Para onde queremos ir?
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Além de zelar pela democracia, é preciso fazer com que ela funcione melhor
Armínio Fraga
Foto: Beto Barata\PR
Neném Prancha foi um olheiro e treinador de futebol no Rio de Janeiro, famoso por suas frases: “pênalti é uma coisa tão importante que quem devia bater é o presidente do clube”; “quem pede, tem preferência; quem se desloca, recebe”; “o importante é o principal; o resto é secundário”.
Yogi Berra foi o seu equivalente norte-americano, do mundo do baseball. Falando sobre um restaurante em Nova York, disse: “ninguém mais vai lá, está sempre muito cheio”. Minha favorita é: “se você não sabe para onde vai, em geral não chega lá”.
Essa última lição tem tudo a ver com o momento de grande incerteza e ansiedade que vivemos no Brasil. O quadro geral não é bom. Cenários os mais variados se descortinam, muitos a evitar. Faz falta uma visão de longo prazo que sirva de bússola para cada passo do caminho.
Que visão? No topo da lista, preservar a democracia, hoje ameaçada. Me refiro sobretudo à preservação do Estado de Direito, o Império da Lei. Alguns ainda preferem tapar o sol com a peneira. Ignoram que estamos vivendo um momento de estresse nessa área. Manifestações públicas do Executivo contra o Congresso.
Acusações não comprovadas de fraude em eleições. Ameaças de cancelamento de eleições ou de não aceitação do resultado. Tensões crescentes entre Executivo e Judiciário. Participação de militares da ativa no governo. Fake news para todo lado. São sinais assustadores, especialmente quando se leva em conta que em nossos tempos é exatamente assim que as democracias morrem.
Além de zelar pela democracia, é preciso fazer com que ela funcione melhor. A despeito dos inegáveis avanços ocorridos desde 1985, há bastante espaço para acelerar o ritmo de desenvolvimento do país.
Temos tido dificuldade em avançar. Deixo de lado hoje os detalhes ligados ao necessário aumento da produtividade da economia para focar na importância de uma estratégia responsável e sustentável. Penso na noção de responsabilidade de forma ampla: social, ambiental e fiscal.
Responsabilidade social significa compartilhamento dos frutos e dos riscos do crescimento. Não há desenvolvimento digno do nome sem sucesso nessa área. Vou além: na ausência de políticas inclusivas, não há desenvolvimento possível, posto que a desigualdade compromete a democracia e oferece campo fértil ao populismo e à demagogia.
O Brasil segue imensamente desigual, não apenas sob a ótica da renda, mas também pela reduzida mobilidade social. Temos um longo caminho a percorrer para chegar perto de qualquer noção decente de igualdade de oportunidades. Sem me alongar muito, menciono apenas que nos faltam educação e saúde públicas de qualidade. Temos que reduzir a informalidade (e precariedade) do trabalho e repensar a rede de proteção social. Aspectos regressivos do regime tributário também requerem correção. Uma boa reforma do Estado me parece imprescindível.
No campo ambiental, nos defrontamos com uma questão existencial. O planeta não aguenta o tratamento que vem recebendo da humanidade. Crescimento sem responsabilidade ambiental é uma ilusão. A conta está chegando. Só não vê quem não presta atenção (ou é negacionista).
O Brasil é relevante nessa área. O governo precisa urgentemente dar um cavalo de pau em sua atuação. Somos infelizmente vistos como predadores do planeta, quando deveríamos ser seus defensores. Além do mais, os benefícios de uma mudança de rumo vão além da contribuição para o combate ao aquecimento global: incluiriam melhorias na qualidade de vida da população, tais como águas e ar limpos e saneamento adequado. Temos tudo para ser um paraíso verde, o que elevaria em muito a nossa autoestima.
No campo fiscal, a questão vai muito além da estabilidade macroeconômica que tanta falta nos faz. Uma estratégia de desenvolvimento requer a definição de prioridades para o gasto público. Trata-se de uma questão política e econômica de primeira ordem de grandeza. Um orçamento confuso, opaco, curto-prazista e cronicamente desequilibrado não funciona.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/arminio-fraga/2021/07/para-onde-queremos-ir.shtml
A democracia morre no fim deste enredo
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Míriam Leitão / O Globo
Foto: Marcos Corrêa/PR
O agressor da democracia não vai parar. É como o agressor da mulher que, após perdoado, volta a atacar e muitas vezes o fim é a morte da vítima. Quem me fez esse raciocínio foi uma autoridade da República. Todos os dias a democracia apanha do presidente Jair Bolsonaro. Os generais e os civis que o cercam reforçam suas atitudes ou tentam justificá-lo. Essa violência só vai parar no fim deste governo, mas deixará cicatrizes. Quando as instituições estão funcionando, ninguém precisa dizer em notas e declarações.
— O presidente fala uma coisa e na hora que aperta ele recua, igualzinho ao homem que agride mulher. O agressor recua, garante que a ama, algumas pessoas asseguram que ele vai mudar e a violência cresce. Um dia ele chegará com um revólver e vai matar a mulher. É dessa certeza que surgiu a Lei Maria da Penha — explicou a pessoa com quem eu conversei sobre as crescentes ameaças do presidente e dos generais que o seguem, da reserva ou da ativa, nessa mesma lógica de agredir e negar que agrediu, prenunciando outro ato que seja ainda mais forte.
Nesse último episódio, revelado pelo “Estadão”, o ministro da Defesa, Braga Netto, enviou um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, com o seguinte teor: “a quem interessar, se não tiver eleição auditável não terá eleição.” Foi dentro de uma escalada de agressões. Tudo se passou entre os dias 7 e 8 de julho. A nota do ministro da Defesa e dos comandantes militares tentando coagir a CPI do Senado foi no dia 7. No dia 8, Bolsonaro afirmou que ou vai ter o voto impresso ou não vai ter eleição, o general Braga Netto mandou o mesmo recado golpista, e o comandante da Força Aérea deu uma entrevista ao GLOBO elevando o tom da ameaça contida na nota, sendo em seguida apoiado pelo comandante da Marinha. O atentado foi combinado. Eram instituições funcionando. Com o objetivo de destruir a democracia.
O roteiro que se seguiu era previsível. Vieram os desmentidos com palavras ambíguas, as afirmações de que a democracia vai bem, e novo ataque do presidente. A nota de Braga Netto repetiu a ingerência em assuntos sobre os quais as Forças Armadas não têm que se pronunciar, ao defender o voto impresso que eles apelidaram de “auditável”. A quem disse que o ministro da Defesa estava invadindo a esfera política, Bolsonaro respondeu. “Quando vejo algumas autoridades tuitarem que isso é uma questão política, que certas pessoas não devem se meter nisso, quero dizer a vocês que isso é uma questão de segurança nacional. Eleições são uma questão de segurança nacional”, disse o presidente fechando aquele dia de debate sobre o recado do general. Isso autoriza as intervenções militares no tema que o presidente elegeu como pretexto. Todo golpe autoritário inventa seu pretexto. Esse é o de Bolsonaro. O de Donald Trump foram as acusações mentirosas de fraude. Ao fim, os trumpistas invadiram o Capitólio.
O agressor da democracia brasileira instalou cúmplices em postos estratégicos. Braga Netto é da reserva, mas a carreira militar é usada para ele sempre falar escudado nas Forças Armadas. Os atuais comandantes assumiram com o mandato de mostrar que os militares defendem o projeto político de Bolsonaro. Foram escolhidos para apoiar o agressor. O general Luiz Eduardo Ramos quando foi para o governo era da ativa e estava no comando do II Exército. Ele fez parte do canal dessa bolsonarização dos militares. O Almirante Flavio Rocha, da SAE, está ainda na ativa. O projeto é deixar sempre a impressão de que as Forças Armadas vão agir para proteger Bolsonaro.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, e seus auxiliares diretos agiram várias vezes de forma contrária ao papel constitucional da PGR. O ministro André Mendonça teve atitudes e defendeu teses que feriam a Constituição. A Polícia Federal colocou seus documentos sob sigilo quando a publicidade tem que ser a regra numa República. Aras foi reconduzido, Mendonça foi indicado para a corte constitucional, um delegado da Polícia Federal é o ministro da Justiça. As agressões à democracia deixam cicatrizes. Algumas delas podem ser permanentes.
