Economia

Economia: moeda Real, dinheiro e calculadora | Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Revista online | Muito além da Selic

Henrique Mendes Dau*, economista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

A recente animosidade entre o presidente Lula e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, despertou um velho e mal resolvido debate na sociedade brasileira: o papel da taxa de juros. As principais instituições de excelência e os mais renomados economistas entendem que a política monetária tem efeito neutro sobre a economia no longo prazo. Ainda assim, há um ruidoso debate sobre o assunto. O objetivo deste artigo não é fazer uma defesa de qualquer uma das duas posições defendidas, nem mesmo opinar sobre as decisões de política monetária que observamos no Brasil de hoje. O intuito é chamar atenção para o fato de que esta discussão sobre política monetária é desnecessariamente barulhenta e estamos negligenciando discussões muito mais urgentes.

Essencialmente, a riqueza de um país é a soma da produtividade de cada indivíduo. A produtividade é uma função de muitas variáveis, como regras tributárias, qualificação da mão de obra e investimentos. A discussão sobre a taxa de juros é ambígua, pois juros menores estimulam investimentos, mas tendem a desvalorizar o câmbio e prejudicar a importação de bens intermediários, fundamentais para o desenvolvimento das atividades econômicas domésticas. Nos países desenvolvidos, observamos juros baixíssimos. Seria esse um argumento contra a elevação da Selic? Não, pois o fato de que os países ricos tendem a ter juros baixos não implica que sejam ricos por esse motivo. O Brasil tem inflação alta, e a elevação da Selic é o principal instrumento de contenção das pressões inflacionárias, que, dentre outros males, agrava a desigualdade e gera estagnação econômica. Entretanto, a apreciação cambial subsequente pode reduzir a competitividade das exportações nacionais.

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Fica evidente que todos os caminhos possíveis apresentam pesos e contrapesos, explicitando a complexidade do assunto. É claro que os bancos centrais utilizam sofisticados modelos econômicos para estimar os efeitos da política monetária e tomar decisões ótimas. Ainda assim, não é um exercício trivial e está sujeito a muitas imprecisões, além de envolver preferências subjetivas que podem gerar conflitos políticos. Diante das ambiguidades inerentes à política monetária, devemos nos concentrar em soluções estruturais para elevar a produtividade e combater a inflação. Como dito antes, a produtividade depende de fatores que vão além da taxa de juros. Precisamos lembrar que a economia é formada por indivíduos, os quais dedicam tempo para trabalhar. Se pagar impostos for uma tarefa árdua, tempo e energia que poderiam ser ocupados com atividades produtivas são desperdiçados com tarefas que não geram riqueza. Da mesma maneira, se a educação vai mal, os indivíduos produzem menos e assim por diante. Além disso, se a elevação da taxa de juros é um instrumento de combate à inflação, devemos buscar entender os motivos para que o país padeça desse mal e como resolvê-lo.

Os problemas econômicos do Brasil são de natureza estrutural e exigem reformas profundas em diversas áreas. Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é um dos países com maior complexidade tributária do mundo, o que além de desperdiçar tempo e recursos, leva à distorção dos preços relativos. Tornou-se corriqueiro para o Estado conceder benefícios tributários a grupos de interesse sob o pretexto de contribuir para o desenvolvimento de um determinado setor. Nesse processo, cria-se a sensação de que a atividade desonerada é mais atraente do que de fato é, induzindo os agentes a empreenderem de forma ineficiente e tornando o país mais pobre no longo prazo. 

ICMS o que é como funciona e o que muda com a nova regra | Foto: QuoteInspector
Gráfico da ibovespa | Foto: QuoteInspector
Faixada do Ministério da Economia | Foto: reprodução
Cartão bolsa família | Foto: Agência Brasil
Como a queda da bolsa de valores afeta o Brasil | Foto: Reprodução
Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Gráfico: Economia/g1 Fonte: IBGE
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Reg. 050-21 Dinheiro. Moedas de Real. 2021/10/86 Foto: Marcos Sa
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Faixada do Ministério da Economia
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Como a queda da bolsa de valores afeta o Brasil
Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo
Gráfico: Economia/g1 Fonte: IBGE
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Presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, preside sessão que analisa veto sobre orçamento impositivo
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A complexidade tributária também é responsável pelo oceano de contencioso tributário e infindáveis disputas judiciais entre empresas e governo sobre a interpretação dos valores devidos, algo que afeta substancialmente a segurança jurídica brasileira. Com relação à educação, o Brasil não vai nada bem. Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o país ocupa a 63ª posição em leitura, a 66ª em matemática e a 59ª em ciências, em um ranking com 77 países. Como consequência desse cenário, enquanto um trabalhador americano produz 74 dólares por hora trabalhada e um francês, 66 dólares, em 2020, a produtividade brasileira foi de 28 dólares. A irresponsabilidade fiscal agrava esse cenário. Gastos excessivos e medidas inconsequentes, como a PEC dos Precatórios, contribuem tanto para a elevação artificial da demanda, como para a desvalorização cambial, ambos causadores de inflação. Até mesmo políticas sociais mal calibradas podem prejudicar justamente os mais pobres, como é o caso do Auxílio Emergencial, cujo elevado valor levou a aumentos de preços nos locais onde havia maior concentração de beneficiários. 

A explicação para que os países desenvolvidos gozem de baixas taxas de juros está relacionada à instituições fortes, que não cedem a pressões de grupos de interesse, e à qualificação da mão de obra. Isso proporciona um ambiente fértil para a alocação eficiente de recursos em atividades econômicas altamente produtivas, exercidas por indivíduos qualificados. Além disso, o controle fiscal garante que não haja inflação, evitando a necessidade de taxas de juros que atrapalhem o surgimento de novos investimentos no país. O Brasil precisa de reformas em questões como a tributária, a fiscal e a educacional. Essas são as discussões que deveriam tomar as capas dos jornais e o debate público, em vez do excessivo debate sobre política monetária, que embora seja importante, certamente não é a solução para os nossos desafios.

Saiba mais sobre o autor

*Henrique Mendes Dau é economista pelo Insper, diretor executivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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Banco Central e taxas de juros no governo Lula serão debatidos em live da FAP

Alvos de recentes polêmicas, a autonomia do Banco Central do Brasil e o seu papel de fixação das taxas de juros serão debatidos em live da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), na segunda-feira (27/2), das 18h às 19h. Economistas discutirão o assunto durante o evento online, que será aberto ao público e terá transmissão em tempo real no site e redes sociais da entidade.

https://www.youtube.com/watch?v=LJQ1xf7Lbds

Participarão da live os economistas Benito Salomão, doutor em economia e pesquisador; Larissa Chermont, doutora em Ciências do Desenvolvimento Socioambiental e professora de economia na Universidade Federal do Pará (UFPa); e José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia.

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Também têm participação confirmada na live o doutor em economia Mário Ribeiro, professor da UFPa e ex-presidente do Banpará (Banco do Estado do Pará); e a ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) Aspásia Camargo. Ela também é doutora em sociologia e ex-secretária-executiva do Meio Ambiente no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso).

A live será mediada pelo presidente estadual do Cidadania no Pará, o ex-deputado federal Arnaldo Jordy. O público poderá acompanhar o debate online pelo site da fundação, pela página da FAP no Facebook e pelo canal da entidade no Youtube.

Polêmica

O assunto ganhou ainda mais relevância nas últimas semanas depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticar a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter a taxa de juros a 13,75% pela quinta vez seguida. Segundo ele, a decisão influencia no crescimento do país.

A guerra entre favoráveis e contrários ao presidente se acirrou também depois de ele afirmar que iria cobrar o Banco Central . Lula ainda chamou a independência da instituição de "bobagem".

Além da fixação da taxa de juros, o Banco Central é responsável pela emissão de moedas e atuação no câmbio e em modalidades como controle de garantias – depósitos compulsórios e mais).

A independência do Banco Central, discutida por mais de 30 anos, ocorreu para evitar interferência política nas decisões econômicas, além de intercalar os mandatos do presidente da instituição com o do presidente do país.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por exemplo, fica no posto até o fim do ano que vem, no meio do governo Lula. Ele tomou posse no cargo em fevereiro de 2019, logo após reunião privada com o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), dentro do Palácio do Alvorada.


Nas entrelinhas: Lula tem razão: os juros estão exagerados

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

”É melhor ser feliz do que ter razão.” A frase do poeta Ferreira Gullar se aplica a muitas coisas. Ao motociclista no trânsito, por exemplo. E se aplica também ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente nessa polêmica sobre os juros e a concentração de renda no Brasil. Realmente, as taxas de juros do Banco Central (BC), com a Selic a 13,75%, são escorchantes (ultrapassam muito a medida justa; abusivas, exorbitantes), ainda mais com uma previsão de que a inflação ficará, neste ano, em 5,5% (Focus). São 8,25% de diferença. Nenhum país do mundo pratica uma taxa de juros real dessa magnitude.

O enriquecimento no Brasil não pode ser atribuída apenas ao talento empresarial e à capacidade de trabalho. Porém, é injusta a generalização da tese de que os empresários não trabalham — a maioria trabalha muito. Entretanto, o rentismo e o patrimonialismo são formas seculares de acumulação de capital no Brasil, a gênese da formação do grande parte do empresariado brasileiro e, digamos também, da elite política do país. A inflação e as altas taxas de juros tornam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres no Brasil.

