Revista online | Editorial: O problema e suas raízes

Quando se mobilizam retoricamente as paixões, sempre se coloca sob suspeição a civilidade e se constitui uma ameaça à democracia | Foto: Shutterstock
Quando se mobilizam retoricamente as paixões, sempre se coloca sob suspeição a civilidade e se constitui uma ameaça à democracia | Foto: Shutterstock

Editorial da revista Política Democrática online (53ª edição)

Assistimos todos, neste fim de março, ao retorno ao Brasil do candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2022. Foram quase três meses de ausência, passados na Flórida, estado norte-americano governado pelos Republicanos, que vem se constituindo em refúgio de próceres da extrema direita latino-americana.

O desembarque, projetado para ser um ato político expressivo em seu apoio, reuniu poucos partidários, frustrados pelas medidas de segurança tomadas pelas autoridades, que, ao proteger o viajante, impediram, simultaneamente, qualquer manifestação política dos presentes. Não houve discursos nem carreatas, apenas a dispersão dos presentes.

O evento foi, contudo, revelador da estratégia adotada pelo comando político da direita autoritária, após sua derrota nas urnas. Manifestações, marchas, motociatas e carreatas serão organizadas, o contraponto presencial necessário aos comandos de agitação permanente, lançados nas redes sociais. O propósito desses chamados, nas redes e nas ruas, é manter aceso o ânimo dos correligionários e simpatizantes, o apoio a seu líder e sua hostilidade profunda ao conjunto de inimigos imaginários que alimentam a adesão ao movimento: globalistas, comunistas, ambientalistas, ideologia de gênero, entre outros. Além de, claro, prosseguir nesse rumo até as eleições de 2024, momento em que um bom resultado eleitoral, ao menos similar ao conseguido nas eleições legislativas do ano passado, é esperado.

O chamado às ruas dificilmente terá respostas positivas, dado que as mobilizações presenciais chamadas pela extrema direita deveram, como sabemos agora, muito do seu sucesso relativo ao investimento pesado de recursos públicos. No entanto, trazer periodicamente um punhado de militantes às ruas pode ser o contraponto suficiente para a agitação permanente divulgada nos diversos grupos de partidários organizados nas redes sociais.

A estratégia pode ter sucesso, se considerarmos principalmente o percentual de eleitores convencidos pelas notícias falsas despejadas todos os dias, ao longo de mais de quatro anos, nas redes sociais. Pesquisa recente revelou, por exemplo, que quase metade dos eleitores considera a transformação do Brasil num país comunista uma possibilidade real, ao longo do atual governo.

Compete aos democratas de todos os matizes, socialistas, social-democratas, liberais e conservadores, trabalhar, de forma coordenada e permanente, contra a situação de desinformação que assola hoje parte importante do eleitorado. Repetir os argumentos em favor da ciência e da democracia, contra as teorias da conspiração, os diversos negacionismos, as soluções violentas e autoritárias de problemas políticos.

Dizer, sempre, que não há maquinações globalistas, mas problemas globais; que nas democracias a definição dos culpados de corrupção é monopólio da Justiça; que a mudança climática já é uma ameaça que pesa sobre todos; que não existe um perigo comunista que nos aflige; que ideologia de gênero é o nome de um fantasma criado há pouco tempo para assustar os cidadãos; que pobreza, desigualdade e exclusão social são os verdadeiros problemas deste país, cuja solução é premente e indispensável para todos nós; finalmente que racismo, sexismo e homofobia são também problemas reais, responsáveis por uma extensa gama de violências praticadas contra seus alvos, violências que chegam, em muitos casos, à morte das vítimas.

Esse é o debate de fundo, que deve ser travado por todos os democratas contra os temores que alimentam a adesão à extrema direita no país.

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