opinião

Gráfico da ibovespa | Foto: QuoteInspector

Revista online | Desafios fiscais, reforma do Estado e redução das desigualdades sociais

Eduardo Rocha*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)

A saúde das finanças públicas – ao lado de outras medidas saneadoras e regulatórias - é um grande objetivo a ser conquistado para viabilizar a retomada estratégica do investimento público e privado, crescimento, emprego, renda, melhoria dos serviços e desenvolvimento no Brasil, com um claro compromisso de redução das terríveis desigualdades que ainda persistem. Assim, a responsabilidade fiscal não pode gerar a irresponsabilidade social; a saúde fiscal não pode ter como contrapartida a ruína social.

O novo governo recém-eleito com Luís Inácio Lula da Silva, assumindo pela terceira vez a Presidência da República, não logrará sair de imediato do atoleiro fiscal, da desnutrição dos investimentos e da desestruturação sistêmica das políticas públicas, bem como não conseguirá redução do seu custeio – medidas maléficas produzidas pelo desgoverno Bolsonaro.

Nova obra destaca propostas para desenvolvimento com inclusão social

Este novo governo – cuja natureza e alianças políticas são mais amplas do que o PT e seus aliados históricos – precisa realizar um pacto democrático centrado, entre outras tantas agendas econômico-sociais e político-institucionais, na criação de alternativas financeiro-fiscais extensivas e intensivas inéditas que permitam, de um lado, cortar despesas supérfluas e mantenedoras de privilégios e, de outro, promover a elevação das receitas públicas sem tirar mais um centavo de imposto do já espoliado, cansado e insatisfeito contribuinte. Os grandes contribuintes, porém, têm de entrar na órbita contributivo-fiscal, pois a manutenção de seus privilégios histórico-estruturais inviabiliza o futuro social e mina as bases sociais da democracia.

Veja, a seguir, galeria:

Foto: Lela Beltrão / El País
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Foto: Bruno Cecim/Agência Pará/Fotos Públicas
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Guilherme Gandolfi-82
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Condomínio invadido do Minha Casa, Minha Vida, no Rio
Foto Tânia Rêgo Agência Brasiil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
EsgotoCeuAbertoValterCampanatoAgenciaBrasil
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Comércio e atividades consideradas não essenciais fecham as portas durante lockdown no Distrito Federal.
Comércio da cidade do Rio de Janeiro funciona com restrições após decreto estadual que flexibiliza medidas de isolamento
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Foto: Lela Beltrão / El País
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Foto: Bruno Cecim/Agência Pará/Fotos Públicas
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Condomínio invadido do Minha Casa, Minha Vida, no Rio
Foto Tânia Rêgo Agência Brasiil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Comércio e atividades consideradas não essenciais fecham as portas durante lockdown no Distrito Federal.
Comércio da cidade do Rio de Janeiro funciona com restrições após decreto estadual que flexibiliza medidas de isolamento
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Além de criar as condições – ainda que paliativas – para cumprir as promessas eleitorais da eleição de 2022, é inequívoca a necessidade histórica para a construção democrática de uma ampla, profunda e estrutural reforma fiscal que vise promover uma otimização fiscal repartida, isto é, otimização seja do lado da receita seja do lado da despesa.

Tal reforma necessita criar uma imprescindível correlação de forças sociopolítica para construir progressivamente uma estrutura tributária e fiscal mais justa; redefinir em sentido democrático e progressista a natureza tributária tanto em termos de arrecadação quanto em termos de distribuição do bolo;  atualizar a tabela do imposto de renda; reduzir a multiplicidade e a complexidade das regras; redesenhar a política de incentivos fiscais para estimular determinados setores geradores de emprego e aumentar a produtividade do trabalho e a competitividade da produção; incorporar o mercado informal ao mundo fiscal formal e, por fim, construir um orçamento que possibilite o financiamento das políticas públicas direcionadas à redução progressiva da terrível desigualdade social e intelectual-cultural existente entre milhões de cidadãs e cidadãos brasileiros. As desigualdades gravíssimas persistem mesmo depois de 34 anos da promulgação da Constituição Cidadã de 1988.

São desafios fiscais gigantescos a serem enfrentados e nada garante que serão facilmente superados. Fazem parte ainda desses desafios o fim de privilégios fiscais e o combate eficiente e eficaz da sonegação. De acordo com o site www.quantocustaobrasil.com.br, de 01/01/2022 a 05/12/2022, o Sonegômetro registrava que o Brasil havia perdido em torno de R$ 582 bilhões, de acordo com estudo realizado pela Receita Federal, que revela quanto deixou de ser pago nos tributos PIS/Cofins, concessão de subsídios/benefícios fiscais ao setor privado. Essa receita é impraticável nos curtos e médios prazos. É, com certeza, um cálculo conservador, mas o número impressiona. 

Essa reforma fiscal, que abarque as esferas da União, estados e municípios, deve ser construída pela interação democrática entre governo, parlamento e sociedade civil. Ela é parte integrante da própria e necessária reforma democrática do Estado brasileiro para que o país sepulte, de forma definitiva, duas tradições perversas da nossa história fiscal: de um lado, a penalização e sofrimento para a cidadania, dos mais humildes, dos pobres, dos miseráveis, e, de outro, a isenção fiscal e manutenção de privilégios para as oligarquias, nas mais diversas modalidades.

Fala-se muito em “Estado máximo” e “Estado mínimo”. Seriam dois concretos antitéticos. Na vida real, concreta, material, objetiva, contudo, o Estado brasileiro realmente existente é, ao mesmo tempo, os dois termos suprassumidos na dança dialética do concreto, numa síntese trágica expressa na existência real de um Estado que é máximo para uma minoria privilegiada e, ao mesmo tempo, é um Estado mínimo para a maioria da população brasileira.

No lugar desse Estado que aí está – que faz a alegria das oligarquias, da especulação financeira e das castas privilegiadas; desse Estado que é gigante para o que faz e pigmeu para fazer o que deve ser feito; desse Estado que é – é preciso constituir um Estado democrático, desprivatizado, publicizado, transparente, realmente federativo e republicano, de maneira a oferecer, dentro das regras da democracia consagrada na Constituição de 1988, oportunidades para uma vida melhor, social e cultural ao seu povo e uma integração econômica em novas bases com a economia mundial.

Para tanto, é preciso, em primeiro lugar, declarar sem meias palavras: precisamos de mais Estado para a cidadania e o desenvolvimento e menos Estado para as oligarquias e os privilégios.

É preciso inverter essa tradição das trevas fiscais de modo que, do lado da despesa, cortem-se os gastos supérfluos e dos privilégios de uma minoria e acabe-se com a agiotagem financeira contra as finanças públicas, vitalizando assim as políticas sociais e de investimentos que dinamizem o setor produtivo. Do lado da receita, deve-se eliminar a regressividade da estrutura tributária, fazendo com o que os que mais têm e ganham paguem mais, por meio da progressividade sobre a renda e propriedade.

Sobre o autor

*Eduardo Rocha é economista pela Universidade Mackenzie com pós-graduação em Economia do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

** Artigo produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Foto: reprodução ( blog Democracia Política e novo Reformismo)

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O Estado de S. Paulo

Imunidade parlamentar não inclui agredir a democracia e o livre funcionamento das instituições republicanas, reafirmam PGR e STF. A condenação do bolsonarista é pedagógica

Ao condenar o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) a oito anos e nove meses de reclusão, pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi pedagógico. Não existe liberdade de expressão para atacar a democracia. Não existe imunidade parlamentar para impedir o livre funcionamento das instituições republicanas.

Por 10 votos contra 1, o plenário do STF entendeu que a conduta de Daniel Silveira foi criminosa, isto é, que se enquadra naquelas hipóteses em que, ao atingir bens essenciais de uma sociedade, a lei prevê a imposição de uma pena. Os oito anos e nove meses de prisão não são desproporcionais, mas estrita aplicação da legislação a que todos os cidadãos estão sujeitos.

No processo, nada houve de perseguição política. Foi apenas o Estado, por meio de suas instituições, cumprindo seu papel de impedir que condutas consideradas criminosas pela lei fiquem impunes. Ao contrário do que os bolsonaristas dizem, não foi o Supremo que, num rompante autoritário, investigou, denunciou e puniu Daniel Silveira. A acusação contra o deputado bolsonarista não foi apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, e sim pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Foi ela quem primeiro entendeu que a atuação de Daniel Silveira havia sido criminosa.

É sintomático que o bolsonarismo, tão afeito ao punitivismo – sua retórica é sempre de aumento da pena –, tenha se mobilizado, de forma tão intensa, pela impunidade de Daniel Silveira. Não era apenas que “um dos nossos” estava sendo julgado por sua conduta tresloucada. Foi a própria tática política do bolsonarismo, de agressão contra as instituições, que estava no banco dos réus. Daí a importância do julgamento de quarta-feira passada: o Estado Democrático de Direito, por meio de suas instituições, reconheceu que a política também está sujeita a regras e a limites. Não é um vale-tudo, não é um mundo sem lei.

A atividade parlamentar dispõe de prerrogativas constitucionais. Como é próprio de um regime democrático, “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (art. 53 da Constituição). No entanto, ameaçar e agredir não é uma opinião: é crime. E não cabe usar a imunidade parlamentar como “escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas”, lembrou Alexandre de Moraes.

Eis a confusão que o bolsonarismo deseja instaurar. Para seus atos, almeja irrestrita impunidade. Tudo estaria dentro de um amplíssimo conceito de liberdade, para fazer e dizer o que bem entender, num cenário de completa irresponsabilidade. Para os outros, a liberdade seria inteiramente diferente, muito mais limitada. A mera crítica ao presidente da República já foi motivo para que o governo Bolsonaro solicitasse a instauração de inquérito policial contra opositores. É tudo uma grande incoerência. O mesmo deputado bolsonarista que gostaria que seus crimes estivessem protegidos pela imunidade parlamentar defende a edição de um novo AI-5, justamente o ato da ditadura que suspendeu importantes garantias constitucionais.

Há liberdade no País e, precisamente para que possa continuar havendo liberdade, é preciso ter lei. “A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrárias, para opiniões jocosas, para sátiras, para opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações criminosas, para discurso de ódio, para atentados contra o Estado de Direito e a democracia”, afirmou Moraes.

Além de pedagógico sobre os limites da liberdade, esse processo judicial põe por terra uma falácia bastante difundida entre bolsonaristas. O que se tem no País hoje não é uma disputa entre STF e Jair Bolsonaro, como se o Supremo perseguisse politicamente o bolsonarismo. O Congresso autorizou a prisão preventiva de Daniel Silveira. A PGR denunciou o deputado. Até o ministro André Mendonça votou por sua condenação. Não é perseguição política, é aplicação da lei. E quem está isolado é o bolsonarismo, não o STF.

N. da R. – Com este texto já na página, Bolsonaro anunciou o indulto do deputado, mostrando uma vez mais a falta de pudor do bolsonarismo em usar o poder para acobertar os crimes dos amigos.