Esse processo explica por que a elite econômica, os ricos, em sua maioria, apoiaram a reeleição de Jair Bolsonaro, mesmo sabendo dos riscos para a nossa democracia. O mesmo fenômeno ocorreu após o golpe militar de 1964, que obteve maciço apoio até da classe média, durante o chamado “milagre econômico”, que fez o bolo crescer sem dividi-lo — ao contrário do que fora prometido pelo então ministro da Fazenda, Delfim Netto. A eleição de Lula mostrou um país dividido não apenas ideologicamente, mas também socialmente.

Entretanto, Lula precisa entender que já não vivemos numa sociedade industrial como aquela que se formou em meados do século passado, e que o transformou na maior liderança operária do país. Ele transitou do mundo sindical para a alta política, chegou à Presidência pela terceira vez numa “modernidade líquida”, como diria o sociólogo polonês Zygmunt Baumann. A velha estrutura de classes sociais bem definidas, que deu origem à democracia representativa, não existe mais.

A política se organiza por meio dos partidos no plano institucional. Porém, na sociedade o espaço público vem sendo ocupado cada vez mais pelas redes sociais, às vezes clandestinas. Os sindicatos e outras agências da sociedade civil perderam protagonismo nesse mundo novo, marcado por novas relações sociais, econômicas e de produção frágeis, fugazes e maleáveis. Ideias e relações pessoais passam por transformações rápidas e imprevisíveis. Instabilidade financeira, novas tecnologias e mudanças na estrutura produtiva diluíram o mundo que se conhecia até o final do século passado. As ideias de coletividade deram lugar ao individualismo.

Concentração de renda

Voltando a juros altos, inflação e retomada do crescimento. A herança do nosso passado se faz presente. Até 1930, nosso desenvolvimento econômico seguiu o modelo clássico, voltado para o setor exportador. A partir daí, as atividades voltadas para o mercado interno passaram a predominar, em decorrência da crise de 1929 e da II Guerra Mundial, e da manutenção e ampliação da renda interna. Nosso desenvolvimento econômico, particularmente a industrialização, caminhou sobre essas duas pernas.

A inflação brasileira, até então, refletia a política monetária e creditícia, mas passou a ser consequência também dos desajustes estruturais da economia. Depois de 1954, quando o governo federal passou a fazer também grandes investimentos públicos, a inflação foi uma das formas de financiamento da industrialização e se tornou um instrumento de concentração de renda, em favor de empresários, industriais, comerciantes e empreiteiros. Assalariados, trabalhadores rurais e classe média pagaram a conta. Greves operárias, manifestações estudantis e ocupações de terras foram a resposta ao modelo. O desequilíbrio do balanço de pagamentos e o sistema cambial também favoreceram a concentração de renda.

Quando Lula fala que existe uma cultura de juros altos, precisa levar em conta que existe, também, uma memória da inflação inercial, que foi superada pelo Plano Real, mas passa por uma recidiva desde o governo Dilma Rousseff. Por isso, a ideia de se tolerar um pouco mais de inflação para o país se reindustrializar e voltar a crescer é muito perigosa.

Hoje, a inflação está fora de controle. É resultado de uma política de juros baixos (2%) e câmbio alto adotada por Roberto Campos Neto no BC, no começo do governo Bolsonaro, sob orientação de Paulo Guedes, não apenas por causa da pandemia e da guerra na Ucrânia. A alta do dólar favoreceu o setor exportador; a taxa de juros, o rentismo.

A vitória eleitoral de Lula foi uma reação popular a esse modelo, como fora a volta de Getúlio Vargas ao poder, em 1950. O presidente tem razão quando ataca os juros extorsivos praticados pelo BC, mas isso não resolve o problema. Pelo contrário: a forma como está fazendo isso tem uma lógica eleitoral evidente, porém, facilita a vida da oposição bolsonarista e aperta o nó do conflito distributivo, quando deveria afrouxá-lo.

Nove entre 10 grandes banqueiros discordam da atual política monetária. As fintechs é que estão ditando as regras do jogo. Além disso, arma-se uma casa de caboclo para Lula no Congresso, a pretexto de defender o BC. Não basta ter razão para ser feliz.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-tem-razao-os-juros-estao-exagerados/

Plano real economia Brasil | Imagem: rafapress/Shutterstock

Revista online | O debate ausente: o desequilíbrio externo persistente da economia brasileira

José Luis Oreiro*, professor de Economia da UnB, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição | Dezembro de 2022)

O período que sucedeu a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais foi marcado pelas controvérsias sobre o “estouro do teto de gastos” previsto pela “PEC da Transição”. Na versão aprovada pelo Senado Federal no dia 07 de dezembro de 2022, ficou estabelecido que o governo federal poderá gastar até R$ 145 bilhões “fora do Teto” para executar políticas como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 com acréscimo de R$ 150 por filho, recompor o orçamento do programa farmácia popular, entre outras políticas sociais e assistenciais. Muitos economistas, a maioria deles ligada direta ou indiretamente ao mercado financeiro, se opuseram publicamente a essa medida alegando que a “farra fiscal” (sic) iria produzir uma fuga de capitais do país, a interrupção do financiamento da dívida pública por parte do mercado, uma maxidesvalorização cambial e o recrudescimento da inflação ao longo do ano de 2023, o que levaria a uma queda do salário real e a um agravamento da situação de fome e pobreza no país. 

Confira a versão anterior da revista Política Democrática online

Não é a primeira vez que esse tipo de cenário apocalíptico é desenhado. Em 2020, durante a pandemia da covid-19, não foram poucos os que disseram que o Brasil caminhava para um “abismo fiscal” devido aos gastos excessivos com o auxílio emergencial, os quais levariam a relação dívida pública/PIB para perto de 100% em 2022 e que, devido a algum mecanismo mágico, a economia brasileira entraria numa espécie de “buraco negro” com consequências catastróficas para a economia do país. Como sabemos, nada disso ocorreu. Graças, em larga medida, ao auxílio emergencial, a economia brasileira teve uma contração modesta em 2020 (de apenas 3,3%) na comparação com os Estados Unidos e os países da União Europeia. Além disso, a relação dívida pública/PIB no Brasil deve fechar em torno de 78% em 2022, muito abaixo do cenário desenhado pelos profetas do apocalipse.

Está claro que a situação fiscal no Brasil está longe de ser confortável, mas a dívida pública brasileira (% do PIB) é similar a de países como Índia e China. Se o próximo governo for capaz de desenhar uma nova regra fiscal para pôr no lugar do teto de gastos, que seja capaz de conciliar o espaço fiscal necessário para o aumento do investimento público em infraestrutura e dos gastos assistenciais com a redução da dívida pública como proporção do PIB no médio prazo, para um patamar em torno de 65% do PIB, não há razão para acreditar que o crescimento econômico possa ser restrito pelo lado fiscal. 

Uma ausência gritante, para não dizer escandalosa, no debate econômico brasileiro é o desequilíbrio externo. Conforme verificamos na figura 1 abaixo, a partir de maio de 2008, no acumulado em 12 meses, o Brasil começou a apresentar déficit crescente na conta de transações correntes do balanço de pagamentos, o qual atingiu a marca de 4,25% do PIB em outubro de 2015. Esse desequilíbrio externo resultou numa desvalorização da taxa real efetiva de câmbio de 17,12% entre janeiro e dezembro de 2015, contribuindo de forma decisiva para a aceleração da inflação neste ano e para a elevação da taxa básica de juros por parte do Banco Central, amplificando a recessão que havia começado no segundo semestre de 2014. 

Fonte: Ipeadata. Elaboração do autor 

Graças à forte desvalorização cambial e à queda de mais de 8% do PIB entre o segundo semestre de 2014 e o último trimestre de 2016, o déficit em conta corrente se reduziu para 0,894% do PIB em março de 2018. Embora déficits em conta corrente inferiores a 1% do PIB não sejam preocupantes do ponto de vista do financiamento externo, chama atenção que, após a maior recessão dos últimos 40 anos e de uma forte desvalorização da taxa de câmbio, a economia brasileira se mostrou incapaz de voltar a gerar superávits em conta corrente, como no período de junho de 2003 a dezembro de 2007. Mais grave ainda é o fato de que, uma vez passados os efeitos da grande recessão brasileira (2014-2016), o déficit em conta corrente como proporção do PIB no acumulado em 12 meses volta a se elevar atingindo 3,52% do PIB em junho de 2020, já no período da pandemia do covid-19. 

De fevereiro de 2020 a maio de 2021, a taxa real efetiva de câmbio se desvaloriza em 30,75%, e a economia se encontra em recessão. Apesar da enorme mudança de preços relativos e da queda do nível de atividade econômica, o déficit em conta corrente no acumulado em 12 meses se reduz para apenas 1,90% em agosto de 2021, apresentando desde então nova tendência a elevação. 

