisas na luta comum”.

Almeida é o retrato vivo da história de luta pela redemocratização do país, pela qual atuou, conjuntamente, com outros grandes nomes do PCB. Em Moscou, trabalhou com Luiz Carlos Prestes. No Brasil, com a volta dos comunistas ao país garantida pela Anistia, em 1979, integrou a direção máxima do partido, ao lado de Giocondo Dias, Dinarco Reis, Salomão Malina, Hércules Corrêa, Geraldo Rodrigues dos Santos, Paulo Elisiário Nunes, Sérgio Augusto de Moraes e do hoje presidente do Cidadania, Roberto Freire.

Foto: Cristiano Mariz/VEJA

Filho de uma família de pequenos produtores rurais e que trabalhou desde menino em uma padaria, o dirigente carrega, em si mesmo, as várias formas pelas quais é chamado e a característica de integridade, como ressalta Freire. “Pra este antigo comunista, hoje cidadão do meu tempo, Chico. Pros (sic) cearenses, Inácio. Para o resto do Brasil, Almeida”, afirma o presidente do Cidadania.

“É um homem de luzes, sempre olha pra frente. Sua mesa de trabalho, uma bagunça organizada onde sabe encontrar cada um dos papéis que procura, é um sinal de sua criatividade. E pessoas criativas não param no tempo. Difícil ver Chico perder a calma. Mantém a tranquilidade mesmo nos debates mais acirrados. Debate ideias”, afirma Freire, em seu texto.

Caetano: "Percorreu o trajeto habitual de simpatizante para militante e de militante para dirigente partidário". Foto: FAP

O cientista político e diretor-geral da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), Caetano Araújo, lembra que Almeida aproximou-se do partido ao final dos anos 1950, perto dos seus 20 anos, quando estudava jornalismo e trabalhava em jornais de Fortaleza. “Em uma década decisiva na história nacional, que começou com o fortalecimento das lutas populares, passou pelo golpe de 1964 e culminou na radicalização da ditadura no rumo do fascismo, após o AI-5, percorreu o trajeto habitual de simpatizante para militante e de militante para dirigente partidário”, diz Araújo.

Para o dirigente do Partido Democrático, da Itália, o sindicalista Andrea Lanzi, Almeida é “democrata exemplar” e suas principais características são “humildade, cordialidade e respeito”. “Mesmo sendo ele um militante apaixonado pelas próprias ideias, sempre mantivemos um profundo respeito um pelo outro. Apesar do meu apoio ao Partido dos Trabalhadores, como responsável político do PD no Brasil, que ele considera uma posição equivocada, o companheiro Almeida sempre soube entender os meus posicionamentos”, conta ele, no livro.

Dura realidade nordestina criou em Almeida o inconformismo em aceitar as injustiças que, no Brasil, começam no Nordeste, avalia Aspásia Camargo. Foto: Divulgação

A dura realidade nordestina criou em Almeida o inconformismo em aceitar as injustiças que, no Brasil, começam no Nordeste, o principal responsável pelas escandalosas desigualdades econômicas e sociais do país, na avaliação da escritora Aspásia Camargo, ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

“Este inconformismo certamente o levou a abraçar as causas do nosso Partidão, a procurar em Cuba um caminho para a América Latina e a encontrar em Prestes sua fonte de dedicação, ele que foi o único verdadeiro herói que tivemos, o herói da Coluna Prestes que varou 27.000 km invencível, denunciando as oligarquias. E sendo, afinal, a fonte inspiradora de Mao Tsé Tung em sua Longa Marcha que conquistou a China e surpreendeu o mundo”, afirma Aspásia.

Além das questões políticas e da intensa e incansável defesa de Almeida pela democracia, o livro também aborda aspectos familiares, mostrando a versão do “Pai Almeidinha”, conforme escreve o filho e jornalista Thiago Vitale Jayme. De um homem que inspira inúmeras pessoas, o exemplo é a melhor forma de ensinamento. “Você é um pai que ensina por meio do exemplo. A sua dignidade diante da vida é uma aula diária. A sua empatia (você liga para todos os grandes amigos rotineiramente, só para saber se estão bem) é outro gesto que me ensina sempre”, conta Jayme.

A socióloga Abigail Páschoa, ativista das causas negras, avalia que “Almeidinha”, como ela também o chama, simboliza a organização, o funcionamento produtivo e orgânico do partido antigo PPS e do atual Cidadania. “Espero que o companheiro continue cumprindo seu papel de direção não autoritária no Cidadania, fortalecendo seu papel de liderança orgânica e firme”, ressalta, para continuar: “Que esta justa homenagem que ora fazemos ao companheiro sirva também de estimulo para que os novos militantes pautem suas atuações pelos princípios democráticos, buscando sempre os projetos coletivos, acima dos delírios dos projetos de poder individual, na trajetória política do Cidadania”.

Serviço

Lançamento do livro Almeida – Um Combatente da Democracia

Dia: 21/5/2022

Horário: a partir das 10h

Onde: Livraria Livro Técnico, de Sérgio Braga, ao lado do Flórida Bar (Rua Dom Joaquim, 54)

Realização: Fundação Astrojildo Pereira


João Jorge: Ações afirmativas contra a desigualdade racial

Mestre em Direito Público pela UnB, João Jorge é o entrevistado desta semana no podcast Rádio FAP

João Rodrigues, da equipe da FAP

Lembrar a resistência do povo negro para avançar na luta por uma sociedade livre de toda forma de opressão. Esse é um dos principais objetivos do Dia da Consciência Negra, celebrado neste sábado, 20 de novembro. A data foi instituída oficialmente pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, e faz referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região Nordeste do Brasil.

Para falar sobre a luta por igualdade racial no Brasil, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desta semana conversa com o presidente do Olodum, João Jorge Santos Rodrigues. O programa tem, ainda, a participação do jornalista Sionei Ricardo Leão, membro do Conselho Curador da FAP, e de George Gurgel, professor da Universidade Federal da Bahia.
Ações de combate à discriminação social, a importância do incentivo a autoestima e ao orgulho dos afro-brasileiros e a batalha para assegurar os direitos civis das pessoas marginalizadas estão entre os temas abordados no programa. O episódio conta com áudios da banda Olodum e do canal oficial no Youtube de Michael Jackson.



O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.

Em seu livro, o presidente do Olodum destaca que a luta pela igualdade é uma batalha de todos e destaca que a ideia é conscientizar a sociedade de maneira plural. Foto: Arquivo pessoal

Saiba mais
João Jorge Santos Rodrigues é mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília. Desde de julho de 1983 faz parte do Grupo Cultural Olodum, atuando nas últimas décadas como presidente. É ex-membro do conselho curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e ex-diretor da Fundação Gregório de Mattos. Produtor cultural, poeta e escritor, João Jorge lançou o livro em setembro o livro “Fala Negão, o Discurso sobre a Igualdade”, segunda publicação do presidente do Olodum e militante da luta social negra. Trata-se de uma coletânea de textos escritos e publicados, além de registros de conferências e entrevistas realizadas no período de 1983 a 2021. No livro, o presidente do Olodum destaca que a luta pela igualdade é uma batalha de todos e destaca que a ideia é conscientizar a sociedade de maneira plural.




Maria Cristina Fernandes: Demanda reprimida na pandemia impediu avanços maiores na COP26

Rubens Ricupero vaticina que mudança só virá quando perda atingir os milhões de dólares

Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

 “Ela é o veneno que eu escolhi para morrer sem sentir.” É com esta estrofe de “Pela Décima Vez”, samba de 1935, que Noel Rosa define a amada. E é nele que o embaixador Rubens Ricupero se apoia para definir a 26ª COP, sigla para Conferência das Partes, que se encerrou na semana passada. Os limites esbarrados lhe mostraram que o conjunto das nações ainda escolhe matar o planeta aos poucos porque seu aquecimento ainda não lhe provoca medo de morrer. Não foi capaz de suscitar, na opinião pública mundial, o choque que se conheceu com a pandemia quando as pessoas foram obrigadas a mudar de comportamento e de vida.