Bom para os partidos, ruim para o País

O Estado de S. Paulo

Inapetência de grandes legendas pela Presidência decorre de um arranjo que dá ao Legislativo acesso inaudito ao Orçamento sem a devida responsabilização

Diante dos olhos de todos, grandes partidos políticos, como PSDB, MDB e União Brasil, têm demonstrado, diariamente, enorme dificuldade para indicar pré-candidatos à Presidência da República que mostrem ser alternativas viáveis aos dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto: o ex-presidente Lula da Silva (PT) e o incumbente, Jair Bolsonaro (PL). A seis meses da eleição, o cenário de disputas fratricidas, traições e sabotagens internas no seio do chamado centro democrático sobressalta todos aqueles que receiam ver o País entregue a um dos dois projetos populistas iliberais ora em destaque. E está-se falando de muita gente. A depender do instituto de pesquisa, algo entre 25% e 30% do eleitorado afirma não querer votar nem em Lula nem em Bolsonaro.

Em um regime presidencialista, é natural supor que a chegada ao topo do Poder Executivo federal seja o objetivo maior dos partidos políticos, o gran finale de uma trajetória marcada pela construção de uma identidade ideológica e programática, pela ampliação da presença nacional das legendas e, enfim, pela elaboração de um projeto de governo que represente as ideias e os valores de segmentos significativos da sociedade. Evidentemente, nenhum partido político, seja grande ou pequeno, está obrigado a lançar candidatura própria à Presidência da República a cada quatro anos. Mas há muito tempo não se via no Brasil tamanha inapetência das grandes legendas – que são grandes justamente por serem as que bem trilharam aquela trajetória – para lançar uma candidatura competitiva ao Palácio do Planalto. Há uma razão muito evidente para isso: o Congresso jamais teve tanto acesso a recursos do Orçamento da União como tem agora. E sem prestar contas do que faz com tanto dinheiro.

Desde a aprovação das chamadas emendas impositivas, tanto as individuais como as de bancada, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o Congresso vem ampliando a fatia do Orçamento da União sob seu controle. Nas democracias representativas, é esperado que deputados e senadores tenham algum grau de participação na destinação final dos recursos públicos, mas o que se vê aqui não tem paralelo no mundo. O Estadão teve acesso a um estudo elaborado pelo economista Marcos Mendes (Insper) para o Instituto Millenium que revela que a captura de recursos públicos por meio de emendas parlamentares no País é até 20 vezes maior do que nas nações que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), instituição da qual o Brasil deseja fazer parte.

De acordo com o estudo, as emendas parlamentares representam 24% das despesas dos Ministérios e dos investimentos previstos para este ano. A título de comparação, nos Estados Unidos apenas 2,4% da despesa total vem das emendas parlamentares. “O que o Brasil faz é uma aberração que acaba comprometendo muito a própria democracia”, disse ao Estadão a diretora executiva do Instituto Millenium, Marina Helena Santos.

A “aberração” se materializa na quantidade absurda de emendas individuais e de bancada que são apresentadas ao Orçamento da União. Aberrantes são as emendas de relator, base do “orçamento secreto”. Indecentes são os valores bilionários dos fundos públicos que despejam dinheiro fácil nas contas dos partidos, como o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral. Como o quinhão desses fundos que cabe a cada legenda está relacionado ao tamanho de suas bancadas, os caciques partidários têm cada vez menos estímulos para investir em campanhas para a Presidência. Optam pelas eleições proporcionais, sobretudo para a Câmara dos Deputados. Ademais, o atual arranjo representa o melhor dos mundos para as legendas: muito dinheiro e nenhuma responsabilização por seu uso ou pela falta de projetos majoritários para o País.

Enquanto isso, parcela expressiva dos eleitores segue sem representação política, à mercê de dois projetos de poder rigorosamente personalistas. É este, por enquanto o resultado da bagunça interna e do descaso com o País de partidos políticos outrora dignos de sua inscrição na história nacional.

A inflação agora preocupa todos

O Estado de S. Paulo

Alta intensa e persistente dos preços agora é percebida por praticamente toda a população

A inflação está se acelerando desde o início do ano passado, e a cada mês afeta mais o orçamento das famílias, mas a percepção das pessoas de que os preços de bens rotineiramente comprados por elas estavam subindo não era muito nítida. Agora é. O impacto da inflação foi sentido por 95% da população, de acordo com pesquisa patrocinada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e realizada pelo Instituto FSB Pesquisa. Em novembro do ano passado, 73% dos brasileiros diziam ter sentido o aumento médio dos preços.

O indicador subiu 22 pontos de porcentagem em seis meses. Nesse período, o ritmo da inflação não se alterou muito. Em novembro, a alta acumulada de 12 meses foi de 10,7%. Em março de 2022, com alta de 1,62%, a maior para o mês desde o lançamento do Plano Real, em 1994, o acumulado de 12 meses alcançou 11,30%, apenas 0,6 ponto maior do que o resultado de novembro.

Por isso, talvez mais do que a aceleração, é a persistência da inflação em nível alto que tem feito mais pessoas perceberem seu impacto. Essa percepção afeta decisões importantes, inclusive no plano político, pois a inflação pode ter peso expressivo, se não decisivo, na escolha do candidato à Presidência da República.

A expectativa das pessoas consultadas é de que não haverá melhora no curto prazo. Em novembro, 54% dos entrevistados consideravam que os preços aumentariam nos seis meses seguintes. Na pesquisa mais recente, o porcentual passou para 66%.

Esse sentimento combinado de que os preços sobem muito e continuarão subindo nos próximos meses, mais intenso na pesquisa recente do que na anterior, deveria afetar também de maneira mais intensa sua programação financeira, mas, curiosamente, não foi isso que se constatou. Em novembro, 74% dos entrevistados disseram que tinham feito algum corte nos gastos familiares nos seis meses anteriores; em abril, 64% disseram ter reduzido alguma despesa.

A avaliação do impacto do aumento dos preços sobre a situação financeira, de sua parte, não mostrou variação expressiva entre uma pesquisa e outra. Em novembro, 75% dos entrevistados diziam que suas finanças tinham sido afetadas pela inflação; o índice passou para 76% em abril. Mas aumentou (de 45% para 54%) a parcela dos que afirmaram ter tido suas finanças muito afetadas pelo aumento dos preços.

Itens de despesas que mais pesam nos orçamentos das famílias de baixa renda estão entre os mais citados entre os que ficaram mais caros nos últimos meses. Dos entrevistados, 59% mencionaram o aumento da conta de luz; seguem-se, pelo número de citações, gás de cozinha, arroz e feijão, conta de água, combustível, frutas e verduras, carne vermelha e remédios.

Por isso, a percepção de que os preços aumentaram muito é mais intensa nas famílias com renda de até um salário mínimo (90%) do que nas com renda maior do que cinco salários mínimos (83%). Da mesma forma, é maior no Nordeste (93%) do que no Sul (76%). Mas, qualquer que seja a faixa de renda ou a região, a inflação é um mal cuja percepção é generalizada.

Tortura, mancha que não se apaga da história nacional

Valor Econômico

A lei da anistia conteve os democratas, mas o revanchismo parece vir hoje dos radicais de direita, estimulados pelo Planalto

O golpe militar de 1964 abriu um período nefasto da história republicana, com a destruição da democracia, a perseguição política, torturas e assassinatos. Ainda sob a ditadura, em 1979, uma lei de anistia assegurou impunidade a torturadores e aos responsáveis pelos órgãos de repressão que os comandavam. Prevaleceu até hoje a solução contemporizadora, fruto do jogo tenso das forças políticas da época, até que chegou à Presidência o capitão reformado Jair Bolsonaro (“mau capitão”, segundo o ditador Ernesto Geisel), que vê no regime militar a época de ouro que gostaria de reviver. Não está sozinho nesse desejo.

O episódio da revelação de fitas gravadas no Supremo Tribunal Militar entre 1975 e 1985 pela jornalista Miriam Leitão, de “O Globo” - torturada quando grávida -, comprovou mais uma vez que houve uso da violência contra presos indefesos e que o tribunal militar tinha conhecimento delas. Torturas estão descritas em áudios do almirante Júlio de Sá Bierrenbach, o general Rodrigo Octávio, os ministros Amarilio Salgado e Waldemar Torres da Costa, brigadeiro Faber Cintra e outros.

Parte de compilação realizada pelo historiador e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Fico, as fitas vieram à tona para desmentir insinuações hediondas de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, sobre o que ocorreu nos porões da ditadura com Miriam. Mais do que documentar fatos bárbaros e adicionar detalhes cruéis, os áudios reavivaram ou revelaram os piores instintos de militares com posições de poder na República. O vice-presidente Hamilton Mourão, questionado sobre a necessidade de apurar os fatos descritos, sorriu e disse: “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô”. Para ele, isso faz parte de um passado no qual “houve excesso de parte a parte”.

Pior fez o presidente do Supremo Tribunal Militar, general Luís Carlos Gomes Mattos, que qualificou documentos históricos da Corte que preside de “notícia tendenciosa” e entrou no túnel do tempo para afirmar que sua divulgação era uma conspiração para atingir as Forças Armadas. “Não estragou a Páscoa de ninguém”, completou. Para o general, “só varrem de um lado, não varrem o outro”.

Como deputado, e depois presidente da República, Jair Bolsonaro não se cansa de louvar os trabalhos do torturador Carlos Brilhante Ustra, a quem dedicou, inclusive, seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff. Eleito, Bolsonaro buscou para a chefia do Gabinete de Segurança Institucional o general Augusto Heleno, ajudante de ordem do general Silvio Frota, expoente da linha dura do regime militar, botinado por Geisel por tentar torpedear o processo de abertura política controlada.

O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, cotado para vice na chapa de Bolsonaro para a reeleição, qualificou o golpe de 31 de março como “um marco histórico da evolução política brasileira” em ordem do dia alusiva à data. Seu legado, segundo Braga, foi de “paz, de liberdade e de democracia”.

O imaginário bolsonarista é habitado por fardas e demonstrações de força e poder contra inimigos, entre eles, frequentemente, a democracia. Eduardo Bolsonaro disse, por exemplo, em vídeo gravado em julho de 2018: “Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não”.

Bolsonaro atraiu ao seu redor a ala radical das Forças Armadas, que justifica o rompimento da ordem legal sob alegações ideológicas diversas, que usualmente não guardam relação com a realidade. Há outra ala, legalista, que respeita a Constituição, que também se abriga na cúpula militar. Ela vê o despreparo e a incompetência de Bolsonaro como um desserviço aos fins últimos do corpo armado do Estado.

Ao colocar milhares de militares na administração pública, Bolsonaro deu visibilidade a casos gritantes de inadequação para o cargo em um momento trágico da vida nacional, como foi a passagem do general Eduardo Pazuello pelo Ministério da Saúde. Ex-militares ou militares da reserva estiveram envolvidos em escândalos de corrupção no caso das vacinas, desmoralizando a imagem que o Exército tem perante a população.

