democracia

Quando se mobilizam retoricamente as paixões, sempre se coloca sob suspeição a civilidade e se constitui uma ameaça à democracia | Foto: Shutterstock

Revista online | Editorial: O problema e suas raízes

Editorial da revista Política Democrática online (53ª edição)

Assistimos todos, neste fim de março, ao retorno ao Brasil do candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2022. Foram quase três meses de ausência, passados na Flórida, estado norte-americano governado pelos Republicanos, que vem se constituindo em refúgio de próceres da extrema direita latino-americana.

O desembarque, projetado para ser um ato político expressivo em seu apoio, reuniu poucos partidários, frustrados pelas medidas de segurança tomadas pelas autoridades, que, ao proteger o viajante, impediram, simultaneamente, qualquer manifestação política dos presentes. Não houve discursos nem carreatas, apenas a dispersão dos presentes.

O evento foi, contudo, revelador da estratégia adotada pelo comando político da direita autoritária, após sua derrota nas urnas. Manifestações, marchas, motociatas e carreatas serão organizadas, o contraponto presencial necessário aos comandos de agitação permanente, lançados nas redes sociais. O propósito desses chamados, nas redes e nas ruas, é manter aceso o ânimo dos correligionários e simpatizantes, o apoio a seu líder e sua hostilidade profunda ao conjunto de inimigos imaginários que alimentam a adesão ao movimento: globalistas, comunistas, ambientalistas, ideologia de gênero, entre outros. Além de, claro, prosseguir nesse rumo até as eleições de 2024, momento em que um bom resultado eleitoral, ao menos similar ao conseguido nas eleições legislativas do ano passado, é esperado.

O chamado às ruas dificilmente terá respostas positivas, dado que as mobilizações presenciais chamadas pela extrema direita deveram, como sabemos agora, muito do seu sucesso relativo ao investimento pesado de recursos públicos. No entanto, trazer periodicamente um punhado de militantes às ruas pode ser o contraponto suficiente para a agitação permanente divulgada nos diversos grupos de partidários organizados nas redes sociais.

A estratégia pode ter sucesso, se considerarmos principalmente o percentual de eleitores convencidos pelas notícias falsas despejadas todos os dias, ao longo de mais de quatro anos, nas redes sociais. Pesquisa recente revelou, por exemplo, que quase metade dos eleitores considera a transformação do Brasil num país comunista uma possibilidade real, ao longo do atual governo.

Compete aos democratas de todos os matizes, socialistas, social-democratas, liberais e conservadores, trabalhar, de forma coordenada e permanente, contra a situação de desinformação que assola hoje parte importante do eleitorado. Repetir os argumentos em favor da ciência e da democracia, contra as teorias da conspiração, os diversos negacionismos, as soluções violentas e autoritárias de problemas políticos.

Dizer, sempre, que não há maquinações globalistas, mas problemas globais; que nas democracias a definição dos culpados de corrupção é monopólio da Justiça; que a mudança climática já é uma ameaça que pesa sobre todos; que não existe um perigo comunista que nos aflige; que ideologia de gênero é o nome de um fantasma criado há pouco tempo para assustar os cidadãos; que pobreza, desigualdade e exclusão social são os verdadeiros problemas deste país, cuja solução é premente e indispensável para todos nós; finalmente que racismo, sexismo e homofobia são também problemas reais, responsáveis por uma extensa gama de violências praticadas contra seus alvos, violências que chegam, em muitos casos, à morte das vítimas.

Esse é o debate de fundo, que deve ser travado por todos os democratas contra os temores que alimentam a adesão à extrema direita no país.

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Carnaval na Sapucaí, Rio de Janeiro | Foto: divulgação Riotur

Revista online | Carnaval da democracia

Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

No longínquo ano de 1919, ocorreu no Brasil o primeiro Carnaval após a pandemia da Gripe Espanhola, que, no ano anterior, havia vitimado milhares de pessoas. Pela euforia dominante nas ruas e salões do Rio de Janeiro da época, o Carnaval daquele ano foi considerado o “maior da história”.

Agora, 104 anos depois, em pleno 2023, após dois anos sem folia por conta de outra pandemia, a da covid-19, as ruas voltaram a ser de novo tomadas pelos foliões, ávidos por retomar seu lugar na festa popular. Desta vez, a comemoração foi dupla: além de tirar o atraso carnavalesco causado pelo confinamento, comemorou-se a virada de página política do país, com a derrota do capitão e de seu projeto protofascista. A musiquinha “tá na hora do Jair já ir embora” era cantada por grupos de foliões nas esquinas do Rio de Janeiro.

O Carnaval sempre foi uma manifestação de desafogo para os infortúnios da vida. Contra o cotidiano opressivo, a brincadeira, o escracho e o delírio se transformam em válvula de escape das cruezas do mundo. Nos quatro dias de folia, as ruas receberam o afeto que se encerra no peito juvenil da rapaziada: são abraços, beijos e risos que traduzem o encontro coletivo carregado de alegria.

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A Riotur, empresa que organiza o Carnaval carioca, estima que mais de 400 blocos, bandas e cordões fizeram a festa da galera em todas as regiões da cidade. Essa estimativa é somente para as agremiações oficiais – aquelas que receberam autorização do poder público para pôr o cortejo na rua.  Tem ainda um sem-número de blocos que saíram por conta própria, sem carro de som e trajeto definido.

Como amante do Carnaval, todos os anos saio às ruas, não apenas no Simpatia É Quase Amor, bloco do qual sou fundador. Por gosto e diversão, vou a vários desfiles e bailes populares nos quatro dias de folia.  Em todos os encontros de que participei este ano, oficiais ou não, pude constatar a felicidade estampada no rosto das pessoas. Um misto de alívio e ânimo novo para a vida recarregou as baterias dos foliões.  As fantasias criativas voltaram a ocupar com força as praças e ruas. A purpurina saiu do armário para cintilar nos corpos, o confete e a serpentina deram o ar de sua graça, os transportes públicos ficaram lotados de foliões.

O clima foi de descontração e convivência harmoniosa e até o assédio de playboys, que em outros carnavais incomodava as meninas, em particular, e a todos, em geral – por seu caráter violento, machista e muitas vezes misógino –, foi bem menor, o que ajudou a tornar a festa mais colorida e diversificada. Sem exageros, é possível dizer que a diversidade da comissão que subiu a rampa do Palácio do Planalto na posse de Lula, emocionando o Brasil, pareceu estar representada nas ruas em uma comunhão de alegria e vibração contagiante.

