folha de s paulo bolsonaro

A SBPC defende o conhecimento e a democracia

Covid-19 mostra o quanto a pesquisa científica é essencial para a sociedade

Renato Janine Ribeiro, Fernanda Sobral e Paulo Artaxo
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Algumas décadas atrás, a diferença entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos estava em priorizarem os manufaturados ou o fornecimento de matérias-primas. Hoje, sem negar a importância da indústria, somou-se um componente essencial: o conhecimento.

Um produto vale mais se tiver conhecimento embutido, assim como é o conhecimento que nos oferece inúmeras soluções para nossa vida cotidiana. Por isso, a pesquisa científica é essencial ao que muitos chamam de “sociedade do conhecimento”. A economia, nesta sociedade, é focada na ciência e na inteligência.

Infelizmente, porém, o Brasil vive um momento difícil: o governo federal não dá o devido valor ao conhecimento científico nem à educação, à cultura, à saúde ou ao meio ambiente, que juntos compõem a principal base para o desenvolvimento econômico e social.

Em defesa desses pilares de uma “sociedade livre, justa e solidária” (como prescreve nossa Constituição Federal), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência tem travado uma luta sem descanso para resgatar um futuro digno de nosso país. A nova diretoria há de continuar esse combate, conduzido nos últimos anos pelo presidente Ildeu Moreira, que conclui seu mandato.

A Covid-19 mostra à perfeição o quanto a pesquisa científica é essencial na sociedade atual. Cem anos atrás, a gripe dita espanhola matou entre 3 e 5% dos seres humanos, isso embora as redes de comunicação fossem limitadas e o interior do Brasil —para dar um exemplo— tenha sido aparentemente pouco afetado. Na época, já se conheciam os efeitos dos micróbios, e algumas medidas de prevenção adotadas, como distanciamento, porte de máscaras e higienização das mãos, já prefiguravam as atuais.

Mas, comparando com a Covid-19, vê-se que, embora seja lamentável já terem morrido mais de 4 milhões de pessoas, esse percentual é de 0,05% da população mundial —um centésimo da proporção dos mortos pela gripe de 1918. A ciência salvou centenas de milhões de vidas. Merece ênfase, aliás, a integração entre as ciências —já que, se as ciências da saúde e biológicas estão na linha de frente dos diagnósticos e tratamentos, áreas como matemática, computação e estatística as apoiam com projeções, modelos e dados, enquanto ciências humanas e sociais oferecem contribuições no que se refere aos impactos sociais e econômicos e como minimizá-los.

A ciência poupa vidas. Ela também mostra como é falso opor saúde e economia. Tomemos a Amazônia, uma das maiores bibliotecas de biodiversidade que há no planeta. Muita riqueza veio de lá, a começar pelo látex —sem os pneus de borracha, dificilmente teríamos automóveis—, se aprofundando em produtos cada vez mais sofisticados.

Pesquisas de qualidade podem e devem mostrar a riqueza enorme que de lá dispomos e que não pode ser destruída sem alto prejuízo, não só para a saúde humana e planetária como também para a solução de problemas que as ciências podem administrar com elementos ainda por descobrir. Também muitas políticas sociais efetivas poderiam ser implementadas, pela ação governamental, a partir de subsídios provenientes do conhecimento científico.

Esse círculo virtuoso, que integra ciência, educação, cultura, saúde, meio ambiente, tecnologia e inclusão social, será o ponto principal de atuação da nova diretoria da SBPC. Isso também implica uma luta ingente pela democracia, o regime político que melhor promove a justiça social e o único que permitirá se realizarem os inúmeros talentos que hoje o Brasil desperdiça devido à nossa terrível desigualdade social —que nega aos pobres os meios de alcançarem suas potencialidades.

O Brasil precisa olhar para a frente, se tornar competitivo e aproveitar seus recursos humanos, construindo uma sociedade mais justa e sustentável.

Renato Janine Ribeiro
Professor titular de ética e filosofia política da USP, ex-ministro da Educação (governo Dilma, 2015) e autor de 'A Pátria Educadora em Colapso' (ed. Três Estrelas). É o novo presidente da SBPC

Fernanda Sobral
Nova vice-presidente da SBPC, é socióloga e professora aposentada da UnB

Paulo Artaxo
Novo vice-presidente da SBPC, é físico e professor titular do Instituto de Física da USP


Fonte:
Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/07/a-sbpc-defende-o-conhecimento-e-a-democracia.shtml


Bruno Boghossian: Principal alvo da CPI da Covid deve ser o negacionista-chefe

Comissão pode investigar atos com impressão digital de Bolsonaro na pandemia

No pedido de criação da CPI da Covid, senadores anunciaram a apuração de "ações e omissões do governo federal". O objeto formal da investigação não menciona nomes específicos, mas nem precisava. Parlamentares dizem que um dos propósitos centrais da comissão é expor os atos praticados diretamente por Jair Bolsonaro na pandemia.

O presidente é o negacionista-chefe da equipe que administra o morticínio, mas sua imagem permanece intacta para uma parcela da população. Ainda que a reprovação a seu trabalho tenha crescido, o esforço esdrúxulo de Bolsonaro para se desviar de responsabilidades foi suficiente para ajudá-lo a preservar o apoio de cerca de 30% de brasileiros.

A intenção de alguns dos senadores que devem participar da CPI é furar essa blindagem. Eles pretendem usar a comissão para identificar ações que estejam marcadas pela impressão digital do presidente e mostrar o impacto que elas tiveram sobre o mau desempenho do país na contenção do vírus e na vacinação.

