Forças Armadas

Cúpula militar vê candidatura de Moro com simpatia e desconfiança

Aliança de ex-juiz com Santos Cruz tem pouco impacto entre os oficiais-generais da ativa

Igor Gielow / Folha de S. Paulo

Desde que Sergio Moro emergiu das sombras norte-americanas para chacoalhar o noticiário da sucessão presidencial, sinais públicos foram dados aos militares que embarcaram na aventura Jair Bolsonaro em 2018.

Em seu discurso de filiação ao Podemos, o ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato tocou violino para o generalato ao dizer que defendia as Forças Armadas como instituição de Estado. Na plateia, estava Carlos Alberto dos Santos Cruz.

O general da reserva sempre foi uma noiva da vez nos meios da chamada terceira via, tendo boa interlocução de João Doria (PSDB) a Ciro Gomes (PDT). Militar com algo raro, experiência de combate real, ele foi um dos primeiros aliados de Bolsonaro a serem degolados pelo chefe, ainda em 2019.

Sua filiação ao mesmo partido de Moro, consumada nesta quinta (25), levanta imediatas especulações sobre uma continuidade em 2022 da importância dos militares, atores políticos que voltaram ao centro do palco no governo do antes desprezado capitão de Exército reformado.

Ocorre que, principalmente no influente Alto-Comando do Exército, Santos Cruz não é exatamente bem visto. Ele nunca chegou ao topo da hierarquia, indo à reserva no posto anterior a ela, como general de divisão. Como em todo clube em que os sócios escolhem os novos membros, foi uma decisão política.

Mas o general, em que pese sua sensatez nas falas públicas acerca dos danos que a proximidade entre militares e Bolsonaro causa às Forças Armadas e no debate sobre o papel dos fardados, não é um interlocutor com a cúpula do serviço ativo.

Se Moro quer lançar sinais a ela, e isso é algo que tem de ser feito de forma cautelosa, o caminho são os próceres fardados da reserva, generais de quatro estrelas do quilate de Fernando Azevedo (ex-ministro da Defesa de Bolsonaro) e Sérgio Etchegoyen (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Michel Temer).

Simpatia à candidatura de Moro existe entre militares. Ele ainda encarna para muitos oficiais-generais aquilo que mais aproximou a classe de Bolsonaro, a rejeição ao PT e o discurso anticorrupção. Se o presidente ainda pode se mostrar como antípoda de Lula, seu casamento com o centrão matou qualquer ilusão em relação à moralidade pública.

Mas Moro também inspira alguma desconfiança acerca de suas potencialidades eleitorais. Há uma leitura segundo a qual ele não teria força, após tantas derrotas judiciais, para de fato ser competitivo contra o ex-presidente em 2022.


Foto: Podemos/Divulgação
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Foto: Lula Marques / AGPT
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Por ora, Bolsonaro segue sendo o preferido no corpo militar em geral, como admitem alguns generais e almirantes ouvidos. Eis um paradoxo: o arrefecimento da crise institucional aguda, que quase levou a uma ruptura no hoje distante 7 de Setembro, só se deu por causa da aliança do presidente com aqueles que os militares chamam de "vagabundos" para baixo.

Mas o presidente é visto como mais capaz de derrotar Lula no ano que vem nas fileiras fardadas. Não se espera, contudo, nenhum tipo de ingerência ao estilo de 2018, quando o então comandante do Exército, Eduardo Villas-Bôas, pressionou o Supremo Tribunal Federal a não conceder um habeas corpus que livraria o petista da cadeia.

O serviço ativo hoje celebra ter saído dos holofotes a que se deixou arrastar, obra do apoio de nomes expressivos da reserva e mesmo em atividade a Bolsonaro. A formação do governo militarizado do capitão reformado também gerou benesses, como a reforma previdenciária e de carreira.

Apesar de haver uma óbvia cunha entre os militares de farda e os de terno no governo, a percepção política e popular é a de um único organismo, que ainda vive em simbiose com o bolsonarismo.

Concorre para isso o fato de que vários valores da seita presidencial são, de origem, militares: as queixas com o relativismo cultural, com a chamada ideologia de gênero, com o que veem como ameaças à Amazônia no ativismo ambiental.