E não foi só o Carnaval de rua que brilhou. Os desfiles na Sapucaí foram excelentes, com uma boa safra de sambas e, principalmente, enredos com temáticas criativas e cada vez menos chapa branca, que buscaram histórias ligadas as raízes das suas comunidades, as temáticas da cultura popular ou até mesmo leituras críticas de datas oficiais, como foi o caso da Beija-Flor, que mostrou na avenida uma versão “ao avesso” do Bicentenário da Independência. A campeã Imperatriz Leopoldinense, com seu belo desfile em homenagem a Lampião, representou bem essa tendência. Aliás, basta olhar para as histórias contadas pelas escolas que voltaram ao Sambódromo no desfile das campeãs para constatar a variedade dos temas apresentados.

Não há dúvida de que o fato de termos nos livrado de um período de trevas, carregado de tristeza e de intolerância, fez a diferença neste Carnaval.  Não à toa, em muitos blocos, a folia deste ano foi chamada de “Carnaval da democracia”.

E que continue assim. O Carnaval, a maior manifestação cultural do país, combina com alegria, senso crítico, diversidade e afeto. Coisas que, nos últimos anos, estava em falta no Brasil.

Carnaval e democracia são sinônimos de uma festa onde o povo impera e dá as ordens.

Saia mais sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista e fundador do bloco Simpatia É Quase Amor

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Arte: João Rodrigues/FAP

Lilia Lustosa: “Cinema é importante aliado da democracia contra a extrema de direita”

Diversos filmes lançados recentemente têm refletido a importância da luta pela democracia contra o avanço do populismo de extrema direita no mundo. O longa alemão “Nada de Novo no Front” e “Argentina, 1985” são apenas alguns dos exemplos mais atuais. Porém, não é de hoje que o cinema ajuda a combater regimes autoritários.
Para analisar como a sétima arte tem ajudado a fortalecer a democracia ao longo da história, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desta semana bate um papo com a crítica de cinema Lilia Lustosa. Ela é formada em Publicidade, especialista em Marketing, mestre e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne, na França.

https://open.spotify.com/episode/6UU0KAPxRDGj1bQbJIr3DN

O Cinema Novo, importante movimento cinematográfico brasileiro, que ocorreu entre 1960 e 1970, e ficou marcado pela crítica às injustiças sociais e pela garantia dos direitos dos cidadãos é outro tema abordado no programa. No fim da conversa, Lilia Lustosa também deixa dicas de filmes que expõem a importância da democracia e a luta contra desigualdades. O episódio conta com áudio do documentário “Democracia em Vertigem”, do trailer do filme “Argentina, 1985” e do site do jornal Estadão.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, YoutubeGoogle PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP

https://open.spotify.com/playlist/3nQjkkNqmxf0AICw9cHIK8

Bolsonatistas radicais são vistos por meio de janela vandalizada do Palácio do Planalto | Foto: Adriano Machado/Reuters

Revista online | Uma crônica de dois golpes

Luiz Sérgio Henriques*, ensaísta, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro de 2021)

O imaginário das velhas revoluções consagrou o assalto direto aos palácios como a via privilegiada para o poder. Tais lugares supostamente materializavam o domínio das classes do passado, que deveria ser abatido num só golpe, à vista de todos, antes de neles se instalarem os novos senhores. Surpresos e desconcertados, vimos esta concepção de mudança, que hoje somos unânimes em considerar pobre e abstrata, sair do baú de ossos e ser posta em prática pela nova direita “revolucionária”, primeiro no Capitólio norte-americano, dois anos depois nas sedes dos poderes em Brasília. 

Em ambos os casos, um pesado rastro de destruição – e no Capitólio até mortes. Um ar de farsa rodeou imediatamente o primeiro episódio, com sua bizarra multidão de conspiracionistas reunidos em torno da fantasiosa ideia de uma eleição roubada ilegitimamente a Donald Trump. Tratou-se de algo insano e inédito, a saber, impedir a certificação dos votos do presidente Biden, chegando-se, para tanto, ao despropósito de ameaçar com a forca o vice-presidente republicano que presidia a cerimônia e, mesmo pertencendo ao partido de Trump, insistia em se manter “dentro das quatro linhas da Constituição”. 

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Por aqui, a farsa em dobro, sobrecarregada pelo cinismo adicional que a reencenação de um golpe de Estado exige. Bem verdade que há diferenças, uma vez que o desatino brasileiro amparou-se numa concepção “revolucionária” de tipo mais clássico. Criado o caos e a desordem, as classes possuidoras acorreriam em favor da vanguarda revoltosa. A instituição policial e militar como tal, e não só alguns setores desviados, marcharia em ordem unida para depor o governante recém-eleito. E a maioria silenciosa, enfim incendiada, se ergueria em torno de palavras de ordem de inequívoco sabor fascista, como a tríade “Deus, Pátria e Família”, a que os grandes farsantes agora acrescentam uma “liberdade” concebida como atributo do indivíduo desligado de obrigações e responsabilidades com sua sociedade.

O sociólogo Luiz Werneck Vianna tem apontado que na nossa História está presente um descompasso forte entre modernização e moderno. Em síntese sumária, a modernização aconteceu pelo alto, comandada com mão de ferro por regimes autoritários e mesmo ditatoriais, como o de 1937 ou o de 1964. Ao contrário, a modernidade a que aspiramos, para se afirmar de modo continuado, requer cisões e rupturas, muitas vezes imperceptíveis, com este caminho acidentado que teve início lá atrás, num tempo agrário e escravocrata. Sua meta, no entanto, é uma democracia em que se combinem liberdades formais e substantivas, representação e participação, direitos do indivíduo e da sociedade, tal como assinalado simbolicamente pela Carta de 1988. 

Mas o fato é que ainda hoje ressurge continuamente o hiato entre modernização e moderno. Há, por isso, disfunções e impulsos regressivos, sinais preocupantes de anomia e irracionalismo, como os que marcaram a ação das hordas de janeiro. Para os bárbaros, tudo é bárbaro. Vale esfaquear Di Cavalcanti ou quebrar o artesanato fino de Balthazar Martinot; desrespeitar as colunas de Oscar Niemeyer ou depredar os painéis de Athos Bulcão e Marianne Peretti. Vale ainda dessacralizar os lugares da nossa comum religião cívica, como as sedes dos poderes. Subindo a rampa do Congresso, certa vez Le Corbusier exclamou: “Aqui há invenção”. No dia fatídico, contudo, houve só destruição e destruidores.  