Aos 85 anos, o ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e ex-ministro do Meio Ambiente não precisou mudar seu jeito enclausurado de ser ao longo da pandemia para dimensionar a ameaça do aquecimento global resultante de seu maior encontro. E conclui que a própria pandemia pode ter sido um dos fatores a impedir avanços maiores. Como os países correm para atender à demanda reprimida ao longo da clausura, agiganta-se o custo político das decisões rumo à economia de baixo carbono. A se confirmar sua previsão, a mudança só vai acontecer, no Brasil e no mundo, quando as catástrofes chegarem aos milhões de dólares.

Não que a conferência tenha sido pura decepção. Os piores pressentimentos de Ricupero, tanto em relação à disputa entre as duas superpotências, China e Estados Unidos, quanto à participação brasileira, acabaram por não se confirmar. O pessimismo do embaixador vem da certeza de que os compromissos assumidos, por mais tímidos que sejam, não se farão cumprir e, se o forem, não evitarão o cataclisma climático.

Tome-se, por exemplo, as NDC (contribuições nacionalmente definidas), sigla para os compromissos voluntários apresentados por mais de 150 países para a redução na emissão de gases de efeito estufa. Houve um maior consenso em relação à fixação do patamar de 1,50 C de aumento de temperatura no fim do século em relação àquela vigente na era pré-revolução industrial.

Oficialmente, porém, a soma de todas as propostas feitas pelo conjunto das nações, se cumpridas, levaria a um aumento de temperatura de 1,80 C. E o cálculo de institutos independentes chega a 2,40 C. E como nunca se cumprem as propostas na sua integralidade, o quadro é mais feio do que se pinta, diz o embaixador, testemunha de grande parte dos encontros climáticos promovidos pelas Nações Unidas em três décadas.

O consolo é que podia ser pior. Era o que se desenhava da ausência dos presidentes russo, Vladimir Putin, e, principalmente, do chinês. Sem sair da China há 21 meses, por conta da política de covid-zero, Xi Jinping não enviou sequer um vídeo com os compromissos de seu país, como fizeram outras lideranças. Se é a economia que mais tem a ganhar com a conversão ambiental, por ser o maior fabricante de equipamentos para energia renovável do mundo, a China tem também uma velocidade de adaptação a ser regulada pelas ambições políticas de seu dirigente máximo. Em novembro de 2022, o Partido Comunista Chinês se reúne para seu 20º Congresso para confirmar o terceiro mandato de Xi Jinping. Pelo preâmbulo da resolução do Comitê Central do PCC durante a COP 26, não ficou dúvida de que é o que acontecerá.

O cálculo político e a aparente soberba, no entanto, não impediram o diálogo entre os dois países, mesmo quando o establishment da política externa americana já lhes decretava em nova Guerra Fria, conta um diplomata brasileiro que acompanha de perto a relação bilateral. Compute-se aí a visita de dois dias, em setembro, com dispensa de quarentena, de John Kerry, enviado especial dos EUA para mudanças climáticas. Ou a maneira pragmática com a qual a imprensa chinesa acolheu a agressividade de Nicholas Burns, indicado de Biden para comandar a embaixada dos EUA em Pequim. Suas declarações, ao longo da sabatina no Senado americano, foram compreendidas como parte do jogo para arrancar o aceite parlamentar.

E o resultado foi colhido 48 horas antes do encerramento da COP 26, quando Kerry e o enviado especial para clima da China, Xie Zhenzua, fizeram uma declaração conjunta e, cinco dias depois, quando os próprios chefes de Estado tiveram seu primeiro encontro, ainda que virtual. A declaração conjunta terá pouco impacto imediato, mas manteve os dois países num terreno comum de entendimento. Se EUA e China têm muitas áreas de desacordo, diz Ricupero, a declaração mostrou que o meio ambiente não é uma delas. Como todo diplomata, o embaixador brasileiro mede e pesa todas as palavras de eventos do gênero. E neste foi fisgado pela “questão existencial” com a qual delegado chinês definiu o aquecimento global.

Na existência dos dois países, a China aparece como a mais resistente a compromissos ambientais ousados. Isso porque reluta em arcar com o ônus de maior emissor atual de dióxido de carbono que, de fato, é. Cede a liderança aos EUA, porém, na emissão acumulada de gases que permanecem na atmosfera e contribuem para o aquecimento. Em balanço recente feito pelo site britânico “Carbon Brief” (www.carbonbrief.org/analysis-which-countries-are-historically-responsible-for-climate-change), estima-se que do CO2 produzido desde a Revolução Industrial no mundo, 20% é “made in USA”. A China vem em segundo, com 11%, em grande parte porque entrou tardiamente no jogo. Seguem Rússia (7%), Alemanha (4%) e Reino Unido (3%). Brasil (5%) e Indonésia (4%) são os dois únicos países que devem sua presença no pódio da emissão acumulada majoritariamente ao desflorestamento.

A entrada tardia da China no jogo da industrialização ainda faz com que o país tenha uma única planta entre as dez maiores térmicas a carvão que poluem o planeta. A Coreia do Sul lidera com três unidades e a Índia vem em seguida com duas. Polônia, Taiwan, Alemanha e Japão têm, cada um, uma usina na lista. Estudo produzido pela Universidade do Colorado e publicado na Environmental Research Letters (iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/ac13f1/pdf) mostra que o fechamento das 5% piores térmicas a carvão do mundo reduziria 75% da emissão de carbono provocada pelo setor.

O peso da Índia na lista das dez maiores térmicas a gás explica seu protagonismo na mitigação do compromisso sobre a energia a carvão com a troca do termo “eliminação” por “redução” acrescido de um gradualismo a perder de vista. Os Estados Unidos não têm uma única planta na lista das dez maiores do mundo, mas, internamente, o dano provocado por suas grandes térmicas a carvão é mais concentrado do que na China e de suas mais de duas mil usinas. O constrangimento do qual a China é poupada e atormenta Biden é o custo eleitoral de se avançar no tema.

Se o crescimento dos partidos verdes e a dominância da consciência ambiental entre jovens são o que sustenta as posições mais ousadas da União Europeia no debate climático, nos Estados Unidos o avanço de Biden no tema ameaça lhe tomar a maioria democrata no Senado, diz Ricupero. O presidente americano tem em Joe Manchin, um correligionário de Virgínia Ocidental, um dos Estados mais dependentes do carvão do país, um dos maiores opositores ao seu “Green New Deal”. Se Biden perder um único assento, vai-se a maioria democrata no Senado. Conseguiu passar no Congresso o pacote de US$ 1,3 trilhão de investimento em infraestrutura, mas patina nos pacotes social e ambiental.

O federalismo que, nos EUA, se levanta como uma barreira contra os compromissos ambientais do governo, o que resta de seus contornos no Brasil tem um efeito inverso. O Consórcio Brasil Verde apresentou-se, na COP 26, como a iniciativa governamental brasileira mais consequente em Glasgow. Articulado por 25 governadores, o consórcio constituiu um fundo único de investimentos para captar recursos de financiamento climático para a redução de emissões e incentivo à geração de energias renováveis. Num dos Estados que o integra, o Rio Grande do Sul, as pretensões eleitorais de seu governador, Eduardo Leite, pré-candidato tucano à Presidência, abortaram o pólo carboquímico que havia sido arquitetado por seu antecessor com vistas à exploração da maior reserva de carvão do país.

Governadores, entidades ambientais, empresários e o que restou da diplomacia brasileira depois de 27 meses de Ernesto Araújo salvaram a participação oficial do país em Glasgow da catástrofe. O Brasil não recuperou a posição que tinha antes, continua com uma imagem muito abalada, mas não saiu com pecha de vilão, diz Ricupero. Subscreveu a declaração das florestas e do metano, a despeito das resistências dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.