Moro ainda não disse a que veio, mas o fato de ter sido ministro de Bolsonaro e de balbuciar ideias próximas dessa faixa de frequência ideológica em tese o colocaria como uma opção mais civilizada aos militares, na palavra de um oficial da Força Aérea.

Se isso irá ou não ocorrer, é algo a ver. Se Moro por acaso se viabilizar, a patente de Santos Cruz deixará de ser um problema para os mais estrelados —assim como a muito mais inferior ostentada por um soldado indisciplinado como Bolsonaro não foi lá atrás.

Por outro lado, depois do trauma que a associação com Bolsonaro provocou, muitos oficiais-generais defendem o máximo de distanciamento de candidatos, particularmente com a grande chance de Lula voltar ao poder.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/cupula-militar-ve-candidatura-de-moro-com-simpatia-e-desconfianca.shtml


André Gustavo Stumpf: Os militares e o poder

Sistema político brasileiro se iniciou sob a benção dos militares

André Gustavo Stumpf / Capital Político

Os militares estão no poder no Brasil desde o início da República. A monarquia constitucional desabou no dia 15 de novembro de 1889. O golpe da proclamação do nosso regime ocorreu quase por acaso. O objetivo dos revoltosos era derrubar o gabinete Ouro Preto. Mas em meio a muitos boatos, conversas desencontradas, ameaças vazias, as fake news da época, os revoltosos tiraram o Marechal Deodoro da Fonseca da cama. Ele estava muito gripado, subiu no cavalo, no campo de Santana, no Rio de Janeiro, hesitou, mas soltou o grito: viva a República.

O sistema político brasileiro se iniciou sob a benção dos militares. A tropa queria aumento, maior participação no governo e institucionalizar as forças armadas. O Imperador achava que só deveria haver exército quando houvesse guerra. Acabada a do Paraguai seria natural extinguir a força terrestre. A estas reivindicações se somaram queixas dos fazendeiros que perderam a mão de obra escrava, desde a assinatura da Lei Áurea, no ano anterior.

Este conjunto de circunstâncias derrubou a Monarquia (D. Pedro II reinou por 49 anos) e colocou dois militares no poder. Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. As ideias positivistas já tinham chegado ao Brasil por intermédio dos militares. A Igreja Positivista do Brasil – cujas ruínas resistem até hoje no bairro da Glória, no Rio de Janeiro – previa a ordem e progresso como requisito para o aperfeiçoamento da sociedade através de um sistema de governo protegido de insurreições ou rebeliões. Seria a ditadura republicana. O dístico Ordem e Progresso está na bandeira do Brasil.

Os militares fizeram a Revolta dos 18 do Forte, em julho de 1922. Dois anos depois iniciaram a partir de São Paulo a longa marcha, chamada de Coluna Prestes, que atravessou o país na diagonal. Saiu do oeste do Paraná e caminhou até o Rio Grande do Norte. Passou pelo quadrilátero que hoje abriga o Distrito Federal.

Os militares descobriram o Brasil nesta marcha. E tiraram conclusões políticas. Luís Carlos Prestes foi para Buenos Aires, onde conheceu o ideário comunista. Os outros se organizaram para tomar o poder. E chegaram a ele com Getúlio Vargas na revolução de trinta. Mas o gaúcho, que era um político esperto e hábil, permaneceu no poder durante quinze anos.

No golpe de 64, remanescentes da Coluna Prestes chegaram ao poder. A política entrou nos quartéis e a hierarquia saiu por uma porta lateral. As sucessões presidenciais ocorridas dentro dos comandos colocaram fardados contra fardados. Os generais se revezaram no poder cumprindo o mandato presidencial, mas sem eleições diretas.

Os governos militares concederam prestígio à economia e a agricultura. Criaram, por exemplo, a Embrapa que permitiu a formidável expansão do agronegócio no país. O Brasil era importador de alimentos e de petróleo. Hoje exporta os dois itens em quantidades inimagináveis naquele período.

Hoje o mundo é diferente. As guerras não são travadas pelos meios tradicionais. Drones substituem aviões, operados a partir de bases secretas e seguras. Carros de combate e até navios ganham autonomia e são teleguiados a partir de quarteis distantes dos cenários do conflito. Mudou tudo. Cada vez mais civis orientam as ações dos militares, como ocorre nos Estados Unidos e nos países europeus.