A democracia está sendo agredida. O agressor é o presidente da República. Ele tem ajudantes militares e civis. O maior risco é não ver o perigo, porque, como nos casos de violência contra a mulher, o fim pode ser a morte.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/democracia-morre-no-fim-deste-enredo.html
Instituições funcionando
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Bernardo Mello Franco / O Globo
Foto: Alan Santos/PR
Millôr Fernandes tinha uma boa frase para ilustrar os perigos do otimismo em excesso. Para ele, o otimista era o sujeito que se atirava do décimo andar e, ao passar pelo oitavo, comemorava: “Até aqui, tudo bem!”. A imagem parece descrever os brasileiros que não veem ou fingem não ver as ameaças de golpe contra a democracia.
Há duas semanas, Jair Bolsonaro deu um ultimato: ou o Congresso ressuscita o voto impresso ou “corremos o risco de não ter eleição no ano que vem”. A chantagem foi tratada com condescendência. Em vez de ser processado por crime de responsabilidade, o capitão foi convidado para um cafezinho no Supremo.
Nesta quinta, o jornal O Estado de S. Paulo informou que o ministro da Defesa aderiu ao complô para tumultuar a sucessão presidencial. Braga Netto mandou dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que só haverá eleição com as regras impostas pelo governo. Usou o coturno de general para intimidar o poder civil.
Seguiram-se negativas pouco convincentes. O deputado Lira desconversou sobre o assunto. “A despeito do que sai ou não sai na imprensa”, disse, vamos todos à urnas em 2022. O general bolsonarista optou pelo cinismo. Tentou desqualificar a reportagem, mas reforçou, em papel timbrado, a pressão indevida pelo voto impresso.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, limitou sua reação a um tuíte. Disse que conversou com os envolvidos, e os dois “desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições”. O ministro acrescentou que o país tem “instituições funcionando”. Lembrou o otimista de Millôr antes de se esborrachar na calçada.
Desde que assumiu a chefia do Executivo, Bolsonaro submete os outros Poderes a uma rotina de intimidações e chantagens. Até aqui, a tática tem funcionado. O Supremo impede o avanço das investigações sobre o primeiro-filho, acusado de desviar verba de gabinete. A Câmara não toca na pilha de pedidos de impeachment do presidente, recordista de crimes de responsabilidade. Agora a impunidade se estende a Braga Netto, que se comporta como chefe de guarda pretoriana.
O general é reincidente em ameaças golpistas. Há pouco mais de duas semanas, atacou o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz. Queria interromper as investigações sobre corrupção na compra de vacinas, que atingem militares aboletados no Ministério da Saúde. Em nota assinada com os comandantes das três armas, o ministro insinuou uma quartelada contra o Senado. Como o arreganho não foi punido, ele se sentiu à vontade para repetir a dose.
Num país com instituições funcionando, militar não intimida o Congresso e não opina sobre o sistema eleitoral. Na hipótese mais branda, quem age dessa forma é afastado do cargo que ocupa. No Brasil de 2021, general que afronta a Constituição só corre o risco de ser promovido. E os otimistas continuam a repetir que tudo está sob controle — pelo menos até a próxima ameaça de ruptura.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/instituicoes-funcionando.html
A política da destruição
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Merval Pereira / O Globo
Foto: Isac Nóbrega/PR
Ao admitir que sempre fez parte do Centrão nos seus anos de Congresso, o presidente Bolsonaro desnuda mais uma das muitas manobras políticas que engabelaram boa parte de seus eleitores em 2018, em busca de um salvador contra a corrupção dos hábitos políticos. Muitos outros votaram nele sabendo exatamente de quem se tratava, mas interesses pessoais de toda sorte levaram a que aderissem a uma candidatura que só poderia dar no que deu, um governo disfuncional e absolutamente sem rumo. Que tem o único objetivo de destruir o que foi construído desde a redemocratização do país, transformando-o em uma arena regressiva guiada pela incitação ao ódio.
Acontece que Bolsonaro não tem outra escolha, a não ser se entregar ao Centrão, e a partir daí, corre o risco de perder boa parte do eleitorado. Ele joga com a possibilidade de que o candidato adversário seja o ex-presidente Lula, que não será o escolhido pelo eleitor arrependido ou decepcionado, e nesse ponto tem razão. Vejo aí um caminho aberto para a terceira via, um candidato que não seja do Centrão, nem um governante que desista de combater a corrupção por causa dos apoios eleitorais e da família.
Bolsonaro pode ganhar apoio no Legislativo, mas não entre os eleitores. É verdade que os políticos do Centrão são profissionais, sabem espalhar prefeitos e vereadores pelo país, fazem uma política eficiente de clientelismo à qual Bolsonaro vai aderir, aumentando a abrangência do Bolsa Família, por exemplo. Temos que ver como o eleitorado irá se comportar diante das outras opções. Acossado pela realidade, pode ser que algum dos candidatos já apresentados, ou um nome que surja no decorrer deste ano, se transforme numa saída de emergência para esse eleitorado que está decepcionado com Bolsonaro, e não quer a volta de Lula.
O fato é que o governo Bolsonaro vem se mostrando tão profundamente regressivo, tem feito com que o país retroceda tanto em termos civilizacionais, que se mostrou mais danoso do que qualquer outra experiência na democracia brasileira. Nascido da democracia, o bolsonarismo representa a destruição da própria democracia, e a aula inaugural do Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR), com um ensaio sobre a destruição na era bolsonarista, pelo cientista político Renato Lessa, se debruçou sobre esse fenômeno.
No campo da língua, ele cunha o conceito “palavra podre” para definir a linguagem como espaço de intervenção política. O indizível da véspera “passa a ser a dicção regular e quase obrigatória”. Exemplo execrável dessa intervenção destruidora na língua é a definição de uma bolsonarista nas redes sociais: “Nós não conhecemos limites”. Não é uma frase ofensiva, mas destrói uma premissa fundamental que nos conecta na sociedade. A palavra podre, define Lessa, infecta o espaço semântico, e a República passa a usar essa linguagem. A palavra, lembra Lessa, é premissa do ato.
Daí a destruição dos espaços culturais, do arcabouço da educação brasileira. Segundo Hobbes, citado por Renato Lessa, o reconhecimento da centralidade da vida é a justificativa para a existência do Estado, a vida passa a ser uma figura de direito público. “Mortes violentas e precoces são evitáveis”. O que o leva a falar da performance do governo Bolsonaro no combate à pandemia da COVID-19.
A ideia de que o indivíduo tem o direito de não usar máscara, de contaminar os outros, de se contaminar, é uma ressignificação da ideia de liberdade, denotando a impossibilidade de ver a liberdade como um direito público. “Análogo ao direito de desmatar, de expulsar as populações originárias, de tratar homossexuais, mulheres e negros da maneira “como sempre foram tratados”, naturalmente. Seria a “expressão da alma brasileira expontânea”. A mesma lógica, segundo Renato Lessa, se aplica sobre o direito de território, a possibilidade de lidar com a terra fora do direito público, o desmonte dos regramentos legais existentes. Por último, Renato Lessa destaca como um aspecto grave a desfiguração da democracia na desconstituição dos direitos básicos ao trabalho, à educação e à cultura.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/
Anistia Internacional: Lentes da pandemia ajudaram a ver racismo
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Para Jurema Werneck, morte é um produto constante da discriminação racial no país
Victoria Damasceno, da Folha de S. Paulo
Foto: Lucas Jatobá/Anistia Internacional Brasil
Caso alguém não tivesse percebido a tragédia que o racismo estrutural produz na vida de homens e mulheres negras, Jurema Werneck, médica e diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, acredita que as lentes da pandemia a tenham deixado evidente.
Ouvida recentemente na CPI da Covid, que investiga a atuação do governo Bolsonaro na gestão da pandemia de coronavírus, disse que “o vírus procura oportunidade, mas a injustiça, a desigualdade, as iniquidades fizeram diferença”.