Nenhum dos dois, porém, será cumprido pela frustração dos avanços esperados no financiamento e no regramento do mercado de crédito de carbono. O texto final não satisfez o mundo em desenvolvimento e levou o dirigente de um arquipélago ameaçado pelo avanço do mar a deixar um apelo dramático: ao afogamento, prefere ser bombardeado.

O quadro, somado ao enfraquecimento dos negociadores brasileiros na era Jair Bolsonaro, levará o país a ter mais dificuldades frente ao estrangulamento crescente de seus mercados advindo, por exemplo, da declaração conjunta entre EUA e China que pode vir a apertar o cerco sobre a agropecuária e a mineração com mecanismos de rastreamento.

A sensação de que se fez muito barulho por pouco cresceu porque no mesmo fim de semana em que a COP 26 se encerrou, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais divulgou dados que mostram o desmatamento de outubro de 2021 como o maior no mês em toda a série histórica. E o presidente Jair Bolsonaro foi à Expo Dubai para dizer a investidores que toda essa conversa ambiental sobre o Brasil é notícia falsa. Por pouco não tomou de empréstimo o resumo da ativista sueca Greta Thunberg sobre a conferência da ONU: blá-blá-blá.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/eu-e/coluna/maria-cristina-fernandes-demanda-reprimida-na-pandemia-impediu-avancos-maiores-na-cop26.ghtml


Reinaldo Azevedo: O mimimi dos reacionários é manifestação da covardia ressentida

Não se deve culpar as vítimas pelo sucesso de um fascistoide que ganha um microfone e sim quem lhe deu o microfone

Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo

Há pessoas bastante preocupadas com o que consideram "mimimi" excessivo e patrulheiro de mulheres, comunidade LGBTQIA+, negros... A militância identificada com a defesa dos direitos dessas comunidades e a adesão de meios de comunicação e empresas a seus valores constituiriam um misto de censura e exclusivismo moral, escrevendo, então, a cartilha de um novo autoritarismo, essencialmente hipócrita porque, na fórmula conhecida, seria a homenagem do vício à virtude.

Pois é... A muitos cansa, então, a reivindicação de mais direitos ou da correção da linguagem por um padrão que, ao se pretender mais inclusivo, imporia limites à liberdade de expressão. Entendo o ponto. Mas a mim, confesso, cansa mais o chororô dos que veem cassada a licença que lhes parecia tão natural, caída da árvore dos acontecimentos, para atacar os humilhados de sempre. Ou para transformá-los em alvos de riso ou escárnio. Ou para submetê-los ao enxovalho público. Seu pecado essencial? Ser quem são. O mimimi dos reaças é só manifestação da covardia ressentida.

As palavras movem; os exemplos arrastam. Aprendi no meu interior que não era correto "judiar" dos animais. No antigo ginásio, já lá se vão quase 50 anos, uma professora explicou a origem do vocábulo "Judiar". Significava ou "ser mau como um judeu" ou dispensar a outrem tratamento que seria "próprio aos judeus". Ficou claro, com o entendimento de que eu era capaz então, que "judiação", qualquer que fosse a explicação, não revelava necessariamente a intencionalidade do falante, mas reiterava uma história de perseguição que havia restado na cultura.

"Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino", escreveu São Paulo. A etimologia e a história dessas palavras, entre outras, ajudaram a me fazer adulto. Minha família e seu entorno não eram antissemitas; nem mesmo tinham formação e informação suficientes para participar de porfias dessa natureza. A ignorância de causa desculpa, mas não muda a carga histórica que podem ter os vocábulos. A educação era e é o caminho do esclarecimento. Sim, passei a "patrulhar" os próximos: "Não se deve dizer isso! Sabem o que significa?"


Foto: AFP
Foto: AFP
Foto: Olivier Doullery / AFP
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
previous arrow
next arrow
 Foto: AFP
 Foto: AFP
Foto: Olivier Doullery / AFP
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
previous arrow
next arrow

Será que Maurício Souza, para lembrar um caso que ficou em evidência, tem o direito de achar que um super-herói bissexual é uma ameaça? Nota-se, por suas postagens, que ele identifica uma agenda a ser combatida nessa área. Se ele torna públicas —e não apenas a seus íntimos— as suas restrições, aderindo a uma pauta que também traduz uma escolha política, é evidente que se expõe a reações. As redes sociais são a nova ágora, não o divã do analista. Nem do de Bagé.

"As consequências não foram proporcionais ao agravo", dizem aqui e ali. Pois é... E se Souza estivesse reagindo a um super-herói que fosse um judeu intergaláctico? É bem provável que a questão nem mesmo estivesse sob debate. A luta contra o antissemitismo, como é notório, goza de um status muito superior àquela que combate a discriminação contra a população LGBTQIA+. É claro que são coisas distintas também na escala do horror. Mas algo as une: não se pode aceitar em silêncio que pessoas sejam discriminadas por ser aquilo que são.

Há quem aponte que a reação à homofobia praticada pelo jogador foi contraproducente porque, com a mobilização evidente das milícias digitais bolsonaristas, ganhou mais de um milhão de seguidores nas redes sociais. Assim, seus críticos teriam potencializado a sua voz. Ninguém deve estranhar caso se candidate a cargo eletivo ou vire comentarista político... Pode acontecer. Mas não se deve culpar as vítimas pelo sucesso de um fascistoide qualquer que ganha um microfone. O responsável é quem lhe dá o microfone.

Chega de falar, pensar, raciocinar e escrever como um moleque. Na 6ª acepção do "Dicionário do Houaiss".

Um rodapé. Os "morocolunistas" —que é o bolsonarismo com pretensões iluministas— não veem mal em atropelar a ordem legal se for para combater a corrupção. E quem não concorda com eles ou é corrupto ou é conivente com os malfeitos. São mais íntimos da guilhotina do que das luzes.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/11/o-mimimi-dos-reacionarios-e-manifestacao-da-covardia-ressentida.shtml


Reconhecimento de João Cândido como herói enfrenta resistência da Marinha

Força diz não reconhecer heroísmo no movimento que exigiu fim da chibata; projeto que o declara herói avançou no Senado

Fernanda Canofre / Folha de S. Paulo

"A Marinha me pediu que eu pedisse vistas, que ela me traria vários argumentos e documentos que eu não conheço", explicou o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), por videoconferência, em uma sessão da Comissão de Cultura, Educação e Lazer do Senado.

Na ocasião, no começo de outubro, era discutido o projeto de lei que propunha inserir o nome de João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata (1910), no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.

Duas semanas depois, em 28 de outubro, o senador deu voto favorável à proposta, aprovada por unanimidade na comissão, mas pediu licença para ler a nota enviada pela Marinha.

Nela, é defendida uma posição expressa há anos: a Marinha cita quebra de hierarquia e disciplina e diz não considerar o movimento —que teve cerca de 2.300 marinheiros amotinados pelo fim do castigo físico— "ato de bravura" ou de "caráter humanitário".

A nota da Marinha fala das ameaças de bombardeio à cidade do Rio e afirma que vidas foram sacrificadas, incluindo duas crianças, atingidas por projétil —historiadores dizem que os marinheiros juntaram dinheiro para ajudar as famílias delas.

A Marinha diz ainda não considerar que os castigos físicos estivessem corretos, mas salienta que reconhecer erros não justifica avalizar outros, citando a exaltação das ações dos revoltosos como exemplo.

​Caso o projeto avance na Câmara dos Deputados e seja sancionado, será a conclusão de mais de uma década de tentativas de reconhecer o "Almirante Negro", oficialmente, entre os nomes da história nacional.

Para que um nome seja gravado no Livro de Aço é preciso que uma lei ordinária seja aprovada nas duas Casas, por maioria simples, e sancionada pela Presidência da República. O livro tem hoje 49 nomes inscritos e outros 9 já aprovados —os mais recentes foram inseridos em 2018.