Essa missão surgiu porque Bolsonaro é um profissional na arte de negar o que diz e se esquivar de suas obrigações. O presidente mobilizou as engrenagens de propaganda do governo para convencer a população de que nunca foi contra a vacina, embora tenha sabotado os esforços nessa direção. Além disso, inventou a tese falsa de que foi impedido pelo Supremo de fazer seu trabalho.

Na CPI, senadores querem exibir provas de que o próprio Bolsonaro trabalhou contra a compra de milhões de doses de imunizantes, desestimulou o uso de máscaras, fez uma campanha agressiva contra medidas de distanciamento e usou a máquina pública para produzir e recomendar a aplicação de medicamentos ineficazes contra a Covid-19.

O presidente reagiu mal à decisão de instalar a CPI. O senador Renan Calheiros (MDB) afirma que o presidente só deve se preocupar se tiver cometido erros: "Se Bolsonaro fez tudo certo, como diz, ele não precisa se sobressaltar. A CPI vai concluir ou não pela responsabilidade dele".


Vinicius Torres Freire: As ideais da entidade ‘os empresários’

Este jornalista ouviu seis empresários de negócios que estão entre os cem maiores do país

“Os empresários” e “os militares” reapareceram na conversa política como entidades ou caricaturas de um modo que não se ouvia fazia décadas (mas não “os trabalhadores”). A gente sabe pouco dessas abstrações genéricas. Para aumentar um pouco a confusão, este jornalista ouviu seis empresários de negócios que estão entre os cem maiores do país.

A amostra é enviesada. São todos do centro-sul, nenhum do relevante agronegócio. É gente que lê, parece a velha elite tucana e participa do debate público, mas pede reserva em conversas que envolvam Jair Bolsonaro. A seguir, depoimentos sobre a “articulação” de empresários para 2022.

“Tem um grande desgosto com essa forma totalitária de agir. O Bolsonaro não tem adversários, tem inimigos.”

“Os empresários têm receio do poder de qualquer governo [por isso evitariam a exposição política]. O principal instrumento de retaliação é a Receita, não importa se está tudo correto. E esse governo tem também as redes sociais para te difamar e ameaçar.”

“No meu círculo, a coisa chegou ao seguinte ponto: para alguns, ruim por ruim [Bolsonaro ou Lula], melhor o Lula.”

“Quem escolhe candidato é o sistema político. Mesmo quando empresa dava muito dinheiro para campanha, isso não tinha tanta relevância. Se tivesse, os tucanos não tinham perdido tanta eleição. Agora, sem dinheiro e com rede social, a influência é ainda menor.”

“Empresário não articula nada, isso não existe faz tempo. O Brasil é heterogêneo e não tem organização empresarial, como nos EUA. Nem lá eles têm poder de ungir candidato.”

“Tem uns que se engancham num candidato, todo o mundo sabe quem são. Não é movimento organizado. Acho que existe mais influência em ideias do que militância política. Mas nem apoio a ideias liberais tinha até o desastre da Dilma.”
“Empresa tenta influenciar quem se lançou, quem ganhou? Tenta. Mas isso é desorganizado. Faz lobby no Congresso.

Faz programa de governo? Existem só dois ou três diferentes, fora detalhes. Mas isso [programas] já está dado, no debate.”

“Vocês vêm perguntar [das preferências], mas é óbvio. Aí aparece na mídia, empresários isso, empresários aquilo. Mas o que isso muda [na eleição]? É óbvio que podem ter influência, de outro jeito. Dependendo de quem vai ganhar, alguém segura o investimento porque teme o futuro, dólar sobe, o dinheiro sai [do país]. Mas isso não é política. É cálculo racional.”

“O empresário responsável vai preferir alguém que preserve a estabilidade econômica, que dê um jeito no ambiente de negócios. Tem gente que olha o que pode ganhar pessoalmente com o governo, mas não são tantos. Nesse jantar do Bolsonaro tinha bolsonarista ou quem sempre está com qualquer governo, talvez até com o PSOL.”

“O empresariado votou em Bolsonaro? No final, votou mesmo contra o PT. A maioria queria o Alckmin. Mas não tem voto qualificado, o eleitorado como um todo faz a escolha. Entre as opções que sobraram, isso que você chama de elite fez a opção que parecia pragmática. Foi um erro, mas foi o que foi.”

“Há uma insatisfação geral com a incompetência generalizada, fora um ou outro, Agricultura, Infraestrutura. Decepção absoluta com o Guedes. Não o conhecia até a eleição. Quando vi aquele discurso megalomaníaco e irrealista dele, lá na posse, senti que não ia dar certo.”

“Lula é muito inteligente. Mas fala muita bobagem sobre economia e tenta agradar a qualquer plateia, empresário ou esquerda. Então, a gente não sabe o que ele vai fazer. Incerteza é ruim para o país. E o Lula envelheceu, teve a prisão, a doença. O tempo passa, e a gente não percebe que perdeu certas capacidades.”
“O que tem mais é conversa informal, para tirar a temperatura, participação em vários grupos de WhatsApp. A gente convida político para ouvir [não cita nenhum de esquerda], agora até general da reserva.”

“A maioria nos grupos de [conversa] de que faço parte pensa uma agenda institucional, também de preocupação com reforma tributária pelo lado social, com educação, com renda mínima, com o conflito político radicalizado. Mas ter uma economia de mercado funcional não vai impedir o Brasil de ser mais justo. Ao contrário.”

“Tem conversa, mas não tem pressão política nos partidos para escolher esse ou aquele. Em quase 40 anos de empresa, nunca vi. Os políticos vivem em outro mundo. É ilusão de certos empresários e de intelectual de esquerda ver influência por aí.”

“Acho que um grupo organizado e público de apoio a candidatura dificilmente vai ter. Se tiver, vira alvo. E vai parecer que o ‘capital está querendo mandar’ no Brasil.”