Aqui a presidência e a vice-presidência da República constituem algo parecido com um quartel. O Ministério da Defesa foi militarizado, assim como o Ministério da Saúde. Moderno é dispor de força armada reduzida, porém extremamente eficiente. E altamente informatizada.

A eleição de Bolsonaro chegou a ser percebida por militares de alta patente como um novo momento de 64 desta vez através das urnas. O presidente, contudo, decepcionou em toda a linha. Protegeu filhos acusados de rachadinhas, permitiu a livre disseminação de notícias falsas, atacou os principais poderes da República, agrediu governos amigos, brigou com o vizinho Argentina, virou as costas para União Europeia.

O resultado destes desmandos apareceu no passeio turístico por Roma. Uma briga em cada esquina. Perdeu o apoio da oficialidade. Teve que calar a boca, calçar as sandálias da humildade e fazer acordo com o centrão, grupo que criticou duramente desde o início de seu mandato.

O surgimento da candidatura do ex-juiz Sérgio Moro recoloca os militares numa posição de expectativa. Ele tem a aprovação majoritária dentro da força por ter tido a coragem de julgar e condenar Luís Inácio Lula da Silva. Seria, ao ver dos fardados, o resultado natural da evolução política brasileira. Desta vez pela via eleitoral.

Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Braziliense. ⠀⠀

Fonte: Capital Político
https://capitalpolitico.com/os-militares-e-o-poder/


Eleições 2022: Terceira via se torna bandeira majoritária de generais

Oficiais veem risco de País repetir erros que levaram à estagnação política na Argentina e defendem alternativa à disputa Lula-Bolsonaro

Marcelo Godoy / O Estado de S.Paulo

Romper a polarização e impedir que o Brasil siga o exemplo da Argentina é a preocupação que generais do Exército expõem, atualmente, aos seus interlocutores. Após o voto majoritário para Jair Bolsonaro, em 2018, os generais defendem a necessidade de consolidar uma candidatura da terceira via, pois acreditam que a vitória de um dos candidatos que encarnam a polarização – Luiz Inácio Lula da Silva ou Bolsonaro – estenderia por mais um ou dois mandatos um cenário de conflitos, com a piora do ambiente político.

Acrescentar ao antipetismo o abandono da aposta em Bolsonaro é um cenário que ganha cada vez mais adeptos na caserna. Essa é a análise da maioria dos generais da ativa e da reserva consultados nas duas últimas semanas pelo Estadão.

O exemplo argentino, onde, na avaliação militar, governos de esquerda e de direita se sucedem, destruindo o que antecessores fizeram, é citado para descrever o que pode acontecer no Brasil, com paralisia econômica e decadência social. Os generais veem o País como uma nação de moderados, apesar da visibilidade dos “extremos”.

A maioria dos generais ouvidos participou dos governos de Michel Temer e de Bolsonaro. Dois aceitaram fazer declarações públicas: os generais Carlos Alberto Santos Cruz e Francisco Mamede de Brito Filho. O primeiro ocupou a Secretaria de Governo em 2019, no mesmo período em que Brito Filho trabalhou na Educação. “Romper a polarização atual é importante para que o País possa reconquistar um nível mínimo de consenso político e de diálogo social, que são essenciais ao desenvolvimento nacional e ao bom funcionamento de qualquer democracia”, disse Brito. Para ele, é preciso conter o “sentimento de ódio que vem desumanizando a sociedade”.

Santos Cruz é parte da esperança militar na terceira via. Ele afirma ser preciso “afastar as duas opções que já tiveram sua oportunidade”. “E deu no que deu.” Para ele, uma foi marcada por escândalos, corrupção, demagogia e pela “destruição da democracia com o mensalão”. A outra se caracterizaria pelo “despreparo, desrespeito pessoal, funcional e institucional, ignorância, boçalidade, irresponsabilidade, desinformação, manipulação da opinião pública, falta de liderança e por destruir a democracia com um ‘mensalão de última geração’, o tal orçamento secreto”.

Cruz repete os colegas ao dizer ser necessário um “outro governante que restaure o respeito, a honestidade, o combate à corrupção e a união nacional”. “É preciso interromper o acesso ao poder de um bando viciado em dinheiro público.”