Veja, a seguir, galeria:

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Os dados apresentados parecem apontar para o retorno da rigidez estrutural do balanço de pagamentos, situação na qual a desvalorização cambial se mostra incapaz de resolver o desequilíbrio externo devido ao perfil da pauta de exportações. A desindustrialização precoce da economia brasileira resultou numa reprimarização da pauta de exportações, reduzindo assim a sensibilidade das exportações ao câmbio. Nesse contexto, o crescimento do PIB a um ritmo mais robusto será inevitavelmente estrangulado pelo aumento explosivo do déficit em conta corrente, que termina sempre desencadeando uma crise cambial, com maxidesvalorização do câmbio, elevação da inflação e da taxa de juros, abortando assim a retomada do crescimento. 

Sobre o autor

*José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB. E-mail: joreiro@unb.br.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Gráfico da ibovespa | Foto: QuoteInspector

Revista online | Desafios fiscais, reforma do Estado e redução das desigualdades sociais

Eduardo Rocha*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)

A saúde das finanças públicas – ao lado de outras medidas saneadoras e regulatórias - é um grande objetivo a ser conquistado para viabilizar a retomada estratégica do investimento público e privado, crescimento, emprego, renda, melhoria dos serviços e desenvolvimento no Brasil, com um claro compromisso de redução das terríveis desigualdades que ainda persistem. Assim, a responsabilidade fiscal não pode gerar a irresponsabilidade social; a saúde fiscal não pode ter como contrapartida a ruína social.

O novo governo recém-eleito com Luís Inácio Lula da Silva, assumindo pela terceira vez a Presidência da República, não logrará sair de imediato do atoleiro fiscal, da desnutrição dos investimentos e da desestruturação sistêmica das políticas públicas, bem como não conseguirá redução do seu custeio – medidas maléficas produzidas pelo desgoverno Bolsonaro.

Nova obra destaca propostas para desenvolvimento com inclusão social

Este novo governo – cuja natureza e alianças políticas são mais amplas do que o PT e seus aliados históricos – precisa realizar um pacto democrático centrado, entre outras tantas agendas econômico-sociais e político-institucionais, na criação de alternativas financeiro-fiscais extensivas e intensivas inéditas que permitam, de um lado, cortar despesas supérfluas e mantenedoras de privilégios e, de outro, promover a elevação das receitas públicas sem tirar mais um centavo de imposto do já espoliado, cansado e insatisfeito contribuinte. Os grandes contribuintes, porém, têm de entrar na órbita contributivo-fiscal, pois a manutenção de seus privilégios histórico-estruturais inviabiliza o futuro social e mina as bases sociais da democracia.

Veja, a seguir, galeria:

Foto: Lela Beltrão / El País
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Foto: Bruno Cecim/Agência Pará/Fotos Públicas
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Condomínio invadido do Minha Casa, Minha Vida, no Rio
Foto Tânia Rêgo Agência Brasiil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
EsgotoCeuAbertoValterCampanatoAgenciaBrasil
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Comércio e atividades consideradas não essenciais fecham as portas durante lockdown no Distrito Federal.
Comércio da cidade do Rio de Janeiro funciona com restrições após decreto estadual que flexibiliza medidas de isolamento
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Foto: Bruno Cecim/Agência Pará/Fotos Públicas
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Foto Tânia Rêgo Agência Brasiil
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Além de criar as condições – ainda que paliativas – para cumprir as promessas eleitorais da eleição de 2022, é inequívoca a necessidade histórica para a construção democrática de uma ampla, profunda e estrutural reforma fiscal que vise promover uma otimização fiscal repartida, isto é, otimização seja do lado da receita seja do lado da despesa.

Tal reforma necessita criar uma imprescindível correlação de forças sociopolítica para construir progressivamente uma estrutura tributária e fiscal mais justa; redefinir em sentido democrático e progressista a natureza tributária tanto em termos de arrecadação quanto em termos de distribuição do bolo;  atualizar a tabela do imposto de renda; reduzir a multiplicidade e a complexidade das regras; redesenhar a política de incentivos fiscais para estimular determinados setores geradores de emprego e aumentar a produtividade do trabalho e a competitividade da produção; incorporar o mercado informal ao mundo fiscal formal e, por fim, construir um orçamento que possibilite o financiamento das políticas públicas direcionadas à redução progressiva da terrível desigualdade social e intelectual-cultural existente entre milhões de cidadãs e cidadãos brasileiros. As desigualdades gravíssimas persistem mesmo depois de 34 anos da promulgação da Constituição Cidadã de 1988.

São desafios fiscais gigantescos a serem enfrentados e nada garante que serão facilmente superados. Fazem parte ainda desses desafios o fim de privilégios fiscais e o combate eficiente e eficaz da sonegação. De acordo com o site www.quantocustaobrasil.com.br, de 01/01/2022 a 05/12/2022, o Sonegômetro registrava que o Brasil havia perdido em torno de R$ 582 bilhões, de acordo com estudo realizado pela Receita Federal, que revela quanto deixou de ser pago nos tributos PIS/Cofins, concessão de subsídios/benefícios fiscais ao setor privado. Essa receita é impraticável nos curtos e médios prazos. É, com certeza, um cálculo conservador, mas o número impressiona. 

Essa reforma fiscal, que abarque as esferas da União, estados e municípios, deve ser construída pela interação democrática entre governo, parlamento e sociedade civil. Ela é parte integrante da própria e necessária reforma democrática do Estado brasileiro para que o país sepulte, de forma definitiva, duas tradições perversas da nossa história fiscal: de um lado, a penalização e sofrimento para a cidadania, dos mais humildes, dos pobres, dos miseráveis, e, de outro, a isenção fiscal e manutenção de privilégios para as oligarquias, nas mais diversas modalidades.

Fala-se muito em “Estado máximo” e “Estado mínimo”. Seriam dois concretos antitéticos. Na vida real, concreta, material, objetiva, contudo, o Estado brasileiro realmente existente é, ao mesmo tempo, os dois termos suprassumidos na dança dialética do concreto, numa síntese trágica expressa na existência real de um Estado que é máximo para uma minoria privilegiada e, ao mesmo tempo, é um Estado mínimo para a maioria da população brasileira.

No lugar desse Estado que aí está – que faz a alegria das oligarquias, da especulação financeira e das castas privilegiadas; desse Estado que é gigante para o que faz e pigmeu para fazer o que deve ser feito; desse Estado que é – é preciso constituir um Estado democrático, desprivatizado, publicizado, transparente, realmente federativo e republicano, de maneira a oferecer, dentro das regras da democracia consagrada na Constituição de 1988, oportunidades para uma vida melhor, social e cultural ao seu povo e uma integração econômica em novas bases com a economia mundial.

Para tanto, é preciso, em primeiro lugar, declarar sem meias palavras: precisamos de mais Estado para a cidadania e o desenvolvimento e menos Estado para as oligarquias e os privilégios.

É preciso inverter essa tradição das trevas fiscais de modo que, do lado da despesa, cortem-se os gastos supérfluos e dos privilégios de uma minoria e acabe-se com a agiotagem financeira contra as finanças públicas, vitalizando assim as políticas sociais e de investimentos que dinamizem o setor produtivo. Do lado da receita, deve-se eliminar a regressividade da estrutura tributária, fazendo com o que os que mais têm e ganham paguem mais, por meio da progressividade sobre a renda e propriedade.

Sobre o autor

*Eduardo Rocha é economista pela Universidade Mackenzie com pós-graduação em Economia do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

** Artigo produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Documento traz 16 propostas a serem adotadas no próximo período, como o fomento à agroecologia - Articulação Nacional de Agroecologia

Reforma agrária, agroecologia e desmatamento zero: MST lança carta ao povo brasileiro

Brasil de Fato*

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) publicou uma carta aos brasileiros, nesta terça-feira (29), na qual defende propostas relacionadas à reforma agrária e ao desmatamento zero que serão levadas para o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Contribuiremos de todas as formas possíveis para que elas sejam aplicadas", afirma o MST na carta.

Entre as propostas, estão o fortalecimento da agricultura familiar e a distribuição de terras, principalmente aquelas que estão situadas próximas às cidades.

"Não precisamos derrubar mais nenhuma árvore. Precisamos, sim, é de um Plano Nacional de Reflorestamento urgente, plantando milhões de arvores, em todo país, em todos os biomas, no campo e na cidades", diz um trecho da carta.

O movimento também defende a implementação de políticas públicas que visem a soberania alimentar, a partir da produção de alimentos saudáveis em todo o país. Por isso, também propõe o estímulo à agroecologia com ferramentas modernas, "sem agredir a natureza, gerando mais empregos e melhorando a produtividade física das lavouras".

Leia a carta na íntegra:

"Carta do MST ao povo brasileiro 

O Brasil vive a pior crise de sua história, que se manifesta na economia, na sociedade, no aumento da desigualdade social, nos crimes ambientais, na fome, no desespero e falta de perspectiva que atinge mais de 70 milhões de trabalhadores. Tudo isso se aprofundou nos últimos seis anos, após o golpe contra o Governo Dilma e os quatro anos de um governo neoliberal com praticas fascistas e autoritárias.