Confira, a seguir, galeria:

Foto: Adriano Machado/Terra
Foto: Jim Lo Scalzo/EPA
Foto: Sergio Lima/AFP
Foto: Leah Millis/Reuters
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Foto: John Minchillo/AP
Foto: Reprodução/Canal Ciências Criminais
Foto: Adriano Machado/Terra
Foto: Jim Lo Scalzo/EPA
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Foto: Adriano Machado/Terra
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Foto: John Minchillo/AP
Foto: Reprodução/Canal Ciências Criminais
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A democracia política e social é o moderno. Permite a livre movimentação de todos os atores, inclusive os seres ditos subalternos. Obriga todos os seus participantes a participarem de um jogo complexo, cujas regras – e o respeito a elas – são pelo menos tão importantes quanto os resultados que cada ator, individual ou coletivo, colhe em cada circunstância. Eleições ganham-se e perdem-se numa sucessão indefinida. A construção democrática, sempre inacabada, impõe uma ideia de mudança social que, sem negar a correlação de forças e a luta áspera por seu progressivo realinhamento, repele a aniquilação do adversário mediante a violência política. 

A democracia norte-americana, com todas as suas falhas e imperfeições, dura há mais de dois séculos e seus documentos originais, como ainda recentemente lembrou a historiadora Anne Applebaum, inspiraram a linguagem radical dos revolucionários de 1789 e de muitos outros lutadores anticoloniais. Simón Bolívar – outro exemplo lembrado por Applebaum – viu naquele País a concretização da “liberdade racional”. Em contraposição, nossos períodos de liberdade plena foram muito mais curtos, mas, sem falsa modéstia, nem por isso temos menos a oferecer ao mundo. Aqui também há originalidade, vocação para o moderno e um sentido de futuro que temos mantido, apesar de todas as quedas. 

Sobre o autor

*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Nas entrelinhas: Reeleição de Lira muda o foco político de Lula

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Os 513 deputados federais eleitos em outubro do ano passado tomarão posse no próximo dia 1º, em sessão marcada para as 10h, no Plenário Ulysses Guimarães. No mesmo dia, às 16h30, começa a sessão destinada à eleição do novo presidente e da Mesa Diretora para o biênio 2023/2024. Haverá troca de posições na composição (11 cargos), mas não na Presidência, pois é praticamente certa a recondução do deputado Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara.

Ele tem o apoio de 19 partidos, que somam 489 deputados. Em 2021, numa disputa com o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), foi eleito com 302 votos contra 145. No comando da Casa, consolidou seu poder quando o presidente Jair Bolsonaro, temendo um impeachment, decidiu entregar o Orçamento da União e a Casa Civil da Presidência ao PP. A abertura do processo de impeachment é um ato monocrático do presidente da Câmara e, quando isso ocorreu, virou um trem descarrilado nos governos Collor de Mello e Dilma Rousseff, que foram depostos constitucionalmente.

À época do acordo com o Centrão, o filho do presidente da República, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), estava acossado pelas investigações do escândalo das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e pelo envolvimento de um capitão da PM-RJ que fora seu assessor parlamentar no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol). Um vizinho miliciano de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, no Rio, foi apontado como um dos executores. O governo também já estava mal das pernas, com grande perda de popularidade. Ou seja, as coisas estavam do jeito que o Centrão gosta.

Apesar de aliado de Bolsonaro, cuja reeleição apoiou, Lira prontamente reconheceu a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na primeira reunião entre ambos, o petista sinalizou que não interferiria nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado. Foi uma declaração sensata e já esperada, mas a rapidez com que a bancada do PT decidiu apoiar a reeleição de Lira surpreendeu o próprio presidente da República.

A explicação veio na hora de cobrir o rombo no Orçamento de 2022, que Bolsonaro estourou durante a campanha eleitoral. Lira demonstrou pronto apoio à chamada PEC da Transição, que autorizava o governo a gastar aproximadamente R$ 170 bilhões fora do teto de gastos.

Lula poderia ter resolvido o problema da falta de recursos para o Bolsa família por medida provisória, no primeiro dia de governo, mas foi pressionado pela bancada do PT e os próprios aliados a apoiar a PEC e embutir no projeto o jabuti do pagamento das emendas parlamentares do chamado orçamento secreto de 2022, que não haviam sido executadas.

Petistas e aliados avaliaram que esse seria o primeiro passo para uma relação amigável com Lira, fundamental para a sustentação política do novo governo no Congresso. O Centrão é o fiel da balança da governabilidade de Lula. A recondução do deputado muda completamente o eixo político do governo, hoje focado na desmilitarização do Palácio do Planalto e dos ministérios, e na despolitização das Forças Armadas. O foco agora é o Congresso.

Guerra surda

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), também articula a reeleição de Lira. O PT terá a segunda maior bancada da Câmara, com 68 deputados. Com os partidos que compõem a Federação (PCdoB e PV), chega-se a 80 parlamentares, ficando atrás do PL, com 99, o partido de Bolsonaro.

Lira começou a agregar apoios em novembro de 2022. Além do PP e do PL, reuniu ainda o União Brasil, que terá a terceira maior bancada, Republicanos, Podemos, PSC e Mais Brasil (fusão PTB e Patriota), que formam o Centrão. PSD, MDB, PDT, PSDB, Cidadania, Solidariedade, Pros também aderiram. O PSol, na federação com a Rede, que soma 14 deputados, lançará a candidatura do deputado Chico Alencar (RJ), que está de volta à Câmara.

Há uma disputa surda por lugares na Mesa e nas Comissões, que são distribuídos de acordo com o tamanho das bancadas, mas podem ser disputados de forma avulsa. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), aliado de Bolsonaro e presidente da bancada evangélica, pleiteia a primeira vice-presidência da Câmara. O PT quer a deputada Maria do Rosário (RS) na cobiçada primeira-secretaria.

Outra disputa importante é pela vaga aberta pela aposentadoria da ministra Ana Arraes, no Tribunal de Contas da União (TCU), cargo indicado pela Câmara. A escolha será em 2 de fevereiro. Lira trabalha para garantir a eleição de Jhonatan de Jesus (Republicanos—RR), de 39 anos, que vem a ser o responsável pela indicação dos últimos três diretores do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) e há uma série de denúncias do senador Telmário Mota (Pros-RR) que o envolvem.

O órgão é investigado pela Polícia Federal por fraude na compra de remédios, deixando pelo menos 10 mil crianças indígenas sem medicamentos. Uma operação da PF, realizada em novembro, cumpriu 10 mandados de busca e apreensão no órgão ligado ao Ministério da Saúde. A crise dos ianomâmis virou uma dor de cabeça para Jhonatan, que sonha com os 36 anos que poderia passar no TCU.