Os militares escutam críticas à ação de colegas no governo, como dos generais Eduardo Pazuello, que ocupou a Saúde, e Rocha Paiva, na Comissão de Anistia. O Exército quer se dissociar do governo e do desastre da gestão da pandemia. Não esquece episódios, como a participação de Pazuello em um comício e a demissão do comandante Edson Pujol. Seu substituto, o general Paulo Sérgio de Oliveira, evita entrevistas para não criar atritos.

Mesmo assim, muitos ainda apoiam Bolsonaro. “É preciso admitir que o apelo de cunho demagógico a ideias conservadoras por parte do atual governo, aliado à política de distribuição de benesses e cargos a uma numerosa parcela de militares (mais de 6 mil) e parentes de militares, tem conseguido cooptar um segmento significativo de seguidores no âmbito da família militar”, disse Brito.

Ele resume o pensamento dos colegas para 2022. “Cabe a todos os comandantes, em todos os níveis, e não apenas os das Forças Armadas, mas os de todas as forças de segurança do País, garantir a condução do processo eleitoral pelas instituições democráticas e a subsequente posse do candidato eleito democraticamente.”

Dissociar-se de Bolsonaro surge como necessidade para quem apoiou o governo e pensou que seria possível controlar o presidente. Embora ainda haja quem diga que, se é ruim com ele, pior seria sem, diante da perspectiva de uma reeleição difícil, cada vez mais militares lembram que Bolsonaro é apenas um capitão.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,terceira-via-se-torna-bandeira-majoritaria-de-generais,70003878216


Morte de Lamarca completa 50 anos e atuação na guerrilha ainda incomoda militares

Pressões políticas e jurídicas mantêm em suspenso definição sobre a reparação financeira à viúva e aos dois filhos do capitão

Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Há exatos 50 anos, em 17 de setembro de 1971Carlos Lamarca era metralhado sob a sombra de uma baraúna, no sertão da Bahia. A história do capitão do Exército que desertou para participar da luta armada contra a ditadura ainda provoca desconforto. As Forças Armadas não aceitam a anistia concedida em 2007. Até o presidente Jair Bolsonaro tenta inserir na própria biografia uma suposta contribuição decisiva à captura do combatente.

Pressões políticas e jurídicas mantêm em suspenso a definição sobre a reparação financeira à viúva e aos dois filhos de Lamarca, quase dez anos depois da lei criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2022, que permitiu o pagamento de indenizações a famílias de perseguidos políticos. O processo que discute a indenização entrou na pauta de uma das turmas do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, nesta semana, mas o julgamento acabou adiado, sem data para ser retomado. A depender do desfecho, o caso ainda pode ir ao plenário e, em seguida, às instâncias superiores.

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MP investiga demolição do busto de Lamarca em Cajati

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O militar Carlos Lamarca ensina pratica de tiro a funcionarias do Bradesco, devido a onda de assaltos a bancos Foto: OSWALDO LUIZ PALERMO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

Desde 2015 a reparação financeira à família Lamarca está suspensa por decisão do primeiro grau da Justiça Federal do Rio, com determinação para o ressarcimento dos valores recebidos. Duas ações semelhantes, que depois passaram a tramitar unidas, questionam os benefícios. Uma é assinada pelos clubes Militar, da Aeronáutica e Naval, que defendem interesses de militares da reserva. A outra foi movida pelo advogado João Henrique Freitas, hoje chefe da Assessoria Especial de Jair Bolsonaro e presidente da Comissão da Anistia.

A mesma comissão, em 2007, reconheceu como anistiados o capitão Lamarca; a viúva, Maria Pavan; e os filhos César e Cláudia. Determinou o pagamento de R$ 100 mil a cada um deles, a título indenizatório, uma reparação econômica à viúva, de R$ 902 mil, a promoção do capitão a coronel e a fixação da pensão em valor correspondente ao ganho de um general de brigada.

Maria e César vivem hoje em Portugal. Claudia, no Brasil. Procurados, não quiseram comentar a data histórica nem o processo que se arrasta na Justiça. Sem ligação com as bandeiras de Lamarca, os três se exilaram em Cubapouco antes de ele optar por combater a ditadura, em 1969, e foram monitorados pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), no exterior e depois do retorno ao Brasil.