Mais importante, com sua gritaria sobre a possibilidade de fraude nas eleições, Bolsonaro busca arregimentar adeptos para seus sonhos radicais. A lei da anistia conteve os democratas, mas o revanchismo parece vir hoje dos radicais de direita, estimulados pelo Planalto.

Brasil não consegue sair da série B da economia mundial

O Globo

Para os brasileiros, o último Panorama Econômico Global com as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia mundial traz dois recados. Primeiro, o PIB do Brasil deverá crescer neste ano raquítico 0,8%, e em 2023 apenas 1,4%. Segundo, esse é um crescimento ainda mais medíocre quando comparado ao dos demais países emergentes.

É verdade que a guerra na Ucrânia freou a recuperação mundial depois dos piores momentos da pandemia. A previsão é de inflação alta e de desaceleração no crescimento global (de 6,1% em 2021 para 3,6% em 2022 e 2023). Mas o que está ruim ainda pode piorar. No rol das incertezas estão a ampliação do conflito armado na Europa e a desaceleração maior na China em razão do fracasso na estratégia de Covid-19 zero.

Nesse ambiente conturbado, o melhor que o governo federal poderia fazer é exatamente o contrário do que tem feito. Seria o tempo de preparar o país para o vendaval que se avizinha. Não na visão do presidente Jair Bolsonaro. Ele dá repetidas provas de não se importar com o estado da economia depois das eleições de outubro. Faria bem se moderasse o ímpeto gastador e parasse de corroer o arcabouço fiscal que garante a gestão sensata da dívida pública.

Não é um acaso que as estimativas de crescimento do PIB brasileiro em 2022 e 2023 sejam desproporcionalmente menores que as da Índia (8,2% e 6,9%) ou da China (4,4% e 5,1%). Os números para a América Latina (2,5% e 2,5%) e para o México (2% e 2,5%) não chegam às alturas, mas são bem mais respeitáveis que os brasileiros.

Desgraçadamente, isso não é novidade. Com ou sem guerra, com muita ou pouca incerteza, o desempenho do Brasil tem sido sofrível com regularidade espantosa. Não há consolo ao olhar para outros lugares. Desde 2014, o Brasil registra desempenho pior que as médias global e dos países emergentes e em desenvolvimento. Só crescemos mais que o México em dois anos.

O debate aqui é prejudicado por uma miopia crônica. Segundo uma visão deturpada, nossas vantagens comparativas em bens primários são um limitador ao desenvolvimento industrial. Na verdade, como diz o economista Samuel Pessôa, faltam evidências convincentes de que a valorização do câmbio provocada pela venda de commodities seja grande empecilho à competitividade da indústria. Os maiores problemas são outros, a começar pelo ambiente protegido. Em vez de maldição, o setor primário, aberto para o mundo, tem sido a salvação.

Reformar as leis que condenam o Brasil ao atraso deveria ser a prioridade do próximo governo. Mas nenhum dos líderes nas pesquisas de opinião parece ter muita noção do momento histórico. Bolsonaro se tornou refém de demandas corporativas e de interesses os mais variados. E o ambiente internacional atual em nada se parece com o que o ex-presidente Lula encontrou durante seus dois mandatos. O discurso prisioneiro dos interesses locais, da agenda do funcionalismo e da ideia de um Estado indutor do crescimento já foi testado antes e não deu certo. Insistir nesses erros equivalerá a continuar vendo a corrida global dos últimos lugares, com desemprego alto e renda baixa.

PF precisa levar até o fim as investigações contra Jair Renan

O Globo

Já ficou claro que o bolsonarismo se manifesta em pelo menos duas variantes, para usar o termo em voga. A primeira poderia ser chamada de “ideológica” ou “intelectual”. São os bolsonaristas que se acreditam em guerra contra a esquerda, o “marxismo cultural”, o “politicamente correto” ou qualquer outra fabulação da extrema direita. A segunda variante tem um caráter mais material. É um bolsonarismo, por assim dizer, de resultados, mais voltado para negócios. É o bolsonarismo das rachadinhas do Queiroz, dos pastores pedindo propina no MEC, das negociatas no Ministério da Saúde, das estrepolias com o Centrão.

Os filhos Zero Dois (Carlos) e Zero Três (Eduardo) do presidente Jair Bolsonaro são expoentes da primeira variante. O primeiro está vinculado à campanha vitoriosa de 2018 e à desinformação nas redes sociais. O segundo, discípulo do finado guru Olavo de Carvalho, articula alianças estratégicas com a extrema direita global. O filho Zero Um (Flávio), protagonista do escândalo das rachadinhas, pode ser considerado um espécime da segunda variante. A ela também parece pertencer o Zero Quatro (o caçula Jair Renan), envolvido agora numa história rocambolesca de tráfico de influência, em que é acusado de abrir a porta do governo a empresários, em troca de mimos para seu escritório no estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Num depoimento de quatro horas à Polícia Federal, Jair Renan negou irregularidades. Os indícios, porém, são comprometedores. Em 2020, ele se reuniu no Espírito Santo com empresários interessados em negócios com o governo. Dois meses depois, as portas do Ministério do Desenvolvimento se abriram a um deles, numa reunião com a presença do Zero Quatro, de sua arquiteta e do personal trainer com quem se associou em vários negócios.

Mensagens obtidas pela PF revelam que esses dois últimos buscavam patrocínio para pagar obras no escritório do Zero Quatro, identificadas como “bolsa móveis e bolsa reforma”. “Já já sai na mídia. Filho de presidente pede Bolsa Móveis”, dizia uma delas. Uma das patrocinadoras do projeto recebeu R$ 25,4 milhões em contratos para fornecer poltronas, cadeiras e mesas ao governo. De acordo com Jair Renan, as doações que recebeu das empresas seriam pagas na forma da veiculação de publicidade nas redes sociais.

É até possível que não haja ligação entre os contratos com o governo e a proximidade do filho do presidente. Mas casos do tipo sempre deixam uma mancha. Todo presidente da República precisa zelar pela imagem de seus parentes, que muitas vezes usam essa relação familiar para catapultar negócios. Bolsonaro não é o único a enfrentar o problema. Várias denúncias atingiram filhos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mexicano Andrés Manuel López Obrador está às voltas com acusações cabeludas envolvendo seu filho mais velho. Em todos os casos, cabe às autoridades apurar tudo. A PF deve levar as investigações até o fim. E Bolsonaro, como todo bom pai, não deveria passar a mão na cabeça de seus filhos — de qualquer variante.

Desastres no MEC

Folha de S. Paulo

Com 5ª nomeação para a pasta, Bolsonaro patrocina gestão ruinosa da educação

O presidente Jair Bolsonaro (PL) nomeou Victor Godoy Veiga como seu novo ministro da Educação. É o quinto indicado ao MEC em 40 meses. A rotatividade, contudo, constitui o menor dos problemas da pasta cuja importância estratégica esteve sistematicamente rebaixada nesta administração.

Godoy Veiga não é mais que um burocrata. Formou-se em engenharia de redes de comunicação de dados pela Universidade de Brasília (UnB) em 2003 e só tem cursos de especialização na Escola Superior de Guerra e na Escola Superior do Ministério Público —nenhum deles relacionado com educação.

Ocupava a secretaria-executiva do MEC, após 16 anos como auditor na Controladoria-Geral da União (CGU). Fora indicado pelo antecessor Milton Ribeiro, que deixou o ministério no escândalo da intermediação de verbas por pastores.

Parece haver mais automatismo que ironia na escolha do especialista em propinas de órgão de fiscalização do governo para suceder um investigado. Bolsonaro repete indicações recentes de subalternos inexpressivos para o primeiro escalão, e até Ribeiro os desvios notórios no MEC eram ideológicos, não de dinheiro público.

A sucessão de desastres começou com Ricardo Vélez Rodríguez, filósofo e teólogo indicado ao MEC por Olavo de Carvalho, falecido guru da direita tresloucada. Vélez ficou 99 dias no cargo, tempo suficiente só para reconhecer-se sua nulidade.

Quando não parecia possível relegar o MEC a nível mais inferior, Bolsonaro nomeou Abraham Weintraub, economista da Unifesp. Seguiram-se 14 meses de destempero por um ideólogo tosco, cujo feito mais famoso foi vociferar em reunião ministerial que "colocaria todos esses vagabundos na cadeia, começando no STF".

O passo seguinte na degradação, em 2020, se deu com o professor de finanças Carlos Alberto Decotelli —que nem chegou a tomar posse, renunciando pouco depois de nomeado, após descobrirem-se um doutorado fictício e sinais de plágio na sua tese de mestrado.

Em comum entre Vélez, Weintraub e Ribeiro encontra-se a inoperância na missão de recuperar o ensino público no país. O que já era problemático, em termos de aprendizado e proficiência, caminha para revelar-se uma tragédia sob o golpe triplo da conturbação pandêmica, da incompetência e do aparelhamento sob Bolsonaro.

Isso sem falar, claro, nos indícios de corrupção e mau uso do dinheiro público por operadores do centrão que proliferam na pasta.

Chegou-se no Brasil ao ponto em que o melhor que se pode dizer do novo ministro da Educação está em não ser, aparentemente, um militante ideológico ou religioso. É muito pouco, pouco demais.

Covid acima de zero

Folha de S. Paulo

China se debate para manter controle rígido do vírus, afetando a economia global

Berço da pandemia do Sars-CoV-2, a China passou os dois primeiros anos da pandemia sendo admirada pela eficácia de seu programa de combate à disseminação do vírus que já matou mais de 6,2 milhões de pessoas no mundo inteiro.

Aplicando uma política rígida de lockdowns em grandes áreas urbanas, Pequim logrou registrar apenas cerca de 4.700 mortes oficiais na porção continental do país, com meras 3 vítimas para cada milhão de habitante —um milésimo do observado no Brasil ou nos EUA.

Tal brilho sempre foi alvo de contestação devido à opacidade típica de estatísticas em uma ditadura comunista, mas especialistas concordam que os chineses conseguiram um sucesso sanitário único.

Ato contínuo, o feito virou peça de propaganda do regime ante a suposta ineficiência das democracias liberais em lidar com o vírus.

Foi assim até agora. A abordagem conhecida como Covid zero começou a ser colocada à prova com a emergência da variante ômicron, que varreu o globo neste ano.

Em Hong Kong, região semiautônoma que não integra os números chineses da peste, houve uma explosão de casos que evidenciou dois problemas graves: o relaxamento da cobertura vacinal entre os mais idosos e o fato de que os imunizantes do país, de tecnologia mais tradicional, são menos eficazes contra a nova cepa.

De forma inédita, duas megacidades, Xangai (26 milhões de habitantes) e Shenzhen (17 milhões) foram fechadas. Tão inaudito quanto isso, moradores passaram a furar o bloqueio da internet para protestar contra as regras draconianas e a vida numa distopia onde cães-robôs vigiam as ruas.

