centrão

Merval Pereira: A mesma linguagem de Jair Bolsonaro

Bolsonaro não é mais o mesmo porque não encontra uma legenda que aceite suas condições

Merval Pereira / Globo

A demonstração exemplar de que o presidente Bolsonaro já não é mais o mesmo está contida na discussão virtual de baixo calão que teve com seu grande líder político Valdemar da Costa Neto, dono de fato e direito do Partido Liberal (PL). Estou falando do ponto de vista de poder, e não de ideologia, pois Bolsonaro, como admitiu recentemente, sempre foi do Centrão, embora figura do baixo clero que nunca teve expressão política nos nove partidos dos quais já fez parte.

Não é mais o mesmo porque não encontra uma legenda que aceite suas condições, e nem conseguiu criar a sua própria, num quadro partidário que tem mais de 35 partidos em ação, e outros tantos pedindo registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o PSL, seu último  partido, por cuja legenda elegeu-se presidente da República, a briga foi pelo butim partidário. Junto com o PT, o PSL é o partido mais rico com os fundos partidário e eleitoral, graças ao tsunami eleitoral liderado por Bolsonaro em 2018.
Mas o partido tinha e tem dono, Luciano Bivar, que não deu a chave do cofre, agora milionário, para o clã guloso. No PL, que também tem um cofre recheado, a briga, aparentemente, foi pelos palanques regionais, mas indiretamente também pela bufunfa. Quem indica o candidato a governador de São Paulo, por exemplo, coloca a mão em mais dinheiro.

A briga foi feia, com direito a troca de xingamentos e palavrões, em negociação nada republicana. Nessa queda de braço, porém, Valdemar da Costa Neto tem mais bala na agulha. Preso no mensalão, continuou a mandar no PL de dentro da cadeia, da mesma maneira que os chefões dos comandos criminosos mandam suas orientações da própria prisão. Livre, leve e solto, com influência fundamental no Centrão, por que abriria mão de seu poder para dar parte dele a Bolsonaro e seus filhos ?

Boi preto conhece boi preto, como dizia outro grande parlamentar do baixo clero, Clodovil Hernandes, que, aliás, terminou sua carreira política no Partido da República (PR), que depois integrou-se ao PL. O sentido da frase eternizada por Clodovil deixou de ter um restrito cunho de gênero para um significado mais amplo, de que pessoas da mesma laia se reconhecem.

A vida dos Bolsonaro não será fácil também no PP, outro partido que controla o Centrão, com interesses políticos amplíssimos. Ambos já fizeram parte da base aliada de Lula, Dilma e Temer, e por isso têm interesses regionais diversificados, que abrangem também o PT. Inclusive porque, com a decadência da popularidade de Bolsonaro e o ex-presidente Lula liderando as pesquisas de opinião, não é possível, nessa concepção inortodóxica de coalizão do Centrão, fechar portas para uma provável mudança de rumo.

Se não chegar a um acordo com partidos controladores do Centrão, Bolsonaro terá que aceitar ir para um partido com menos tempo de televisão e menores fundos partidário e eleitoral, tudo o que ele não quer, mesmo sendo presidente da República. Perderá, também, poder político dentro do Congresso. Em 2018, Bolsonaro concorreu pelo então nanico PSL por não ter grandes opções. Hoje, está de olho grande na fenomenal massa de dinheiro que autorizou para os partidos, que agora, com o dinheiro sobrando devido à PEC dos Precatórios, vai ser maior ainda.

Mas Bolsonaro, que já é refém de sua base aliada na concertação política, sem voz de comando real, submetendo-se às vontades do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, agora ficará sem legenda partidária de peso, sujeito a chuvas e trovoadas no decorrer da campanha. Mesmo que se submeta ao comando real de Valdemar da Costa Neto, à medida que sua popularidade for sofrendo baixas, a debandada das seções regionais de sua suposta aliança nacional será a mesma, no sentido inverso, que ele provocou em 2018.

Acabou sendo apoiado por deputados de vários partidos, que oficialmente apoiavam outros candidatos. O eleitor foi se aproximando de Bolsonaro na proporção em que ele se tornou a alternativa para derrotar o PT. Em 2022, ele será alvo também dessa rejeição. Apoiar Lula contra Bolsonaro é uma opção que pode se apresentar a parte do eleitorado, o mesmo que em 2018 fez o contrário. Ou não apoiar nenhum dos dois, desde que um candidato alternativo se firme.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/mesma-linguagem.html


William Waack: O consórcio falido de Bolsonaro e o Centrão

STF agravou a briga dentro do Centrão pelo acesso ao cofre aberto por Bolsonaro

Wlliam Waack / O Estado de S. Paulo

O orçamento secreto agora não tão secreto vai continuar por outros meios, mas a decisão do STF garantiu a briga no consórcio montado para gastar à vontade em ano de eleição. Os consorciados são parlamentares do Centrão e Jair Bolsonaro.

O processo que levou ao orçamento secreto agora não tão secreto começou lá atrás, ainda durante Dilma, e tinha como objetivo limitar a capacidade do Executivo de manipular votos no Parlamento via distribuição de emendas. Foi “aperfeiçoado” por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre dentro do mesmo espírito, ou seja, o Legislativo avançando em suas prerrogativas.

Coube ao “gênio” político Jair Bolsonaro consumar a entrega de fatia importante de seus poderes – a alocação de recursos através do Orçamento – aos chefões do Centrão, hoje os verdadeiros donos das principais decisões de governo. Eles já estavam em rota de colisão entre si por conta do único fator que lhes interessa, que é acesso aos cofres e máquina públicas.

A disputa tinha sido trazida a público no começo da semana pelo chefão do PL, ao qual Bolsonaro pretende se filiar, e que já tem um pedaço do Palácio do Planalto. Concorre ali com o chefão do PP, dono de um outro pedaço. O enfraquecimento de outro chefão do PP, o presidente da Câmara, trazido pela decisão do STF de suspender em parte o orçamento secreto, complica o jogo entre esses senhores.


Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministra Rosa Weber. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
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Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Plenário do STF. Foto: SCO/STF
Ministra Rosa Weber. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
Supremo Tribunal Federal. Foto: Felippe Sampaio/SCO/STF
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Que já era intrincado o suficiente considerando-se o papel do Senado, do qual depende agora a tramitação da PEC dos precatórios e seus R$ 90 bilhões de “espaço fiscal” (na verdade, uma gambiarra despudorada). Apenas nas aparências o presidente do Senado manifestou muxoxo com o ataque do STF ao orçamento secreto que ele diz que não existia. Na prática, seu poder político de barganha aumentou consideravelmente.

Há quem enxergue na decisão claramente política do STF de suspender as emendas do relator um esforço de “salvar” a democracia e princípios da Constituição. O que o Direito não consegue, porém, é salvar o Brasil do seu próprio sistema político, que funciona (desde sempre?) para alimentar grupos privados (partidos políticos) que se juntam para apropriar-se de recursos públicos (estruturas do Estado e fundos) em benefício próprio.

O resultado dessa confusão, em parte um espelho da confusão mental de Bolsonaro, e da qual o grande público está alheio, é uma considerável paralisia política agravada por um quadro econômico que permanece em crescimento muito abaixo do necessário com medíocre recuperação de emprego e renda. O consórcio Centrãobolsonaro tem condições apenas de agravar esse quadro.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,consorcio-falido,70003895257


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro pode ficar sem dinheiro para aprovar Auxílio Brasil

Governo ainda não diz para quem e como vai pagar benefícios e corre risco no Congresso

Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo

Auxílio Brasil ainda não existe. O dinheiro para pagar o Auxílio Brasil também não. Talvez não exista dindim para bancar a aprovação desse e outros gastos no Congresso. É difícil acreditar que deputados e senadores deixem de aprovar uma renda básica para pobres, faltando menos de um ano para a eleição. Mas o caldo político engrossou, há problemas na Justiça e os prazos para entregar o benefício ao povo miúdo estão quase estourados.

O Auxílio Brasil por ora é apenas uma medida provisória oca. Ali não se diz quanto será pago a cada família, nem exatamente para quais, nem como, afora para aquelas que já estão no Bolsa Família e olhe lá. Faltam poucos dias para definir isso tudo e muito mais.

O Congresso ainda está longe de chancelar a contabilidade criativa e o calote que vão financiar (também) o Auxílio Brasil. Sem isso, dá para pagar benefícios neste ano. Para 2022, só tem dinheiro para bancar o velho Bolsa Família (cerca de R$ 190 mensais para 15,6 milhões, não R$ 400 para 17 milhões, como quer o governo).

Cabalar votos com o dinheiro de emendas parlamentares ficou mais difícil. A ministra Rosa Weber, do Supremo, suspendeu o pagamento das "emendas de relator" (mudanças de destinação de verba do Orçamento definidas pelo parlamentar que redige a proposta final da lei orçamentária. Em geral, beneficiam os escolhidos pelos chefes do centrão).

As "emendas de relator", o Bolsolão, pagaram muitos dos votos que aprovaram na Câmara, em primeira rodada de votação, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que formaliza o calote de parte dos precatórios e muda o reajuste do limite de despesas federais. Mas falta o segundo turno na Câmara, faltam dois turnos no Senado.

Na semana que vem, o Supremo deve decidir se barra de vez as "emendas de relator". Na melhor das hipóteses (para o governismo), a mera indefinição vai dificultar os negócios na Câmara e no Senado, já bastante indócil.

Além de reajustar o teto de gastos, a PEC autoriza o governo a deixar de honrar pelo menos R$ 47 bilhões dos R$ 89 bilhões de precatórios que deveria pagar em 2022, calote que não cai bem no Senado e pode terminar na Justiça. O reajuste do teto deve render quase outro tanto de dinheiro para o Orçamento federal.

No entanto, o governo precisa de R$ 47 bilhões extras apenas para pagar o Auxílio Brasil em 2022. Diz que vai precisar de outros R$ 24 bilhões extras para pagar reajustes de benefícios previdenciários (pois a inflação será maior do que a prevista pelo projeto de lei orçamentária).

Vai sobrar pouco para emendas parlamentares extras, de relator ou outra mumunha que inventem. Se o Supremo derrubar as "emendas de relator" e se o Congresso não fizer algum acordão de gastos, Jair Bolsonaro terá mais problemas para sustentar a "velha política".

Se a PEC dos Precatórios não passar ou for amputada de modo essencial, o governo terá de improvisar ainda mais, mais do que fez com o Auxílio Brasil, por incapacidade técnica, negligência e laborfobia. Teria então de pagar algum auxílio para os pobres com créditos extraordinários, o que é em tese ilegal. Sabe-se lá como arrumará dinheiro para bancar o reajuste extra dos benefícios previdenciários etc.

O pessoal do Congresso não nasceu ontem, quase sempre se arruma. A mutreta fiscal, judicial e política está meio liberada. Quase ninguém no sistema de poder quer degolar Bolsonaro na Justiça ou por impeachment, de resto. É verdade que o PIB de 2022 está sendo dissolvido no ácido dos juros da praça financeira, mas Bolsonaro e centrão não estão nem aí. No entanto, aumentou o risco de dar besteira até para a turma da safadagem.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/11/bolsonaro-pode-ficar-sem-dinheiro-para-pagar-centrao-e-aprovar-auxilio-brasil.shtml


Felipe Salto: Às favas os escrúpulos

Responsabilidade fiscal: defendida no caso dos absorventes, desprezada no caso dos precatórios

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

O relatório sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 23, de autoria do deputado Hugo Motta, constitucionaliza o calote. Essa versão piorada da proposta original do governo fixa um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entrará na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”. Na mesma semana, o presidente vetou a distribuição de absorventes em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mandaram às favas os escrúpulos de consciência que restassem.

A proposta, coassinada pela deputada Tabata Amaral, não cria despesas obrigatórias de caráter continuado e, portanto, não requer medida compensatória. O argumento na hora do veto estava errado. O próprio artigo 6.º do texto aprovado submete a despesa com a compra de absorventes aos chamados contingenciamentos. O dinheiro viria do orçamento do SUS, mas poderia ser congelado, se necessário. O artigo 17 da LRF trata de despesas obrigatórias permanentes. Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas do Senado, logo percebeu a confusão e desmontou essa base do veto.