Os negros foram as principais vítimas da Covid-19 e, mesmo diante da pandemia, continuaram a ser principais alvos da violência policial. Para Werneck, esse é o objetivo do Estado: fazer morrer os indesejáveis.
“A morte é um produto constante do racismo”, disse em entrevista à Folha.
Homens negros são o segmento mais atingido, tanto pelas mortes por Covid como pela violência de Estado. Seu desaparecimento nas famílias, porém, tem impacto direto na vida das mulheres negras, explica.
“São homens adultos que desaparecem da família, cujo rendimento ou cuja presença ajudava na gestão familiar, e, com o desaparecimento desse homem, o peso fica sobre os ombros das mulheres negras.”
A diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil acredita que mulheres negras deveriam estar no centro das decisões do Estado. Mostra, porém, que chegam ao Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, neste 25 de julho, mais vulnerabilizadas do que antes da pandemia.
Para que aspecto da vida da mulher negra brasileira o Estado deve olhar? Deve olhar para a vida da mulher negra. As mulheres negras são o maior segmento populacional do Brasil. Mas também vemos indicadores que dizem que 38% das mulheres negras vivem na pobreza.
Quando olhamos o impacto direto da Covid-19, vemos que a população negra teve taxas de mortes mais altas que o restante da população. É verdade que as maiores taxas estão entre os homens, mas as taxas das mulheres estão altas. E as taxas entre os homens negros também têm um impacto forte na vida das mulheres [negras], porque são homens adultos que desaparecem da família, cujo rendimento ou cuja presença ajudava na gestão familiar, e com o desaparecimento desse homem, o peso fica sobre os ombros das mulheres negras.
Ou seja, tem que olhar pra vida das mulheres negras. Dizendo de outra forma, tem que botar o direito das mulheres negras no centro de qualquer decisão de gestão.
De acordo com a Pesquisa Nacional da Saúde de 2019, do IBGE, entre os adultos, pessoas negras são as principais usuárias do SUS. Mulheres negras, porém, estão entre as mais vulneráveis na pandemia de coronavírus. Onde esses dados se encontram? Isso não quer dizer um atendimento adequado e de qualidade. Os números da Covid são um exemplo. Tivemos altas taxas de morte nas unidades pré-hospitalares, nos pronto-socorros e UPAs [Unidades de Pronto Atendimento], ou seja, as pessoas não tiveram nem chance de entrar [no sistema]. E a maioria das pessoas que morreram lá eram negras. Essa disparidade segue sendo retratada.
Eu não estou dizendo que o SUS é ruim. Eu estou dizendo que ele não é bom. Essa precariedade do SUS está associada a essa negligência em relação à população.
Os 545 mil mortos no Brasil tem cor e endereço. São principalmente negros e pobres. A pandemia de coronavírus evidenciou ou agravou problemas já existentes? Certamente os dois. Ela evidenciou para os distraídos, porque eu acredito que haja distraídos no Brasil que não tenham visto antes a tragédia que o racismo sistêmico produz sobre nós, mulheres e homens negros. Mas se alguém não tinha visto antes, as lentes da pandemia ajudaram a ver.
A pandemia não inventou o efeito que o racismo sistêmico tem na vida da população negra e das mulheres negras, mas ela aprofundou porque antes, eram cerca de 33% das mulheres negras vivendo na pobreza, na pandemia passou a 38%. Isso é um aprofundamento.
As mortes também continuaram nas operações policiais, a despeito da decisão do STF que limitou operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia. Os homens negros são as principais vítimas, embora mulheres negras também sejam atingidas. Na sua avaliação, a violência de Estado atinge os homens e as mulheres negras de forma diferente? É de forma diferente porque a bala, no volume, atinge mais os corpos dos homens negros. Mas quando a bala atinge o corpo de um homem negro, uma mulher negra está sendo atingida também. Há também uma quantidade de mulheres e meninas que são mortas. Todos e todas nós somos atingidas.
Essa reiteração da liberdade com que o racismo participa da produção da morte, da definição de quem vive e quem morre, atinge a todas nós. Atinge mais aos homens, mas junto com aquele homem que morre, existem mulheres em torno, que são atingidas de uma forma ou de outra.
Os dados deste ano do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que a letalidade policial bateu recorde em 2020, independentemente da pandemia. Entre as vítimas, 78,9% são negras. Isso mostra o quão perversa é a ação do Estado. Não apenas na expressão da ação da polícia mas no fato das outras instituições diante deste absurdo não ser interrompido.
A polícia continuou produzindo mortes no Rio de Janeiro, por exemplo, mas o comandante não foi responsabilizado. O comando acima do comandante, que é o governador, não foi responsabilizado. O Ministério Público, que tem o dever de fazer a supervisão do trabalho policial e garantir a legalidade da ação policial, permanece em silêncio. O Supremo Tribunal Federal, sendo desobedecido em sua decisão, não faz nada em tempo de salvar vidas.
Se tivessem feito alguma coisa, é possível que Kathlen e seu filho estivessem vivos até hoje. É se fazer morrer e deixar morrer. É isso que se chama de necropolítica e a minha geração chama simplesmente de racismo.
Os negros são os mais afetados pela violência policial e são os que mais morrem na pandemia. Me parece que o luto é uma constante na vida da população negra. Porque a morte é um produto constante do racismo. Para usar o termo mais moderno, do Achille Mbembe, a necropolítica é exatamente isso, fazer morrer os indesejáveis. Sob o racismo, os indesejáveis somos nós, negras, negros, indígenas e ciganos. É pra fazer morrer a gente. A morte é a marca.
Nas organizações, nós temos usado há muito tempo a morte como o principal indicador da perversidade do racismo sistêmico. Não é o único indicador, mas tem sido [o principal]. A gente chama atenção para a morte porque ela é real. Ela acontece em volume.
E o que falta para esse luto constante parar, para que essa produção de mortes cesse? A população não negra se responsabilizar? O Estado? Representatividade legislativa? O racismo sistêmico, ou seja, a regra que estrutura as regras de funcionamento do Brasil como estado e como nação, inclusive seu povo e sua sociedade, está fundada nos alicerces do racismo. Então falta refundar a nação. O que significa refundar a nação? Responsabilizar a todos e todas. Responsabilizar, como dizia a frase do Malcolm X, responsabilizar por todos os meios necessários. Precisamos de outro país. Esse país desse jeito tem que acabar. E não é uma mudança radical, porque dentro desse país que precisa acabar já existe o outro país que precisa existir.
Uma parte substancial da sociedade já age contra o racismo, e a gente precisa que essa ação impacte de forma mais profunda as estruturas a ponto de derrubá-las. É que o outro lado está ancorado num alicerce mais potente, um alicerce de mais de 500 anos. É preciso que os nossos alicerces se fortifiquem, seja na lei, seja na responsabilização individual, seja na responsabilização coletiva.
RAIO-X
Jurema Werneck, 59, é diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil desde 2017. É formada em medicina pela UFF (Universidade Federal Fluminense), é mestre em engenharia de produção e doutora em comunicação e cultura pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). É também fundadora da ONG Criola, que trabalha em defesa dos direitos das mulheres negras.
FONTE:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/07/lentes-da-pandemia-ajudaram-a-ver-racismo-diz-diretora-da-anistia-internacional-no-brasil.shtml
Protestos resgatam bandeira e camisa da seleção, símbolos bolsonaristas
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Em SP, no sábado (24), integrantes do grupo chamado Bloco Democrático foram orientados a usar o verde-amarelo com o intuito de ofuscar a prevalência vermelha, cor ligada à esquerda
Roberto de Oliveira, da Folha de S. Paulo
Antes predominantemente vermelha, a quarta rodada de manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro ganhou novas cores na tarde de sábado (24), na avenida Paulista. Faixas, bandeiras do Brasil e camisas da seleção, espécie de uniforme bolsonarista, foram resgatadas pelos participantes.