Como ensinou Sun Tzu no clássico chinês "A Arte da Guerra" (séc. 5º a.C.), se o inimigo deixa uma porta aberta, urge precipitar-se sobre ela. Foi o que o vírus fez.

Com isso, a produção industrial chinesa, engatinhando para fora da crise, entrou em alerta. A imagem de centenas de navios à espera de atracagem no porto de Xangai insinua o dano a cadeias logísticas mundiais, já bastante castigadas.

Em um mundo que lida com uma guerra europeia com potencial caótico para a área de energia, é mais do que uma má notícia.

Na fútil competição geopolítica, o Ocidente não apresenta números melhores, e a volta dos surtos assombra a Europa e os Estados Unidos. Mas são Xi Jinping e sua inflexível política sanitária que estão agora no holofote.

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo


Reprodução: Horizontes Democráticos

A globalização continua

Luiz Sérgio Henriques* / O Estado de S. Paulo

Vozes econômicas influentes informam que a globalização, tal como a conhecemos desde o fim do bloco soviético, tem os dias contados. O colapso financeiro de 2008, a pandemia e, por último, a invasão da Ucrânia teriam fraturado a articulação dos mercados e causado a crise da segunda grande onda globalizante, assim como a Guerra de 1914 teria encerrado a primeira. A discussão econômica está em aberto, naturalmente, ainda que, do ponto de vista estritamente político, seja bem menos perceptível a diminuição da interdependência entre povos e nações.

Na política, tudo continua a se relacionar tanto quanto antes – ou talvez mais. O fracasso eleitoral da oposição unificada na Hungria, caso paradigmático de “democracia iliberal”, reverbera como advertência para nós, tão distantes daquele singularíssimo país. As eleições francesas colocam novamente em confronto, repetindo o cenário de 2017, o centro liberal-democrático de Macron e a extrema-direita de Le Pen. E nem é bom imaginar o efeito de eventual mudança de rumos na política francesa, que corroeria a unificação europeia e sinalizaria o revigoramento da “Internacional de nacionalismos”, um dos muitos oxímoros que nos atormentam nestes tempos confusos.

Reprodução: CNN Brasil
Reprodução: CNN Brasil

Os nacionalismos em questão articulam-se em rede, trocam experiências, auxiliam-se mutuamente sem constrangimento. Não se limitam a proclamar, fechados em si mesmos, que cada uma das respectivas nações de referência deve vir “em primeiro lugar” ou “acima de tudo” – e acompanhada por alguma versão pré-moderna de um Deus “acima de todos”.

A inter-relação tem se imposto desde os triunfos inaugurais do moderno nacional-populismo com o Brexit e a eleição de Donald Trump. O fluxo planejado de desinformação, possivelmente gestado ainda na era soviética, esteve presente nestes dois acontecimentos e em muitos outros, acirrando ressentimentos e explorando situações inéditas, como a fragmentação das velhas classes sociais e a emergência de uma “sociedade dos indivíduos”, na expressão de Pierre Rosanvallon. Nada faz supor que tal fluxo se detenha em eleições futuras, inclusive na brasileira, e só este fato deveria servir como segunda e poderosa advertência.

O nacional-populismo ganhou parte da juventude de esquerda na Europa | Reprodução: Mises Brasil
O nacional-populismo ganhou parte da juventude de esquerda na Europa
| Reprodução: Mises Brasil

Nunca é muito claro o exato momento em que uma “democracia iliberal” se despe de ornamentos e assume as feições de uma autocracia ou, para usar linguagem mais direta, de uma ditadura. E nem sempre lhe será possível, adequado ou conveniente apresentar-se como tal. O fato é que os nativistas aprenderam, ao menos em parte, a lição da hegemonia, empregando recursos que permitem dar uma orientação a amplos setores desnorteados com a velocidade das transformações em curso.

O nacionalismo autoritário sempre provê uma comunidade ilusória, permanentemente mobilizada contra os mais fracos e os “diferentes”. Às vésperas do fascismo clássico, há pouco mais de cem anos, espalhava-se a fantasia da “nação proletária” injustamente explorada pelas demais. Enquanto lutava pela sua parte no butim colonial, tal nação devia unir-se compactamente, calando as discrepâncias internas mediante a fruição do trabalho dos “povos inferiores”. Hoje, o populismo recorre demagogicamente a uma suposta defesa dos “perdedores da globalização”, investindo contra os imigrantes e tentando herdar os eleitores da esquerda clássica. O que não muda, em circunstâncias tão distintas, são o culto do homem providencial (Marine Le Pen é, aqui, uma exceção) e a consequente compressão da vida democrática.

Reprodução: PsicoDigital
Reprodução: PsicoDigital

Esta compressão apresenta-se com toda a nitidez no exemplo-limite da Rússia de Vladimir Putin, na qual o Estado aparece quase inteiramente como pura força. O plurissecular passado despótico – seja o dos czares, seja o do comunismo stalinista – constitui o repertório no qual se buscam as razões últimas do poder autocrático. A bem da verdade, o bolchevismo original é alvo da ideologia eslavófila de Putin, pois nele ainda pulsa uma ligação com o Iluminismo e a cultura ocidental, não obstante o radicalismo jacobino que o levaria à perdição. Internamente, por isso, o Estado de Putin se apoia no controle repressivo da sociedade civil; externamente, na guerra, em particular nas suas modalidades mais destrutivas, o que vemos a cada dia, com horror, na agressão à Ucrânia.

Recorrendo à lição hegemônica ou valendo-se da força, ou, ainda, empregando uma mistura de ambas, o nacionalismo populista é a grande ameaça atual à comunidade das nações democráticas. A estas últimas, também abaladas em seu interior por forças e personalidades autoritárias, não convém ostentar nenhum tipo de húbris ou vocação missionária. Elas podem regredir pavorosamente, bastando lembrar o assalto ao Capitólio e o mau exemplo semeado. Como indivíduos, para seguir viagem em meio às ondas tempestuosas da unificação do gênero humano, temos à disposição o cultivo do “instinto de nacionalidade”, na forma de lealdade à Constituição, e o aprofundamento da condição de cidadãos do mundo, envolvidos inexoravelmente em cada avanço e em cada recuo das nossas sociedades.

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil

(Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, em 17 de abril de 2022)


Valdir Oliveira: O tempo de Cazuza, a escolha de Sofia e a eleição de 2022

O ano era 1988 e o rock brasileiro apresentava mais uma antológica obra-prima de Cazuza. O tempo não para é um desabafo. Cazuza questionava a elite brasileira ao bradar “a tua piscina está cheia de ratos, tua ideia não corresponde aos fatos, o tempo não para”. O tempo cantado era a esperança de mudança para um mundo melhor.

O cansaço das apostas políticas frustrantes se traduz na descrença de dias melhores. Que visão teve Cazuza quando mostrou que sua geração, criada sob a opressão de uma ditadura, quando se libertou, não conseguiu se livrar das mazelas que tanto combateu. A decepção foi revelada com a música Ideologia, quando o compositor diz “o meu partido, é um coração partido”. A inspiração de Cazuza o fazia refletir sobre o paralelo entre um jovem criado numa repressão, com o anseio da liberdade, e um adulto frustrado com a liberdade mal aproveitada por uma abertura política contaminada por velhas práticas. O coração partido do poeta chorava no verso “e as ilusões estão todas perdidas, os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem acredito”. É a presença do dilema em nossas vidas, o desafio das escolhas.

Esses dias assisti a um clássico, A Escolha de Sofia. Esse filme eternizou o livro de mesmo nome e faz uma viagem ao holocausto, ao campo de concentração de Auschwitz. Uma polaca, filha de um antissemita, é presa pelos nazistas e mandada ao campo de concentração com seus dois filhos, duas crianças. Com feições arianas e não sendo de uma família judia, Sofia tentou uma condição especial na chegada ao campo de concentração por achar que não se enquadrava no perfil de alvo do nazismo. Mas o sadismo de um oficial nazista impôs à ela uma escolha impossível. Escolher, dentre os dois filhos, qual viveria e qual morreria. Não escolhendo, ambos seriam mortos. A impossível escolha de Sofia.

Um conflito insanável para uma mãe. A vida é permeada de decisões difíceis. A inspiração do poeta Cazuza ensina que a vida, às vezes, toma decisões por cada um de nós, lembrado no verso “Já que eu não posso te levar, quero que você me leve”. A escolha entre caminhos. Não escolhido algum, a vida decidirá.

O ambiente político, nos últimos anos, tem sido contaminado pelo extremismo e pelo ódio. Estamos tomados pela teoria do pêndulo, onde a alternância do poder fica na mesmice, ou como cantou Cazuza “um museu de grandes novidades”. A não concordância com posições nos faz optar pelo extremo oposto, como se não pudesse existir o equilíbrio entre pensamentos e teses distintas. Se não existe uma verdade absoluta, o extremo jamais representará o melhor caminho. Não somos binários. As tradicionais peças do xadrez político nos remetem ao quente ou frio, sem que se possa optar pelo morno. O recado da população foi que mudar é preciso. Os movimentos políticos dos últimos dias colocaram o Brasil na gangorra onde o eleitor estará, novamente, em cima ou embaixo. O equilíbrio é importante para que as eleições de 2022, a festa da democracia, não nos imponham a escolha de Sofia.

O eleitor precisa se transformar no protagonista dessa festa. Caso contrário, será submetido ao interesse dos outros, sujeito a quem faz da política a defesa do interesse próprio. Como diz Cazuza “não me convidaram para essa festa pobre que os homens armaram para me convencer”. Se não tomar a iniciativa, o eleitor pagará a conta, mas não entrará na festa, como Cazuza desabafou na canção, “não me ofereceram nem um cigarro, fiquei na porta estacionando os carros”. Essa é a frustração por deixarmos que os outros decidam o nosso destino. O dilema entre o esperar e o fazer, entre o acomodar e o buscar. A escolha entre passar pela vida ou fazer dela a oportunidade de construir seus próprios sonhos.

Não esperar, não pedir, ir lá e fazer. Essa é a melhor tradução para a palavra mudar. Não é fácil sair da zona de conforto para enfrentar a incerteza de um mundo de injustiças e ingratidões. A definição entre o esperar ou mudar é o que pode evitar a escolha de Sofia. Participar da festa pode ser o caminho de quem não quer decidir entre extremos inconciliáveis. Afinal, já ficou provado que o menos ruim não resolve. O chamado da política consciente deve entrar no jogo de 2022 para que se evite a escolha impossível. O rock marcou as gerações com a irreverência de quem quer mudar, de quem não nasceu para esperar, mas para fazer. Sair da zona de conforto e assumir o protagonismo. A arte de Cazuza nos ensinou a não esperar pela felicidade, mas vivê-la diariamente, como no verso “pro dia nascer feliz, essa é a vida que eu quis”. E qual será a vida que fará cada um, e uma nação, feliz?