Relator do projeto na comissão do Senado, Paulo Paim (PT-RS) foi também o primeiro a propor o reconhecimento de João Cândido na Casa, por meio de um projeto de lei que acabou arquivado na Câmara. O atual é de autoria do ex-senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

Ao ver a comissão aprovando, em setembro, a homenagem a Alberto Mendes Jr., tido como herói e patrono da Polícia Militar de São Paulo, ele diz que aproveitou para trazer a proposta sobre o marinheiro de volta à pauta.

"Se a Marinha tivesse pressionado senadores, não tenha dúvida que não teria essa votação unânime. Quando fui para a votação, tinha dúvidas se íamos conseguir aprovar", diz Paim. "Se a Marinha jogasse pesado, o projeto não seria aprovado. Eu não tenho dúvida".

A Marinha não respondeu às perguntas enviadas pela Folha.

Paim propôs reconhecer João Cândido como herói nacional em 2007, um ano antes de o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar o projeto de Marina Silva (na época, PT-AC), que concedeu anistia póstuma a ele e aos outros marinheiros da revolta.

Leia também

João Cândido nunca existiu na Marinha, disse líder da Revolta da Chibata

O trecho que garantia todos os efeitos da anistia, citando promoções que os anistiados teriam tido direito caso tivessem seguidos no serviço ativo e pensão por morte, foi vetado. A justificativa do governo foi o impacto orçamentário que geraria para a União.

Na época da revolta, a anistia foi aprovada por unanimidade no Congresso, mesmo assim, marinheiros foram presos, outros expulsos da Marinha, alguns fuzilados.

O próprio João Cândido foi expulso, preso, morreu pobre anos depois e nunca foi promovido a almirante, apesar de ter sido chamado assim pela imprensa e pela população da época.

"Foi uma batalha enorme para fazer essa aprovação, e a razão é sempre de natureza política e ideológica", diz Marina. "Essa visão reacionária está dentro do Congresso desde sempre", afirma.

"Os atos de reparação por parte do Estado quando se comete erros, crimes, danos são previstos na lei. É justo que, da mesma forma que haja atos de reparação em relação às vítimas da ditadura militar, nesse caso também haja ato de reparação para os familiares", avalia.

Ainda em 2008, Lula inaugurou uma estátua de João Cândido no Rio, em um evento sem a Marinha ou representante do Ministério da Defesa.

"Precisamos aprender a transformar os nossos mortos em heróis", declarou. À Folha a Marinha afirmou que não reconhecia heroísmo no movimento, mas não se opunha à estátua.


Foto: AFP
Foto: AFP
Foto: Olivier Doullery / AFP
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
previous arrow
next arrow
 Foto: AFP
 Foto: AFP
Foto: Olivier Doullery / AFP
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
previous arrow
next arrow

"Como os rebeldes deixaram claro, tratava-se de uma revolta contra o uso de castigos físicos, contra as condições de trabalho e os baixos salários. Embora proibida pela Constituição, legislação paralela permitia a continuação das chibatadas na Marinha (no Exército, usavam-se as espadeiradas) e isto 22 anos depois da abolição da escravidão", aponta o historiador José Murilo de Carvalho.

"Na expressão usada pelos rebeldes, queriam uma Armada de cidadãos, não uma fazenda de escravos. A Marinha tinha tido tempo mais que suficiente para fazer as mudanças exigidas pelas novas tecnologias no recrutamento de praças, no treinamento de praças e oficiais, já adotadas em outras Marinhas e não o fez. Tínhamos os melhores encouraçados do mundo numa organização totalmente defasada".

Assessor de Marina Silva na época do projeto de lei, Erlando Melo conta que, tentando entender as dificuldades para a pauta avançar, ouviu de outros assessores petistas que a Marinha tinha objeções a ela.

​"Lá na Câmara, no Salão Verde, conversei com um assessor da Marinha, que não lembro do nome, e ele me externou a divergência deles com o que foi publicado nos livros de história sobre a Revolta da Chibata", lembra.

Mais de uma década depois, o deputado federal Chico D’Angelo (PDT-RJ), autor de um projeto semelhante ao aprovado no Senado, diz que recebeu duas vezes em seu gabinete pessoas da Marinha, contando sobre a história da corporação, depois de ter apresentado a proposta, em 2019.

"Eram pessoas com uniforme da Marinha, tinham um papel muito educado, conheciam a história do João Cândido, mas pediam que eu retirasse o projeto em função da quebra de hierarquia", diz ele.

"Eu sei a importância da Marinha, mas são coisas distintas. A história do João Cândido é muito importante para a história do Brasil."

Pouco depois de a proposta começar a tramitar, o então presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), apresentou requerimento para que o projeto fosse examinado na sua comissão —o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) fez solicitação semelhante no Senado, retirada depois.

O texto do pedido diz que "a matéria está claramente inserida no campo temático" da comissão.

Longe do Congresso Nacional, João Cândido é reconhecido como herói estadual no Rio de Janeiro, e municipal em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, onde morou a maior parte da vida, e, desde agosto, em Encruzilhada do Sul (RS), sua terra natal. Foto: Pedro Franca/Agência Senado

"Cabe destacar que o projeto de lei nada menciona sobre a subversão da hierarquia e da disciplina militares, dos assassinatos cometidos em pleno navio na cidade do Rio de Janeiro, vitimando inclusive crianças. Portanto, reconhecer erros não justifica avalizar outros, exaltando as ações dos revoltosos", segue.

Com o projeto parado desde então, porém, D’Angelo pediu à presidência que o texto voltasse à Comissão de Cultura, onde tradicionalmente tramitam propostas do tipo. "A expectativa é que na Comissão de Cultura a gente aprove isso, como foi aprovado o Senado", diz ele.

Longe do Congresso Nacional, João Cândido é reconhecido como herói estadual no Rio de Janeiro, e municipal em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, onde morou a maior parte da vida, e, desde agosto, em Encruzilhada do Sul (RS), sua terra natal.

"Foi muito bem aceito aqui, inclusive pelos movimentos negros do nosso município, que sempre lutaram pelo reconhecimento do João Cândido", diz o vereador Adriano Horna (Republicanos), autor da proposta no município gaúcho de 26 mil habitantes.

O projeto aprovado na comissão agora segue para análise na Câmara, já que o prazo para recurso no Senado se encerrou no último dia 10.

"O que aconteceu há 110 anos não pode ser motivo, com a evolução dos tempos, de não reconhecer a bravura da história dele. Zumbi mesmo se levantou contra o poder da época, foi morto e está nos Heróis da Pátria, Tiradentes também", diz Paim.

"Se houve um erro naquela época —como houve, a Marinha reconhece que houve exagero— se tudo isso é verdadeiro, não há motivo de não dar a justiça pós-morte a alguém que já foi anistiado, homenageado."

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/reconhecimento-de-joao-candido-como-heroi-enfrenta-resistencia-da-marinha.shtml


Pandemia fez mortes dispararem em 15% no Brasil, mostra IBGE

De 2018 para 2019, por exemplo, o aumento do número de mortes foi de 2,6%

Maria Eduarda Cardim / Correio Braziliense

O cenário atual da pandemia da covid-19 é outro, mas, no ano passado, o número de mortes causadas pelo novo coronavírus impactou vertiginosamente os índices de óbitos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados ontem. Pelos registros civis em cartórios, o Brasil teve a maior alta de mortes desde 1984, na comparação com o ano anterior. De 2019 para 2020, o número de mortes no Brasil aumentou praticamente 15%, enquanto que os registros de nascimentos e casamentos despencaram de um ano para o outro.

A gerente da pesquisa do IBGE, Klívia Brayner, explicou que a alta no número de óbitos, observada no ano passado, é fora do comum quando se observa os movimentos dos anos anteriores. De 2018 para 2019, por exemplo, o aumento do número de mortes foi de 2,6%.