Com duas faixas verdes nas laterais e uma amarela no centro, uma bandeira ocupava meio quarteirão da avenida, via que vem concentrando os atos pró-impeachment.
PROTESTOS CONTRA BOLSONARO EM BRASÍLIA
































Ela foi estendida logo atrás de um caminhão, estacionado em frente ao Shopping Center 3, que reuniu integrantes de um grupo que se apresenta como Bloco Democrático.
Participam desse grupo representantes de partidos como PSDB, PC do B, Cidadania, PSB, PDT, Rede e Solidariedade, além de organizações estudantis e sindicais assim como movimentos liderados pelo Acredito e pelo Agora!.
Estiveram por lá o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP) e Bruna Brelaz, primeira presidente negra eleita da UNE (União Nacional dos Estudantes), entre outros.
Vice-presidente municipal do PSB, Helvio Moisés, 66, explica que o uso do verde-amarelo foi uma estratégia para contrapor à predominância vermelha nas manifestações.
“Quem subtraiu a bandeira para si foi a direita durante as manifestações pró-impeachment da ex-presidente Dilma [que ocorreram em 2016]. Nós precisamos retomá-la já.”
Vestindo a camisa da seleção, Rodrigo Marques, 40, do diretório municipal do PSDB, afirmou que a camisa é do povo brasileiro. “Nem a bandeira nem a camisa da seleção pertencem ao bolsonarismo. Essa manifestação é prova disso. Todos aqui somos contra Bolsonaro, em defesa da vacinação e da vida”, disse ele.
Tanto manifestantes ligados a partidos de centro quanto de esquerda ostentavam a bandeira brasileira. Vale registrar, todavia, que a presença da camisa da seleção era mais vista entre integrantes do centro no chamado Bloco Democrático.
“A pauta é a mesma”, disse o analista de sistemas Adriano da Silva, 35. “Não importa a bandeira partidária, mas, sim, a do Brasil”, afirmou.
PROTESTO CONTRA BOLSONARO NA AVENIDA PAULISTA (SÃO PAULO)




























Filiado ao PT, Silva disse que era a primeira vez que participava de um ato em defesa do impeachment de Bolsonaro. Ele acompanhou o caminhão do Bloco Democrático. “Mesmo porque com ele tem muitos partidos de esquerda.”
Com a bandeira brasileira nas costas, Ana Maria Rodrigues, 74, diretora da CMB (Confederação das Mulheres do Brasil), apostou no uso da peça com o propósito de agregar “uma ampla frente para derrotar Bolsonaro”.
“O uso da bandeira é um resgate dos símbolos nacionais. Precisamos dialogar com todos os setores da sociedade. A bandeira e a camisa podem somar. A luta é uma só: derrubar Bolsonoro e salvar a democracia.”
De camiseta, máscara e bandeira vermelha do CMP (Central de Movimentos Populares), Genilce Gomes, 50, ainda encontrou espaço para encaixar a bandeira brasileira no topo do mastro que carregava.
“A bandeira, a camisa da seleção e o hino são símbolos nacionais que foram sequestrados pela direita radical”, disse.
Simpatizante do PT, Genilce falou que é hora de recuperar esses símbolos, “sequestrados pelo bolsonarismo”, por meio de um gesto democrático “contra a barbárie”.
Mesmo se dizendo “vermelha de corpo e alma”, ela defende a presença da bandeira brasileira em manifestações contra o governo Bolsonaro para “fortalecer outras colorações”.
“Nossa bandeira representa a população. Sua exibição em atos democráticos tem como principal intuito resgatar o país como uma só nação.”
Para Claudia Rodrigues, 49, presidente da UBM (União Brasileira de Mulheres), movimento, segundo ela, apartidário, emancipacionista e não sexista, a esquerda teve papel muito importante nas primeiras manifestações —e segue tendo.
Mas os protestos precisam conquistar “a mente e o coração dos trabalhadores”. Na visão dela, o uso do verde-amarelo pode fortalecer o que ela chama de “alianças táticas.”
FONTE:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/ato-contra-o-presidente-resgata-bandeira-brasileira-e-camisa-da-selecao-simbolos-bolsonaristas.shtml
Quem tem medo do impeachment?
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Engrossa a adesão de centro-esquerda e centro-direita à tese do afastamento de Bolsonaro, mas, em contrapartida, cresce a resistência da esquerda tradicional
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Existe uma explicação para a surpreendente troca de ministros na Casa Civil, com a entrada do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, no lugar do general Luiz Ramos, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência: Bolsonaro está com medo do impeachment, já não confia na liderança e na capacidade política do grupo de generais que o cerca e teme a deriva das Forças Armadas em apoio ao vice, Hamilton Mourão, um general de quatro estrelas escanteado pelo presidente da República. Entregar o coração do governo ao Partido Progressista — herdeiro da antiga Arena e do PDS, partidos que apoiaram o regime militar — foi a maneira que encontrou para evitar que a legenda governista embarque no impeachment, diante do desgaste de Bolsonaro e da pressão das ruas a favor do afastamento.
Os generais palacianos que mandavam e desmandavam no Palácio do Planalto levaram um baile dos políticos do Centrão, que se aproveitam do enfraquecimento do governo para abocanhar fatias maiores de poder e do Orçamento da União. O último lance dessa disputa de bastidor foi o vazamento da suposta ameaça feita pelo ministro da Defesa, Braga Netto, de que não haveria eleição sem voto impresso. O novo ministro da Casa Civil teria sido o portador do recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que vazaria a informação para as jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, do jornal O Estado de S. Paulo.
A dúvida é se o vazamento foi combinado entre os dois políticos ou não. Resultado: o general acabou na berlinda, mesmo tendo desmentido a informação, porque insistiu em defender a tese de que as urnas eletrônicas não são seguras, o que é uma forma de tumultuar o processo eleitoral, além de uma atitude inadequada para quem ocupa o cargo de ministro da Defesa. Nos bastidores da política de Brasília, todos sabem que Braga Netto põe pilha na radicalização de Bolsonaro e, para agradá-lo, constrange os comandantes militares, com exceção do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, bolsonarista convicto. A disputa entre os militares e os políticos do Centrão pelo controle político dos ministérios será a grande contradição interna do governo até as eleições.
A mudança coincide com o crescimento das manifestações de protesto contra o governo em todo o país, em parte, porque o avanço da vacinação permite que as pessoas se sintam mais seguras nas ruas, mas principalmente por causa dos quase 550 mil mortos por covid- 19 e do desmonte das políticas públicas. Esses protestos passaram por três estágios: no primeiro momento, foram manifestações convocadas pela esquerda mais radical e alguns sindicatos; depois, entraram em cena os partidos de esquerda tradicional e as centrais sindicais; agora, está se ampliando, com maior participação dos partidos de centro-esquerda, como PSDB e Cidadania, e os movimentos cívicos Vem Pra Rua, MBL, Agora,Acontece, Livres etc. Mas há contradições também na oposição.
Polarização eleitoral
O que une os protestos de rua é o “Fora Bolsonaro”, ou seja, a oposição ao governo; o impeachment de Bolsonaro empolga o senso comum oposicionista, mas não é unanimidade. Há setores que não concordam com a tese, porque afastar Bolsonaro significa entregar o governo ao general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e abrir espaço para a consolidação da hegemonia militar, além de facilitar o surgimento de uma candidatura conservadora competitiva, que pode ser a dele próprio e/ou de outro candidato. Esse posicionamento parte sobretudo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022.
Esse favoritismo do petista engrossa a adesão de setores de centro-esquerda e centro-direita à tese do impeachment, mas, em contrapartida, aumenta a resistência da esquerda tradicional ao afastamento, pois prefere um embate eleitoral com Bolsonaro. Há uma espécie de “me engana que eu gosto”. Uns fingem que querem o impeachment e só jogam para a arquibancada; outros dizem que são contra, mas, se houver necessidade de se livrar de Bolsonaro para permanecer no poder, não hesitarão em entrar na conspiração no Congresso, como já aconteceu antes com os presidentes Collor de Mello e Dilma Rousseff.