Valdir Oliveira é superintendente do Sebrae no DF


Paulo Fábio Dantas Neto: O abismo das esquinas - Conexões entre indignação e política

Na coluna da semana passada procurei economizar em análises para fazer uma exortação a quem ocupa um lugar na sociedade civil e não apenas no eleitorado. Ela foi no sentido de não permitir que a vontade política de se livrar de um presidente extremista e inimigo da república desconecte-se da prudência recomendada pelas urnas de 2020, pelas quais os eleitores indicaram rotas de responsabilidade administrativa e despolarização política.

Hoje retorno a um esforço mais analítico, com argumentos ancorados em dois pontos de observação. O processo sucessório nas duas casas do Congresso Nacional e os movimentos de forças governistas. A intenção é fazer conexões entre eles para avaliar a distância entre o desenrolar de certos fatos e a percepção que motivou a exortação da semana passada.

Sobre as sucessões no Congresso os prognósticos predominantes são de vitória do governo na Câmara e de um acordo interpartidário no Senado, que vai bem além do governismo e inclui não só independentes, como a oposição. Tende a acontecer no Senado uma convergência política maior do que a prometida pela frente partidária que lançou, há pouco mais de um mês, a candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB) na Câmara.

O senador Rodrigo Pacheco (DEM) caminha para a eleição, tendo ao seu lado um arco de forças centrado nos maiores partidos, indicando que sua virtual gestão será marcada por equilíbrio e não, como se propala, por governismo ou submissão institucional. A candidatura oponente, da senadora Simone Tebet (MDB), noves fora seus méritos pessoais, terminou circunscrita a uma minoritária convergência entre antigos “cardeais” do Senado, partidos médios e políticos outsiders. Dentre eles o grupo defensor da CPI da Lava Toga, que faz o discurso da “nova política” emergente das eleições de 2018, relevante na ascensão de Davi Alcolumbre à presidência, há dois anos. Entre os “cardeais” destaca-se Renan Calheiros (MDB), que passou a ver em Tebet e nos órfãos do pragmático Alcolumbre, a chance de dar o troco a esse último e recuperar o Senado para um outro MDB, paralelo ao da Câmara. Essa compreensão do processo diverge da que ganhou a mídia, ou seja, a de que Tebet foi “traída” pelo MDB. Na verdade, ela se tornou pré-candidata por apoios fora do seu partido, por isso quase foi acolhida por ele, mas perdeu a queda de braço. Sua candidatura começou avulsa e terminou avulsa porque o MDB é um partido relevante. Ao apoiar Pacheco, terminou seguindo, apesar do paralelismo de suas bancadas, o rumo seguido na Câmara, aliando-se ao DEM, PSDB e PT.  A política tem uma proficiência que a razão proficiente desconhece. O Senado, que teve dois terços de sua composição alterados no ambiente extremado das eleições de 2018, parece que seguirá, no próximo biênio, script oposto ao daquelas eleições. Enquanto isso, na Câmara, onde prosperou, desde 2019, sob a liderança de Rodrigo Maia, uma estratégia prudencial de política positiva que obteve claro aval nas urnas de 2020, no momento da sucessão de Maia, em que essa política poderia se consolidar, cedeu espaço à lógica polarizadora de 2018, tendo como pano de fundo dessa guinada, o mantra do impeachment.

A princípio, a de Baleia Rossi era candidatura em defesa do Legislativo, voltada a mobilizar a maioria dos deputados para isolar a tentativa de sua instrumentalização pelo Executivo, sinalizada pela candidatura de Artur Lira. Formou-se ampla frente partidária para preservar a independência da casa, que se mostrara essencial no enfrentamento - objetivo e não apenas retórico - da pandemia e das ameaças à democracia. Tudo a ver com o script vitorioso nas urnas de 2020. Mas a campanha seguiu a rota da polarização e, em vez de isolamento do governismo, provocado por energias agregadoras, assistiu-se à ampliação de sua margem de manobra, graças a lógicas centrífugas que marcaram a conduta de vários setores da frente. Paulatinamente forjou-se uma imagem de Baleia como candidato de oposição. A guinada significou o abandono de uma estratégia promissora.

É compreensível a dificuldade de políticos se conservarem “maricas” num contexto em que a indignação comanda. De fato, com os desmandos políticos e administrativos cometidos pelo governo no contexto da pandemia, dramatizados pela falta de vacinas e pela crise de Manaus, o medo geral e a indignação começaram a comandar os sentimentos públicos na sociedade civil, cutucando a vontade política da oposição e criando uma sinergia contestatória que se apresentou como capaz de comover também o eleitorado e criar condições para um impeachment.  Pode ser que mais adiante se chegue a isso, mas essa perspectiva não se concretizaria a tempo de interferir na solução da sucessão na Câmara em favor da alternativa independente. Essa é tributária da persistência da estratégia maricas, que os sentimentos públicos difusos na sociedade civil demonizaram como de conivência com o crime. Nada tinha disso, mas e daí? Cada vez mais vozes somaram-se contra ela entre os apoiadores de Baleia e aos poucos o próprio Rodrigo Maia inclinou-se mais a ouvi-las. Parecendo cansado do modo Tancredo de ser, ele entrou no modo Ulisses de 1973, quando o futuro Senhor Diretas foi anticandidato contra o Gal. Geisel, no Colégio Eleitoral.  Fazer campanha nesse tom, quando os eleitores reais são um corpo político em que a oposição é minoria, explica boa parte das dificuldades eleitorais da candidatura.

A farra de emendas e cargos que o governo promove na Câmara responde, é verdade, pela outra parte da explicação.  Mas o que há mesmo de inédito nisso?  Temer não agiu assim para conseguir se blindar no Congresso? Dilma, que não conseguiu, acaso fez diferente? A pergunta não é por que o governo usa essas armas pois a resposta é óbvia. A pergunta é por que, ao que parece, está tendo sucesso? A resposta, aparentemente óbvia também, de que tem sucesso porque a maioria da Câmara apoia os crimes de Bolsonaro é escapatória ideológica tosca. O bom senso manda buscar e contar outra. Arrisco-me a dizer que o virtual êxito de Lira decorre de que quem opera em seu favor, dentro do governo, já não opera como agente de Bolsonaro. E desse modo chego ao segundo ponto de observação que anunciei na abertura deste texto: os movimentos das forças governistas, a saber, o Presidente e a militância-milicia que o sustenta nas redes, os militares que o cercam no palácio, os políticos e os empresários que apoiam um governo que é cada vez menos seu.

Minha atenção está cada vez mais concentrada no general Hamilton Mourão. Insinua-se, em torno dele, a tortuosa e duvidosa construção de uma saída conservantista para a crise. Se essa percepção for verossímil, Artur Lira, se realmente vencer a disputa pela Presidência da Câmara, trabalhará por essa saída. Em vez de biombo de Bolsonaro seria ele o encarregado da missão de colocar, sobre o pescoço do presidente, uma espada ou uma guilhotina que podem fazer dele um Dâmocles ou um Robespierre.  Faltaria a um herdeiro da política positiva de Rodrigo Maia poder de persuasão para que o capitão se retirasse com medo da sua espada civil e maioria qualificada para mandá-lo à guilhotina do Senado.  Artur Lira, como bom político do chamado centrão, não tem nem uma arma nem outra, assim como é desprovido de linha política. Mas terá, nas retaguardas do presidente, quem lhe empreste uma espada para dissuadir suas resistências. E não lhe faltarão na Câmara os votos para fazê-lo sair por mal. Afinal, se o start vier do próprio centrão, - diria Silvio Lamenha - ser contra quem há de?

A suposta saída conservantista passaria pela derrota de Baleia Rossi, pela implosão da frente que Maia articulou - e não se sabe se ainda lidera -, pelo derramamento espetacular de Leite Moça em telas de variados tamanhos, pela persistência do impasse econômico, pelo agravamento da crise sanitária, e, por fim, pelo impeachment. Muita coisa para uma estratégia só, daí ser ela tortuosa, duvidosa e obrigada a contar, inclusive, com reações anticapitolianas da turma do capitão. Mas, ao mesmo tempo, torna-se crível pela cada vez mais nítida percepção de que Bolsonaro é muito forte para um primeiro turno em 2022, mas um azarão para o segundo turno. Considero improvável que quem divide com ele o palácio resigne-se a cair com ele, nas urnas, a via que existe hoje para oposições o derrotarem. A do impeachment depende de adesão de parte relevante do governismo.  Essa última é o atalho que poderia nos livrar mais cedo da serpente e ao mesmo tempo, a brecha pela qual poderemos herdar os ovos em nosso ninho, por tempo indeterminado.

Se a lógica permite, sigamos na especulação de cenários, já que nos falta a faculdade da adivinhação.  Uma “fase 2” começaria pelo clássico "voto de confiança", que se deveria ao tampão para tirar o país do caos. Prosseguiria em acomodações regionais de apetites políticos, criando a base nacional para a conversão do tampão em candidato à reeleição. O processo poderia ser coroado e abençoado nas eleições de 2022 se o primeiro turno fosse, mais uma vez, um cemitério de alternativas fragmentadas, restando dentre elas a de uma esquerda afirmativa, adversário ideal no segundo turno. Eis o preço político possível do "alívio geral" resultante do cartão vermelho a Bolsonaro. Depois que tirarem o bode da sala, a formação de uma frente conservantista, em torno de Mourão. O centro se dispersaria de novo e quem ficará contra isso? A esquerda. Estará refeita a polarização e com ela, a reeleição de um governo. É pra esse leito que iremos se a sinergia entre oposição política e sociedade civil montar no cavalo da indignação e não no da pacificação.

Claro, isso que acabo de alinhavar não é o futuro. Mas é o tipo de projeto de futuro cujo quartel general só pode ser o palácio. Além desse projeto, só prospera, no momento, como alternativa ao capitão, o "Fora Bolsonaro" que ecoa na sociedade civil. Mas esse caminho, na falta de resposta mínima a uma pergunta (“para que?”) feita pelo jornalista Élio Gáspari, termina sendo, apesar da sua aparência contestadora, um apêndice do pré-projeto que parece se desenhar no palácio.

Uma de várias objeções que podem ser legitimamente levantadas contra essa especulação é a de que seria necessário combinar com o soberano, sem cujo voto, em 2022, a estratégia seria engenhosa, mas inócua. É possível que muitas pessoas imaginem que, nem se todas as vacas tossirem durante os próximos dois anos, o general Mourão se tornará popular a ponto de se eleger. Em tese, há também muitos outros óbices.  A começar pela farda mal lavada dos crimes do passado que já se vê implicada, nos de agora. Segue pelas desconfianças da banca quanto à firmeza liberal desse militarismo planaltino sempre afeito a “projetos estratégicos” e ávido por dirigismo estatal e prebendas do erário. Vai mais longe com a urticária que políticos civis e oficiais militares provocam uns nos outros. Com a imprensa, que deve saber de onde podem partir tentativas de cerceá-la. Por fim, com a pecha de traidor e golpista que lhe seria imputada em todos os espaços que o bolsonarismo pudesse alcançar, com o agravante de que o grito não seria só militante, como foi o do PT, mas teria capacidade de inquietar quarteis pela subversão da disciplina.  