“Olhando desde 1984, mesmo que as séries mais antigas não sejam comparáveis com as atuais, pois o índice de sub-registro era muito alto, é possível observar que nunca antes tivemos uma variação acima de 7% de um ano para outro. Em geral, o incremento ficava abaixo ou em torno de 3%. De 2010 a 2019, a média de variação foi de 1,8%”, observou.

Mais de 99% da variação vista nos óbitos registrados em 2020 ocorreu nas mortes por causas naturais, classificação que inclui o óbito decorrente de doenças como a covid-19. “Houve um crescimento relevante das mortes por causas naturais, o que é condizente com o cenário de uma epidemia. Por outro lado, o fato de as crianças e os adolescentes terem ficado em casa parece ter reduzido expressivamente os óbitos até os 15 anos, talvez pela menor exposição a agentes patógenos, em geral, ou a riscos de causas externas”, comentou Klívia.

A pandemia influenciou não só no aumento do número de registros de óbitos, mas, também, nos registros de nascimentos, que caíram pela segunda vez consecutiva. De 2019 para 2020, houve queda de 4,7% — de 2018 para 2019, houve queda de 3%. No ano passado, ao todo, 2.728.273 de nascimentos foram registrados. Reduções foram observadas em todas as regiões do país, mas foi acentuada no Norte (-6,8%) e no Nordeste (-5,3%).

Outro ponto indicado pelos registros é o fato de que as mulheres estão adiando a maternidade. Em 2000, os registros de crianças nascidas, cujas mães tinham menos de 30 anos, eram 76,1% do total. Em 2020, esse número chegou a 62,1%. Já os dados de nascimentos, em que as mães têm de 30 a 39 anos, subiram de 22% em 2000 para 34,2%, no ano passado.

Casamentos

Além disso, de 2019 para 2020, houve uma redução de 26,1% no número de casamentos civis no Brasil, a maior queda da série histórica. Os registros desceram de 1.024.676 para 757.179. entre 2019 e o ano passado.

“O movimento de queda vem sendo observado, anualmente, desde 2016, mas em 2020 essa variável foi afetada pelo isolamento social em decorrência da pandemia”, observou o IBGE.

O recuo no registro de casamentos nos cartórios brasileiros foi visto em todas as regiões, mas Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste foram as que apresentaram maior queda.

(Colaborou João Vítor Tavarez, estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi)

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/11/4964267-pandemia-fez-mortes-dispararem-em-15-no-brasil-mostra-ibge.html


Brasil, Bolívia e Peru estão entre campeões mundiais de desmatamento

O compromisso assumido de acabar com o desmatamento e revertê-lo até 2030 foi considerado um dos acordos mais importantes da COP26

BBC News

Não é a primeira vez que os líderes mundiais fazem esse tipo de promessa e muitos duvidam que os acordos venham a ser concretizados na data prevista.

Em 2014, a Organização das Nações Unidas anunciou um acordo para reduzir o desmatamento pela metade até 2020 e a zero até 2030.

Depois, em 2017, foi estabelecido outro objetivo, de aumentar as áreas de floresta em 3% em todo o mundo até 2030.

Mas o desmatamento prosseguiu em "ritmo alarmante", segundo um relatório de 2019, com sérias consequências para a luta contra as mudanças climáticas.

Mesmo assim, os especialistas não têm dúvidas em classificar este tema como "urgente". As florestas absorvem grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2), que é um dos principais causadores do aquecimento global, e o corte de árvores pode ter grande impacto sobre a vida no planeta.

A ONU afirma que 420 milhões de hectares de florestas foram perdidos desde 1990, principalmente devido à agricultura.

Foram realizados alguns esforços de reflorestamento, seja por crescimento natural ou plantio, mas as árvores precisam de anos para crescer, até que possam absorver completamente o CO2.

Durante a última década, foram perdidos 4,7 milhões de hectares de florestas por ano. Entre os países mais afetados, encontram-se o Brasil, a Bolívia, o Peru, a Indonésia e a República Democrática do Congo.

É alarmante para muitos que três países da América Latina estejam no topo da lista. Veja qual é a situação em cada um deles.


previous arrow
next arrow
 
previous arrow
next arrow

Brasil

Cerca de 60% da floresta amazônica ficam no Brasil, que desempenha um papel fundamental na absorção do CO2 nocivo que, de outra forma, escaparia para a atmosfera.

Após reduções constantes desde 2004, o desmatamento da Amazônia brasileira aumentou novamente, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Segundo um relatório do instituto, a taxa de desmatamento em 2020 foi a mais alta em mais de uma década.

O presidente Jair Bolsonaro afirmou na ONU que, desde agosto deste ano, o desmatamento no Brasil diminuiu em comparação com 2020.

Mas a taxa de desmatamento ainda é superior aos níveis anteriores à sua chegada ao poder, em 2019.

Os dados do Imazon - Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - não demonstram desaceleração da taxa de desmatamento este ano.

O presidente Bolsonaro foi criticado pelas suas políticas contrárias à preservação ambiental, como o incentivo à agricultura e à mineração na Amazônia.

O mandatário brasileiro também foi questionado pelo corte dos fundos das agências governamentais responsáveis por fiscalizar os agricultores e madeireiros que violam a legislação ambiental.

Em 2020, as multas por cortes ilegais caíram em 20%.

Os números exatos não estão disponíveis, mas estudos recentes sugerem que até 94% do desmatamento e da destruição dos habitats brasileiros podem ter causas ilegais.

Área desmatada na Amazônia: Bolsonaro afirmou na ONU que, desde agosto deste ano, o desmatamento no Brasil diminuiu em comparação com 2020. Foto: Felipe Werneck/Ibama

Bolívia

O Brasil não é o único país responsável pelo desmatamento da Amazônia. Os países vizinhos também contribuem — e um deles é a Bolívia.

No ano passado, a Bolívia perdeu quase 300 mil hectares de florestas tropicais — o quarto maior desmatamento do planeta.

Entre 2002 e 2020, a Bolívia perdeu 3,02 milhões de hectares de floresta primária úmida, que representam 51% da sua perda total de cobertura florestal no mesmo período, segundo os dados da ONG Global Forest Watch.

A área total de floresta primária úmida do país andino foi reduzida em 7,4% nesse período.

Entre 2001 e 2020, a Bolívia perdeu 6,11 milhões de hectares de cobertura florestal, equivalentes a 9,5% de redução da cobertura florestal desde o ano 2000, o que representa cerca de 2,67 bilhões de toneladas de emissões de CO2.

Segundo o estudo da Global Forest Watch, 74% da perda de cobertura florestal do país entre 2001 e 2019 ocorreram em regiões onde os fatores dominantes de perda resultaram em desmatamento.

Peru

Entre 2002 e 2020, o Peru perdeu 2,16 milhões de hectares de floresta primária úmida e a área total de floresta primária úmida foi reduzida em 3,1% nesse período, segundo a Global Forest Watch.

Nesse mesmo período, o país perdeu 3,39 milhões de hectares de cobertura florestal, equivalentes a 4,3% de redução com relação à cobertura existente em 2000 e a 2,17 bilhões de toneladas de emissões de CO2.

Em outros continentes

A Indonésia, na Ásia, e a região do Congo, na África, são outras áreas que apresentam as maiores taxas de desmatamento do planeta.

A Indonésia tem permanecido entre os cinco países com maiores perdas florestais relatadas nas últimas duas décadas.

Segundo os dados da Global Forest Watch, o país perdeu 9,75 milhões de hectares de floresta primária entre 2002 e 2020, principalmente devido à derrubada de árvores para plantio de palma oleaginosa. Dados oficiais indicam que até 80% dos incêndios florestais foram iniciados com esse objetivo.

Em 2016, houve um recorde de 929.000 hectares de floresta perdidos, mas tem havido reduções constantes da taxa de desmatamento do país desde então.

A floresta da bacia do Congo é a segunda maior floresta tropical do mundo. Mais da metade dela encontra-se na República Democrática do Congo.