No terceiro ano de mandato, o governo Bolsonaro fracassa em três frentes: a econômica, a social e a sanitária. Até agora, não tem volume de entregas administrativas para garantir a própria reeleição. Bolsonaro confia o governo aos aliados do Centrão para sobreviver e chegar às eleições como alternativa de poder, na polarização com Lula. Para isso, precisa evitar o surgimento de um candidato competitivo de centro. Isso coincide com os interesses eleitorais de Lula, que também não quer uma “terceira via” que possa ameaçá-lo no segundo turno. Na velha dialética, essa é a lei da “unidade dos contrários”.
A SBPC defende o conhecimento e a democracia
25 de julho de 2021Renato Janine Ribeiro,política ambiental,descaso,paulo artaxo,folha de s paulo bolsonaro,Fernanda Sobral,meio ambiente,Amazônia,ciência,SBPC,TEMAS & DEBATES,TD-destaque,Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciênciagoverno bolsonaro,garimpo ilegal
Covid-19 mostra o quanto a pesquisa científica é essencial para a sociedade
Renato Janine Ribeiro, Fernanda Sobral e Paulo Artaxo
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Algumas décadas atrás, a diferença entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos estava em priorizarem os manufaturados ou o fornecimento de matérias-primas. Hoje, sem negar a importância da indústria, somou-se um componente essencial: o conhecimento.
Um produto vale mais se tiver conhecimento embutido, assim como é o conhecimento que nos oferece inúmeras soluções para nossa vida cotidiana. Por isso, a pesquisa científica é essencial ao que muitos chamam de “sociedade do conhecimento”. A economia, nesta sociedade, é focada na ciência e na inteligência.
Infelizmente, porém, o Brasil vive um momento difícil: o governo federal não dá o devido valor ao conhecimento científico nem à educação, à cultura, à saúde ou ao meio ambiente, que juntos compõem a principal base para o desenvolvimento econômico e social.
Em defesa desses pilares de uma “sociedade livre, justa e solidária” (como prescreve nossa Constituição Federal), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência tem travado uma luta sem descanso para resgatar um futuro digno de nosso país. A nova diretoria há de continuar esse combate, conduzido nos últimos anos pelo presidente Ildeu Moreira, que conclui seu mandato.
A Covid-19 mostra à perfeição o quanto a pesquisa científica é essencial na sociedade atual. Cem anos atrás, a gripe dita espanhola matou entre 3 e 5% dos seres humanos, isso embora as redes de comunicação fossem limitadas e o interior do Brasil —para dar um exemplo— tenha sido aparentemente pouco afetado. Na época, já se conheciam os efeitos dos micróbios, e algumas medidas de prevenção adotadas, como distanciamento, porte de máscaras e higienização das mãos, já prefiguravam as atuais.
Mas, comparando com a Covid-19, vê-se que, embora seja lamentável já terem morrido mais de 4 milhões de pessoas, esse percentual é de 0,05% da população mundial —um centésimo da proporção dos mortos pela gripe de 1918. A ciência salvou centenas de milhões de vidas. Merece ênfase, aliás, a integração entre as ciências —já que, se as ciências da saúde e biológicas estão na linha de frente dos diagnósticos e tratamentos, áreas como matemática, computação e estatística as apoiam com projeções, modelos e dados, enquanto ciências humanas e sociais oferecem contribuições no que se refere aos impactos sociais e econômicos e como minimizá-los.
A ciência poupa vidas. Ela também mostra como é falso opor saúde e economia. Tomemos a Amazônia, uma das maiores bibliotecas de biodiversidade que há no planeta. Muita riqueza veio de lá, a começar pelo látex —sem os pneus de borracha, dificilmente teríamos automóveis—, se aprofundando em produtos cada vez mais sofisticados.
Pesquisas de qualidade podem e devem mostrar a riqueza enorme que de lá dispomos e que não pode ser destruída sem alto prejuízo, não só para a saúde humana e planetária como também para a solução de problemas que as ciências podem administrar com elementos ainda por descobrir. Também muitas políticas sociais efetivas poderiam ser implementadas, pela ação governamental, a partir de subsídios provenientes do conhecimento científico.
Esse círculo virtuoso, que integra ciência, educação, cultura, saúde, meio ambiente, tecnologia e inclusão social, será o ponto principal de atuação da nova diretoria da SBPC. Isso também implica uma luta ingente pela democracia, o regime político que melhor promove a justiça social e o único que permitirá se realizarem os inúmeros talentos que hoje o Brasil desperdiça devido à nossa terrível desigualdade social —que nega aos pobres os meios de alcançarem suas potencialidades.
O Brasil precisa olhar para a frente, se tornar competitivo e aproveitar seus recursos humanos, construindo uma sociedade mais justa e sustentável.
Renato Janine Ribeiro
Professor titular de ética e filosofia política da USP, ex-ministro da Educação (governo Dilma, 2015) e autor de 'A Pátria Educadora em Colapso' (ed. Três Estrelas). É o novo presidente da SBPC
Fernanda Sobral
Nova vice-presidente da SBPC, é socióloga e professora aposentada da UnB
Paulo Artaxo
Novo vice-presidente da SBPC, é físico e professor titular do Instituto de Física da USP
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/07/a-sbpc-defende-o-conhecimento-e-a-democracia.shtml
Desmatamento no Xingu põe em risco ‘escudo verde’ contra a desertificação da Amazônia
25 de julho de 2021política ambiental,descaso,instituto socioambiental,meio ambiente,Bolsonaro,desmatamento,Amazônia,Xingu,TEMAS & DEBATES,TD-destaquegoverno bolsonaro,garimpo ilegal
Monitoramento da Rede Xingu+ mostra que, entre 2018 e 2020, 513,5 mil hectares foram desmatados na bacia do Xingu, o equivalente a seis vezes a cidade de Nova York (EUA). Um dos epicentros foi faixa de floresta que mantém a umidade do bioma
Instituto Socioambiental (ISA)
Foto: Divulgação/Twetter
Os resultados de três anos de monitoramento do Sirad X, o sistema de detecção de desmatamento da Rede Xingu +, revelam uma intensificação dos conflitos e disputas por terras e recursos naturais nas Áreas Protegidas do Xingu. Desmatamento, mineração ilegal, incêndios, grilagem e impactos de grandes obras de infraestrutura ameaçam o Xingu e seus povos. [Acesse o especial "Xingu sob Bolsonaro"]
Nos últimos três anos, o desmatamento dentro de Áreas Protegidas variou de 30%, em 2018, para 34%, em 2020. Esse processo revela o deslocamento do desmatamento para dentro dos territórios indígenas e de populações tradicionais, tendência que ficou evidente em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando houve uma alta de 38% do desmatamento dentro de Terras Indígenas e de 50% dentro de Unidades de Conservação na bacia.
Entre 2018 e 2020, período que coincide com a eleição e primeira metade do mandato do presidente Jair Bolsonaro, 513,5 mil hectares foram desmatados na bacia do Xingu. A área equivale a 6 vezes a de Nova York (EUA). Atualmente, 149 árvores são derrubadas a cada minuto.
Ao invés de executar medidas de proteção do Xingu, o governo promove um cenário de total impunidade por meio de discursos favoráveis à redução inconstitucional de Terras Indígenas e a legalização de atividades destrutivas, como o garimpo, além de enfraquecer ações de fiscalização.
Quebra da conectividade do Corredor Xingu coloca Amazônia em risco
Grupos de grileiros avançam sobre Áreas Protegidas na região do Iriri, entre os municípios de Novo Progresso e São Félix do Xingu, no estado do Pará. O desmatamento ameaça cortar a faixa de floresta ao meio, acabando com a conectividade desse grande maciço florestal.
E longe de ser um fato isolado, isso pode empobrecer a floresta, afetando milhares de espécies que dependem de sua conexão, fragilizando ainda mais sua capacidade de resistir às mudanças ao seu redor.