Longe de mim enfrentar essa pauta ainda neste texto. Por ora, vou apenas anunciar que procurarei, na próxima coluna, por em questão a premissa de que o atual vice não poderá se tornar um candidato competitivo. Farei isso partindo da imagem que hoje ele tem, segundo uma pesquisa do Atlas Político, recentemente divulgada. Pelo que até aqui pude analisar dessa pesquisa, ele e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta são as personalidades políticas cujas imagens públicas mais facilitam que se tornem candidatos competitivos numa eleição em dois turnos.

Por hoje, fico no seguinte: Mandetta e Mourão são nomes emblemáticos da esquina política em que o país se encontra. Se pensados como candidatos presidenciais, e não apenas como personalidades políticas, o primeiro é compatível com a estratégia independente, ou oposicionista moderada, que manda levar o barco devagar até 2022. O segundo é a encarnação do impeachment.  Quem força a barra para essa via deve contar com a hipótese de que Mourão não será apenas um tampão. Na dobrada imprudente da esquina, um tiro ao alvo aleatório entre interesses arrivistas e vontades indômitas fará da Constituição de 88 uma candidata a ser a próxima vítima.  

*Cientista político e professor da UFBa.


Luiz Werneck Vianna: Não há mal que sempre dure

Não dá para esconder que a democracia brasileira esteja sob alto risco, e não apenas por que se encontra ameaçada por um governo que faz do seu desmonte o seu objetivo estratégico, mas também por que uma parte de sua sociedade abandonou sua afeição por ela. Afinal, os governantes que aí estão foram eleitos em pleitos eleitorais livres, secundados pelos parlamentares mais toscos, despreparados e vorazes conhecidos em nossa longa história parlamentar, presentes em todas as casas de representação política. Também eles não caíram do céu, foram eleitos, e muitos deles com estrondosa votação. O retrato lúgubre que estampam não é filho do acaso e da má vontade do destino, mas das nossas ações e inações. Diante de nossos olhos a sociedade adoeceu, perdeu-se de si mesma, da sua história e melhores tradições.

Como isso pode acontecer aqui, justo no lugar que soube derrotar pela ação política bem concertada um regime autoritário que a afligiu por duas décadas, essa a questão que temos de sondar até as suas raízes a fim de encontrar remédio para os males que nos atormentam. Que se ronde a blasfêmia, inevitável no caso, por que foi de um partido nascido da vida sindical, lugar sagrado da esquerda, que teve início a difusão do vírus maldito que apartou a democracia política da democracia social, cerne da concepção da Carta de 88, destituindo a política do seu papel criador e pondo no seu lugar a esfera bruta dos interesses, deixando fora de foco o cidadão em nome dos apetites do consumidor – os automóveis, as viagens de avião, as comemorações da Força Sindical no 1º de maio com brindes e rifas aos participantes no lugar da evocação das lutas civis que tradicionalmente celebravam.

Principalmente o descaso com a organização da vida popular e a descrença no papel que uma cidadania ativa pode desempenhar nas democracias, uma vez que por cima de todos um poder tutelar agia em nome de todos, vindo a reforçar as tendências à fragmentação social que décadas de modernização autoritária tinham produzido. A questão social sob a administração do Estado vem à tona com pouca sustentação nos atores que deveriam ser os seus portadores naturais, orientada como estava para os fins políticos da reprodução do poder tutelar que se empenhava, como recurso de legitimação, na satisfação dos desejos de consumo das multidões.

Naquele contexto o que importava era a preservação das posições conquistadas no interior do Estado, pois era a partir dele que realizava o seu enlace com os movimentos sociais e setores da sociedade civil, aí incluídas atividades empresariais de todo gênero, movimento que mereceu ser designado como o Estado Novo do PT. Seus efeitos foram letais na medida em que expos as estruturas do Estado às ações de grupos de interesse que se valeram dessas relações promíscuas para a expansão dos seus negócios e atividades econômicas, terreno fértil à corrupção. Com este flanco aberto, escancarou-se a possibilidade para o capitalismo brasileiro de se livrar dos inúmeros obstáculos, sociais e institucionais, que obstavam sua plena realização. A chamada operação Lava Jato foi o cavalo de Troia que permitiu a entrada em cena das hostes que há tempos ansiavam por essa oportunidade.

Com o terreno da política desertificado, lastro deixado pela Lava-Jato, afetado em sua credibilidade o sistema da representação política, destruídas as escoras e referências que orientavam o sistema de crenças da sociedade, já enfraquecidas por anos de práticas refratárias a uma cidadania ativa por parte do PT, a cena pública tornou-se presa fácil do mundo dos interesses e de todos os apetites. Uma ralé de novo tipo, com extração nos setores das camadas médias, em busca da fama e da riqueza fácil, inebriadas pelo mito pós-moderno da personalidade, vislumbra na sociedade indefesa a sua hora e a sua vez e consegue postos importantes no sistema da representação política. Com a infiltração desses vândalos a obra da ainda inacabada civilização brasileira passa a sofrer graves ameaças.

Contudo, dessa história de ruinas permaneceram de pé as instituições edificadas no já longínquo 1988, ano em que celebrou sua Carta democrática, e por isso mesmo os bárbaros que a sitiam têm como lema a sua destruição. Seus defensores, com firmeza e sabedoria, têm sabido até aqui preservar esse último reduto da democracia brasileira, mas seu esforço solitário não é garantia de que poderão sem recursos externos sobreviver ao cerco a que estão expostas. A dificuldade para a efetivação desse movimento está na pandemia que nos assola, e que nos mantém confinados em defesa da vida. Há outros recursos, porém, que embaraçam as ações dos que tramam contra nossa democracia, um deles, nada irrelevante, provem do mundo ao redor.

As forças que nos rondam em nome da destruição da nossa obra coletiva também sabem calcular, e têm tudo a temer, na economia e na política, no cenário atual das coisas no mundo, caso prevaleçam impulsos em suas ações no sentido de apostar na barbárie que anima tantas lideranças suas. O Brasil não é uma ilha, e faz parte desde sua origem do sistema capitalista mundial, filho do Ocidente, sua formação nacional se forjou sob a influência das correntes de ideias que nos vinham da França, no Império, segundo a modelagem operada pelo Visconde do Uruguai, e, na República, dos EUA que inspirou em larga medida a sua primeira Constituição em 1891, obra em grande parte derivada da influência de Ruy Barbosa na sua redação.

Orbitamos desde aí, de Rio Branco a Nabuco e Osvaldo Aranha em torno desse último eixo, que agora se move em reação contrária a política de Donald Trump que desafia as concepções dos seus pais fundadores em nome do seu projeto de poder em antagonismo com o universalismo e ideais civilizatórios preponderantes ao longo da sua história republicana. Tal movimento, nos dias que correm, tendo como estopim a questão racial, ganhou as ruas, em que pese a pandemia que a todos atinge, em multitudinárias manifestações de jovens apoiadas pela opinião pública e de grandes personalidades do mundo da cultura e dos esportes, não lhe faltando sequer palavras de simpatia entre algumas de suas elites militares. Anuncia-se a possibilidade de mudança nas coisas do mundo.

A política dos governantes que aí estão se encontra desalinhada das tendências benfazejas que ora se afirmam em todos os cantos do planeta. Sob a pressão da pandemia em curso, a linguagem da cooperação se universaliza, com forte intensidade na dimensão da ciência onde se fazem presentes vigorosas denúncias do estado de coisas reinante no mundo, que adoece pelas desigualdades sociais, pela degradação da natureza e da vida em geral. Coube a nós viver essa quadra inclemente sob a condução de ideologias de hospício, hostilizados pelo bestiário de dirigentes que afrontam o mundo e o que há de melhor em nosso país. Isso que aí está não pode durar, não vai durar.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio.


Bolsonaro apoia plano de Trump que favorece Israel em meio à guerra, diz José Vicente Pimentel

Em artigo produzido para revista da FAP, embaixador aposentado critica alinhamento do governo brasileiro aos Estados Unidos

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O governo de Jair Bolsonaro preferiu distanciar-se da maioria e manter a tendência de alinhamento integral a Donald Trump, favorecendo Israel no Oriente Médio e modificando mais uma posição tradicional da diplomacia brasileira. A crítica é do embaixador aposentado José Vicente de Sá Pimentel, em artigo que ele produziu para a 16ª edição da revista mensal Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados de graça no site da entidade.

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Em seu artigo, Pimentel lembra que o governo Geisel se posicionou a favor da retirada das tropas israelenses dos territórios árabes ocupados em seguida à guerra de 1967 e reconheceu o direito do povo palestino à autodeterminação e à independência. “Militava em favor dessa postura equilibrada a importância concedida, desde os tempos do Barão do Rio Branco, à diplomacia multilateral”, afirma ele.

Segundo o autor do artigo publicado na Política Democrática Online, também havia, na época, o reconhecimento de que o Oriente Médio é uma região importante para a manutenção da paz e para a estabilidade da economia mundiais. Além disso, conforme acrescenta, a postura de Geisel ocorreu em manifestação de respeito pela notável contribuição que as comunidades árabe e judaica deram e precisam continuar dando à harmonia da sociedade e ao progresso econômico do Brasil.

“O esquema anunciado por Trump em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, foi uma decepção para os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática”, acrescenta Pimentel. “O plano favorece Israel em todos os temas em disputa. Mediações anteriores haviam feito progressos na negociação de medidas para assegurar segurança na fronteira da Jordânia, a fim de que terroristas não atravessassem a Cisjordânia e ingressassem em território israelense”, destaca ele.

No artigo da revista Política Democrática online, o embaixador ressalta que a questão da Palestina está na agenda internacional desde o Acordo de Sykes-Picaut de 1916. O primeiro plano de paz foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1947.  “Desde então, é comum ver os presidentes americanos envolverem-se diretamente nos problemas do Oriente Médio”, escreve.

 As guerras de 1948, 1967 e 1973 entre árabes e israelenses, vencidas sempre por estes últimos, aumentaram a pressão para que os EUA se engajassem nas negociações de paz, de acordo com o autor. “Por serem o único honest broker que as partes reconheciam como capaz de negociar soluções pacíficas para os conflitos”, assevera.

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Protesto contra o Congresso? Confira editorial da revista Política Democrática online

Edição de fevereiro da revista da FAP faz alerta sobre mobilizações antidemocráticas no Brasil

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Está em curso evidente campanha contra as instituições democráticas”, de acordo com editorial da 16ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. “Cidadãos já foram convocados, nos últimos meses, a sair às ruas em protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, supostamente tomados pela velha política, na trincheira da resistência aos propósitos ‘renovadores’ do Executivo”, afirma um trecho.