Vale dizer, o custo da medida é estimado em R$ 119,1 milhões. Já a manobra constitucional dos precatórios abrirá folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022. Um ataque à Constituição e ao teto, com direito a calote em despesa obrigatória. E a lei? Ora, deixem-nas para os inimigos...

Para ter claro, essa folga será igual a 405 vezes o custo da distribuição de absorventes para meninas e mulheres pobres. Fere de morte o teto de gastos, como mostrei na coluna de 28 de setembro (O fim do teto de gastos). A distribuição de absorventes, por sua vez, estava rigorosamente dentro do figurino da responsabilidade fiscal.

Sabe-se que a isonomia não é o forte de quem toma decisões sob a lógica do populismo, da desfaçatez, da ignorância, do despreparo e do desconhecimento das leis. Mas o mais grave é a sensibilidade social passar longe dessa velhacaria. Água e óleo. Vale tudo – inclusive ignorar a lei – para espezinhar uma opositora do governo em franca ascensão. Aliás, Tabata Amaral, sua combatividade me representa.

Como em muitas outras ocasiões, o presidente não demonstra empatia pelos que sofrem. O “e daí?” é o mantra macabro a orientá-lo. No domingo, nova dose de irresponsabilidade. Apareceu sem máscara, em Santos, para forçar a entrada na Vila Belmiro, mesmo não vacinado. Faz de propósito. Quer animar os desvairados que ainda ocupam as arquibancadas de seu governo nefasto.

Mas não se enganem. Sobra esperteza tanto quanto falta compaixão. Ninguém chega ao posto máximo da Nação sem sagacidade. Pode, sim, chegar sem alma e sem espírito público, uma vez vendidos ao diabo, mas não sem esperteza. Seu faro indica como garantir certos apoios nas eleições de 2022, mesmo após o fracasso destes três anos: dinheiro para o Centrão. No fim do dia, é preciso pulverizar recursos sobre as bases dos amigos. O que está em jogo é isso. Não é o reajuste do Bolsa Família – a melhor desculpa que se poderia ter, diga-se.

A nova proposta para os precatórios é mais sofisticada, na forma, mas continua a calotear despesas obrigatórias. A engenhosidade está em limitar, em primeiro lugar, a expedição dos precatórios. O limite estará baseado no valor pago de 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela regra do teto (inflação). Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, restando R$ 48,6 bilhões para saldar no futuro. Permite-se, ainda, o chamado encontro de contas para anular parte do crescimento exponencial derivado, matematicamente, dessa estratégia.

A ideia é de que as dívidas dos precatoristas com a União possam ser anuladas. A medida evitaria o pagamento em dinheiro pela União e esses acordos estariam fora do limite máximo estipulado. Por exemplo, se uma empresa tem dívida tributária de R$ 10 milhões com o governo e o mesmo valor a receber em precatórios, poder-se-ia anular a dívida pelo crédito em precatórios. O fato é que, mesmo no caso dos governos estaduais – em que o mecanismo proposto dá poder de barganha elevado à União –, sempre haverá o risco de questionamento no Supremo Tribunal Federal.

Essa lambança fiscal representará o fim do teto de gastos, turbinará os juros (ainda mais), elevará a dívida pública e reduzirá as chances de crescimento econômico. A sanha por abrir espaços orçamentários em ano eleitoral já está sendo penalizada, naturalmente, pelas forças de mercado.

É o vale-tudo para amealhar os apoios necessários e viabilizar despesas novas. Enquanto isso, nega-se a dignidade às meninas e às mulheres pobres, sob alegação de risco à responsabilidade fiscal. Sim, a mesma atirada pela janela nesta lambança histórica com os precatórios. Hipócritas.

A esperteza, quando é muita, engole o dono. O governo seguirá na base de dois pesos e duas medidas até outubro do ano que vem. Deve pensar: às favas os escrúpulos de consciência, a ética, a lei e todo o resto. A eles, pouco importa que a mula manque. Como na marchinha de Haroldo Lobo, querem mesmo é rosetar.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,as-favas-os-escrupulos,70003865885


Bruno Boghossian: Investigação sobre emendas deve abalar relação Bolsonaro-Congresso

Ministro fala em corrupção e avisa que haverá operação mirando verba de parlamentares

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

O chefe da Controladoria-Geral da União deu um aviso curioso na última semana. Wagner Rosário disse não ter dúvidas de que existem casos de corrupção no pagamento de emendas indicadas por parlamentares e anunciou que a Polícia Federal deve bater na porta de alguns dos envolvidos em breve. “Todos nós vamos ficar sabendo no dia da deflagração das operações”, declarou.

O alerta é inusitado porque um investigador não deveria dar aviso prévio de suas ações. Além disso, Rosário é ministro de Jair Bolsonaro, um presidente que sobrevive no poder graças a essas emendas. Para completar, o chefe da CGU falou sobre as suspeitas numa audiência dentro Câmara, onde essa fatia do Orçamento é partilhada.

A revelação de desvios nesses pagamentos é um cenário considerado quase inevitável pelo governo. O ministro tentou mostrar serviço e se antecipou para controlar os respingos de eventuais escândalos. A história tem potencial para criar problemas políticos para Bolsonaro.

O governo ganhou fôlego no Congresso ao entregar a deputados e senadores o controle sobre R$ 16,9 bilhões das emendas de relator. O bônus dessa barganha é uma distribuição relativamente livre e pouco transparente de verba nas bases dos parlamentares. Se a PF acabar com a festa de alguns deles, o acordo para sustentar o presidente pode ficar estremecido ou até implodir.

Uma operação que desmanche supostas cobranças de propina em obras pagas por essas emendas também teria impacto na imagem de Bolsonaro. O presidente pode lançar a culpa sobre os parlamentares e empresários que forem pegos nas investigações, mas será difícil esconder o fato de que a origem do dinheiro é o acerto do Planalto com o centrão.