Estima-se que 17% da cobertura original da Amazônia já tenha sido desmatada, aproximando a floresta do “ponto de não retorno”. Isto é, o momento em que a degradação alcançará um limite após o qual a floresta não conseguirá mais existir como a conhecemos hoje, dando espaço para uma vegetação mais seca e vulnerável, sem capacidade para continuar exercendo sua função de provedora de chuva, essencial para toda a América do Sul. A destruição do Corredor Xingu pode acelerar esse processo, sua proteção, portanto, é fundamental para a garantia da floresta, seus povos e do clima no planeta.
Explosão do desmatamento
Entre 2018 e 2020, ao menos 513,5 mil hectares de desmatamento foram detectados na bacia hidrográfica do Xingu.
As taxas refletem a expectativa, naquele ano, da flexibilização das leis ambientais e a precarização das políticas de combate ao desmatamento, assim como a diminuição efetiva da fiscalização.
Nas Terras Indígenas, 66,5 mil ha de desmatamento foram detectados nos três anos de monitoramento. A partir de outubro de 2018, o desmatamento começou a se intensificar em alguns territórios, como nas TIs Cachoeira Seca, Ituna Itatá, Apyterewa e Kayapó. Em 2019, essa tendência se consolidou em outras áreas e houve uma explosão no desmatamento, resultado de invasões, roubo de madeira, mineração ilegal e grilagem de terras.
Em 2020, o desmatamento dentro das Unidades de Conservação e Terras Indígenas diminuiu 6% e 49%, respectivamente, enquanto em seu entorno aumentou 23%. A redução do desmatamento dentro das Áreas Protegidas ocorreu após ações concentradas de fiscalizações do Ibama em Terras Indígenas críticas da bacia, como a TI Cachoeira Seca e TI Ituna Itatá, cujos índices mostraram drástica redução no início de 2020. O cancelamento não justificado das ações de fiscalização no ano passado, no entanto, ameaça reverter essa tendência e o desmatamento pode voltar a crescer.
Dos 3 hectares desmatados em maio de 2020 na Trincheira Bacajá, por exemplo, o desmatamento pulou para 411 hectares em dezembro, um aumento de 12.980%. Nos meses seguintes, entre setembro e dezembro, mais 1.847 ha foram desmatados nessa TI. Já na Apyterewa, o desmatamento aumentou em 393% no mês seguinte à suspensão das operações, e continuou crescendo: entre julho e dezembro foram desmatados 5,8 mil hectares, 1.287% ou quase 14 vezes mais do que o total desmatado entre janeiro e junho.
Corredor de Áreas Protegidas do Xingu: diversidade, água e escudo contra a destruição
A bacia do Rio Xingu compreende uma área de aproximadamente 53 milhões de hectares nos estados do Pará e do Mato Grosso e abrange uma grande diversidade de povos e ecossistemas, de florestas densas e várzeas do bioma Amazônia até áreas de vegetação típicas do Cerrado. A bacia comporta um dos maiores mosaicos contínuos de Terras Indígenas e Unidades de Conservação no planeta: o Corredor de Áreas Protegidas do Xingu.
Com 23 Terras Indígenas e nove Unidades de Conservação, o Corredor é considerado uma das regiões com maior sociobiodiversidade no mundo, abrigando 26 povos indígenas e centenas de comunidades ribeirinhas. Há séculos esses povos tradicionais manejam e protegem suas florestas, que comportam um imenso conjunto de espécies de plantas e animais, algumas ainda desconhecidas pela ciência. Com uma uma área de mais de 26,5 milhões de hectares, o Corredor tem um papel crucial na proteção da Amazônia e do clima.
A região presta serviços ambientais inestimáveis ao planeta, da proteção de rios e nascentes à regulação do clima a nível local, regional e global. Suas vastas florestas representam uma das maiores e mais estáveis reservas de carbono na Amazônia oriental, estocam aproximadamente 16 bilhões de toneladas de CO2.
Estima-se que suas árvores lancem para a atmosfera, por meio da evapotranspiração e da produção de compostos orgânicos voláteis que atuam como núcleos de condensação de chuva, de 880 milhões a 1 bilhão de toneladas de água por dia, um volume similar ao que o rio Xingu despeja no Amazonas no mesmo período.
A água é transportada pelos chamados “rios voadores” para as regiões centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, fornecendo a chuva para cidades e campos, essencial para a manutenção da atividade agropecuária.
Fonte:
Instituto Socioambiental (ISA)
https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/desmatamento-no-xingu-avanca-com-governo-bolsonaro-e-poe-em-risco-escudo-verde-contra-a-desertificacao-da-amazonia
Vitórias parciais e novos desafios ao sistema político
25 de julho de 2021saúde,protestos,mortes,POLÍTICA HOJE,Paulo Fábio Dantas Neto,centrão,PH-destaque,Impeachment,governo bolsonaro,congresso,sus,democracia,Democracia Política e novo Reformismo,golpe,vacina,TSE,eleições 2022,Bolsonaro,negacionismo,esquerda,vacinação,sistema político,voto impressoSTF,cpi da pandemia
Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo
Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil
Prossigo, como fiz na semana passada, batendo na tecla de que, ao reverso do que ocorreu em 2018, dessa vez a caravana da política precisa passar. A defesa do sistema político que temos é das mais elementares condições para que se produza um desfecho democrático da crise de múltiplas faces que a política brasileira vem enfrentando há quase uma década e se exorcize os fantasmas de metástase que passaram a ameaçar nossa república, desde que, naquele ano, um autocrata extremado chegou, pelas urnas, à sua presidência.
Essa reflexão é institucional e, também, política. O sistema de governo, o sistema eleitoral e o sistema partidário são partes solidárias de um todo que, bem além de reproduzir um modelo formal de democracia representativa tendente à tolerância e à produção de consensos, pelos freios e contrapesos de poder que o constituem, tem sido, de fato, um ambiente interativo de negociação política refratário às intenções do autocrata de forjar sua autocracia, por meio de uma polarização radical. Nossa ordem política funda-se em boa doutrina e num saldo positivo quanto aos resultados políticos de suas virtudes e mazelas. As primeiras facilitam que, ao lado desse sistema, atue, com razoável autonomia, uma sociedade civil cada vez mais vigilante. Soma-se, então, aos próprios freios e contrapesos formais do sistema, uma opinião pública nada indulgente com as segundas.
Em artigo atual (“Dribles na tirania” – Revista Veja, edição em circulação), a jornalista Dora Kramer apresentou evidências recentes da dinâmica política que produz o saldo positivo. Elas revelam um padrão de conduta, do Congresso e de partidos em geral, em que, ao lado do sempre lembrado “toma-lá-dá-cá”, vigora um geralmente subestimado “chega pra lá”. Desenham-se, assim - lembra Kramer –, a frustração da manobra golpista da exumação do voto impresso para deslegitimar as eleições, bem como contenções legais , tardias e bem vindas, à militarização desmedida do Poder Executivo e da administração pública e ao uso autoritário da LSN, em si mesma entulho autocrático cujos dias parecem estar contados.
Por outro lado, é por esse mesmo Congresso – mais exatamente pela Câmara dos Deputados – que tem encontrado passagem uma boiada reacionária, subversiva de direitos, que emana da agenda do governo. A operação passa graças a espaços pródigos abertos a partidos e parlamentares fisiológicos na composição ministerial, sendo dessa mesma natureza a mudança em curso, nessa composição, cujo sentido é fazer prevalecer, no Senado Federal, a mesma atitude de prevaricação política. Que é do jogo, não se pode negar. Mas não se pode deixar de apontar que, nesses casos, os efeitos são nefastos.
O reconhecimento concomitante das virtudes e das mazelas é indispensável para se avaliar com realismo e a devida ponderação a presente conduta de diferentes facções da elite política no âmbito dos partidos e dos poderes Executivo e Legislativo. Os limites que a política real tem mostrado, no enfrentamento das ameaças à democracia, por omissão ou por ações na contramão da república, precisam ser investigados e iluminados, assim como é necessário considerar como ameaças poderiam ter sucesso se estivesse ausente o muro de contenção que, com seu barro impuro, a política institucional tem erguido à barbárie.