Também disputam a vaga Soraya Santos (PL-RJ), Hugo Leal (PSD-RJ) e Fábio Ramalho (MDB-MG). A todos Lira já prometera apoio.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-reeleicao-de-lira-muda-o-foco-politico-de-lula/

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assumiu o cargo em cerimônia no Salão Nobre no Palácio do Planalto | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Revista online | A natureza pede democracia

Habib Jorge Fraxe Neto*, consultor do Senado, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição/janeiro de 2023)

A proteção e a conservação do meio ambiente vicejam melhor onde correm as águas da democracia, e o recente discurso de posse da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, indicou o curso dessas águas. Passados quatro anos desde que se iniciou o desmonte sistemático da governança ambiental, em 2019, a natureza – nós nela incluídos – respirou aliviada, como as seculares árvores amazônicas respiraram aliviadas quando dos empates vitoriosos de Chico Mendes e outros seringueiros. Desde então, o mundo mudou muito. Se naquele tempo eles se perfilavam no interior do Acre em torno das árvores para impedir seu corte, hoje se colocam contra o desmatamento de nossas florestas atores do porte da comunidade europeia e das empresas globais de seguros. O governo anterior não entendeu essa mudança.

Nos últimos quatro anos, nosso Sistema Nacional do Meio Ambiente foi colocado à prova, e quem acompanhou a passagem da boiada sabe que a precarização da governança ambiental foi tramada entre quatro paredes e de modo a ruir suas bases, convertendo o país de líder em pária da questão ambiental. Nada mais contrário à democracia, que exige a participação da sociedade civil, da ciência e do máximo de atores dedicados à causa do meio ambiente, dada a complexidade das soluções necessárias. 

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O novo governo entendeu a gravidade do que foi executado. Estávamos indo na contramão da racionalidade científica e socioeconômica, e nossas políticas ambientais haviam sido colocadas a serviço do crime organizado, sobretudo na Amazônia Legal. As medidas até aqui anunciadas alinham-se com as mais modernas práticas em políticas públicas. E os tempos são outros, passados 20 anos desde o início do primeiro governo Lula, também com Marina na pasta ambiental. 

Hoje até os então mais céticos concordam que a mudança do clima precisa ser enfrentada. Os mercados pressionam cada vez mais nesse sentido, considerando os imensos custos arcados pelas seguradoras globais (grandes conglomerados financeiros) devido a acidentes naturais associados a eventos climáticos extremos. Em nosso caso, cerca de dois terços das emissões de gases de efeito estufa associam-se ao desmatamento da vegetação nativa e a atividades agropecuárias. Absolutamente irracional foi descartar, como fez o governo derrotado, planos efetivos de combate ao desmatamento.

Marina e sua equipe precisarão reconstruir as políticas de controle do desmate, a exemplo do que fizeram de 2004 a 2012, quando as taxas de corte raso da Floresta Amazônica diminuíram 83%. O novo governo precisa ainda viabilizar, em especial na Amazônia, modelos socioeconômicos para a geração de renda que não dependam de atividades ilegais. A operação do Fundo Amazônia (que foi retomada no primeiro dia do novo governo, após quatro longos anos de paralisação) poderá contribuir de forma significativa para isso via pagamentos, inclusive internacionais, por resultados de desmatamento evitado. 

Técnicas de agricultura de baixo carbono constituem outro pilar das políticas ambientais e, nesse campo, há imenso potencial para diminuir a vulnerabilidade dos sistemas agrícolas e, ao mesmo tempo, aumentar a renda dos produtores rurais. A transversalidade ministerial anunciada na posse da ministra Marina será fundamental para conciliar a dicotomia, equivocada em nosso entender, que classifica o setor rural como inimigo do meio ambiente. Um dos grandes gargalos é a precariedade nos incentivos, na produção de tecnologias e na assistência técnica para que o setor agrícola adote técnicas menos emissoras em carbono, que têm vantagem econômica e ambiental quando comparadas às da agricultura convencional. 

Confira, a seguir, galeria:

Reprodução: Canal Agro Estadão
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Wenderson Araújo/CNA_Trilux
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Boris Baldinger/World Economic Forum
Reprodução: Canal Agro Estadão
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Wenderson Araújo/CNA_Trilux
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
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Foto: Boris Baldinger/World Economic Forum
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Reprodução: Canal Agro Estadão
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Wenderson Araújo/CNA_Trilux
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Boris Baldinger/World Economic Forum
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Os desafios são imensos, diante do papel brasileiro de ser e continuar sendo uma potência ambiental, pela sua imensa riqueza natural, pela matriz energética forte em renováveis e, em especial, pelo gradual fortalecimento das instituições e movimentos sociais dedicados à proteção da natureza que se observou até 2018. E, ainda que o governo anterior tenha se dedicado ao desmonte, a sociedade civil e os servidores públicos da área ambiental fortaleceram resistências que agora serão de grande valor. 

A reconstrução da governança ambiental é um grande desafio e exige o apoio de toda a sociedade. Além dos temas aqui apontados, há muitos outros de relevância social e econômica, como políticas de saneamento básico. Diversas pesquisas recentes apontam que, mesmo em uma sociedade ideologicamente dividida como a nossa, cerca de 80% dos brasileiros consideram a proteção ambiental uma prioridade. Poder público e setores econômicos devem nortear suas ações nesse rumo para assim fortalecer nossa democracia. A natureza agradece. 

Sobre o autor

* Habib Jorge Fraxe Neto é consultor legislativo do Senado Federal, na área de meio ambiente. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Foto: Gabriela Bila/Folhapress

Revista online | No ataque à democracia, cultura também é alvo da fúria bolsonarista

Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)

O dia 8 de janeiro se prenunciava um domingo tranquilo, o primeiro depois da emocionante, e carregada de simbolismo, posse de Lula. No entanto, pouco antes das 15 horas, uma horda de militantes de extrema direita, que havia saído do acampamento em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília, invadiu a Praça do Três Poderes e promoveu a mais perigosa e explícita tentativa de tomada do poder fora do marco constitucional estabelecido pela Constituição de 1988

As palavras de ordens proferidas, a não aceitação do resultado da eleição, o pedido de estabelecimento de um governo militar-fascista, deixavam claras as intenções dos mais de 4.000 golpistas que se dirigiam ao coração da República, dispostos a vandalizar e quebrar tudo ao seu alcance. 

Estava óbvio, conforme as imagens de TV eram transmitidas para o mundo inteiro, que o objetivo era criar o caos e gerar o terror. Não era, nunca foi, uma manifestação com intenções políticas pacíficas, como algumas lideranças da direita tentaram caracterizar o quebra-quebra instaurado nos prédios – e em seu entorno – que foram alvos dos ataques que os vandalizaram. 

As invasões e depredações tinham alvos muito bem definidos. Não à toa, os prédios visados abrigam as sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa separação entre os poderes, cada qual com suas atribuições, é a base da doutrina constitucional liberal na qual se assentam, hoje em dia, as nações do mundo Ocidental, inspirada na obra o Espírito das Leis (1748), de Montesquieu (1689-1755) e adotada pela primeira vez na Revolução Francesa (1789-99), que marcou o fim do Absolutismo na França.