O alcance do caso dependerá de personagens leais a Bolsonaro: o chefe da PF e o procurador-geral da República. A esperança do governo é que a devassa nas emendas fique limitada a políticos de baixo clero, o que restringiria os danos à governabilidade e ao discurso do presidente.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/10/investigacao-sobre-emendas-deve-abalar-relacao-bolsonaro-congresso.shtml


William Waack: Nem o Centrão resolve a situação de Bolsonaro

Caciques enxergam a chance de ocupar de vez o Executivo, pela via eleitoral

William Waack / O Estado de S. Paulo

O parlamentarismo com dois primeiros-ministros é o mais novo evento político “jabuticaba”, aquilo que só existe no Brasil. Os presidentes das duas casas legislativas é que estão lidando diretamente com dois assuntos de enorme e imediato impacto sobre o bolso de todos e de ampla repercussão política: preços dos combustíveis e tamanho dos impostos.

A taxa de sucesso até aqui é baixa. As duas operações lidam com assuntos terrivelmente técnicos e complexos, afetados pelos naturais conflitos de interesses entre os mais variados segmentos, e dependem ainda do entendimento precário entre os entes da Federação, problemão por último evidenciado na pandemia. Mas o fato político expressivo é que a agenda política está nas mãos dos dois primeiros-ministros.

Sim, o ministro da Economia – sofrendo evidente desgaste político por conta de sua offshore – compareceu a reuniões com os dois primeiros-ministros que incluíam ainda representantes de municípios, Estados e Receita Federal. Pelo menos formalmente o Executivo estava lá, mas os presidentes da Câmara e do Senado deixaram bem claro ao público que são eles os condutores de todos os processos. São eles que se dirigem à população dizendo como e quando pretendem resolver os problemas.

O Executivo tem noção clara do que precisa – arrumar um jeito de sustentar programas assistenciais que, fora o indiscutível mérito de mitigar a miséria de milhões de pessoas, são também ferramentas políticas no esforço de Jair Bolsonaro em se reeleger. Mas ainda não disse exatamente como realizar esses programas, numa exibição espetacular da dificuldade em estabelecer prioridades: é para resolver primeiro o Bolsa Família ou o preço da gasolina?

Tudo está subordinado a esse eufemismo chamado de “espaço fiscal”, que, por sua vez, é função direta de rearranjo de impostos (para não falar em reforma ampla), propostas de emendas constitucionais que tratem de pagamentos de dívidas (os tais precatórios) e intrincadas negociações sobre o próximo orçamento. Os dois primeiros-ministros perceberam que, no fundo, trata-se da velha questão do ovo ou a da galinha.

Para escapar desse falso dilema, os dois primeiros-ministros teriam de puxar um fio da meada, ou seja, proceder ao que o Executivo mostrou-se incapaz de fazer: estabelecer claramente prioridades e arranjar-se com as várias forças políticas e os vários interesses setoriais. É a queixa recorrente de relatores de todo tipo de matéria demandando coordenação e articulação dentro e fora do Legislativo: não entendem muito bem o que pretende o Palácio do Planalto.

Neste ponto, o da agenda política, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco são atrapalhados não só por desentendimentos causados por diferentes objetivos políticos pessoais. Ocorre que os dois primeiros-ministros são, ao mesmo tempo, operadores e vítimas daquilo que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de sistema político do “pluricorporativismo” (mascarado de pluripartidarismo), por meio do qual se propaga e se reforça a capacidade “extrativa” das mais diversas corporações.

Podemos chamar isso também de “sistema do Centrão”, que está claramente se consolidando na fusão gigante de DEM e PSL, e na busca dentro dessas forças políticas da alternativa eleitoral ao embate Bolsonaro-lula. A despeito do que possam dizer as pesquisas de opinião sobre o momento, dando conta do amplo favoritismo eleitoral de Lula, na visão desses operadores políticos a força e o sentido do eleitorado apontam para o que se chamaria de tendência de “centro-direita” – daí a dificuldade em costurar acordo com o PT.

Bolsonaro teve um pouco atrás a possibilidade de “caminhar para o centro” e ser abraçado eleitoralmente pelo Centrão. Essa oportunidade parece ter sido jogada fora por ele mesmo, que hoje não sabe se receberá um tapinha nas costas pelo fato de ter aberto uma chance inédita de consolidação do poder a esses caciques, agora enxergando a possibilidade de tomar conta eles mesmos do Executivo, e pela via eleitoral.

Ou se receberá desses caciques um chute nos glúteos, dependendo das circunstâncias.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nem-o-centrao-resolve,70003862095


Vera Magalhães: Chega de dar palco para maluco

Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin não teria vindo à tona

Vera Magalhães / O Globo

A CPI da Covid só foi necessária e se tornou relevante e urgente porque o presidente Jair Bolsonaro promoveu, desde o início da pandemia, uma gestão irresponsável que fez com que o Brasil visse explodir o número de casos e de mortes enquanto atrasava o início da vacinação da população e apostava em tratamentos sabidamente ineficazes.

O rol de revelações da comissão do Senado é estarrecedor, e o saldo de seu trabalho, que só foi possível graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, é amplamente positivo.

Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin por meio de atravessadores e com sobrepreço e irregularidades de toda natureza provavelmente não teria vindo à tona.

Da mesma forma, a cronologia do oferecimento insistente de doses de vacinas ao Brasil pela farmacêutica Pfizer, já em meados de 2020, seguido da total falta de resposta e interesse por parte do governo Bolsonaro, foi revelada graças aos trabalhos da comissão do Senado, bem como as tentativas de boicotar a compra da CoronaVac, desenvolvida em parceria do laboratório chinês Sinovac com o Instituto Butantan.

Mas, ao longo desses quase cinco meses de funcionamento, a CPI errou ao servir de palco para um elenco de negacionistas, charlatães, lobistas ou simplesmente malucos, que turva o resultado de seu trabalho e, de certa forma, pode ter ajudado a confundir o público quanto a protocolos sanitários, tratamentos e até a segurança e a eficácia das vacinas.

Esta semana foi exemplar dessas duas faces da moeda da CPI, a virtuosa e a deletéria. Depois do depoimento acachapante da advogada Bruna Morato, de que tratei aqui na quarta-feira, em que ela, representando um grupo de ex-médicos da Prevent Senior, apresentou ao país um relato nauseante de práticas criminosas que atribuiu à operadora, os senadores, em vez de procurar se aprofundar nesse importante veio de investigações, pegaram um desvio e promoveram dois dias de espetáculo circense e show de negacionismo.