Essa complexidade exige condução cuidadosa. Daí precisar ser tratada de modo sério e responsável por quem faz e por quem toca a agenda de partidos e de poderes da República. É mesmo uma orientação, digamos, metodológica inescapável da ordem do dia de atores institucionalmente poderosos. Frequentemente a afinação dos instrumentos da orquestra sistêmica soa mal aos ouvidos de uma sociedade que não tem gosto pela partitura da política. Gera-se um contencioso entre estado e sociedade que, se não se contiver em limites razoáveis, por ambas as partes, compromete pacto e consensos que são necessários, entre elas, para defender a república e a democracia dos inimigos comuns.
Veja-se, por exemplo, a questão do fundo financiador da atividade eleitoral dos partidos. Essa questão é mais complexa e delicada do que parece. A opinião pública reage a todo dispêndio público com partidos e eleições. Mas não podemos esquecer que desde 2018 proibiu-se o financiamento empresarial e por demais pessoas jurídicas, por conta do clima de escândalo reinante sob a operação Lava-Jato. De fato, o financiamento empresarial gerava custos de campanha absurdos e elitizavam a representação. Era preciso conter a farra, parteira de uma promiscuidade entre setor público e empresas privadas. Mas se o STF foi aplaudido quando resolveu dar freio radical naquilo (poderia ter havido fixação de limites, mas sob pressão do clima de faxina, optou-se pela proibição) de algum lugar haverá de sair o dinheiro. Para haver competição democrática não apenas é necessário, mas também desejável, que advenha de recursos públicos. Senão, será candidato com chance real de competir apenas quem tiver recursos próprios para financiar sua campanha, ou – ao se vedar também, ou limitar fortemente, o uso desse tipo de recurso - quem possa dispor de apoiadores individuais abastados, ou quem já tenha mandato e, através dele, acesso privilegiado a meios de comunicação. Seria uma oligarquização ainda maior do que aquela, propiciada pelo financiamento empresarial. Portanto, é preciso ter como premissa que o fundo público para financiar eleições via partidos não tem nada de espúrio. É legitimo, necessário, democrático, o que se pode e deve discutir é seu montante.
Chega-se aí a outro ponto: é intuitivo e, também, induzido pela experiência da sociedade brasileira em lidar com a ambição e ousadia de interesses corporativos (inclusive, mas não apenas, de agentes estatais e da elite política), que o montante previsto é exagerado. Isso tem de ser avaliado e comprovado com critérios objetivos e comparativos com a eleição de 2018, que foi a mais recente eleição do porte da próxima, que envolverá Presidência da República, Senado, Câmara dos Deputados, governos estaduais e assembleias legislativas. É razoável tomar aquela eleição como parâmetro e fazer naquele valor correções mínimas, tendo em conta o contexto crítico que se atravessa. Mas não é razoável dizer que o fundo é ilegítimo, nem que deva ser depreciado, pois é do financiamento da democracia que se trata. De uma democracia ameaçada, sob fogo cerrado. Se a sociedade não quiser financiar eleições e o setor privado está proibido de fazê-lo legalmente, o dinheiro virá de alguma fonte do submundo. O preço a pagar será maior.
Em resumo: democracia não sai grátis, nem barato. Ela é vital para tudo o mais e o discurso de opor gastos com eleições a, por exemplo, com o auxílio emergencial é de um populismo politicamente esperto, porém, raso e vizinho da demagogia. As duas coisas são essenciais nesse momento. O que falta para o auxílio emergencial e outras políticas sociais inadiáveis precisa ser buscado em rubricas que alimentam posições plutocráticas e não nas que financiam a democracia, desde que estejam razoavelmente dimensionadas.
Enquanto os olhares da sociedade são desfocados para uma cruzada contra o fundo de financiamento das eleições, nova boiada – essa sim, espúria - está prestes a passar no Congresso sem que até mesmo os canais de comunicação estejam lhe dando o merecido destaque. Políticos individuais (negam-se como elite política pela simples razão de que operam para destruí-la) sem outro mister senão a contemplação grosseira e politicamente malsã do auto-interesse, organizam-se para liquidar, de um só golpe, o sistema eleitoral e o sistema partidário, através de o chamado “distritão”, pelo qual se consagra o candidato de si mesmo, mandando às favas o sentido institucional da política.
Os pormenores desse projeto e seus previsíveis efeitos requerem nova coluna. Mas o mais evidente deles será imediato (os de longo prazo ainda são incomensuráveis) Anulará, na prática, os efeitos do fim das coligações partidárias em eleições proporcionais (para deputados e vereadores), a melhor medida de reforma política que o Congresso anterior aprovou, em 2017. Em vez de fortalecer os partidos e dar consistência maior ao sistema partidário – possibilidades que não são quimeras, como mostraram os resultados eleitorais de 2020, já sob efeito da reforma anterior - a destruição institucional de agora, autonomeada de reforma, pode converter os partidos em entidades fantasma e revogar qualquer traço de sistema partidário digno desse nome, no Brasil.
A aprovação dessa matéria, tida como provável, dá uma medida das sequelas da eleição de 2018, do retrocesso político que o seu resultado causou, ao alterar de modo radical a composição das Casas legislativas entronizando ali contingentes expressivos de pregadores e praticantes de antipolítica. Convém recordar que o Congresso anterior recebeu as críticas moralistas de sempre, de ter aprovado a reforma de 2017 exclusivamente movido pelo interesse de reeleição dos então parlamentares. Essa obviedade foi guindada à condição de descoberta e assim denunciada, sem se considerar que, naquele momento, auto-interesse e aperfeiçoamento do sistema estavam sendo, simultaneamente, contemplados.
Mas havia uma cobrança de dimensão eleitoralmente relevante por parte de um sentimento público, alimentado por uma direita voluntarista, que clamava por "renovação", eufemismo que traduzia o desejo de exterminar a classe política, suposta responsável pelas mazelas da hora e pelas de sempre. A força desse senso comum de inspiração demagógica cegava a maioria das análises para os fatores institucionais e a isso se somava o ressentimento da esquerda para com o então Congresso, que havia votado o impeachment de Dilma Rousseff. Então, tome pedras, vindas de todos os lados. Mas, na verdade, aquela reforma preservava e aperfeiçoava o sistema no mérito e no modo incremental que, há anos, vinham sendo cobrados pelas mesmas consciências críticas que seguiam, naquele contexto perigoso, apontando o dedo acusador para o "corporativismo" de uma elite parlamentar que apenas lutava para não ser varrida do mapa, a jatos de demagogia. Aí está agora, para que comparemos com a reforma de 2017, essa mixórdia do distritão, que reforçará, exponencialmente, tudo contra o que se batia a lógica da faxina. Se passar, será a mais nova cria com digitais e DNA da "nova política" vencedora em 2018.
O sistema político brasileiro - em sua ambiguidade tradutora da ambiguidade da própria política que processa - tem diante de si duas possibilidades de afirmação permitidas pela pauta atual do Congresso. A de revisar, sem capitular, os termos em que está posto o fundo eleitoral e a de se recusar a cometer, com o distritão, um haraquiri político num instante em que a democracia da Carta de 88 precisa que seu hardware político sobreviva íntegro a essa crise, para retomar, com reformulações incrementais típicas de democracia em modo gerúndio, a trajetória ascendente e socialmente inclusiva de suas duas primeiras décadas.
*Cientista político e professor da UFBa.
Fonte:
Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/07/paulo-fabio-dantas-neto-vitorias.html
Brasil ensaia resistência na rua a Bolsonaro com o desafio de novos os protestos
24 de julho de 2021POLÍTICA HOJEteste,teste1
Atos começaram cedo em capitais como Rio de Janeiro e Goiânia. Manifestação em São Paulo acontece esta tarde e mede a articulação para ampliar o protesto contra o presidente e seu Governo, que amplia a pressão com militares pelo voto impresso em 2022
Carla Jiménez, El País
Os brasileiros vão testar por quarta vez a força das manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro neste sábado, 24. O dia começou com atos no Rio de Janeiro, Salvador, e outras capitais nordestinas, convocados por centrais sindicais e partidos de esquerda. São Paulo deve ser o fiel da balança para avaliar se as ruas têm poder de perturbar a classe política e o Governo diante de uma escalada na tensão institucional que agora envolve também militares, enquanto o presidente Jair Bolsonaro se amarra ainda mais com o Centrão. Se a primeira manifestação em maio teve o efeito surpresa para o Governo com uma presença massiva de pessoas em São Paulo, as duas últimas repetiram a mesma proporção mas não a ponto de desconcertar o governo.