A vitória política de Lula nas últimas eleições revelou a vontade da maioria dos brasileiros de mudarmos os rumos, retomarmos os caminhos democráticos, para resolver os problemas urgentes da população brasileira. Essa vitória foi fruto de uma ampla aliança social de todas as forças progressistas e, certamente, marcará também um governo de Frente Ampla, com os mais diversos setores representados.

O Governo Lula terá o desafio fundamental de enfrentar em caráter emergente as necessidades fundamentais do povo, como o combate à fome, ao desemprego, e investimentos pesados em educação e saúde. E no médio prazo debater com toda sociedade um novo projeto de país, fundado na reindustrialização e na agricultura produtora de alimentos saudáveis, única forma de retomarmos o crescimento econômico com justiça social.

Na agricultura, se enfrentam há décadas três modelos de organização da produção. O latifúndio predador, que enriquece com a especulação imobiliária e da apropriação das riquezas naturais; O agronegócio, que produz apenas commodities agrícolas para exportação, concentrados em apenas cinco produtos (soja, milho, cana, algodão e pecuária bovina). Os fazendeiros enriquecem, mas não pagam impostos à sociedade graças às isenções das exportações e agridem a natureza com o desmatamento, o uso de agrotóxicos e o monocultivo. E o terceiro modelo é da agricultura familiar, que usando mão-de-obra familiar protege a natureza e se dedica a produzir alimentos para suas famílias e para o mercado interno.

Nossa Constituição Federal exige que a Terra cumpra sua função social, produzindo racionalmente, respeitando a legislação trabalhista e o meio ambiente. Assim como nossa Constituição, defendemos sempre que o latifúndio é antissocial e deve ser banido e o agronegócio precisa assumir sua responsabilidade socioambiental, adequar-se as necessidades da sociedade, pagar impostos, parar de usar agrotóxicos e dar condições de dignidade os seus trabalhadores.

Defendemos a agricultura familiar e dentro dela a distribuição de terras dos latifúndios, sobretudo nas proximidades das cidades, para que se multipliquem as famílias camponesas produtoras de alimentos.

Defendemos o desmatamento zero. Não precisamos derrubar mais nenhuma arvore. Precisamos, sim, é de um Plano Nacional de Reflorestamento urgente, plantando milhões de árvores, em todo país, em todos os biomas, no campo e na cidades. Condição necessária para combater as mudanças climáticas que afligem a população em todo território e a todo planeta.

Defendemos que o novo governo deve implementar urgentemente diversas medidas de políticas públicas – como os Programas de Aquisição de Alimentos e de Alimentação Escolar - buscando a soberania alimentar e para que se amplie imediatamente a produção de alimentos saudáveis em todo pais. E que se usem os mecanismos de aumento de renda, via Bolsa Família, e aumento do salário mínimo e do emprego para que o povo tenha condições de se alimentar dignamente.

Defendemos o estímulo da agroecologia como um modelo tecnológico que busca produzir alimentos saudáveis, sem agredir a natureza, gerando mais empregos e melhorando a produtividade física das lavouras. Garantindo assim saúde para nosso povo.

Defendemos um programa urgente de implementação de máquinas agrícolas para agricultura familiar, para que possamos aumentar a produtividade do trabalho, diminuindo o sacrifício humano.

Defendemos a implantação de um amplo programa de agroindústrias cooperativadas em todos os municípios, para beneficiar alimentos e gerar emprego e renda para mulheres e jovens no campo. Devemos combater todas as forças de exploração no campo, como o trabalho escravo, e as péssimas condições dos assalariados sem direitos trabalhistas. Devemos combater o garimpo e ação perversa das mineradoras que depredam nosso meio ambiente e riqueza natural apenas em função do lucro privado. Os bens da natureza devem estar subordinados às necessidades de todo povo.

Defendemos um amplo programa de educação e cultura no meio rural que dê oportunidade a todas as pessoas, em especial aos jovens, que erradique o analfabetismo, ofertando todas as formas de escolarização no interior do país, que preserve e fomente as manifestações e expressões culturais do povo.

Combateremos e denunciaremos todas as formas de violência, discriminação, racismo, misoginia, LGBTfobias e intolerância religiosa que foram alimentados pelo bolsonarismo fascista.

Levaremos essas propostas e ideias para o próximo governo Lula e contribuiremos de todas as formas possíveis para que elas sejam aplicadas.

Nossa missão maior, é seguir organizando o povo, para que lute por seus direitos, consagrados na Constituinte de 1988, pois sabemos que sem mobilização popular não haverá nenhuma mudança verdadeira no país.

Esses são nossos compromissos, que queríamos reafirmá-los para toda sociedade brasileira, em tempos de crise e de mudanças necessárias."

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Foto: José Cruz/Agência Brasil

Revista online | Economia: Cenários para 2023

Nelson Tavares Filho*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)

1) O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, através de um de seus representantes no Legislativo, protocolou um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que exclui do Teto de Gastos R$ 198 bilhões durante o período de quatro anos. Os recursos seriam utilizados em projetos sociais.

2) Todos sabemos que se inicia agora um processo de negociação para aprovação do projeto. Dificilmente, um projeto desse impacto é aprovado integralmente, tal qual elaborado.

3) Além do corporativismo dos legisladores, cada um tentando impedir impactos negativos nos setores que representam, este projeto apresenta justos motivos para não ser aprovado tal como está.

4) 2022 foi um ano melhor do que os últimos cincos que o procederam. A perspectiva de um aumento mais significativo do PIB (2,7%) e a queda do desemprego, retornando à casa de um dígito, cerca de 8%, são elementos que diferenciam este ano.

5) A dívida pública situava-se no início deste ano na ordem de R$ 5,6 trilhões. Ao longo do ano, sua relação com o PIB, que estava na casa de 90%, apresentou certa diminuição, basicamente devido ao crescimento do produto e da inflação, que permitiu ao governo maior arrecadação.

6) Este cenário não deve permanecer em 2023. Neste ano, a economia dos 20 maiores países – G20 – deverá apresentar taxas menores de crescimento, devido à crise energética e a guerra no continente europeu. Os Estados Unidos também passam por um processo de ajustamento, que dificultará o crescimento. Alguns analistas preveem uma recessão mundial.

7) No Brasil, a maior arrecadação obtida pelo governo no ano de 2022 não foi suficiente para zerar o déficit. A relação dívida pública/PIB diminuiu mais pelo crescimento do denominador.

8) O cenário de 2023 indica, sem contar os efeitos da PEC, um déficit público de R$ 200 bilhões. A aceitação integral da PEC significará elevar o déficit em quase 100%.

9) Teremos um cenário de crescimento da dívida, que deverá superar o montante de R$ 6 trilhões.

10) A elevação do déficit de R$ 400 bilhões anuais (R$ 200 bilhões da PEC mais R$ 200 bilhões de gastos correntes e outros) significará a necessidade de um esforço anual de R$ 40 bilhões, se calculada uma taxa média de juros de 10%.

Confira, a seguir, galeria:

Inflação Brasil economia | Imagem: Andrii Yalanskyi/Shutterstock
Baixo crescimento econômico | Imagem: motioncenter/Shutterstock
Brasil em baixa econômica | Imagem: Poring Studio/Shutterstock
Carrinho de supermercado subindo a bandeira do Brasil | Imagem: Marciobnws/Shutterstock
Inflação de mercado no Brasil | Foto: FJZEA/Shutterstock
Inflação real no Brasil | Imagem: rafastockbr/Shutterstock
Regressão econômica | Imagem: eamesBot/Shutterstock
Economia 2023 | Imagem: xalien/Shutterstock
Inflação Brasil economia
Baixo crescimento econômico
Brasil em baixa econômica
Carrinho de supermercado subindo a bandeira do Brasil
Inflação de mercado no Brasil
Inflação real no Brasil
Regressão econômica
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Inflação Brasil economia
Baixo crescimento econômico
Brasil em baixa econômica
Carrinho de supermercado subindo a bandeira do Brasil
Inflação de mercado no Brasil
Inflação real no Brasil
Regressão econômica
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11) Para uma receita corrente que deve se situar perto de R$ 3 trilhões, significa que, a cada ano, teremos que arrecadar, no mínimo, 13% a mais do que o ano anterior, mantida as demais despesas constantes. Hoje R$ 40 bilhões significam 1,6% do orçamento, verba maior que a de muitos ministérios.

12) Não haverá outra solução sem que, além do maior esforço de arrecadação, diminua-se a verba orçamentária de outros ministérios. Corre-se o risco de tentar resolver um problema criando outro maior.

13) Ninguém discute a necessidade de, pelo menos para o próximo ano, fazer maior esforço para combater a miséria. Mas a busca de recursos para os demais anos deveria ser proveniente de uma análise aprofundada e revisão dos gastos do orçamento.

Sobre o autor

*Nelson Tavares Filho é economista, especialista em planejamento estratégico.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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BNDES financiou caminhões de empresa investigada por ato golpista

Vinicius Konchinski*, Brasil de Fato

O Grupo Sipal, gigante do agronegócio que teve contas bancárias bloqueadas por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) por suposto envolvimento em atos golpistas, obteve R$ 22,5 milhões em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para comprar caminhões dois meses antes da eleição.

Sete caminhões com as mesmas características dos comprados foram registrados em relatório do governo do Distrito Federal por estarem estacionados em frente ao quartel general do Exército enquanto eram realizadas manifestações contra o resultado das eleições.