As cenas registradas pelas emissoras de TV, pelas câmeras dos profissionais de imprensa (muitos foram agredidos e tiveram os equipamentos roubados), nos circuitos internos de segurança dos prédios invadidos e até pelos próprios manifestantes são lamentáveis.

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Chamou a atenção, no rescaldo dos escombros, a depredação de obras de arte expostas nesses palácios. Quase nenhuma passou incólume pela cólera dos invasores. A cena de um bárbaro jogando ao chão um relógio de Balthazar Martino, do Século XVII, trazido ao Brasil em 1808 por Dom João VI, é estarrecedora. 

Outro invasor, em fúria, fez sete rasgos na tela As Mulatas (1962), de Di Cavalcanti (1897-1976), principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto. A tela retrata bem a produção de Di Cavalcanti e traz em sua composição tema recorrente do grande pintor e desenhista, que tem a obra marcada por retratar personagens e figuras icônicas do povo brasileiro.

A escultura de Frans Krajcberg (1921-2017) Galhos e sombras também foi quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira oriundos de queimadas, colhidos na Mata Atlântica, no Sul da Bahia. Outra escultura, O Flautista, de Bruno Giorgi (1905-1993), foi destruída.

Na Câmara dos Deputados, o alvo foi a linda estátua de Victor Brecheret (1894-1955), A Bailarina, produzida nos anos de 1920, que foi arrancada de seu pedestal.

No STF, vandalizaram o famoso monumento de Alfredo Ceschiatti (1918-1989), localizado em frente ao prédio do Poder Judiciário e que, ao longo do tempo, se transformou em um dos emblemas mais conhecidos de Brasília, por representar a imparcialidade da Justiça.

Não chega a ser surpresa a destruição de símbolos da cultura brasileira pela manada bolsonarista. Durante os quatro anos de seu nefasto reinado, o que imperou na área da cultura foi a tentativa de aniquilamento total do setor. A começar pelo chefe supremo da tropa, que acabou com o Ministério da Cultura (MinC), transformando-o em um apêndice inútil do Ministério do Turismo. 

O secretário de Cultura de Bolsonaro no início de 2020, Roberto Alvim, personificou o modo de agir da extrema direita. Em vídeo nas redes sociais, imitou Goebbles, o ministro da Propaganda de Hitler, a quem é atribuída a célebre frase: “Quando ouço falar em cultura, saco o meu revólver”. Acabou demitido, por pressão da opinião pública. 

Confira, a seguir, galeria:

Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército |  Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal  | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência BrasilManifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasi
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército | Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendeiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
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Atos pró - Bolsonaro levam apoiadores a diversas cidades do país | Foto: Agência Brasi
Bolsonaristas rezam de mãos dadas em manifestação no QG do exército |  Foto: Agência Brasil
Avenida em frente a casa de Bolsonaro é fechada para o trânsito | Foto: Agência Brasil
Bolsonaristas tentam invadir sede da polícia federal  | Foto: Metrópoles
Manifestantes incendeiam ônibus e carros em protesto contra a prisão de um indígena bolsonarista | Foto: BBC News Brasil
Acampamento de bolsonaristas no QG do Exército | Foto: Agência Brasil
Manifestações a favor e contra Bolsonaro são registradas em Brasília | Agência Brasil
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Modernismo e nazismo jamais se bicaram. Basta se lembrar da exposição Arte Degenerada (Entartete Kunst), promovida pelo regime nazista, em 1937. A exposição reuniu obras modernistas dos acervos de museus alemães e marcou o ápice da campanha do regime nazista contra a arte moderna, considerada artisticamente indesejável e moralmente prejudicial. 

Não é mera coincidência, portanto, que a maioria das obras avariadas no putsch da extrema direita seja de artistas que participaram do modernismo brasileiro, em todas as suas formas de expressão, presentes nos prédios dos Três Poderes, a começar pela arquitetura, imortalizada no traço de Oscar Niemeyer, que sempre chamou artistas contemporâneos para compartilhar os espaços públicos com obras de suas lavras. Athos Bulcão, parceiro constante de Niemeyer, foi outro que teve obras vandalizadas. Esse atentado é também uma agressão à cultura brasileira.  Tudo presente naqueles prédios públicos pertence ao povo brasileiro. 

Que todos os envolvidos, no rigor da lei, sejam punidos, sem exceções. Os bagrinhos, os financiadores, os incentivadores e ideólogos da invasão. Civis, ricos ou pobres. Militares, de alta ou baixa patente. 

A democracia sairá fortalecida. É o que espera o povo brasileiro.

Sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Livro Longa Jornada até a Democracia, de Carlos Marchi | Foto: Cleomar Almeida/FAP

Carlos Marchi lança livro Longa Jornada até a Democracia, no Rio

Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP

Escrito pelo jornalista e escritos Carlos Marchi, o livro Longa Jornada até a Democracia (476 páginas), primeiro de dois volumes que abordam os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), será lançado nesta quinta-feira (26/01), a partir das 19 horas, durante evento presencial no Bar e Restaurante R. Farme de Amoedo, 51 - Ipanema, Rio de Janeiro. Os leitores poderão terão seus exemplares autografados no local pelo autor da obra, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).

O livro teve seu segundo lançamento presencial em Brasília (20/12). O primeiro foi realizado em São Paulo, no último dia 12 de dezembro, também com a presença do autor e de dezenas de convidados. Interessados em adquirir seu exemplar podem enviar solicitação diretamente para o e-mail da FAP (fundacaoastrojildo@gmail.com) ou ligar para 61 3011-9300.

A obra registra o legado do partido, que, com erros e acertos registrados em livros de história, ainda permanece como um dos principais atores da luta pela democracia brasileira. O autor começa em 1922 e se detém ao período que segue até a década de 1960, a qual define a característica mais própria e delineada com que o Partidão entrou na memória coletiva.

Veja o vídeo do lançamento no Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 2023.



O livro relata a história do partido que se revelou dono de uma visão estratégica que intuía, ainda que muitas vezes no quadro conceitual do “marxismo-leninismo”, a natureza “ocidental” da formação social brasileira. Por isso, rejeitava com muita consistência o caminho das revoluções do século XIX.

Este tipo de revolução, replicado em 1917 e mesmo depois em países periféricos, também não deixou de arregimentar muita gente idealista, mas, é forçoso admitir, tratou em geral de ideais redentores de pouca ou nenhuma viabilidade prática. É o que observa o prefaciador da obra, o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques.