No Rio houve milhares de pessoas no centro da cidade com bandeiras contra o presidente, pedindo impeachment, e protestando contra os militares. Desde que as manifestações voltaram às ruas, num momento em que a vacinação avançou, Bolsonaro intensificou sua campanha pró-voto impresso para o pleito de 2022, insistindo sem provas na falta de confiabilidade das urnas eletrônicas. O presidente ganhou o endosso do ministro da Defesa Braga Netto, o que deixou o quadro ainda mais tenso, com os militares expondo posições em áreas que não lhe correspondem. Ao mesmo tempo, o presidente fechou o convite ao senador Ciro Nogueira (PP-PI) para assumir o ministério da Casa Civil, uma das mais importantes e poderosas pastas do Governo.
Além do repúdio à trágica gestão da pandemia, as ruas querem levar agora um grito contra a sabotagem à democracia. Em nota conjunta assinada por centrais sindicais, movimentos políticos como Agora e Acredito, e os partidos PV, PSDB, Cidadania, PCdoB, PDT, PSB, Rede e Solidariedade anunciam união para ir às ruas neste sábado. “Ao mesmo tempo em que sabota os esforços para vencer o coronavírus, Bolsonaro ataca diariamente o regime democrático, e busca inequivocamente as condições para a imposição de um regime autoritário que destrua as instituições republicanas contra as liberdades democráticas”, diz a nota do grupo.
O PT também convoca para as ruas com a expectativa de alcançar atos em 300 cidades. Impeachment, emprego e auxílio emergencial unem a todos os partidos que convocam para os protestos neste sábado. O grande desafio, porém, é engrossar as fileiras de resistência depois do último ato no início deste mês. Integrantes do PSDB foram agredidos por grupos radicais do PCO no ato da Avenida Paulista, o que levou a um repúdio dos demais partidos contra a legenda de extrema esquerda. Os protestos ajudaram a desgastar a imagem do presidente, que reagiu com mais coação, e perseguição a seus críticos. O comportamento tem se esparramado em detenções promovidas pela polícia em diversos Estados.
As ameaças às eleições, bem como o endosso do ministro da Defesa, têm gerado reações em cadeia em outros Poderes. “No Brasil de hoje, não é de se espantar que um líder populista se recuse a obedecer as regras vigentes, que queira suas próprias regras para disputar as eleições e que se recusre a ter seu legado escrutinado”, disse o ministro do Supremo, Edson Fachin, durante um evento esta semana. O anseio pelo impeachment é uma constante, mas uma incógnita, à medida que o Centrão se compromete ainda mais com o Governo Bolsonaro. Mas, como disse o ex-presidente Michel Temer em entrevista à Folha, “quem derruba presidente não é o Congresso, é o povo nas ruas.”
10 ditados populares que mudaram no mundo digital
24 de julho de 2021TEMAS & DEBATES
Evandro Milet
A sabedoria expressa em ditados populares já não vale mais no mundo atual das startups e da transformação digital. Vejamos alguns deles:
1 - Em time que está ganhando não se mexe
O pessoal do futebol sabe que se fizer sempre as mesmas jogadas elas serão logo marcadas. Portanto, em time que está ganhando também se mexe para poder continuar a ganhar. O clássico O Dilema do Inovador de Clayton Christensen mostrou a dificuldade das empresas em mudar os seus produtos vencedores e acabam atropelados por novos entrantes no mercado. Devemos canibalizar nossos próprios produtos antes que os concorrentes o façam.
2 - Devagar é que se vai longe
No mundo das startups o lançamento de produtos é feito antes que estejam prontos. A validação se dá nos clientes. Se você não tiver vergonha do seu produto no lançamento, você o lançou tarde demais, é um dos mantras do Vale do Silício. Quem trabalhar devagar nesse ambiente não chegará a lugar nenhum.
3 - Quem espera sempre alcança
Só os paranoicos sobrevivem, disse o presidente da Intel. Você pode viver do passado, tentar antecipar o futuro ou se preparar para qualquer futuro que vier, mas a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo, como disse Alan Kay, cientista do Laboratório PARC da Xerox, criador da interface gráfica como a conhecemos hoje. Se você quiser esperar para ver o que vai acontecer, alguém chegará no seu lugar. A época é de arriscar, experimentar, ousar. Pode ter certeza que, se você tiver alguma ideia boa, alguém no mundo estará tendo a mesma ideia. Se esperar para levar adiante, já era.
4 - Os últimos serão os primeiros
Os vencedores levam tudo é o novo ditado. Startups rodam em alta velocidade para adquirir clientes, sem dar lucro por anos a fio para criar uma barreira de entrada intransponível. A Amazon ficou sete anos sem distribuir lucros enquanto vendia a ideia para os investidores que estava criando a maior loja do mundo. Quem consegue disputar com eles no e-commerce, ou com o Google em buscas, ou com o AirBnB em hospedagem? Antes bastava fazer melhor e mais barato. Depois, o importante era fazer diferente. Agora, o fundamental é fazer primeiro. Os últimos serão os últimos mesmo.
5 - A pressa é inimiga da perfeição
Antes feito que perfeito é o novo ditado. A perfeição acontece com o tempo e a validação do cliente. O MVP, Menor Produto Viável, substitui meses de planejamento para lançar um produto. Ciclos longos de planejamento estratégico não conseguem mais sustentar uma concorrência.
6 - Cada macaco no seu galho
Descrição estreita de funções não cabem mais. Procuram-se profissionais T-shaped. Com uma especialidade profunda, porém com outras competências que facilitem o trabalho em equipe. Para participar dos onipresentes squads, os grupos multidisciplinares, é interessante ir além da sua especialidade, pulando em outros galhos de vez em quando. O Google prefere generalistas a especialistas em contratações.
7 - Manda quem pode, obedece quem tem juízo
As estrelas podem ser dissidentes, um pouco radicais, um pouco rebeldes”, diz Jeff Bezos. Beto Sicupira da Ambev aceita pessoas diferentes porque “é mais fácil segurar um louco que empurrar um burro”. Jony Ive, gênio do design da Apple: “queremos um designer que nos impressione a ponto de nos intimidar”. Steve Jobs: “Não faz sentido contratar pessoas inteligentes e dizer a elas o que elas devem fazer; nós contratamos pessoas inteligentes para que elas possam nos dizer o que fazer”. Você acha que pessoas com essas características vão obedecer alguém cegamente em uma empresa? Tchau.
8 - Porrete não é santo, mas faz milagres
Tirar o medo da organização, ensinava o velho Deming nos seus princípios da qualidade. Liderança autoritária inibe a criatividade e pode dar até acusação de assédio moral. A inovação tem que estar difundida em toda a empresa e não só na cabeça da liderança. Pessoas importantes para a organização hoje devem arriscar, tentar coisas novas, ultrapassar barreiras, questionar verdades estabelecidas e explodir velhos paradigmas. Ninguém faz isso com medo.
9 - Faça o que eu digo, não faça o que eu faço
Uma organização não segue a boca dos seus dirigentes, segue as suas pernas. Se a inovação é prioridade, isso tem que estar explícito não só na fala, mas principalmente nas atitudes e nas ações da liderança.
10 - Errar é humano
Em um tempo onde a experimentação constante é fundamental, o erro faz parte. Como diz Elon Musk, um ícone dos novos tempos: “O fracasso é uma opção aqui. Se as coisas não estão falhando, você não está inovando o suficiente”. Nessa velocidade é melhor pedir perdão do que pedir licença. No mundo das startups, erro é sinal de aprendizagem.