O governo distrital identificou 234 caminhões presentes em manifestações em Brasília. A íntegra do documento foi revelada pelo site Metrópoles na semana passada.

No documento, estão listadas as placas dos veículos. Com base nelas, é possível verificar que todos os caminhões vinculados à Sipal eram fabricados pela Mercedes-Benz, de modelo 2022 e registrados em Francisco Beltrão (PR), onde fica uma filial do grupo cujas contas foram bloqueadas por ordem do STF.

Em agosto, mês em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) lançou sua campanha à reeleição, o BNDES liberou R$ 22,5 milhões à Sipal, em cinco operações, intermediadas pelo banco Mercedes-Benz. O banco opera basicamente financiando vendas da Mercedes, montadora dos caminhões da Sipal vistos em atos golpistas.

A Sipal confirmou que comprou caminhões da Mercedes com dinheiro do BNDES. Não deu detalhes sobre quantos. Afirmou, porém, que nenhum dos caminhões comprados com recursos disponibilizados pelo banco público foram enviados pela empresa à Brasília.

A empresa, aliás, informou que somente um caminhão registrado em nome do grupo esteve em Brasília, diferentemente do registrado pelo governo do DF. A empresa também informou que esse caminhão não foi enviado por ela. O veículo, segundo a Sipal, já havia sido vendido quando esteve na capital. A documentação dele é que não havia sido regularizada.

O STF determinou o bloqueio de contas da Sipal e outras empresas e pessoas porque, entre outras coisas, elas estariam envolvidas no envio de 115 caminhões a Brasília “com fins de rompimento da ordem constitucional – inclusive com pedidos de ‘intervenção federal’, mediante interpretação absurda do art. 142 da Constituição Federal”.

O Grupo Sipal foi fundado em 1970, tem mais de mil funcionários e sede em Curitiba, no Paraná. No Estado, ele realiza operações portuárias no Porto de Paranaguá e controla armazéns de grãos em diferentes cidades. O grupo também tem armazéns de grãos e uma destilaria de álcool em Mato Grosso.

Por conta disso, ela considera-se uma das maiores empresas do agronegócio Brasil. Reportagens sobre a Sipal indicam que ela vem faturando mais de R$ 10 bilhões por ano.

O próprio BNDES considera a empresa de “grande porte”. Levando isso em consideração, o banco emprestou, via agentes parceiros, R$ 119 milhões ao Grupo Sipal só neste ano, incluindo os financiamentos a caminhões. Ao todo, foram 18 operações, com média de R$ 6,6 milhões cada.

Dívida com a União

O Grupo Sipal tem diferentes empresas, cada uma com um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). A decisão do STF, proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, cita somente um deles (02.937.632/0017-79), da filial de Francisco Beltrão.

Essa filial tem nove sócios e administradores, quase todos ligados à família Scholl. Um dos citados no quadro societário é Willian Scholl.

Willian Scholl também é um dos dois sócios da Sipal SA Indústria Comércio e Agropecuária (CNPJ 83.297.663/0001-47). Essa empresa deve mais de R$ 211 milhões à União, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, vinculada ao Ministério da Economia.

::Investigados doaram R$ 1 mi a Bolsonaro::

O outro sócio da Sipal SA é Wagner Scholl, o qual também tem participação em empresas do grupo Grupo Sipal, como a Centro Sul, Usimat e Tirolesa.

Procurado, o Grupo Sipal não comentou a decisão do STF que cita a empresa. Informou também que não tem relação com a empresa Sipal SA, devedora da União.

A empresa também informou que segue trabalhando normalmente e que a decisão do STF não afetou em nada suas operações.

O BNDES informou que, do ponto de vista financeiro, os empréstimos à Sipal “transcorrem dentro da normalidade”. “Na época em que foram realizadas, o cliente estava com todas as condições prévias atendidas”.

O banco informou que não pode financiar empresas que não comprovem regularidade fiscal perante a União. Informou que, em operações realizadas com intermediação de agentes financeiros, clientes precisam apresentar a Certidão Negativa de Débitos (CND) ou Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPEND), expedida pela Receita ou Procuradoria-Geral da Fazenda.

O BNDES ressaltou que, pelo fato de a Sipal SA Indústria Comércio e Agropecuária (CNPJ 83.297.663/0001-47) não fazer parte do contrato de financiamento firmado com o banco, a regularidade fiscal dessa empresa não foi avaliada.

O banco não comentou o suposto envolvimento da Sipal em atos antidemocráticos. Ressaltou, porém, que “acompanha os processos envolvendo seus clientes”. “Caso confirmadas irregularidades no uso dos recursos emprestados, o banco adota procedimentos previstos em seus contratos e seus normativos”, declarou.

O BNDES não deu detalhes sobre os financiamentos concedidos à Sipal alegando sigilo empresarial. Confirmou que, em 2022, a empresa obteve financiamentos por meio das linhas BNDES Finame Ônibus e Caminhões e BNDES Finame Materiais.

Procurado, o banco Mercedes-Benz não respondeu.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Política de preços é do governo, diz senador cotado para Petrobras

Flávia Said*, Metrópoles

O senador Jean Paul Prates (PT-RN), integrante do grupo técnico (GT) de Minas e Energia na equipe de transição, afirmou nesta quinta-feira (24/11) que a política de preços dos combustíveis é do governo federal, não da Petrobras. Prates é cotado para assumir o comando da empresa na terceira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Essa política de preços não é da Petrobras. Política de preços é do governo. Então, vamos começar a separar bem essas coisas. Petrobras vai fazer a política de preços dela, dos clientes dela, para o volume, para a qualidade de clientes, enfim, como qualquer empresa vende”, enfatizou o senador.

Prates deu a declaração ao chegar às instalações do Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), para reunião do subgrupo de petróleo, gás natural e biocombustíveis, do qual é relator.

“Quem vai dar a política de preços em geral, para o Brasil, se vai ter de alguma forma algum ‘colchão de amortecimento’, conta de estabilização, preço de referência etc., sem absolutamente falar em congelamento, nenhum ato forte desse sentido interventivo, é o governo brasileiro. Então, o governo é uma coisa, a Petrobras é outra”, prosseguiu.

Prates disse que, na sexta-feira (25/11), terá reunião virtual com o atual presidente da companhia, Caio Mário Paes de Andrade, e, no próximo dia 5, ele deverá ter um encontro presencial.

Interação com a Petrobras

Desde a campanha, Lula falava sobre sua intenção de alterar a política de preços da Petrobras, além de aumentar a quantidade de refinarias e a intervenção dentro da empresa.

O petista defende retirar o pagamento em dólar, para que o preço seja baseado no custo de produção, não nos valores internacionais.

“Pretendo mudar a política de preço da Petrobras. Ela tem que ser em função dos custos e gastos reais do povo brasileiro. Essa história de internacionalizar [o preço] é para agradar acionistas, em detrimento de milhões de brasileiros”, disse Lula em julho, na pré-campanha.

Atualmente, a Petrobras pratica o Preço de Paridade de Importação (PPI), em que são considerados os custos totais para importação. O valor é calculado com base no preço de aquisição do combustível, mais os custos de sua entrega, incluindo transporte e taxas portuárias.

*Texto publicado originalmente no portal Metrópoles


Cidade Maravilhosa | Foto: Wikimedia Commons

4 fatores que impedem que Brasil vire potência no turismo apesar do potencial

Shin Suzuki*, BBC News Brasil

Alguns dos elementos mais associados ao Brasil — belezas naturais, grande diversidade cultural, calendário rico em festas nacionais e regionais — valem ouro em qualquer roteiro de viagem. Mas o grande potencial do país não se traduz em números de destaque no mercado mundial de turismo. Um estudo analisou fatores que emperram o desenvolvimento nacional da área.

O futuro do turismo no Brasil a partir da análise crítica do período 2000-2019 contou com 23 pesquisadores de 17 instituições brasileiras.

A investigação observa que, mesmo durante o boom do turismo internacional na década passada, o Brasil estacionou em pouco mais de 6 milhões de visitantes estrangeiros por ano.

Nesse período, o país ainda teve a rara oportunidade de sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada no espaço de dois anos, mas o crescimento entre 2014 e 2019 foi ínfimo: uma alta ligeira (que também pode ser vista como estagnação) de 6,31 milhões para 6,35 milhões.

O Brasil não figura nem na lista da Organização Mundial de Turismo dos 50 países com mais chegadas de turistas.

Os dados são relativos a 2019, ou seja, antes da chegada da pandemia de covid. Em todo o mundo, o setor sofreu fortemente os impactos da quarentena e tenta agora ensaiar uma recuperação.

Para efeito de comparação, uma única localidade do Vietnã, a Baía de Ha Long, recebeu quase o equivalente aos números totais do Brasil: 6,2 milhões, de acordo com o Euromonitor. O Vietnã, como um todo, contabiliza 18 milhões de viajantes internacionais anualmente.

Outro exemplo, e de maior proximidade, é o México.

De limitações socioeconômicas como o Brasil, o país se firmou como um dos mais importantes destinos do turismo mundial, com 45 milhões de turistas estrangeiros.