Já era óbvio que o empresário Luciano Hang, figura caricata que tem feito a promoção do kit Covid, inclusive usando a morte da própria mãe como palanque ideológico, não teria nada a acrescentar à CPI.

Sua audiência não era necessária para fechar o caso Prevent Senior, uma vez que os senadores já dispunham de documentos como o atestado de óbito da mãe de Hang. Tampouco ajudaria a trazer elementos para os capítulos que tratam do gabinete paralelo ou da disseminação das fake news na pandemia. Pelo contrário: sua fala só serviu para tumultuar a CPI e disseminar ainda mais desinformação e lixo ideológico.

Da mesma natureza foi a inquirição do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury ontem. Os senadores já dispunham do compartilhamento de dados do inquérito do STF em que Fakhoury é investigado, que mostram que ele financiou atos antidemocráticos. Também já tinham elementos que mostravam sua participação nas campanhas de desinformação sobre máscaras e vacinas. Por que, então, dar palco para que ele repetisse suas mentiras, proferidas com cinismo explícito, em rede nacional?

É notório que a CPI da Covid foi um ponto de virada na trajetória política de muitos de seus integrantes. O trio que comandou os trabalhos e outros, como Alessandro Vieira e Fabiano Contarato, com sua contribuição técnica, e Simone Tebet e Eliziane Gama, que, mesmo não sendo membros, mostraram a importância da participação feminina na investigação, ganharam novo status diante do público.

Por isso mesmo, é preciso terminar no auge, de forma a mostrar que o que se busca ali é justamente a antítese do show de embuste promovido pelo governo federal e por seus satélites na classe política, na medicina e no empresariado.

É vital que, até o encerramento, a pauta seja expurgada de palhaços e charlatães. O país quer responsabilização dos culpados pela nossa tragédia, e não circo.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/chega-de-dar-palco-para-maluco-na-cpi-da-covid.html


Lula e Meirelles querem dinheiro da Petrobras para baixar o preço do gás

Ex-presidente e líder liberal culpam lucro de acionistas pela carestia dos combustíveis

Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo

Lula da Silva (PT) quer tirar dinheiro da Petrobras para dar a quem consome combustíveis. Henrique Meirelles também. Meirelles é secretário da Fazenda de João Doria (PSDB), foi ministro da Fazenda de Michel Temer e presidente do Banco Central de Lula. Jair Bolsonaro prometeu tirar dinheiro da Petrobras, mas levou uma tunda no mercado e não fez nada. Desde então, promete tirar dinheiro dos estados a fim de aliviar o preço de gás, diesel e gasolina, entre outras patranhas. Meirelles não gostou.

A base do argumento de Lula e Meirelles é a mesma.

Lula: “O que a Petrobras está fazendo é acúmulo de dinheiro para pagar os acionistas... Quem está ganhando com isso são os investidores nas ações...” (foi o que disse à rádio Capital FM, de Cuiabá, na quarta-feira).

Meirelles: “Se queremos controlar o preço da gasolina ou do óleo diesel, é muito simples. É preciso diminuir a margem de lucro da Petrobras. Já está com margem extraordinária e precisa diminuir um pouco a remuneração da Petrobras e dos acionistas”, disse a jornalistas, também na quarta.

Pode ser que Lula e, ainda mais, Meirelles pensem que a Petrobras é um monopólio safado, que explora os consumidores. Se é, que o digam. Poderia ser até o início de uma conversa divertida sobre setores concentrados da economia.

Sim, é possível tirar dinheiro da Petrobras, mesmo que a empresa não seja um monopólio safado. Pode-se evitar o reajuste de seus produtos de acordo com os preços do mercado internacional (que começaram com Temer, em 2016), o que tiraria dinheiro dos acionistas. É ora ilegal, mas se pode mudar a lei ou, então, se criar um “imposto sobre lucros extraordinários”.

A Petrobras então perderia valor de mercado (o preço de suas ações cairia), o que é apenas um aspecto da redução do crédito da empresa. A petroleira lucraria menos, teria relativamente mais dívida, tudo mais constante; pagaria, pois, juros mais altos e perderia capacidade de investir e crescer.

O governo poderia então dar um jeito de colocar dinheiro na petroleira, para manter ou até aumentar o investimento. Mas, ainda que houvesse dinheiro, por que usá-lo na Petrobras? Para reflexão.

É verdade que desde o começo da liberalização dos preços, de Temer-Meirelles, até Bolsonaro-Guedes, o preço dos combustíveis subiu 72%, muito mais do que a inflação média (25%) ou do que o preço da comida (33%). Aumentou não porque o governo quisesse. Mas o governo não meteu o dedo nos preços de combustível ou da energia elétrica. No governo de Dilma Rousseff 1, foi o contrário. Não deu certo, né.

Para piorar, a renda do país e do povo miúdo em particular caiu muito desde 2014. O número de pessoas empregadas em julho deste ano (dado mais recente do IBGE) é menor do que em 2012. A “massa de rendimentos do trabalho” (a soma do que todo mundo recebe trabalhando) ainda é uns 6% menor do que em julho de 2019 (em termos reais, descontada a inflação).

A melhor solução emergencial é dar subsídio para os mais pobres (“mais Bolsa Família”), de preferência com imposto sobre mais ricos.

Apesar do tom ameno de tédio desencantado destas linhas, convém notar que esse debate político sobre combustíveis fica entre a incompetência e o disparate. A dúvida é saber se a demagogia e a desconversa vão aumentar até a eleição ou se todo mundo vai fazer “carta ao povo brasileiro” em algum momento de 2022. O preço dos combustíveis é apenas um aperitivo do cardápio de problemas de uma economia empobrecida, ineficiente, estruturada para a desigualdade, no mercado e no Estado, e em que ricos rejeitam mais imposto.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/09/lula-e-meirelles-tambem-querem-dinheiro-da-petrobras-para-baixar-o-preco-do-gas.shtml


Bolsonaro tem reprovação de 55%, diz Ipespe

A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro chegou ao pior índice desde o início do mandato

Cristiane Agostine / Valor Econômico

A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro chegou ao pior índice desde o início do mandato e 55% consideram a gestão como ruim ou péssima, segundo pesquisa Ipespe, encomendada pela XP e divulgada ontem.