A organização ativista ambiental Greenpeace afirma que o corte ilegal, por pequenas e grandes empresas, está causando o desmatamento.

Embora os Estados Unidos e a União Europeia tenham proibido a importação de madeira ilegal, ainda existe contrabando para fora do país

Outras ameaças incluem a agricultura de subsistência em pequena escala, a extração de carvão e combustível, a expansão urbana e a mineração.

Nos últimos 5 anos, a perda anual de floresta primária naquela região foi de quase meio milhão de hectares, segundo a Global Forest Watch.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59300251


Amazônia: Desmatamento é o maior em 15 anos; governo teria 'escondido' dados

Dados estavam prontos no final de outubro, mas só foram divulgados ontem (18), dias depois do final da COP26, a cúpula do clima

Naiara Galarraga Gortázar / El País

A Amazônia brasileira perdeu 13.235 quilômetros quadrados de árvores em um ano, de acordo com o último balanço anual, divulgado nesta quinta-feira com enorme discrição pelo Governo de Jair Bolsonaro. A cifra indica que o desmatamento ilegal entre agosto de 2020 e julho de 2021 aumentou 22% em relação ao período anterior, quando somou 10.851 quilômetros quadrados. É a maior registrada nos últimos 15 anos. Este balanço anual, elaborado com medições de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), é o mais esperado por todos os envolvidos na proteção e preservação da maior floresta tropical do mundo. É como uma prova final, a medida do sucesso ou do fracasso.

É também o parâmetro pelo qual o mundo mede o desempenho ambiental do país que abriga a maior parte da maior floresta tropical do mundo. Neste ano, a nota aponta um fracasso clamoroso.

O expressivo aumento registrado pelo sistema Prodes contribuirá para agravar a crise climática, mas é também um problema diplomático para o presidente brasileiro. O desaparecimento acelerado da vegetação na Amazônia representa uma ameaça para o futuro do Brasil e do planeta. À medida que a área arborizada da Amazônia diminui de tamanho, a floresta perde biodiversidade e a capacidade de refrescar o planeta e desacelerar o aquecimento global. O sistema Prodes contabiliza áreas desmatadas de mais de 6,25 hectares, o que o torna o mais preciso entre os utilizados pelo Brasil.


previous arrow
next arrow
 
previous arrow
next arrow

MAIS INFORMAÇÕES
Viagem pela BR-319: estrada rumo à destruição da Amazônia

O saldo foi conhecido quando o Governo o disponibilizou na internet, sem anúncio ou apresentação, por meio de uma nota. A declaração não está datada desta quinta-feira, mas do último dia 27 de outubro, portanto antes do início da cúpula do clima COP26, em Glasgow. Cientistas e ONGs ambientalistas acusaram o Executivo e o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, de terem ocultado as informações de que dispunham durante as negociações nas quais o Brasil se comprometeu a eliminar completamente o desmatamento até 2028. Também acusam as autoridades brasileiras de ter enganado o restante dos participantes da cúpula ao apresentar os resultados de outra medição, a dos alertas do sistema Deter, que é menos precisa e rendeu dados muito mais positivos.

O Observatório do Clima afirma que esses 13.235 quilômetros quadrados desmatados ilegalmente em um ano revelam “o triunfo do projeto ecocida de Bolsonaro”. Para o Greenpeace, “o governo tentou lavar sua imagem em Glasgow sabendo que havia quebrado um recorde de desmatamento”. A organização alertou que o cerco ao Brasil está se estreitando porque, por exemplo, a Comissão Europeia propôs impedir a entrada nos mercados da União Europeia de soja, cacau, café, óleo de palma, carne bovina, madeira e seus derivados caso venham de áreas de desmatamento.

A extração ilegal de madeira tem aumentado desde 2017, mas desde que a extrema direita e os negacionstas da ciência chegaram ao poder, em 2019, o crescimento da área devastada se acelerou, impulsionado por vários fatores. Sua política ambiental tem consistido em enfraquecer as estruturas de fiscalização e vigilância, além de dar asas a quem explora a floresta contornando as leis. Bolsonaro demitiu ambientalistas veteranos de seus cargos para substituí-los por policiais militares encarregados dos órgãos responsáveis pela proteção do meio ambiente, dos povos indígenas e da biodiversidade.

O presidente cumpriu a promessa de não demarcar mais um centímetro de reservas ecológicas ou terras indígenas e o Congresso está trabalhando em um projeto de lei para legalizar a mineração em terras que hoje são legalmente intocáveis para exploração comercial.

A imposição de multas por crimes contra o meio ambiente despencou nos últimos anos. As medidas que o Governo tem adotado, face às pressões de outros países, investidores e ONGs, não surtiram efeitos significativos. O envio de milhares de soldados foi caro e ineficaz para conter o aumento do desmatamento, como indica o balanço. O ministro do Meio Ambiente sustenta que os números divulgados nesta quinta-feira “não refletem a ação do Governo nos últimos meses” com o destacamento, por exemplo, de integrantes da Guarda Nacional. O Governo Bolsonaro insiste em proclamar que não tolerará ilegalidades na Amazônia, mas a verdade é que basta ir lá para testemunhar a velocidade com que o desmatamento, a ocupação de terras por gado e as invasões de garimpeiros em terras indígenas estão avançando.

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-11-19/desmatamento-na-amazonia-e-o-maior-em-15-anos-e-governo-e-acusado-de-esconder-dados-da-cop26.html


João Cândido nunca existiu na Marinha, disse líder da Revolta da Chibata

Documentos sobre ele foram localizados apenas em 2008 por pesquisadores, no Arquivo Nacional

Fernanda Canofre / Folha de S. Paulo

Em 1968, um ano antes de morrer, João Cândido Felisberto, o homem que ficou conhecido como líder da Revolta da Chibata (movimento de 1910 que acabou com os castigos físicos na Marinha), concedeu uma entrevista onde recordava sobre o episódio e sua vida como marinheiro.

"João Cândido nunca existiu na Marinha", disse ele ao MIS (Museu da Imagem e do Som).

No fim de outubro, comissão do Senado aprovou proposta para incluir o nome do marinheiro no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. ​Caso o projeto avance e seja sancionado, será a conclusão de mais de uma década de tentativas de reconhecer o "Almirante Negro", oficialmente, entre os nomes da história nacional.

Revolta da Chibata, A bordo do navio São Paulo, Rio de Janeiro, 26/11/1910
Revolta da Chibata, a bordo do navio São Paulo, em 1910 - Reprodução

Há mais de 50 anos, o entrevistador questiona se é verdade que nos arquivos da Marinha não consta nada em seu nome.

"Foi sonegado. Sonegado mesmo. Pelo fato de haver tomado a posição que tomaram na revolta, pelo ódio. Muitos oficiais não conseguiam comandar o Minas Gerais [encouraçado] e eu tive o sobejo poder de dominá-lo, fazer o que eles jamais fariam na baía do Rio de Janeiro", conclui.

Documentos e a ficha funcional de João Cândido na Marinha vieram a público apenas em 2008, graças a pesquisa de um grupo de historiadores da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), no Arquivo Histórico Nacional.

reportagem da Folha na época registrou que a ficha do ex-marinheiro, que entrou em 1895, como grumete, apontava que ele foi castigado nove vezes com prisões, ficando de dois a quatro dias em solitária, e duas vezes rebaixado de cabo para marinheiro.

Não havia registro de castigo físico. Dos dez elogios recebidos por ele, o último por bom comportamento fora três meses antes da revolta.

O historiador José Murilo de Carvalho explica que João Cândido não foi o líder intelectual da revolta, posição de Francisco Dias Martins, paioleiro do Scout Bahia, mas salienta que a revolta começa pelo Minas Gerais, onde ele era o timoneiro, já que foi o último local onde a chibata foi aplicada como castigo — a punição de 250 chibatadas a um marinheiro foi o estopim.

O próprio João Cândido diz que era "um dos chefes", citando os comitês revolucionários que formaram na época, ainda antes da revolta, e diz que assumiu a liderança já indicado por eles.