Confira, a seguir, galeria de fotos do lançamento em São Paulo:

Escritor Carlos Marchi autografando obra para leitor
A obra Longa Jornada até a Democracia foi editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Sessão de autógrafos em São Paulo
Evento foi presencial, no São Cristóvão Bar e Restaurante, na Vila Madalena
A obra relata a história do Partido Comunista Brasileiro
Livro foi lançado segunda - feira (12/12)
 Longa Jornada até a Democracia é o primeiro de dois volumes que abordam os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Sessão de autógrafos permitiu que muitos leitores conhecessem o grande escritor e jornalista Carlos Marchi
Escritor Carlos Marchi autografando obra para leitor
A obra Longa Jornada até a Democracia foi editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Sessão de autógrafos em São Paulo
Evento foi presencial, no São Cristóvão Bar e Restaurante, na Vila Madalena
A obra relata a história do Partido Comunista Brasileiro
Livro foi lançado segunda - feira (12/12)
Longa Jornada até a Democracia é o primeiro de dois volumes que abordam os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Sessão de autógrafos permitiu que muitos leitores conhecessem o grande escritor e jornalista Carlos Marchi
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Escritor Carlos Marchi autografando obra para leitor
A obra Longa Jornada até a Democracia foi editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Sessão de autógrafos em São Paulo
Evento foi presencial, no São Cristóvão Bar e Restaurante, na Vila Madalena
A obra relata a história do Partido Comunista Brasileiro
Livro foi lançado segunda - feira (12/12)
 Longa Jornada até a Democracia é o primeiro de dois volumes que abordam os 100 anos do Partido Comunista Brasileiro
Sessão de autógrafos permitiu que muitos leitores conhecessem o grande escritor e jornalista Carlos Marchi
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Ligado à revolução desde o seu nascimento, o PCB respondia ao mesmo tempo às necessidades da própria modernização capitalista, como expressão da entrada de uma nova subjetividade de classe na arena política, que se reformulava com a corrosão irreversível da República Velha e a ampla rearrumação promovida com a Revolução de 1930. Um ator moderno, com forte motivação endógena.

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Com o passar dos anos, o Partidão passou a ser o portador explícito de uma determinada visão de mundo, baseada na centralidade da classe operária e num marxismo, a bem dizer, precariamente assimilado, assim como de um nexo entre nacional e internacional, que, explorações propagandísticas à parte, caracteriza todo moderno grupo político.

 “Fazer como na Rússia”, portanto, não significava obedecer às ordens de Moscou, ou de lá receber o “ouro” para promover a subversão, mas reivindicar pela primeira vez, de modo coerente, o protagonismo de um decisivo agrupamento subalterno nas lutas políticas e sociais do país. E de um agrupamento que não estava sozinho no mundo, mas, sim, inserido numa rede típica da modernidade do século XX.

A centralidade da classe operária seria igualmente a fonte de um novo paradoxo, que salta logo à vista entre as diferentes vicissitudes descritas no livro. Antes de mais nada, a classe operária de que falavam os pais fundadores do PCB – em primeiro lugar, os dois dirigentes mais marcantes, Astrojildo Pereira e Octávio Brandão, este último não presente no ato niteroiense de fundação – vinha à luz num contexto de capitalismo autoritário e numa economia cuja industrialização.

A rigor, se faria “por cima”, pelas mãos do Estado, sem contemplar a democratização da propriedade rural e a plena liberdade de organização de sindicatos urbanos e partidos de esquerda.

Serviço

Lançamento do livro Longa Jornada até a Democracia

Data: 26/01 (próxima quinta-feira)

Horário: a partir das 19h

Onde: Bar e Restaurante R. Farme de Amoedo, 51 - Ipanema, Rio de Janeiro

Realização: FAP e Carlos Marchi


Nas entrelinhas: Vandalismo isolou extrema direita, mas sociedade segue polarizada

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

Os atos de vandalismo ocorridos em 8 de janeiro isolaram a extrema direita, porém, a sociedade continua polarizada. A pronta resposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra os sediciosos e a dura reação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes contiveram a escalada golpista. A pesquisa divulgada ontem pelo Ipec mostra que 54% dos brasileiros confiam no petista. Por outro lado, 41% disseram que não confiam e 4% não responderam ou não opinaram.

A maior parte dos que confiam no presidente são homens (59%), com mais de 60 anos (63%), que possuem escolaridade até o ensino fundamental (65%) e que moram na região Nordeste (77%). O índice dos que não confiam é maior entre as mulheres (45%). Elas são jovens de 25 a 34 anos (46%), com ensino superior (49%) e moradoras da região Sul (53%). O dado mais positivo foi o fato de que 55% dos entrevistados acreditam que o governo Lula será bom ou ótimo. Já para 21% será ruim ou péssimo. Os que consideram que a gestão será regular são 18%. Essa expectativa não pode ser frustrada.

Será um erro confundir o isolamento da extrema-direita com o de Jair Bolsonaro (PL). Nas redes sociais, permanece o dispositivo montado para manipular a opinião pública e coordenar as ações bolsonaristas, apesar de todas as medidas tomadas até agora contra os propagadores de fake news e financiadores do que houve no domingo. As narrativas construídas nas redes bolsonaristas atribuem a depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF à ação de provocadores, desvinculando-as de Bolsonaro, que foi para Miami exatamente para que isso fosse possível. Insistem na tese da fraude eleitoral.

Entretanto, o presidente Lula saiu fortalecido, as instituições também. Duas variáveis foram decisivas para demover o ex-presidente Jair Bolsonaro de assinar o tal decreto de “estado de emergência” contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A primeira, foi a ostensiva atuação dos presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron, contra qualquer tentativa de golpe. Os militares brasileiros são sensíveis a esse posicionamento, porque são estudiosos da geopolítica e sabem que o governo Bolsonaro se tornara uma ameaça para o mundo, por causa da questão do desmatamento da Amazônia e da aproximação de Bolsonaro com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. A segunda, a união dos Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – em repúdio ao vandalismo e defesa da democracia.

Do ponto de vista da sua legitimidade, o governo Lula está blindado. Entretanto, a governança e a governabilidade são ainda um dever de casa. A primeira depende da competência dos ministros, de suas iniciativas num cenário de escassez de recursos, que exige criatividade e ações de alto impacto e baixo custo. Os titulares das diferentes pastas, principalmente as recém-criadas, ainda estão arrumando as gavetas; aguardam a demissão dos integrantes da equipe de Bolsonaro, inclusive de 8 mil militares em cargos comissionados, prevista para o próximo dia 24 de janeiro, para organizar suas equipes.

Terceira via

É aí que a questão da governabilidade passará pelo primeiro teste, porque uma parte desse pessoal é ligada aos generais que garantiram a posse de Lula, outra, aos partidos que estiveram com Bolsonaro e agora se dispõem a dar sustentação a Lula no Congresso. A reeleição dos atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), são favas contadas, mas o sistema de alianças que se estabelecerá como hegemônico nas duas Casas tende a ser mais conservador. Pelo andar da carruagem, Pacheco será um aliado de Lula; Lira, um adversário ladino e perigoso. O prestígio de Lula na opinião pública terá um peso igual ou superior à capacidade de cooptação da administração federal, que como se sabe é muito grande.