O governo Bolsonaro é visto como bom ou ótimo por 23% dos entrevistados e regular por 18%.

A desaprovação ao governo também bateu novo recorde, de 64%. Na pesquisa anterior, de agosto, era de 63%. A aprovação, que era de 29%, oscilou para 30% e 6% não responderam.

O levantamento do Ipespe mostra um quadro semelhante ao registrado pelo Datafolha entre os dias 13 e 15, com a reprovação recorde de Bolsonaro, de 53%.

Na pesquisa divulgada ontem, a maioria da população apoia o impeachment do presidente neste momento: 51% são a favor e 45% contra. Dos entrevistados, 4% não responderam.

A população tem uma confiança maior nas Forças Armadas (58%), na Igreja Católica (57%) e na imprensa (38%) do que no presidente da República (33%). A instituição com melhor avaliação é a ONU, com a confiança de 59%. Em último lugar na escala estão os partidos políticos, com apenas 9% da população declarando confiança.

O Supremo Tribunal Federal (STF), um dos alvos preferenciais dos ataques do presidente Bolsonaro, registrou uma avaliação negativa maior do que positiva. Dos entrevistados, 37% consideram a atuação dos ministros do STF como ruim ou péssima, 28% como regular e 30% como ótima ou boa, e 5% não responderam. A imagem piorou desde maio de 2019, quando 32% avaliaram como ruim ou péssima, 39% como regular e 21%, ótima ou boa.

A pesquisa foi realizada por telefone entre os dias 22 e 24 de setembro, com mil pessoas acima de 16 anos. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais, para mais ou para menos, com um intervalo de confiança de 95,5%.

O Ipespe questionou também os entrevistados sobre a disputa presidencial de 2022.

A um ano da eleição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera nos dois cenários testados pelo instituto no primeiro turno, e venceria o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno por 50% a 31%.

No primeiro turno, Lula está à frente, com folga em relação aos demais candidatos, nos dois cenários eleitorais da pesquisa. No primeiro cenário, com menos candidatos da centro-direita, o ex-presidente petista tem 43%, seguido por Bolsonaro, com 28% e pelo ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 11%. O governador João Doria (PSDB) tem 5%, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, (DEM), 4%, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), 2%. Votos em branco, nulo ou em nenhum dos pré-candidatos somam 7%.

No segundo cenário, mais pulverizado, Lula tem 42% e Bolsonaro, 25%. Ciro aparece com 9% e o ex-ministro Sergio Moro tem 7%. Mandetta, o apresentador Datena (PSL) e o governador Eduardo Leite (PSDB) têm 3% cada. Os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Rodrigo Pacheco registram 1% cada. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) não pontuou. Votos em branco, nulo ou em nenhum desses nomes somam 5% e 1% não respondeu.

Apesar de bater recorde de desaprovação de seu governo, Bolsonaro ampliou suas intenções de voto de 24% para 28%, na comparação com a pesquisa anterior, de agosto. Lula também aumentou suas intenções de voto, oscilando de 40% para 43%.

Em maio, Lula e Bolsonaro estavam empatados com 29% de intenção de voto cada. Desde então, o petista só aumentou até chegar aos 43% registrados neste mês. Bolsonaro caiu em junho e julho e só agora se recuperou na disputa do primeiro turno.

O cenário de disputa pelo segundo turno mostra que Lula tem conseguido ampliar sua diferença em relação a Bolsonaro desde maio, quando o petista tinha 42% e o presidente, 40%. O petista só aumentou e chegou agora a 50%, enquanto as intenções de voto de Bolsonaro caíram mês a mês e agora estão em 31%.

A atuação de Bolsonaro para enfrentar a pandemia é reprovada pela maioria da população e chega a 58% de ruim ou péssimo. Dos entrevistados, 22% consideram ótima ou boa e 18% regular.

A maioria da população teme o racionamento de energia nos próximos meses e 69% acreditam que “com certeza” ou “provavelmente” enfrentarão o problema.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/10/01/bolsonaro-tem-reprovacao-de-55percent-diz-ipespe.ghtml


Fernando Gabeira: Governo Bolsonaro, mil dias rumo ao isolamento

Dias que restam devem confirmar marcha de Bolsonaro para sua real estatura política

Fernando Gabeira / O Estado de S. Paulo

No momento em que o governo comemora mil dias e nós lamentamos a morte de 600 mil pessoas na pandemia, creio que a expressão isolamento define a trajetória de Bolsonaro.

Pode parecer inadequado falar de solidão nestes mil dias, sobretudo quando se mobiliza tanta gente como ele. Mas, se consideramos o percurso de um presidente que se elegeu com 57 milhões de votos e hoje é rejeitado pela maioria, vemos como ele perdeu terreno, o que é pior, supondo que estava avançando.

Quando Bolsonaro se elegeu, havia uma visão crítica internacional baseada nas suas declarações sobre violência e suas posições machista e homofóbica. O tempo encarregou de transformar essa desconfiança numa certeza mundial. Em primeiro lugar, as posições negacionistas na pandemia e, logo em seguida, também com grande peso, uma política devastadora no meio ambiente.

A última performance internacional de Bolsonaro serviu para transformá-lo numa espécie de líder exótico, destes que figuram apenas nas piadas de apresentadores de tevê. Ele quebrou o código de honra da ONU que previa um encontro de líderes vacinados.

Quando Bolsonaro disse que sua vida era uma desgraça, que não podia sair nas ruas para tomar um caldo de cana, já expressava de certa forma o desconforto que marca seu percurso na Presidência.

Muitos analistas afirmam que Bolsonaro fala apenas para seu público e que não se importa com a maioria. Na verdade, seu público hoje é formado pela extrema-direita e grupos de seguidores fiéis que não têm condições de avaliar criticamente sua performance. Nesse sentido, podese dizer que Bolsonaro se isolou de seus eleitores, uma vez que foi vitorioso numa eleição majoritária.