"[Queríamos] combater os maus-tratos e má alimentação da Marinha, e acabar definitivamente com a chibata na Marinha. O causo era este. Nós que viemos da Europa, em contato com outras Marinhas, não podíamos mais admitir que, na Marinha do Brasil, um homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro homem", diz João Cândido na gravação.

Leia também

Reconhecimento de João Cândido como herói enfrenta resistência da Marinha

Passados 111 anos da revolta, a Marinha diz não reconhecer "ato de bravura" no episódio, como afirmou em nota recente lida no Senado, chama a atenção para a quebra de hierarquia e disciplina, cita mortes e se posiciona contra exaltar os revoltosos.

"Aquilo foi uma pequena revolução social e toda revolução social é uma quebra de hierarquia. A Independência do Brasil foi uma quebra de hierarquia, a República também", diz Mário Maestri, historiador e autor de "Cisnes negros: uma história da Revolta da Chibata" (Ed. Moderna).

"O que incomoda é que João Cândido dirigiu uma revolta da mais poderosa Marinha de Guerra que já teve no Brasil, venceu contra os oficiais e as elites brasileiras, e ainda por cima era negro", avalia Maestri.

"Esses mais de 2.300 e tantos marinheiros sofreram uma repressão grande que ainda não foi devidamente calculada. Cerca de 1.300 foram expulsos da Marinha na época, um total de 30 e tantos foram processados pelo Conselho de Guerra, os que foram mortos e fuzilados não existe um levantamento completo, mas até onde levantei, pelo menos cerca de 30 se conhece o nome e como morreram — fuzilados em terra firme ou no mar. Houve um expurgo na Marinha", diz Marco Morel, um dos historiadores que localizou os documentos de João Cândido.

Ele é neto de Edmar Morel, jornalista e autor de "A Revolta da Chibata" (Ed. Paz e Terra), que batizou o movimento dos marinheiros com esse nome e trouxe o episódio e João Cândido de volta à memória com a publicação de seu livro em 1959.

O marinheiro João Cândido Felisberto, reconhecido como líder da Revolta da Chibata, de 1910 - Creative Commons

"O principal que ficou disso é que, tamanho o medo da repressão, tanto as pessoas queriam se proteger dela, que se criou um silêncio de memória sobre isso. Até hoje os descendentes dos marinheiros que participaram da revolta não sabem, porque ficou escondido", conta Morel.

Apesar da anistia aprovada na época, a anistia a João Cândido e outros revoltosos só foi reconhecida de fato, postumamente, em 2008.

Depois da revolta, ele foi expulso da Marinha, preso e, segundo o filho caçula, Adalberto Cândido, o Candinho, 82, sofreu perseguições quanto tentou entrar na Marinha mercante. Trabalhou por anos com peixes na Praça 15, no Rio de Janeiro.

"Meu pai nunca falou para a família [sobre a revolta], ele era uma pessoa muito discreta. Com o lançamento do livro, que foi um best-seller, que ele chegou a falar para mim", diz Candinho, que acompanhou o pai em homenagens e recebeu outras tantas, durante anos, em nome dele.

Morel conta que seu avô também pagou um preço apenas por ressuscitar a história da revolta: seus direitos políticos foram cassados após o golpe de 1964.

"A cassação encerrou a carreira dele de jornalista e foi causada pelo livro", diz. "O que eu ouvi contarem, colegas dele jornalistas, é que, depois do golpe, quando meu avô arranjava emprego em uma redação, ia lá um grupo de oficiais da Marinha, fardados, e ameaçavam, que ele tinha que ser demitido".

Aparício Torelly, o Barão de Itararé, chegou a ser agredido por oficiais da Marinha depois de publicar capítulos de um livreto sobre a revolta em seu jornal, em 1934.

Já durante a ditadura, Aldir Blanc teve de comparecer ao departamento de censura mais de uma vez, devido a música composta por ele e João Bosco em homenagem a João Cândido, "O Mestre-Sala dos Mares".

O título teve de ser mudado duas vezes, porque o censor achava que "O Almirante Negro" e "O Navegante Negro" eram apologia aos negros.

"Foi a maior manifestação de racismo que já vi", disse Blanc, que relatou ainda ter ouvido ameaças veladas do Cenimar (Centro de Informações da Marinha).

Naquele mesmo 1968 da entrevista de João Cândido, o regime militar baixou o AI-5, ato que marcou o endurecimento da ditadura.

Quatro anos antes, poucos dias antes do golpe, João Cândido participou de um encontro no Sindicato dos Marinheiros, em comemoração a associação, o que era visto como ilegal — a reunião foi proibida pelo ministro da Marinha da época.

Na gravação com o MIS, o ex-marinheiro chama o movimento militar que resultou no golpe de "movimento de salvação pública".

"A Revolta foi episódio traumático para os oficiais da Marinha. O trauma pode ter sido reforçado pela revolta dos marinheiros de 1964 e ainda não foi superado. A prova é que, 111 anos após a Revolta da Chibata, tenha havido a reação da corporação à colocação de João Cândido na lista dos heróis da pátria, mesmo sendo ela hoje uma instituição totalmente diferente da de 1910, e mesmo da de 1964", avalia o historiador José Murilo de Carvalho.

"Ele é um herói popular, não é da gente, porque a história dele é toda verídica, não tem farsa. Toda classe social aceita ele como herói e a família agradece por esse movimento que vem sendo feito para ele. É como a música do João Bosco e Aldir Blanc, vai passar séculos e ainda vão cantar ‘há muito tempo nas águas da Guanabara’", diz o filho Candinho.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/joao-candido-nunca-existiu-na-marinha-disse-lider-da-revolta-da-chibata.shtml


Luiz Carlos Azedo: Disputa autofágica entre tucanos dificultará alianças futuras

O racha no PSDB está escrito nas estrelas, qualquer que seja o vencedor

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

As prévias do PSDB são uma novidade na política partidária brasileira, inclusive por concederem um protagonismo inédito aos filiados e mandatários da legenda, que sempre resolveu suas disputas por meio de acordos de cúpula costurados pelas suas lideranças históricas, entre as quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador José Serra (SP) e o senador Tasso Jereissati (CE). No domingo, serão as bases partidárias — filiados, vereadores e prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores e governadores — que escolherão o candidato tucano à Presidência, entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e o ex-prefeito de Manaus Artur Virgílio (AM). Mas é uma disputa fratricida, que dificultará sua unificação e a atração de aliados tradicionais nas eleições de 2022.

O racha no PSDB está escrito nas estrelas, qualquer que seja o vencedor. Nas últimas semanas, o governador João Doria fez uma ofensiva partidária que o levou a quase todos os estados e promoveu uma disputa, homem a homem, na qual até os vereadores de pequenas cidades foram abordados pessoalmente por seus emissários. Por isso, agora, é o favorito, mas não por larga margem. Muitas lideranças tucanas apoiam Eduardo Leite, que teria até 37% dos votos já assegurados nas prévias.

Arthur Virgílio, uma liderança histórica, dá sinais de que reserva para si o papel de pacificador do partido. Nem Doria nem Leite decolaram nas pesquisas eleitorais, o que acirra o conflito. A dissidência do ex-governador Geraldo Alckmin, cada vez mais próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fragiliza Doria. O ponto forte do governador gaúcho, Eduardo Leite, é o fato de ser uma novidade na cena nacional e ter apoio de lideranças tucanas tradicionais, inclusive em São Paulo. Player na disputa interna, o deputado Aécio Neves (MG), por exemplo, que apoia Leite, já ensaia uma dissidência séria, após as prévias, arrastando a seção mineira em outra direção, caso Doria seja o escolhido.