Não se deve invocar o nome do povo em vão. A pesquisa IPEC mostrou que a desconfiança em relação ao governo Lula está na faixa de 41% dos eleitores. Bolsonaro teve 49,1% dos votos no segundo turno. Lula venceu com 50,9%, uma margem muito estreita. Esses números mostram a resiliência dos opositores do petista e são uma tentação para os que acham, equivocadamente, que Bolsonaro é um cachorro morto.

Por exemplo, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que assume o comando do PSDB com o firme propósito de ampliar a federação com Cidadania em direção ao eleitorado bolsonarista. O novo parceiro seria o Podemos, que incorporou ao PSC. Isso lhe garantiria uma bancada de 40 deputados na Câmara, que poderia dar muito trabalho ao governo Lula e garantir sustentação à sua candidatura.

O projeto de Leite é açodado, mas vai ao encontro de setores da opinião pública, agentes econômicos e líderes políticos frustrados pelo fato de que Marina Silva (Rede), ministra do Meio Ambiente, Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e Simone Tebet (MDB), ministra do Planejamento, estão no governo e dão a ele um caráter de ampla coalizão democrática. Os órfãos da terceira via estão em busca de um candidato para chamar de seu. Não combinaram com Bolsonaro, cuja resiliência eleitoral é maior do que alguns imaginam. Por razões políticas e até antropológicas, sua liderança carismática e reacionária continua enraizadas na sociedade.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-vandalismo-isolou-extrema-direita-mas-sociedade-segue-polarizada/

Ato político-cultural terá caráter lúdico, com apresentações culturais, na manhã de domingo (15) - Foto: Sarah Benedita

Ato em defesa da democracia será realizado em Brasília neste domingo

Brasil de Fato*

Movimentos populares organizados em torno das frentes Brasil Popular (FBP) e Povo Sem Medo (FPSM) realizam neste domingo (15), em Brasília, um ato político-cultural em defesa da democracia e contra a tentativa de desestabilização institucional em curso no país.

O ato também servirá para denunciar a omissão do governador afastado Ibaneis Rocha (MDB) em relação aos atos golpistas que depredaram os prédios da República no último domingo (8). A manifestação está marcada para ocorrer na altura da Quadra 108 Sul, no Eixão, via que fica fechada aos carros no domingo e aberta à população. A ideia é que seja um ato lúdico e inicia a partir de 9 horas. 

"Esse ato será em defesa da democracia, contra as tentativas de golpe e violação ao Estado Democrático de Direito. Vai ser um ato cultural, com música e apresentações artísticas", explica Marco Baratto, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Distrito Federal (MST-DF) e integrante da FBP.

Segundo Baratto, o novo ato se soma à manifestação já realizada na última segunda-feira (9), por exemplo, um dia após os atos antidemocráticos, quando manifestantes foram ao Palácio do Buriti, sede do governo distrital, pedir a cassação de Ibaneis. A tendência é que novas manifestações ocorram, que podem ser impulsionadas com o andamento das investigações.

"A ideia é fazer constantemente atos que reafirmem a defesa democracia, que dê sustentáculo à democracia, que está e seguirá sob ameaça nos próximos anos", acrescenta. 

Apesar da forte reação institucional aos atos golpistas, que envolveu Judiciário, Poder Legislativo, governo federal, além dos governadores estaduais, o dirigente do MST-DF argumenta que é preciso ter resistência popular para impedir novas tentativas de golpe. 

:: Documento encontrado na casa de Anderson Torres revela plano para mudar resultado da eleição ::

"Não dá pra confiar apenas na institucionalidade, o povo organizado na rua deve resistir aos intentos golpistas", diz. Outra ideia das frentes populares é expandir os atos para outras regiões, além do centro da cidade. "Precisamos estrutura, a partir dos comitês populares, um trabalho mais organizado, que envolve formação política, de consciência da população", aponta Marco Baratto.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Nas entrelinhas: Lula assume o comando das Forças Armadas

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

Somente ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, de fato, o comando supremo das Forças Armadas, após uma transição difícil, com gestos de descortesia em relação ao presidente da República eleito e ao seu ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, por parte de ex-comandantes — que culminaram com o não comparecimento do almirante de esquadra Almir Garnier Santos, ex-chefe da Marinha, à solenidade de troca de comando, na qual deveria passar o timão para Marcos Sampaio Olsen.

Em entrevista aos jornalistas credenciados no Palácio do Planalto, Lula afirmou que as Forças Armadas não são o “poder moderador como pensam que são”, numa alusão à ideia-força que ainda predomina entre os militares, que são o povo brasileiro em armas e tutores das instituições republicanas. Essa é uma velha doutrina, responsável por sucessivas intervenções militares e golpes de Estado, como o da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, e o golpe cívico-militar de 1964, que destituiu o presidente João Goulart e nos levou a 20 anos de regime autoritário.

Lula reiterou que o papel dos militares, definido na Constituição, “é a defesa do povo brasileiro e da nossa soberania contra possíveis inimigos externos”. Também defendeu Múcio, que vem sendo muito criticado por ter defendido a tolerância com os acampamentos à porta dos quartéis, principalmente o do QG Exército, que serviu de estado-maior para o assalto ao Palácio do Planalto, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF), no domingo passado.

“Quem coloca ministro e tira ministro é o presidente da República. O José Múcio fui eu quem trouxe para cá. Ele vai continuar sendo meu ministro porque confio nele, relação histórica. Tenho o mais profundo respeito por ele. Ele vai continuar”, afirmou o presidente, num dia em que a reação ao atentado golpista prosseguiu com toda a força contra os envolvidos, inclusive o ex-ministro da Justiça e Segurança Públicas, Anderson Torres, cuja prisão está decretada.

Até agora, Lula não havia se pronunciado publicamente sobre o papel das Forças Armadas, consciente da influência do ex-presidente Jair Bolsonaro junto aos militares. Vinha mantendo um relacionamento efetivo com os novos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, mas não esperava o que ocorreu no domingo, quando todos os dispositivos de segurança dos Poderes falharam, inclusive a Guarda Presidencial. Houve um colapso das cadeias de comando, que precisa ser investigado para que os responsáveis sejam punidos e não ocorra novamente.

Haiti não é aqui

Lula tem consciência de que existe uma questão militar em aberto. O Congresso nunca debateu profundamente o novo papel das Forças Armadas, a partir da Constituição de 1988. Numa ordem democrática, essa definição não cabe aos militares de forma autárquica — deve ser debatida amplamente para que se tenha um consenso na sociedade. Isso até hoje não aconteceu, 37 anos após a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. De certa forma, os governos Lula e Dilma contribuíram para que essa relação se tornasse litigiosa.