Calçadão no Rio de Janeiro
Apesar de trunfos como o Rio de Janeiro, uma metrópole com belezas naturais, número de visitantes internacionais no Brasil é pequeno se comparado a países como Vietnã e Tailândia

Os mexicanos são muito beneficiados pela proximidade com os Estados Unidos, mas deram prioridade ao setor em sua estratégia econômica na última década, segundo observa relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).

Comparações podem ser relativizadas pelas condições específicas dos países, mas o mercado brasileiro, com trunfos turísticos bem conhecidos como o Rio de Janeiro e as Cataratas do Iguaçu e dezenas de lugares com grandes possibilidades de desenvolvimento, está claramente aquém do seu potencial.

Isso é admitido em um relatório do governo federal.

"O Brasil não faz parte das rotas do turismo global", diz uma análise feita pela Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade, vinculada ao Ministério da Economia, no ano passado.

O texto cita que "no Brasil, 93% dos visitantes são locais" e "[em 2019] a participação no PIB era de 7,7% e com alta empregabilidade, mas com um crescimento estagnado".

A permanência de velhos problemas e o aparecimento de novos levam o Brasil a deixar de aproveitar um setor que poderia ter um impacto positivo de forma considerável na economia, na melhoria dos serviços, na conservação dos espaços nas cidades, entre outros ganhos.

Para Alexandre Panosso Netto, coordenador de pós-graduação em Turismo da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores da pesquisa, esse caminho de desenvolvimento não se torna uma política séria de Estado por algumas razões.

"A concorrência de várias áreas e a incompreensão dos pontos positivos do turismo como vetor e alavanca de inclusão social, de valorização da cultura e de diversificação de pensamentos e aprendizado".

Museu do Amanhã, no Rio
Museu do Amanhã tornou-se uma das principais atrações turísticas do Rio

"O turista estrangeiro gastava por volta de US$ 110 por dia no Brasil até a pandemia. Em 2019 foi por volta de US$ 6 bilhões que os estrangeiros trouxeram ao país. Então dobrar ou triplicar o número de visitantes representaria dobrar ou triplicar esse montante."

O mercado de trabalho também teria a ganhar com o turismo.

"Não é só financeiro, o aumento do número de empregos gerados e o efeito multiplicador do turismo seriam grandes."

Veja abaixo alguns fatores que prejudicam que o turismo brasileiro decole:

1) Imagem ruim no exterior

Mulher viaja sozinha
Brasil foi considerado segundo país mais perigoso para mulheres que viajam sozinhas em ranking

Violência, corrupção, ambiente hostil para mulheres e para o público LGBTQ+, somados à deterioração nos últimos anos da imagem do país em campos como meio ambiente e a gestão da pandemia do coronavírus, não criam um cenário muito atraente para turistas considerarem o Brasil como destino, afirma Panosso Netto.

Seu estudo cita um índice criado pelos jornalistas Asher e Lyric Fergusson que ranqueia os países mais perigosos para mulheres que viajam sozinhas. O Brasil é listado na segunda posição, atrás apenas da África do Sul.

A mudança do slogan oficial do turismo brasileiro em 2019 também não ajudou na imagem brasileira. A frase usada para promoção, "Visit and love us" (Visite e nos ame, em tradução literal), foi considerada de pouca fluência e de construção pouco usual no inglês, além de soar com conotação sexual para alguns turistas estrangeiros.

O pesquisador também diz que a ligação do país a histórias que envolvem corrupção "influenciam como o turista nacional e internacional vê o destino Brasil. Se é um destino com notícias de corrupção, também se pode imaginar que é um destino inseguro".

Ele diz que países com problemas relacionados à corrupção como México e Turquia, mas com grande número de visitantes, conseguem contornar a questão pela proximidade a grandes mercados consumidores internacionais e a criação de ilhas de excelência turística.

2) Falta de continuidade em políticas e planejamento

"Políticas de turismo específicas precisam ser baseadas em um processo de planejamento contínuo", diz o estudo.

Para um desenvolvimento mais sustentável do setor é preciso que o Ministério do Turismo e a Embratur tenham grande qualidade técnica, com um planejamento de longo prazo.

Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS)
Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS), cidade que é citada como exemplo de boa estratégia de longo prazo, por ter começado na década de 1990 a trabalhar o potencial turístico e hoje é um destino bastante solicitado

Panosso Netto cita Bonito, em Mato Grosso do Sul, como um exemplo de um destino que vivenciou processo de melhora e desenvolvimento através dos anos.

"Há ótimos exemplos de boas práticas turísticas nos interiores do Brasil. Bonito, em Mato Grosso do Sul, com sua diversidade ecológica e turismo de alto nível, é um exemplo disso. Mas essa qualidade de Bonito não foi alcançada de uma hora para a outra. Começou no início dos anos 1990. Estamos falando, portanto, de mais de 30 anos de trabalho."

Mas problemas com a conservação ambiental derivados do desmatamento vem impactando o ecoturismo da região. A abertura de áreas para agricultura impacta na cor das suas águas, um dos grandes trunfos de Bonito. Cerca de 70% da população local depende do turismo.

Políticas de turismo também incluem a identificação de oportunidades em diferentes mercados, como o latino-americano.

"É preciso se preparar para receber o turista argentino, uruguaio, chileno, peruano, boliviano, paraguaio etc. Não podemos estar dar as costas à América Latina."

3) Qualidade dos serviços varia muito

A falta de maior profissionalização na parte de serviços é algo constantemente apontado como problemático. "Esse é um dos itens mais criticados pelos profissionais do setor", afirma Panosso Netto.

O pesquisador acha que seria também uma forma de desenvolver a própria área de empreendedorismo no país.

"O turismo é a porta de entrada de muitos empreendedores de primeira viagem. Temos que transformar isso em um ponto positivo a nosso favor. O governo pode criar programas de formação continuada do turismo, tal como já existiram no passado, a exemplo do Curso de Formação de Gestores de Políticas Públicas do Turismo Nacional."

Educação sobre como funcionam o mercado e o atendimento a turistas domésticos e internacionais, além do aprendizado efetivo de idiomas, seriam formas de capacitação.

Mas há um outro problema estrutural, segundo o professor da USP: "A dificuldade em acessar o crédito para o investimento em empreendimentos turísticos pequenos também é imensa".

4) Transporte aéreo e deslocamento

Aeroporto de Guarulhos
Aeroporto de Guarulhos:

Segundo a pesquisa, embora o ambiente entre 2000 e 2019 no mercado aéreo "tenha melhorado a oferta e a competição nas rotas principais, especialmente aquelas conectando as capitais dos Estados e grandes centros urbanos, o acesso regional ainda é caro e, na maioria dos casos, insatisfatório".

Para Panosso Netto, "o transporte aéreo está deveras caro pelo preço do querosene e a política de impostos dos combustíveis e taxas aeroportuárias. Além disso, as viagens rodoviárias são prejudicadas pelas condições das rodovias; e se as rodovias são boas, os pedágios são caros".

O tamanho continental do Brasil, que de uma forma pode ser uma vantagem pela variedade de ofertas, acaba gerando um problema pelo deslocamento.

"Acredito que os destinos regionais devam se unir mais para compartilharem os turistas que por eles passam. Ou seja, a gestão regional do turismo deve ser fortalecida, junto com a criação de roteiros regionais com produtos e serviços de alta qualidade", diz o professor da USP.

O estudo defende "alinhar o ambiente regulatório, jurídico e tributário que rege a aviação brasileira, ao ambiente internacional. A evolução que viveu o setor nestes 20 anos não permite que sigamos admitindo que o Brasil tenha sérias diferenças e distorções entre nossas regras nacionais, que acabam gerando ofertas e produtos mais caros aos consumidores, e o que se pode ofertar no exterior".

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil


Favelas em bairros caros sofrem até 3 vezes mais com incêndios, mostra estudo em São Paulo

Thais Carrança*, BCC News Brasil

"A gente estava dormindo, com as crianças. Começamos a acordar no meio do fogo e foi aquele desespero. Eu tirando minha filha que tem sete meses, é uma bebezinha. Nós começamos a gritar, não deu tempo de tirar nossas coisas. Perdi o botijão de gás, roupa da minha filha, fralda."

O relato é de Vitoria, então moradora da Favela do Cimento, localizada na Mooca, zona leste de São Paulo. Foi colhido pelo portal Brasil de Fato em março de 2019.

"Foram lá, aproveitaram que estávamos dormindo e tocaram fogo no barraco da gente."

Em dezembro daquele mesmo ano, outra reportagem, do jornal Agora, relatava o destino do terreno: "Praças com jardins, canteiros e um pequeno parquinho ocupam o lugar que antes era a favela do Cimento, na Mooca (zona leste), que pegou fogo em março, um dia antes da reintegração de posse, e onde moravam ao menos 50 famílias."

O caso da Favela do Cimento não é isolado. Frequentemente, após incêndios em favelas nos grandes centros urbanos brasileiros, moradores levantam suspeitas de que o fogo teria sido provocado de forma criminosa, para forçar a remoção das famílias pobres do local.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na Câmara dos Vereadores de São Paulo em 2012 chegou a investigar o tema, mas foi encerrada sem consenso, apontando em seu relatório final fatores como "baixa umidade, falta de chuva, sobrecarga de energia em instalações precárias, uso de botijões de gás e de madeira nas construções" como causadores dos incêndios recorrentes.