Mas existe um tipo de isolamento não estudado em detalhes, exceto por pesquisadores mais voltados para a questão militar, como o antropólogo Celso Castro, autor do livro O Espírito Militar. Trata-se de uma pesquisa entre cadetes na Academia das Agulhas Negras e revela que existe entre os militares uma tendência a dividir o País entre fardados e paisanos. Os militares mais disciplinados, idealistas, tendem a ver os paisanos como individualistas e pouco confiáveis. Bolsonaro parece ter herdado esse espírito ao determinar que os militares ocupassem o governo e escolher um grupo de oficiais de alta patente para seus assessores mais próximos.

Grande parte de sua agenda é voltada para solenidades militares, mas o principal exemplo que revela essa tendência discriminatória é seu argumento para aceitar as urnas eletrônicas.

Como se sabe, Bolsonaro afirmou várias vezes que as eleições no Brasil são fraudadas, embora tenha sido vitorioso em inúmeras proporcionais e na majoritária, para presidente, em 2018.

Ele só aceitaria eleições limpas com a presença do voto impresso e auditável – como se as urnas eletrônicas não fossem auditáveis.

Derrotado no Congresso, Bolsonaro ainda resistiu na sua campanha contra as urnas eletrônicas. Só depois de algum tempo admitiu as eleições tal como serão realizadas, mas argumentou assim: agora confio porque as Forças Armadas vão fiscalizar.

As Forças Armadas sempre conheceram o processo eleitoral, a porta nunca esteve fechada para sua fiscalização. Bolsonaro usou sua presença como uma desculpa para racionalizar o recuo.

Mas é um tipo de desculpa que merece análise, pois ela pressupõe que, para Bolsonaro, a única instituição confiável são as Forças Armadas.

Nesse simples movimento, o processo de isolamento, que já é ululante em termos internacionais, aparece com toda a clareza na dimensão nacional: ao longo de todo este período, Bolsonaro preocupou-se apenas com a aproximação com os militares e com aqueles setores da sociedade que os acham os únicos capazes de dirigir o Brasil, de preferência com um viés ditatorial.

Candidato, Bolsonaro desfrutou de uma configuração favorável, inclusive com atentado a faca, que permitiu envolver a maioria da população.

Como candidato, Bolsonaro aproxima-se rapidamente daqueles grupos que fazem manifestação em porta de quartel, usam camisa amarela e acreditam que fazem história antes da macarronada de domingo.

Com urnas eletrônicas ou voto impresso, não importa que tipo de mecanismo, uma posição como esta de Bolsonaro e seus fiéis nunca será majoritária no Brasil.

As condições de 2018 não estão mais presentes. Desde quando assumiu o governo, Bolsonaro caminha decisivamente, inclusive estimulado pelos filhos, rumo à sua posição mais autêntica, mais inequivocamente minoritária. É um líder da extrema-direita e possivelmente seguirá assim, até que a própria corrente que representa chegar à conclusão de que pode dispor de alguém melhor que ele.

Nunca é possível fazer uma previsão política com exatidão. Mas os dias que restam de governo devem confirmar esta marcha de Bolsonaro para sua verdadeira estatura política.

Ao afirmar que sua vida era uma desgraça, estava próximo de uma descrição real, pois cair em desgraça, em termos políticos, é um sinônimo de isolamento.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,mil-dias-rumo-ao-isolamento,70003856111


De olho em 2022, Bolsonaro e Lula jogam na confusão com preço de combustíveis

Lula e Bolsonaro voltam seus discursos para os preços dos combustíveis 

Malu Gaspar / O Globo

Enquanto parte do país oscilava entre o estarrecimento com as revelações do caso Prevent Senior e a irritação com as cenas patéticas do depoimento de Luciano Hang, os dois principais postulantes à Presidência da República em 2022 passaram bem longe da CPI da Covid e voltaram suas baterias para a alta dos combustíveis.

Jair Bolsonaro põe a culpa no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e quer que o Congresso aprove uma lei estabelecendo alíquota fixa e uniforme em todo o país para o imposto, que hoje varia de estado para estado.

"Peço a Deus para que ilumine os parlamentares durante a semana para que aprovem esse projeto na Câmara e depois no Senado. Esse é o problema do dia", afirmou o presidente num palanque do Nordeste.

Estava com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que fez coro. "O Brasil não pode tolerar gasolina a quase R$ 7 e o gás a R$ 120".

Lula recorreu à parábola do gringo que leva as nossas riquezas. "O que está acontecendo é que a Petrobras está acumulando verba para pagar acionista americano", disse a uma rádio de Cuiabá.

Para o petista, “só teria explicação subordinar o preço nacional ao internacional se o Brasil fosse importador de petróleo, mas o Brasil é autossuficiente”.

Tanto Lula quanto Bolsonaro sabem estar oferecendo soluções simplistas para um problema complexo. O presidente da República vem há meses tentando emplacar a narrativa de que, por estar ligada a um imposto estadual, a alta dos combustíveis é culpa dos governadores. Não tem tido sucesso. Primeiro porque, embora o ICMS realmente seja pesado (varia em torno dos 30%), ele não aumenta há anos.

Além disso, o imposto é parte do valor do produto e varia de acordo com ele. Portanto, mesmo que fosse reduzido a zero, o que é virtualmente impossível, os preços continuariam aumentando de acordo com a cotação do barril de petróleo e com o câmbio.

Lula, como ex-presidente, está cansado de saber que 57,8% dos dividendos da Petrobras ficam com brasileiros, incluindo pequenos poupadores que usaram seu Fundo de Garantia para investir na empresa. E que, do total, 36,7% vão para os cofres da própria União. Lula sabe também que há diversas razões para que a fórmula de preços da Petrobras seja ancorada no dólar.

Uma é que a moeda americana é a referência para todas as transações do mercado de petróleo no mundo. Outra: embora seja autossuficiente em volumes, a empresa ainda importa grandes quantidades de petróleo leve e outros derivados do petróleo para produzir os combustíveis entregues ao consumidor final, pagando o preço internacional, em dólar. Sempre que vende abaixo do valor de mercado, toma prejuízo.