O governador paulista é um obstinado. Tanto na eleição para a Prefeitura de São Paulo quanto na disputa do Palácio dos Bandeirantes, Doria largou bem atrás dos concorrentes. Em 2015, era uma novidade na política, com um perfil muito mais liberal do que social-democrata, na verdade, um outsider na política tradicional. Ficou dois anos na prefeitura da capital e, depois, disputou o Palácio dos Bandeirantes, embarcado na onda que levou Bolsonaro ao poder, como a maioria dos candidatos tucanos, o que explica a ambiguidade das bancadas do PSDB no Congresso em relação ao governo Bolsonaro.

Pandemia

Com a pandemia, Bolsonaro e Doria se digladiaram diariamente, por causa da política de isolamento social e das vacinas, o que desgastou a imagem de ambos na opinião pública. Bolsonaro apostou na “gripezinha” e na “imunização de rebanho” e quebrou a cara. Doria adotou a política de isolamento social e resolveu o problema da produção de vacinas, mas acabou desgastado por causa da “chatice” de suas entrevistas coletivas, apesar das advertências de tucanos mais escolados nessas disputas.

Resultado: apesar de ser o grande artífice da vacinação em massa no Brasil, com milhões de brasileiros beneficiados pelo imunizante produzido pelo Instituto Butantan, a CoronaVac, até agora, Doria não conseguiu capitalizar eleitoralmente esse feito. Chamado de “coxinha” pelos petistas e “calça apertada” pelos bolsonaristas, virou um “chato” para muitos eleitores. Agora, tenta resgatar a imagem de bom gestor para alavancar sua candidatura presidencial. Nada disso, porém, o abala. Doria acredita que sua candidatura se imporá pela competência administrativa e pelo posicionamento claramente liberal, como nas duas eleições que venceu.

Eduardo Leite é suave, sai do Sul com um discurso liberal na economia e identitário nos costumes; conversa com todo mundo e tem no portfólio uma gestão fiscal competente, num estado estrangulado por antigas dívidas. Caso vença as prévias, terá mais facilidades para fazer alianças e disputar os votos do Sul do país, a base mais robusta de Bolsonaro. Mas seu caminho não será tão livre como antes, por causa da candidatura do ex-ministro Sergio Moro (Podemos). A tendência de Leite, caso perca as prévias, não é concorrer à reeleição. Tentará fazer o sucessor e se preparar para 2026. Sua ambição é a Presidência, mesmo que a candidatura seja adiada.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-disputa-autofagica-entre-tucanos-dificultara-aliancas-futuras

Luiz Werneck Vianna: Gramsci no seu tempo - Uma apresentação

Gramsci escreveu os textos dos Cadernos, que começa redigir em 1929, três anos após sua prisão pelo fascismo italiano

Luiz Werneck Vianna / Horizontes Democráticos

marca de um grande autor, como Gramsci, está na capacidade da sua obra ter sabido não só formular uma compreensão das questões presentes em seu tempo como, bem para além delas, ter deixado um repertório de validade permanente a transcender a circunstância em que foi produzida. No caso de Gramsci, envolvido como sempre esteve com os problemas da sua sociedade, havia a plena consciência de que a sua reflexão, tendo como ponto de partida o aqui e o agora, não deveria se deter na casuística dos fatos presentes, mas sim sondar o que havia de universal em suas manifestações. E foi sob essa inspiração, que, em suas palavras iniciais nas Cartas do Cárcere, fez estampar a orgulhosa divisa für ewig (para sempre).

Gramsci com outros prisioneiros, 1927

Gramsci, como é sabido, escreveu os textos dos Cadernos, que começa redigir em 1929, três anos após sua prisão pela polícia política do fascismo italiano, sob a forma de fragmentos a serem desenvolvidos sistematicamente quando viesse a oportunidade, que não veio, pois morre em 1937 na condição de prisioneiro. Embora a atenção crítica do autor se dirigisse para um elenco muito diversificado de questões, indo da literatura à política e à filosofia, passando por uma refinada intervenção em economia política, seus múltiplos objetos, contudo, sempre estavam aplicados para uma única direção: exausto o ciclo aberto pela revolução de 1917, quais as novas circunstâncias com que se confrontava a luta pelo socialismo e que inovações teóricas eram exigidas a fim de levá-la à frente.

Apartado do convívio social, a matéria-prima das suas reflexões em os Cadernos será a da sua rica experiência, primeiro, como a de militante político e, depois, como a de dirigente do Partido Comunista Italiano (PCI), que serão processadas à luz das informações que recebe sobre o estado de coisas reinante no país, no partido e no mundo, da sua cunhada Tânia Schucht e do seu amigo Piero Sraffa, um brilhante economista radicado na Inglaterra, ambos com permissão para visitá-lo na prisão. Graças a eles, Gramsci se mantém antenado com os fatos da política italiana e da cena internacional, nos anos dramáticos de emergência do nazismo na Alemanha, com indisfarçáveis sinais de guerra iminente entre as principais potências europeias, e de consolidação do regime fascista em seu país.

Se as suas referências políticas, antes da prisão, já vinham mudando, em particular na caracterização do que deveria ser a estratégia do movimento socialista no Ocidente em oposição àquela que tinha preponderado na Rússia, uma formação econômico-social de tipo oriental, os Cadernos testemunham o triunfo teórico do seu autor sobre essa decisiva questão. Se no Oriente o Estado era muito poderoso, enquanto seria fraca e gelatinosa a sociedade civil sobre a qual se assentava, no caso de colapso das suas estruturas de poder, ele se tornava vulnerável à apropriação por parte dos seus adversários. No Ocidente, diversamente, em razão da complexidade e do vigor da sua sociedade civil, uma tentativa de conquista do Estado por parte de um grupo antagonista teria de se confrontar com uma rede de trincheiras – as agências privadas de hegemonia, no léxico do autor – com ele intimamente articulada e que consistiria em um sistema intransponível em defesa da ordem estabelecida.

As repercussões dessa nova concepção do Estado ocidental moderno, visto como um aparelho de coerção encouraçado por um consenso socialmente produzido nas agências da sociedade civil, implicava um giro radical na estratégia do movimento socialista: a ênfase no político-militar deveria ceder lugar ao político-cultural, à luta pela hegemonia da direção da vida social. Tal operação teórica, presente em germe em textos anteriores à sua prisão, como em A Questão Meridional, somente ganham sua plena expressão em Os Cadernos, assim como sua experiência juvenil nos conselhos operários de Turim, nas primeiras décadas do século, vai aguardar o momento de reflexão no cárcere para se converter nas  páginas clássicas sobre o americanismo e o fordismo.

Operários na fabrica da Ford, início do século XX, nos EUA

Gramsci revive na prisão, sob a forma de um pensamento refletido, o seu passado, daí extraindo teoria nova, o que lhe vai permitir observar a cena contemporânea com categorias originais, instituindo um campo próprio para o estudo do processo de modernização capitalista, em particular na modalidade de modernização autoritária, tal como em suas análises sobre o corporativismo italiano. A precocidade e o alcance de sua pesquisa teórica sobre esse assunto, antecipando-se em décadas a feitos da ciência política contemporânea, são bem indicados na formulação do seu conceito de revolução passiva, sua maior contribuição para os estudos dedicados à mudança social, hoje de uso generalizado.

Nessa coletânea de artigos de importantes especialistas italianos na obra gramsciana, reunida por Luiz Sergio Henriques e Alberto Aggio,  respeitados intérpretes do legado do genial sardo – o prefácio deles não se pode não ler – o leitor encontrará um bom mapa do estado das artes e do tipo de recepção contemporâneos às extraordinárias criações deste grande autor que foi Gramsci.

(Esse texto é a “orelha” de apresentação do livro coletivo Gramsci no seu tempo, organizado por Luiz Sérgio Henriques, Alberto Aggio e Giuseppe Vacca (Brasilia: Fap, 2019, 2a. edição. O prefácio à segunda edição é de Paulo Fábio Dantas Neto (UFBA). O livro pode ser adquirido, dentre outros, no site da Amazon.

Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/gramsci-no-seu-tempo-uma-apresentacao/