Diante desse cenário, o economista Rafael Pucci decidiu investigar em seu doutorado no Insper se há fundamentos econômicos para a hipótese de que parte dos incêndios em favelas pode estar relacionada à pressão da especulação imobiliária em áreas valorizadas.

Usando mapas detalhados das favelas da Prefeitura de São Paulo, dados de incêndios do Corpo de Bombeiros e estimando o valor da terra a partir da base de cálculo do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) do município, o economista encontra que os incêndios são até três vezes mais frequentes em favelas localizadas em bairros com propriedades de maior valor.

Ainda segundo o estudo, os incêndios afetam mais favelas em terrenos privados do que em áreas públicas. E os incêndios em áreas valorizadas tendem a ser muito mais destrutivos do que nas demais regiões.

Mesmo controlando para fatores estruturais, como densidade populacional, acesso a eletrodomésticos e condições de infraestrutura — que poderiam justificar uma maior incidência de incêndios acidentais —, os resultados se mostram consistentes, destaca o pesquisador.

"A importância do estudo é apontar para o fato de que esses incêndios estão atingindo muito mais algumas favelas do que outras. E que isso pode ter uma relação com direitos de propriedade e com disputa pela terra", afirma Pucci, em entrevista à BBC News Brasil.

"Dado que isso gera tantos problemas para quem vive nessas favelas, o poder público precisa tomar uma iniciativa e ser mais ativo em tentar entender o que está acontecendo de verdade, e propor soluções que busquem evitar que isso aconteça mais vezes."

Procurada, a Prefeitura de São Paulo não comentou os resultados do estudo, mas destacou suas políticas para habitação e atendimento a famílias que vivem em áreas de risco. Segundo a prefeitura, existem atualmente 1.744 favelas mapeadas na capital paulista e são estimados 399 mil domicílios nesses locais.

A BBC News Brasil também procurou Ricardo Teixeira, vereador licenciado e atualmente secretário Municipal de Mobilidade e Trânsito de São Paulo, que presidiu a CPI dos Incêndios em Favelas na Câmara Municipal em 2012.

"De acordo com os depoimentos ouvidos pelos vereadores, na época em 2012, inúmeros fatores foram responsáveis pelos incêndios em favelas. Podemos destacar os problemas climáticos e elétricos como os principais. Em relação a incêndios criminosos por conta de uma possível especulação imobiliária, não tivemos nenhuma comprovação de que isso possa ter acontecido", disse Teixeira, em nota.

"Em 2012, pelo pouco tempo transcorrido, os vereadores membros da CPI não tiveram tempo de aprofundar o relatório e eu deixei claro ao final dos trabalhos que na legislatura seguinte fosse aprofundado o assunto, como fez o estudo do Insper", completou o vereador licenciado.

Favela Praia do Pinto, 1969

As suspeitas de motivação econômica para os incêndios em favela no Brasil são tão antigas quanto os próprios incêndios.

Segundo Pucci, o primeiro incêndio em favela de que se tem registro no país aconteceu em 1969, na favela Praia do Pinto, localizada no bairro nobre do Leblon, no Rio de Janeiro.

Reprodução da edição de 12 de maio de 1969 do Jornal do Brasil com imagem do incêndio na favela Praia do Pinto
Edição de 12 de maio de 1969 do Jornal do Brasil trouxe na capa foto e reportagem sobre o incêndio na favela Praia do Pinto, localizada no bairro nobre do Leblon, no Rio de Janeiro

"Seu despejo foi incluído num grande programa federal que removeu cerca de 175 mil pessoas de 62 favelas da cidade à época. O governo pretendia destinar a área para novas avenidas e habitações de classe média e alta, mas o processo de despejo começou de forma vagarosa em março de 1969, enfrentando resistência dos moradores das favelas", lembra Pucci, no estudo.

"Em maio, milhares de pessoas ainda aguardavam ser realocadas para projetos habitacionais recém-construídos em outras regiões do Rio de Janeiro, quando um incêndio irrompeu durante a noite, destruindo 1 mil moradias e deixando 5 mil pessoas na rua."

A resposta do governo foi acelerar os despejos e a realocação dos favelados. Os moradores alegavam à época que o incêndio havia sido intencional, servindo convenientemente ao propósito da operação de despejo, relata o pesquisador.

Jornais da época, no entanto, relatam que o fogo teria começado a partir de fagulhas provenientes da queima de tábuas atrás do campo do Flamengo, clube vizinho ao local da favela.

Mais de meio século depois desse caso emblemático, os incêndios em favelas continuam sendo frequentes. Conforme o estudo do Insper, cerca de 800 incêndios destruíram mais de 5 mil moradias em favelas entre 2010 e 2017 na cidade de São Paulo.

Além de tirar a vida de moradores de favela e deixá-los sem suas casas e posses, esses incêndios geram custos ao poder público com moradia temporária e ajuda financeira às famílias atingidas, observa o economista.

Ao desalojar pessoas vulneráveis, sem alternativa de lugar para ir, os incêndios também acabam resultando no surgimento de novas favelas, ainda mais precárias.

Conflito pela terra nas cidades

Rafael Pucci conta que iniciou sua pesquisa em 2016, ano em que, somente até julho, a cidade de São Paulo contabilizou 100 incêndios em favelas. Quatro anos antes, em 2012, uma CPI na Câmara dos Vereadores, com objetivo de apurar as causas e responsabilidades pela recorrência dos incêndios em favelas, também havia colocado o tema em evidência.

Manifestantes em frente à Câmara Municipal de São Paulo
Manifestação em frente à Câmara Municipal de São Paulo contra a série de incêndios ocorridos em favelas em 2012 e com objetivo de pressionar os vereadores da CPI dos Incêndios a investigar as ocorrências

"Por conta desse contexto, havia essa hipótese de que os incêndios poderiam ser criminosos, para remover as favelas. Uma parte do meu trabalho então foi tentar entender, do ponto de vista teórico, se isso fazia sentido", diz o economista.

Pucci explica porque relaciona a questão dos incêndios em favela com os conflitos pela terra no campo.

"No campo, vemos conflitos violentos que ocorrem por conta de disputa da terra e isso está relacionado com problemas de direito de propriedade — a terra nem sempre tem um dono muito claro, ou às vezes tem, mas tem a questão do usucapião. Então existe isso no campo e, nas cidades, em princípio, a questão das favelas tem os mesmos elementos", afirma.

Segundo dados do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, cerca de 30% dos 198 incêndios em favelas registrados em São Paulo entre 2001 e 2003 teriam origem em ação humana intencional, conforme estudo de 2010 da pesquisadora Ana Paula Bruno (FEA-USP), citado pelo pesquisador do Insper.

Tabela mostra causas de incêndios em favelas em São Paulo
Estudo de 2010 compilou causas de 198 incêndios em favelas registrados em São Paulo entre 2001 e 2003, a partir de dados do Corpo de Bombeiros

No entanto, dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) levantados pelo economista sugerem que menos de 7% dos casos de incêndios ocorridos em favelas entre 2011 e 2017 chegaram a julgamento.

"Há uma dificuldade de achar a causa dos incêndios porque, quando as favelas pegam fogo, o fogo costuma se alastrar muito rápido", diz Pucci, lembrando que as favelas são compostas de muitos materiais combustíveis, por serem muitas vezes construídas com madeira.

"Esses incêndios costumam tomar grandes proporções, o que torna mais difícil entender exatamente onde começou. Por consequência, isso dificulta o trabalho de perícia e de identificar potenciais culpados", afirma o pesquisador, para quem esses são alguns dos fatores por trás do baixo número de casos levados a julgamento.

Como o estudo foi feito

Em seu estudo, Pucci opta por analisar especificamente os incêndios na cidade de São Paulo.

Isso por uma questão de disponibilidade de dados e pelo padrão de distribuição das favelas no município, heterogêneo entre vizinhanças com valor da terra distintos e diferentes níveis de gentrificação — expressão usada para o processo de transformação urbana que "expulsa" moradores de baixa renda das vizinhanças, para transformá-las em áreas mais valorizadas.

Com base em dados da prefeitura, o economista mapeia 1.727 favelas de São Paulo, observadas entre 2006 e 2018.

Mapa mostra a localização das 1.727 favelas de São Paulo, observadas entre 2006 e 2018, a partir de dados da prefeitura
Mapa mostra a localização das 1.727 favelas de São Paulo, observadas entre 2006 e 2018, a partir de dados da prefeitura

O pesquisador cruza esses dados com informações de todos os incêndios registrados em São Paulo pelo Corpo de Bombeiros do Estado entre 2011 e 2016, e com reportagens publicadas na imprensa sobre incêndios em favelas na capital paulista.

Assim, Pucci consegue mapear os incêndios ocorridos em favelas (551 no total neste período) e também aqueles registrados em outros locais (1.231), que servem como grupo de controle.