Da última vez que ignorou essa equação, no governo Dilma Rousseff, a Petrobras acumulou um rombo de US$ 40 bilhões — uma das razões por que teve de ir tomando empréstimos até chegar à maior dívida corporativa do planeta e ao status de companhia à beira da falência. Quem pagou a conta, obviamente, fomos nós, contribuintes e maiores acionistas da empresa.

Lula e Bolsonaro decidiram falar do assunto porque suas sondagens indicaram que esse é o tema que mais afeta o debate eleitoral no momento. Pesquisas internas de consultorias privadas mostram que a aprovação de Bolsonaro vem caindo significativamente em regiões onde ele costumava ter bases firmes, como Sul e Centro-Oeste, justamente por causa da inflação dos combustíveis e da energia.

Soluções de palanque e fórmulas gastas não resolverão o problema. Lembremos que o próprio Bolsonaro trocou o presidente da Petrobras no início do ano, zerou os impostos federais sobre o diesel e o gás e prometeu outras tantas providências — como uma bolsa-caminhoneiro — que nunca foram adotadas.

Se voltamos ao mesmo ponto, agora, é porque esse nó, assim como tantos outros que precisamos desatar, demanda políticas públicas consequentes e de longo prazo, que certamente trarão algum sacrifício e que, por isso mesmo, têm de ser fruto de um debate amplo e responsável. Mudanças profundas nos modais de transporte e na configuração das grandes cidades, investimento em transporte de massa e em tecnologia são planos possíveis.

Mas nada disso tem feito parte do debate público. Estamos presos a um longo dia da marmota, com políticos que repetem sempre as mesmas propostas inócuas, enquanto problemas cruciais se arrastam indefinidamente. Nada está tão ruim que não possa piorar, disse outro dia o presidente Bolsonaro. Vendo a forma como os dois principais candidatos à Presidência da República tratam questões vitais para o país, só é possível concordar.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/de-olho-em-2022-bolsonaro-e-lula-jogam-na-confusao-com-preco-de-combustiveis.html


Merval Pereira: Jair Bolsonaro, um governo ‘pato manco’

Acordo feito pelo presidente com o Centrão tirou-lhe o controle do Congresso

Merval Pereira / O Globo

O presidente Bolsonaro já não governa mais. Os vetos derrubados nos últimos dias o consolidam na posição de presidente mais derrotado pelo Congresso nos últimos 20 anos. Na questão dos preços da Petrobras para gasolina, óleo diesel e gás, Bolsonaro tenta há meses encontrar uma maneira de reduzir os aumentos constantes. E agora tem de enfrentar o general Silva e Luna, colocado por ele na presidência da estatal no lugar de Roberto Castello Branco justamente para estancar a alta dos preços.

O general interventor assumiu completamente a tese técnica da Petrobras e, apesar das reclamações de Bolsonaro, anunciou nos últimos dias mais aumentos, na mesma direção da diretoria anterior. A autonomia do Banco Central foi outra “derrota” do governo, embora tenha sido dele a proposta. O presidente Roberto Campos Neto, usando a liberdade que lhe deu a legislação, ficou mais à vontade para criticar a política econômica do governo. Como quando, recentemente, disse que se percebe “o aumento da incerteza do momento presente”, referindo-se à crise deflagrada pelo presidente nos atos de 7 de setembro.

O acordo feito pelo presidente Bolsonaro com o Centrão, se lhe trouxe a segurança de que os pedidos de impeachment continuarão na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira, também tirou-lhe o controle do Congresso, que passou integralmente para os partidos que formam a maioria. A base governista está disposta a superar a impopularidade crescente de Bolsonaro em ano eleitoral aprovando medidas que desarranjam o equilíbrio fiscal ou o jogo eleitoral. O valor e a abrangência do novo Bolsa Família deverão ser bem maiores do que o equilíbrio fiscal recomenda, mas os efeitos eleitorais serão grandes.

Não há ideologia predominante na derrubada de vetos, tanto quando os congressistas votam a seu favor, como no caso das federações partidárias que preservarão pequenos partidos diante da cláusula de barreiras, quanto no caso da Lei de Abuso de Autoridade, em que o Congresso recuperou medidas importantes que haviam sido cortadas pelo presidente, como “constranger presos a produzir provas contrárias a si mesmo” ou “negar acesso aos autos da investigação ou ao inquérito”.

Nos dois casos, houve ideologia por parte do presidente Bolsonaro, que vetou as federações “para derrotar os comunistas”, como explicou o deputado Eduardo Bolsonaro, e trechos da Lei de Abuso de Autoridade a pedido de policiais.

A indicação do “terrivelmente evangélico” André Mendonça para a vaga de Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) é outro exemplo de como Bolsonaro está enfraquecido no Congresso. Apenas um senador, Davi Alcolumbre, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, trava a sabatina há meses, fazendo campanha aberta contra o nomeado.

A tentativa é fazer com que Bolsonaro retire a indicação de Mendonça para escolher outro nome, do agrado de seu grupo político, como o procurador-geral da República, Augusto Aras — cuja sabatina Alcolumbre foi rápido em marcar —, ou o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, que, aliás, é evangélico. Ao afirmar, dias atrás, que nomearia outro evangélico se Mendonça fosse recusado, o presidente fortaleceu a esperança de que possa nomear Martins para a vaga, o que só reforçou a manobra de Alcolumbre.

Além das dificuldades normais da indicação, Martins tem uma que pode ser definitiva: teria de ser indicado e sabatinado até 7 de outubro, quando faz 65 anos, idade-limite para assumir o cargo. Alcolumbre, aliás, está sofrendo um desgaste pessoal grande por não ter nenhum motivo relevante para adiar a sabatina, apenas seu desejo pessoal.

A situação está tão confusa que um dos argumentos mais usados contra André Mendonça é que ele levará de volta ao plenário do Supremo a maioria de apoiadores da Operação Lava-Jato, pois teria boa relação com os procuradores de Curitiba. Bolsonaro, que é mais de falar que de trabalhar, tornou-se um “pato manco” em exercício, como se chama, em linguagem política, quem tem a expectativa cada vez menor de poder futuro.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/o-pato-manco.html