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O posicionamento do editorial da revista Política Democrática Online é bastante atual e de interesse público. Nesta semana, Bolsonaro voltou a inflar polêmicas na sociedade, enviando vídeo pelo WhatsApp por meio do qual convoca o público para protesto contra o Congresso. Em seguida, o presidente disse que suas mensagens no aplicativo têm caráter pessoal. Juristas apontaram crime de responsabilidade.

O editorial destaca que, a cada dia, a ousadia de apoiadores do governo expande a fronteira do inusitado, sem encontrar, infelizmente, até o momento, resistência à altura por parte dos defensores da democracia. O texto lembra também que, recentemente, o Congresso Nacional foi cenário de um episódio exemplar, revelador, ao mesmo tempo, dos objetivos dos propagandistas do autoritarismo e dos métodos por eles empregados.

“Na Comissão Parlamentar de Inquérito, constituída para investigar o uso intencional de notícias falsas nas campanhas eleitorais recentes, um dos suspeitos confessou as irregularidades, denunciando partidos e candidatos no atacado, com a exceção expressa dos vitoriosos na eleição de 2018”, diz um trecho da revista Política Democrática Online, para continuar: “De quebra, acusou a repórter responsável pela investigação de parcialidade política, divulgação de mentiras, além da tentativa de obter informação em troca de favores sexuais”.

Além disso, o editorial da revista Política Democrática Online classifica como espantoso o fato de um investigado substituir explicações claras por acusações torpes contra a imprensa investigativa, em depoimento a representantes do povo. “Causa espanto maior o fato de esse investigado não ter sido objeto de detenção imediata para esclarecimento dessas acusações”, assevera o texto.

No entanto, ainda de acordo com o editorial, efetivamente estarrecedora foi a repercussão desses fatos nas redes sociais. “Nelas brotaram aos milhares manifestações de apoio ao disseminador de fake news e de repúdio à jornalista e a seu jornal, grande parte das quais provenientes de perfis evidentemente falsos. Como se a resposta à investigação fosse a reincidência massiva e pública, em tempo real.”

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Eliane Brum: O golpe de Bolsonaro está em curso

Já está acontecendo: a hora de lutar pela democracia é agora

Só não vê quem não quer. E o problema, ou pelo menos um deles, é que muita gente não quer ver. O amotinamento de uma parcela da Polícia Militar do Ceará e os dois tiros disparados contra o senador licenciado Cid Gomes (PDT), em 19 de fevereiro, é a cena explícita de um golpe que já está sendo gestado dentro da anormalidade. Há dois movimentos articulados. Num deles, Jair Bolsonaro se cerca de generais e outros oficiais das Forças Armadas nos ministérios, substituindo progressivamente os políticos e técnicos civis no Governo por fardados – ou subordinando os civis aos homens de farda nas estruturas governamentais. Entre eles, o influente general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, segue na ativa, e não dá sinais de desejar antecipar seu desembarque na reserva. O brutal general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, chamou o Congresso de “chantagista” dias atrás. Nas redes, vídeos com a imagem de Bolsonaro conclamam os brasileiros a protestar contra o Congresso em 15 de março. “Por que esperar pelo futuro se não tomamos de volta o nosso Brasil?”, diz um deles. Bolsonaro, o antipresidente em pessoa, está divulgando pelas suas redes de WhatsApp os chamados para protestar contra o Congresso. Este é o primeiro movimento. No outro, uma parcela significativa das PMs dos estados proclama sua autonomia, transformando governadores e população em reféns de uma força armada que passa a aterrorizar as comunidades usando a estrutura do Estado. Como os fatos já deixaram claro, essas parcelas das PMs não respondem aos Governos estaduais nem obedecem a Constituição. Tudo indica que veem Bolsonaro como seu único líder. Os generais são a vitrine lustrada por holofotes, as PMs são as forças populares que, ao mesmo tempo, sustentam o bolsonarismo e são parte essencial dele. Para as baixas patentes do Exército e dos quartéis da PM, Bolsonaro é o homem.

É verdade que as instituições estão tentando reagir. Também é verdade que há dúvidas robustas se as instituições, que já mostraram várias e abissais fragilidades, ainda são capazes de reagir às forças que já perdem os últimos resquícios de pudor de se mostrarem. E perdem o pudor justamente porque todos os abusos cometidos por Bolsonaro, sua família e sua corte ficaram impunes. De nada adianta autoridades encherem a boca para “lamentar os excessos”. Neste momento, apenas lamentar é sinal de fraqueza, é conversinha de sala de jantar ilustrada enquanto o barulho da preparação das armas já atravessa a porta. Bolsonaro nunca foi barrado: nem pela Justiça Militar nem pela Justiça Civil. É também por isso que estamos neste ponto da história.

Essas forças perdem os últimos resquícios de pudor também porque parte do empresariado nacional não se importa com a democracia e a proteção dos direitos básicos desde que seus negócios, que chamam de “economia”, sigam dando lucro. Esta mesma parcela do empresariado nacional é diretamente responsável pela eleição de um homem como Bolsonaro, cujas declarações brutais no Congresso já expunham os sinais de perversão patológica. Estes empresários são os herdeiros morais daqueles empresários que apoiaram e se beneficiaram da ditadura militar (1964-1985), quando não os mesmos.

Uma das tragédias do Brasil é a falta de um mínimo de espírito público por parte de suas elites financeiras. Elas não estão nem aí com os cartazes de papelão onde está escrita a palavra “Fome”, que se multiplicam pelas ruas de cidades como São Paulo. Como jamais se importaram com o genocídio dos jovens negros nas periferias urbanas do Brasil, parte deles mortos pelas PMs e suas “tropas de elite”. Adriano da Nóbrega – aquele que, caso não tivesse sido morto, poderia dizer qual era a profundidade da relação da família Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro e também quem mandou assassinar Marielle Franco – pertencia ao BOPE, um destes grupos de elite.

Não há nada comparável à situação vivida hoje pelo Brasil sob o Governo de Bolsonaro. Mas ela só é possível porque, desde o início, se tolerou o envolvimento de parte das PMs com esquadrões da morte, na ditadura e além dela. Desde a redemocratização do país, na segunda metade dos anos 1980, nenhum dos governos combateu diretamente a banda podre das forças de segurança. Parte das PMs se converteu em milícias, aterrorizando as comunidades pobres, especialmente no Rio de Janeiro, e isso foi tolerado em nome da “governabilidade” e de projetos eleitorais com interesses comuns. Nos últimos anos as milícias deixaram de ser um Estado paralelo para se confundir com o próprio Estado.

A política perversa da “guerra às drogas”, um massacre em que só morrem pobres enquanto os negócios dos ricos aumentam e se diversificam, foi mantida mesmo por governos de esquerda e contra todas as conclusões dos pesquisadores e pesquisas sérias que não faltam no Brasil. E seguiu sustentando a violência de uma polícia que chega nos morros atirando para matar, inclusive em crianças, com a habitual desculpa de “confronto” com traficantes. Se atingem um estudante na escola ou uma criança brincando, é “efeito colateral”.

Desde os massivos protestos de 2013, governadores de diferentes estados acharam bastante conveniente que as PMs batessem em manifestantes. E como ela bateu. Era totalmente inconstitucional, mas em todas as esferas, poucos se importaram com esse comportamento: uma força pública agindo contra o cidadão. Os números de mortes cometidas por policiais, a maior parte delas vitimando pretos e pobres, segue aumentando e isso também segue sendo tolerado por uns e estimulado por outros. É quase patológica, para não dizer estúpida, a forma como parte das elites acredita que vai controlar descontrolados. Parecem nem desconfiar de que, em algum momento, eles vão trabalhar apenas para si mesmos e fazer os ex-chefes também de reféns.

Bolsonaro compreende essa lógica muito bem. Ele é um deles. Foi eleito defendendo explicitamente a violência policial durante os 30 anos como político profissional. Ele nunca escondeu o que defendia e sempre soube a quem agradecer pelos votos. Sergio Moro, o ministro que interditou a possibilidade de justiça, fez um projeto que permitia que os policiais fossem absolvidos em caso de assassinarem “sob violenta emoção”. Na prática é o que acontece, mas seria oficializado, e oficializar faz diferença. Essa parte do projeto foi vetada pelo Congresso, mas os policiais seguem pressionando com cada vez mais força. Neste momento, Bolsonaro acena com uma antiga reivindicação dos policiais: a unificação nacional da PM. Isso também interessa – e muito – a Bolsonaro.

Se uma parcela das polícias já não obedece aos governadores, a quem ela obedecerá? Se já não obedece a Constituição, a qual lei seguirá obedecendo? Bolsonaro é o seu líder moral. O que as polícias militares têm feito nos últimos anos, ao se amotinarem e tocarem o terror na população é o que Bolsonaro tentou fazer quando capitão do Exército e foi descoberto antes: tocar o terror, colocando bombas nos quartéis, para pressionar por melhores salários. É ele o precursor, o homem da vanguarda.

O que aconteceu com Bolsonaro então? Virou um pária? Uma pessoa em que ninguém poderia confiar porque totalmente fora de controle? Um homem visto como perigoso porque é capaz de qualquer loucura em nome de interesses corporativos? Não. Ao contrário. Foi eleito e reeleito deputado por quase três décadas. E, em 2018, virou presidente da República. Este é o exemplo. E aqui estamos nós. Vale a pergunta: se os policiais amotinados são apoiados pelo presidente da República e por seus filhos no Congresso, continua sendo motim?

Não se vira refém de uma hora para outra. É um processo. Não dá para enfrentar o horror do presente sem enfrentar o horror do passado porque o que o Brasil vive hoje não aconteceu de repente e não aconteceu sem silenciamentos de diferentes parcelas da sociedade e dos partidos políticos que ocuparam o poder. Para seguir em frente é preciso carregar os pecados junto e ser capaz de fazer melhor. Quando a classe média se calou diante do cotidiano de horror nas favelas e periferias é porque pensou que estaria a salvo. Quando políticos de esquerda tergiversaram, recuaram e não enfrentaram as milícias é porque pensaram que seria possível contornar. E aqui estamos nós. Ninguém está a salvo quando se aposta na violência e no caos. Ninguém controla os violentos.

Há ainda o capítulo especial da degradação moral das cúpulas fardadas. Os estrelados das Forças Armadas absolveram Bolsonaro lá atrás e hoje fazem ainda pior: compõem sua entourage no Governo. Até o general Ernesto Geisel, um dos presidentes militares da ditadura, dizia que não dava para confiar em Bolsonaro. Mas aí está ele, cercado por peitos medalhados. Os generais descobriram uma forma de voltar ao Planalto e parecem não se importar com o custo. Exatamente porque quem vai pagar são os outros.

As polícias são a base eleitoral mais fiel de Bolsonaro. Quando essas polícias se tornam autônomas, o que acontece? Convém jamais esquecer que Eduardo Bolsonaro disse antes da eleição que “basta um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal”. Um senador é atingido por balas disparadas a partir de um grupo de policiais amotinados e o mesmo filho zerotrês, um deputado federal, um homem público, vai às redes sociais defender os policiais. Não adianta gritar que é um absurdo, é totalmente lógico. Os Bolsonaros têm projeto de poder e sabem o que estão fazendo. Para quem vive da insegurança e do medo promovidos pelo caos, o que pode gerar mais caos e medo do que policiais amotinados?