Lula, involuntariamente, ao atribuir missões de ordem prática às Forças Armadas que fossem atreladas à projeção do Brasil na cena internacional como potência regional, inclusive com a formação de um novo complexo militar-industrial, cuja maior expressão é o projeto do submarino nuclear. Entretanto, sem elaborar e consolidar entre os militares e na sociedade uma nova doutrina de defesa, na qual não exista um “inimigo interno” a ser combatido.

De certa forma, as missões de pacificação em guerras civis sobre a bandeira da ONU, particularmente no Haiti, onde se formou uma espécie de “irmandade”, e as sucessivas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) durante as crises de segurança pública, ressignificaram a mentalidade salvacionista-institucional que predominou nas Forças Armadas desde a Proclamação da República.

O ponto de inflexão, porém, foi o governo Dilma Rousseff. Ex-guerrilheira torturada, a presidente da República não escondia seus ressentimentos em relação aos militares e nem de longe manteve a cordialidade com que Lula os tratava. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi a gota d’água. Oficialmente instalada em 16 de maio de 2012, para investigar crimes, como mortes e desaparecimentos, cometidos por agentes representantes do Estado no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, revolveu o passado. O escrache dos militares envolvidos com a tortura e os assassinatos nos quarteis despertou solidariedade da caserna e a velha narrativa do inimigo interno, comunista, subversivo e covarde.

O objetivo não era punir e nem indiciar criminalmente qualquer um que tenha violado os direitos humanos nessa época, mas amenizar a dor dos familiares de envolvidos, prestar esclarecimentos à população e elaborar documentos para estudo histórico-social. Entretanto, tornou-se um instrumento de ajuste de contas moral com os militares. O troco veio com a Operação Lava-Jato, que atingiu em cheio a elite política do país, e o impeachment de Dilma, que abriram caminho para a prisão de Lula e a eleição de Jair Bolsonaro.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-assume-o-comando-das-forcas-armadas/

Nas Entrelinhas: O ministro boa praça e os generais legalistas

Luiz Carlos Azedo*/Correio Braziliense

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, é um político escolado e sagaz, capaz de conduzir negociações delicadas e manter o diálogo positivo em momentos de estresse, graças à sua fleuma de saquarema pernambucano. É conservador, experiente nas negociações com o Congresso e no relacionamento com a alta burocracia da República.

Boa praça, desconhece um inimigo figadal na política. Desde que assumiu, seu espírito conciliador com os bolsonaristas, inclusive com o ex-presidente Jair Bolsonaro, sofre o “fogo amigo” do PT, acirrado ainda mais por causa da avaliação equivocada de que os acampamentos à porta dos quartéis se dissolveriam espontaneamente.

Há no governo e fora dele os que desejam um ministro durão, para “enquadrar” as Forças Armadas, como se isso fosse possível numa canetada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, não pensa dessa forma e o mantém no cargo, apesar do desgaste que Múcio sofreu por causa da invasão do Palácio do Planalto. A sede do governo deveria ter sido defendida pelo Batalhão de Guarda Presidencial, criado há 200 anos com essa finalidade, mas não foi o que aconteceu. Houve conivência dos militares.

Entretanto, o Exército sai mais desgastado do episódio do que o ministro da Defesa. Se compararmos com a situação anterior, noves fora o que houve no domingo, restabelecer o caráter civil do Ministério da Defesa e do próprio governo é um grande avanço.

Um balanço do que houve no domingo mostra, também, que o vandalismo bolsonarista resultou no fortalecimento de Lula, no alinhamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em defesa da democracia, e no repúdio aos golpistas de quase toda a sociedade civil. Mas há um grande ponto de interrogação: as Forças Armadas foram capturadas por Bolsonaro e seu projeto antidemocrático?

Aparentemente, não, apesar da antipatia dos militares em relação a Lula e do apoio majoritário ao projeto de reeleição de Bolsonaro. Prevaleceu a autoridade dos generais legalistas. Entretanto, o compromisso com a hierarquia e a disciplina foi mantido à custa da conivência dos militares com os protestos contra o resultado da eleição e do imobilismo diante do que ocorreu domingo.

Professor de História Moderna e Contemporânea da IFCS/UFRJ e de Teoria Política do CPDA/UFRRJ, o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, num artigo publicado na revista Brasil de Fato, em janeiro de 2020, chamava a atenção para o aspecto de que os militares, mais de 30 anos após o fim do regime militar, “representam uma memória reconstruída pela direita nacional, cristã e dita patriótica, como repositório salvacionista-institucional” contra os movimentos populares e a esquerda, rotulados de comunistas e bolivarianos. Além disso, a expectativa “salvacionista” em torno dos militares transbordara para amplos setores da sociedade e grupos políticos.

Morrer na praia

“Trata-se, sem dúvida, de uma herança cesarista, com raízes em movimentos como o tenentismo, na Revolução da Aliança Nacional Libertadora, de 1934/35, ou nos regimes militares do tipo Juan Velasquez Alvarado (1968-1975) no Peru”, destacava.

Não se tratava, necessariamente, da presença física de elementos humanos unindo épocas — apesar do fato de o general Augusto Heleno ter sido ajudante de ordens do general Sílvio Frota, demitido do cargo de ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel por ser contra abertura política do regime —, mas do “compartilhamento de memórias inventadas e da construção contínua da história através de entidades infra-institucionais, especialmente os colégios e escolas militares, as cerimônias e liturgias militares, as ordens do dia e entidades militares”.

“O papel da memória reconstruída, compartilhada e da liturgia corporativa são, neste processo, fundamentais”, destacou Teixeira. Graças a esse caldo de cultura, as manifestações de 2013 foram o catalisador do posicionamento político das Forças Armadas.

Os militares apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff, no bojo de um processo de colapso econômico do governo petista e seu isolamento político, com a bandeira da ética predominando na política, em razão da Operação Lava-Jato. A contrapartida foi o restabelecimento do controle militar sobre o Ministério da Defesa, com a nomeação do general Joaquim Silva e Luna para o cargo pelo presidente Michel Temer, que assumira o poder.

O comandante do Exército à época, general Eduardo Villas Boas, cuja liderança na Força era indiscutível, na crise, resgatou e ressignificou o papel de tutela das Forças Armadas sobre as instituições republicanas, com o diagnóstico de “um país à deriva”. O ponto culminante desse protagonismo foi o seu famoso tuíte dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que não concedesse um habeas corpus a Lula, candidato favorito às eleições de 2018, que foi preso.

O grande beneficiário foi Jair Bolsonaro, cuja vitória representou a volta dos militares ao poder, pelas urnas. Nesse aspecto, a volta de Lula nas eleições de 2022 deixa-lhes a mesma frustração de “morrer na praia” da eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985.

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