Mapa mostra incêndios ocorridos em favelas e fora delas no município de São Paulo entre 2011 e 2016, a partir de dados do Corpo de Bombeiros
Mapa mostra incêndios ocorridos em favelas e fora delas no município de São Paulo entre 2011 e 2016, a partir de dados do Corpo de Bombeiros

Por fim, o pesquisador combina esses dados com o valor da terra, calculado a partir dos valores estimados das propriedades formais do município na base do IPTU, cobrado pela Prefeitura.

O que ele encontra é uma concentração desproporcional de incêndios nas favelas localizadas em vizinhanças com valor estimado da terra mais alto.

Gráfico de barras mostra número de incêndios em favelas de São Paulo por faixa de valor da vizinhança
Gráfico mostra que incêndios são até três vezes mais frequentes em favelas com valor da terra mais alto

"O principal resultado é que, de fato, favelas que têm preço inferido mais alto do terreno parecem ter um número de incêndios maior do que aquele que seria explicado por fatores estruturais. Ou seja, tem um número ali que está acima do que se esperaria se fosse só acidente", diz Pucci.

"É importante deixar claro que, com esse estudo, eu não consigo afirmar nada em termos de intencionalidade. Não é um estudo de criminalística. Mas ele mostra um aspecto peculiar na distribuição desses incêndios."

No estudo, o pesquisador do Insper busca controlar a causa dos incêndios para outras hipóteses, como a de que eles poderiam estar relacionados a uma maior densidade populacional dessas favelas localizadas em terrenos mais valorizados; maior acesso a eletrodomésticos, que poderiam sofrer falhas, provocando incêndios; ou à estrutura mais precária dessas comunidades.

Usando dados do Censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de geografia e Estatística), Pucci mapeia o acesso a infraestrutura e a densidade habitacional nas favelas. Ele observa, no entanto, que a distribuição desses fatores é bem mais uniforme entre as diferentes faixas de valor da terra, do que a distribuição dos incêndios.

"Isso sugere que a frequência anormal de incêndios em favelas nos maiores decis de valor das propriedades não são simplesmente uma consequência mecânica de maior acesso à eletricidade, pior infraestrutura e maior densidade", escreve o pesquisador.

Para além de endereçar a questão do direito de propriedade em favelas, Pucci avalia, a partir do resultado de seu estudo, que o poder público deve agir de forma a evitar nova ocupações irregulares.

"É preciso tornar o acesso à moradia formal mais fácil para as pessoas que acabam morando em favela. Diminuir o custo da moradia formal e tomar outras medidas que façam com que as pessoas não tenham que ocupar essas áreas e se expor a esses riscos", afirma.

"É necessário tornar mais acessível a moradia em grandes cidades como São Paulo."

O que diz a Prefeitura de São Paulo

A BBC News Brasil questionou a Prefeitura de São Paulo sobre como ela avalia os resultados do estudo do Insper, que sugerem que os incêndios em favelas podem estar relacionados ao processo de especulação imobiliária no município.

A prefeitura não respondeu a esse questionamento.

A gestão municipal, no entanto, informou que "de 2017 até o momento, mais de 33 mil famílias que viviam em áreas de risco foram beneficiadas com obras de urbanização com a implantação de redes de água e de coleta de esgoto, contenção e estabilização de encostas, criação de áreas de lazer, pavimentação e abertura de ruas e vielas, entre outras intervenções".

Outras 6 mil famílias recebem auxílio aluguel até o atendimento habitacional definitivo. Ainda segundo a prefeitura, 19,5 mil moradias foram entregues entre 2017 e 2022 em parceria com os governos estadual e federal, e outras 13 mil estão em obras.

A gestão de Ricardo Nunes (DEM) diz ainda que recentemente publicou edital para compra de 45 mil unidades habitacionais, com investimento de R$ 8 bilhões, com objetivo de zerar o banco de famílias que recebem atualmente auxílio-aluguel.

Também citou a criação do programa habitacional Pode Entrar, com previsão para produzir 14 mil moradias até 2024 em parceria com 71 entidades.

A prefeitura não respondeu sobre suas políticas para prevenção de incêndios em favelas, mas sobre o atendimento às famílias atingidas informou que "as equipes da Coordenação de Pronto Atendimento Social (CPAS) realizam atendimentos a emergências em toda a cidade mediante acionamento da Defesa Civil do Município".

"As equipes ofertam encaminhamentos para os serviços de acolhimento da rede socioassistencial da prefeitura, distribuem itens de primeira necessidade e realizam os cadastros das pessoas atingidas, que são repassados aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) da região da ocorrência, para que possam acompanhá-los e se possível incluí-los em benefícios sociais."

*Texto publicado originalmente no site BBB News Brasil


Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Nas entrelinhas: PEC da Transição troca o Bolsa Família pelo orçamento secreto

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Não gosto de afirmações categóricas na política, porque ela é como uma nuvem, como dizia o governador mineiro e banqueiro Magalhães Pinto. Você olha pro céu, parece um elefante; olha novamente, já virou um jabuti; olha de novo, e desaba um aguaceiro danado. A nuvem desta semana no céu de Brasília é a PEC da Transição, que está sendo objeto de intensas negociações entre representantes da equipe de transição, sob coordenação do senador eleito Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí, e os caciques do Centrão, liderados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Ontem, o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda Nelson Barbosa rebateu as críticas à PEC da Transição com uma comparação que soa como música para os políticos do Centrão: disse que o governo Lula em 2023, o seu primeiro ano de mandato, gastará menos do que o governo Bolsonaro em 2022, ou seja, no seu último ano. Segundo o relatório de orçamento mais recente, o atual governo deve gastar o equivalente a 19% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, ao passo que a proposta do novo governo é reduzir esse percentual para 17,6% do PIB.

Segundo Barbosa, haveria um espaço de até R$ 136 bilhões para elevar despesas sem interferir nessa proporção gasto/PIB. Nessa contabilidade, ocorreria uma “recomposição fiscal” e não uma “expansão do gasto”. O espaço para aumentar gastos públicos em 2023 sem aumentar as despesas, em relação a esse ano, seria de R$ 136 bilhões, o que representa quase 69% dos R$ 198 bilhões previstos na PEC da Transição (valor que ficaria fora do teto de gastos). O gasto com o Bolsa Família ficaria fora do teto de forma permanente, num total de R$ 175 bilhões anuais, além de investimentos adicionais de até R$ 23 bilhões, para o Orçamento 2023. Qual o custo de um acordo no qual o governo Lula não teria que se preocupar com a aprovação de recursos para o Bolsa Família durante todo o mandato?

O cientista político Paulo Fábio Dantas, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pôs o dedo na ferida: a pressão dos atuais congressistas sobre o futuro governo para aprovar a exclusão do Bolsa Família do teto de gastos seria “a fixação explícita, na mesma PEC, da imperatividade da execução das emendas do relator, porta de entrada de uma constitucionalização do ‘orçamento secreto’, antes que a ministra Rosa Weber o anule”. Sua conclusão decorre de uma entrevista do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), na sexta-feira, na qual essa raposa felpuda do Congresso afirmou que a equipe de transição teria assimilado a legitimidade das “emendas de relator”. Faz sentido, porque não foram poucos os parlamentares da oposição, inclusive do PT, que se beneficiaram dessas emendas neste ano eleitoral.

Orçamento fatiado

Voltando aos números da PEC, com o Bolsa Família fora do teto de gastos, haveria um espaço de R$ 105 bilhões no Orçamento que estavam reservados para o Auxílio Brasil e que poderão ser destinados à recomposição dos orçamentos da Saúde, da Educação e outras despesas da área social. Como esses gastos são permanentes, a reação do mercado financeiro ao acordo em curso vem sendo muita negativa, porque a conta não fecha em quatro anos. Quem entende de contas públicas afirma que 77,1% do PIB de endividamento corresponde a R$ 7,3 trilhões. Esse patamar é muito elevado para os países emergentes, cuja média é de 65% de endividamento. Isso aumentaria nossos indicadores de risco financeiro e afugentaria investimentos externos.

Tudo seria fácil, se não fossem as dificuldades, como diria Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o humorista Barão de Itararé. Para viabilizar o Bolsa Família por quatro anos, antes mesmo de tomar posse, com uma oposição de extrema direita rosnando na porta dos quartéis e pedindo intervenção militar, Lula precisa contar com amplo apoio no Congresso. Sua bancada pode chegar a 139 deputados e 15 senadores. Ou seja, é impossível aprovar qualquer coisa sem os partidos de centro que o apoiaram no segundo turno e o Centrão. Além, disso, há 172 deputados da base bolsonarista que não se elegeram e são feras feridas no plenário da Câmara, que somente Arthur Lira pode controlar.

O senso comum é de que um acordo com Lira seria construído com base na sua reeleição à Presidência da Câmara, mas isso é considerado favas contadas. Ou seja, ocorreria mesmo que Lula estivesse articulando outro nome para comandar a Casa. O acordo seria outro: trocar o Bolsa Família pela manutenção do orçamento secreto durante os quatro anos. Mesmo assim, há quem duvide do acordo, como o vice-líder do PP, Doutor Luizinho (RJ): “Por que entregar quatro anos se o Orçamento da União precisa ser negociado todo ano?”

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-pec-da-transicao-troca-o-bolsa-familia-pelo-orcamento-secreto/