É possível fazer muitas críticas justas a Cid Gomes. É possível enxergar a dose de cálculo em qualquer ação num ano eleitoral. Mas é preciso reconhecer que ele compreendeu o que está em curso e foi para a rua enfrentar com o peito aberto um grupo de funcionários públicos que usavam a estrutura do Estado para aterrorizar a população, multiplicando o número de mortes diárias no Ceará.

A ação que envergonha, ao contrário, é a do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que, num estado em dificuldades, se submete à chantagem dos policiais e dá um aumento de quase 42% à categoria, enquanto outras estão em situação pior. É inaceitável que um homem público, responsável por tantos milhões de vidas de cidadãos, acredite que a chantagem vai parar depois que se aceita a primeira. Quem já foi ameaçado por policiais sabe que não há maior terror do que este, porque além de terem o Estado na mão, não há para quem pedir socorro.

Quando Bolsonaro tenta responsabilizar o governador Rui Costa (PT), da Bahia, pela morte do miliciano Adriano da Nóbrega, ele sabe muito bem a quem a polícia baiana obedece. Possivelmente não ao governador. A pergunta a se fazer é sempre quem são os maiores beneficiados pelo silenciamento do chefe do Escritório do Crime, um grupo de matadores profissionais a quem o filho do presidente, senador Flavio Bolsonaro, homenageou duas vezes e teria ido visitar na cadeia outras duas. Além, claro, de ter empregado parte da sua família no gabinete parlamentar.

Não sei se pegar uma retroescavadeira como fez o senador Cid Gomes é o melhor método, mas era necessário que alguém acordasse as pessoas lúcidas deste país para enfrentar o que está acontecendo antes que seja demasiado tarde. Longe de mim ser uma fã de Ciro Gomes, mas ele falou bem ao dizer: “Se você não tem a coragem de lutar, ao menos tenha a decência de respeitar quem luta”.

A hora de lutar está passando. O homem que planejava colocar bombas em quartéis para pressionar por melhores salários é hoje o presidente do Brasil, está cercado de generais, alguns deles da ativa, e é o ídolo dos policiais que se amotinam para impor seus interesses pela força. Estes policiais estão acostumados a matar em nome do Estado, mesmo na democracia, e a raramente responder pelos seus crimes. Eles estão por toda a parte, são armados e há muito já não obedecem ninguém.

Bolsonaro têm sua imagem estampada nos vídeos que conclamam a população a protestar contra o Congresso em 15 de março e que ele mesmo passou a divulgar por WhatsApp. Se você não acha que pegar uma retroescavadeira é a solução, melhor pensar logo em outra estratégia, porque já está acontecendo. E, não se iluda, nem você estará a salvo.

*Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Brasil, Construtor de RuínasColuna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, meus desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum/ Instagram: brumelianebrum


Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira: Depois do Carnaval

No carnaval, essa doce e necessária ilusão, o cotidiano e suas hierarquias são temporariamente suspensos. Ao fim, na ressacada e melancólica quarta-feira de cinzas, essa suspensão aos poucos se dissipa. Nesse retorno ao real, apesar das fantasias e desfiles críticos, encontramos Jair Bolsonaro em seu movimento político mais radical e arriscado. No contexto dos motins policiais e dos conflitos com os governadores dos estados, em vídeo disparado por seu celular pessoal, Bolsonaro, em tons melodramáticos, apela ao povo brasileiro para que defenda seu governo em contraposição aos políticos de sempre, em uma manifestação a ser realizada no dia 15 de março.

Em Como as democracias morrem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt afirmam que a morte das democracias, em vez de ocorrer a partir de golpes militares, pode ser elaborada de dentro do poder e das próprias instituições. Bolsonaro, desde a campanha e mesmo como presidente, se comporta como um outsider incapaz de se enquadrar nas normas democráticas e, por isso, tensiona ao máximo o sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira. Nesse sentido, o chamado às ruas em contraposição aos demais poderes republicanos mostra claramente esse trabalho de decomposição institucional promovido pelo autoritarismo de Bolsonaro, que concederia poderes excepcionais a um Estado de caráter policialesco.

Contudo, e por vezes os autores o esquecem, mesmo as ações mais autoritárias necessitam da formação de um amplo consenso da sociedade civil. No vídeo, as estratégias de elaboração desse consentimento são nítidas. Bolsonaro procura uma imagem de auto sacrífico para fortalecer seu personagem ao mostrar-se como único capaz de se contrapor aos problemas da política. Com isso, o presidente ainda tenta se manter como representante dos descontentes, dialogando com aquele sentimento anti-partidário e anti-político, explícito ao menos desde 2013 e que esteve também nas bases de sua eleição.

A data de convocação da manifestação é sintomática. Março não é somente o mês do Golpe Civil-Militar de 1964, mas também da Marcha pela família, com Deus e pela liberdade, que demonstrou o apoio de setores da sociedade à intervenção militar. Nos idos de março, mais uma vez, Bolsonaro revela sua nostalgia autoritária e expõe nossos dilemas com as memórias da ditadura. Na transição para a democracia, em vez de revelado e condenado, o passado autoritário e ditatorial foi recalcado nos subterrâneos da Nova República. No momento de sua crise, esse passado retorna e permanece sem um tratamento adequado, permitindo que discursos elogiosos passem praticamente incólumes.

Portanto, nessa volta de folia, a realidade parece confusa e ameaçadora. Não se trata, todavia, de produzir alarmismos ou cravar a emergência de mais um golpe no Brasil, mas de marcar um apoio incondicional às instituições e às normas democráticas e de encontrar um caminho de valorização da política e da história que se contraponha aos labirintos da narrativa bolsonarista.

*Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira é Doutor em história e cultura política pela Unesp – Franca, conselheiro da FAP e autor de “A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: história e política nos Cadernos do Cárcere”.


Educação, recuo da indústria e poder religioso são destaques da Política Democrática Online de fevereiro

No editorial, revista da FAP se posiciona duramente contra massificação da mentira

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Defesa de sistema nacional de educação, recuo da produção industrial brasileira, a força do sincretismo religioso e do misticismo em Brasília e uma análise sobre o Oscar 2020 são os destaques da edição de fevereiro da revista mensal Política Democrática Online. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site e também são divulgados nas redes sociais da entidade.

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A revista chega à sua 16ª edição com o propósito de ser uma publicação de intervenção política e cidadã. O editorial faz dura crítica à massificação da mentira. Segundo o texto, “está em curso evidente campanha contra as instituições democráticas”, ressalta um trecho. “Cidadãos já foram convocados, nos últimos meses, a sair às ruas em protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, supostamente tomados pela velha política, na trincheira da resistência aos propósitos ‘renovadores’ do Executivo”, lamenta.

Na entrevista especial da revista Política Democrática Online, o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, afirma que o Brasil precisa avançar na construção de um sistema nacional de educação.  Ele fala da necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e do papel do instituto, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.

Já o sincretismo religioso e o misticismo são abordados na reportagem especial, que mostra a força do poder espiritual em Brasília, além dos reflexos do aumento de evangélicos no país, inclusive no Congresso Nacional, e de pessoas que se consideram sem religião. “Aqui vem todo tipo de gente, cristão, espírita, católico, umbanda, ateu, agnóstico”, afirma o líder de um grupo que retrata a diversidade de manifestações religiosas na capital federal.

A revista Política Democrática Online também tem uma análise que mostra como o esquema anunciado pelo presidente norte-americano em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, decepcionou os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática. “O governo Bolsonaro preferiu distanciar-se da maioria e manter a tendência de alinhamento integral a Donald Trump”, diz um trecho do artigo.

No campo da economia, outra análise se debruça sobre a produção da indústria brasileira, que, em 2019, recuou 1,1% na comparação com 2018, segundo informações divulgadas na primeira semana de fevereiro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Os dados jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020”, aponta o artigo publicado.

A publicação da FAP também mostra que obras do escritor e jornalista cubano Leonardo Padura, ganhador de diversos prêmios literários mundo afora, são leituras imperdíveis. Além disso, a crítica de cinema desta edição repercute a derrota do filme brasileiro Democracia em Vertigem no Oscar 2020 e as possíveis perspectivas para a maior competição de obras cinematográficas do mundo.

Todos os artigos da revista Política Democrática online são divulgados no site e nas redes sociais da FAP. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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O Irlandês: Filme com elenco de peso, analisa Lilia Lustosa na revista Política Democrática online

Em análise produzida antes da entrega do Oscar, crítica de cinema mostrou todo investimento da Netflix na obra de Scorcese

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Apesar de ter saído de mãos vazias do Globo de Ouro e do Oscar 2020, o super longa O Irlandês, de Martin Scorsese, produzido pela NetFlix, é um filme que reúne um elenco de peso. A avaliação é da Lilia Lustosa, colunista de cultura da revista Política Democrática online em artigo que ela produziu para a edição de janeiro da publicação, antes da maior e principal premiação do ramo cinematográfico. A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza todos os conteúdos gratuitamente em seu site.

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Na análise, anterior a entrega dos prêmios do Oscar, Lilia Lustosa lembra que O Irlandês era, até então, forte candidato na disputa e que eram muitas as fichas investidas. De acordo com a colunista, a empresa deu carta branca para o diretor ítalo-americano, que contou com cerca de US$ 160 milhões para realizar seu filme. “Certamente uma reação à entrada das poderosas Amazon, HBO Go, AppleTV e Disney+ no circuito das plataformas de streaming, que já representam real ameaça ao monopólio Netflix”, escreve a autora.

No artigo publicado na revista Política Democrática online, Lilia Lustosa disse que, ao invés de uma história pessoal e quase autobiográfica, como foi o caso de “Roma”, no ano passado, Scorsese reuniu elenco de peso (Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci) e fez homenagem aos melhores filmes de gangsters da história do cinema, incluindo seus próprios “Cassino” (1995) e “Bons companheiros” (1990), em que De Niro e Pesci já faziam dobradinha. Ela lembra que Scorcese já é consagrado por “Taxi Driver” (1976), “O lobo de Wall Street” (2013) e tantas outras preciosidades cinematográficas.

A autora do artigo lembra, também, que o filme O Irlandês é baseado no livro I Heard You Paint Houses, de Charles Brandt, lançado em 2004, e conta a história real de Frank Sheeran (com um De Niro maduro, esbanjando talento), considerado um dos prováveis assassinos do poderoso sindicalista americano Jimmy Hoffa, interpretado por Al Pacino. A autora o classifica como “show de atuação”. “Um crime até hoje sem solução, mas que cai como uma luva para retratar o mundo obscuro da máfia, essa espécie de universo paralelo em que as leis obedecem a uma ética particular, um tanto quanto questionável”, pontua.

Todos os artigos da revista Política Democrática online são divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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