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O capitão do Exército Carlos Lamarca, morto em 17 de setembro de 1971. Foto: Fabio Motta/Estadão Conteúdo/AE

Os advogados do Clube Militar esperam a manutenção da decisão de primeiro grau. “A expectativa que a gente tem é a de que seja mantida a sentença. Pelo nosso entendimento, o que ocorreu é que o ex-capitão cometeu deserção e furto de armamento. Não foi afastado das fileiras do Exército por perseguição política, mas por crimes julgados pela Justiça Militar”, comentou Alexandre Fortes da Costa.

Por sua vez, o presidente da Comissão de Anistia em 2007 Paulo Abrão afirma que, independentemente do “juízo de valor” das práticas de Lamarca, é “dever” do Estado promover a reparação. “Me parece muito sintomático que estejamos em pleno 2021 criando obstáculos para complementar o ciclo da reconciliação nacional.”

Caçada. Lamarca é um dos adversários da ditadura mais lembrados por Jair Bolsonaro, para quem a figura histórica não passa de um terrorista da pior espécie que matou um tenente do Exército enquanto fugia de um cerco. Como deputado, dedicou entrevistas e discursos contra o ex-militar. Na disputa à Presidência em 2018, apresentou a versão de que embrenhou-se nas matas de Eldorado, região do Vale do Ribeira, onde cresceu, na caçada a Lamarca. “Eu participei da luta armada no Vale do Ribeira, na caça do Lamarca (...). Esse grupo do Lamarca era o mesmo grupo da Dilma Rousseff”, disse, em entrevista ao Roda Viva, em julho de 2018.

Em 1969, Lamarca fugiu do quartel, no bairro de Quitaúna, em Osasco (SP), numa Kombi carregada de fuzis e metralhadoras. No ano seguinte, ele e mais sete guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) passaram em fuga por Eldorado. Jair Bolsonaro tinha 15 anos recém completados. O presidente narra que os militares que participaram de confrontos com Lamarca na cidade ganharam prestígio. E foi deles que recebeu recomendações para seguir a carreira militar. Ainda que Bolsonaro tenha oferecido alguma contribuição – algo do que não existe registros, e considerado pouco crível por especialistas –, quase nada adiantou. Lamarca ainda estaria livre por quase um ano e meio.

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Reprodução de foto do arquivo público de cartaz com os dizeres "procura-se" e com a imagem de Lamarca. Foto: André Dusek/Estadão Conteúdo/AE

Anistia. Ministro da Justiça à época em que a anistia foi concedida a Lamarca, Tarso Genro afirma que a condição foi atestada não a partir dos feitos do ex-capitão, mas por conta do tratamento dado a ele pelo Estado. “O assassinato de Lamarca foi feito fora das regras da própria ditadura. Portanto, ele tem que ser anistiado. Sofreu a punição máxima, assassinato a sangue frio”, diz. “Com essa formulação, queríamos criar uma concepção dialógica dentro da transição, para que ocorressem duas coisas: as pessoas que sofreram as agruras da perseguição fossem assistidas e as pessoas que se comportam fora da legalidade do próprio regime fossem responsabilizadas”, ressalta. “O que ocorreu, apesar do nosso esforço, foi o contrário.”

Homenagens na Bahia

O 17 de setembro é feriado em Brotas de Macaúbas e em Ipupiara, cidades vizinhas localizadas no sertão da Bahia, a cerca de 600 quilômetros de Salvador. Foi nessa região que Lamarca escreveu seu último capítulo e entrou para o imaginário local.

Assim como ele, por exemplo, o sindicalista José Campos Barreto também é lembrado e homenageado até hoje. Natural de Brotas, Zequinha, como era conhecido, liderou importantes greves em Osasco (SP) no fim dos anos 1960 e, mais tarde, integrou os quadros da VPR. Ele e Lamarca foram capturados juntos, após dias de fuga pela caatinga à base de rapadura.

Uma grande operação liderada pelo major Nilton Cerqueira foi montada para dar fim a ambos, mortos a tiros em um distrito de Ipupiara e expostos em um campo de futebol da comunidade de Brotas.

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O corpo do guerrilheiro Carlos Lamarca, morto no Bahia, após ser capturado em operação comandada pelo major Nilton Cerqueira. Foto: Arquivo/Estadão Conteúdo/AE

Irmão de Zequinha, Olderico Campos, 73, conta que os militares espalharam muitas “fake news” para convencer os locais a darem informações que levassem ao paradeiro de ambos. “A elite da repressão veio toda para Brotas, o ponto central deles foi aqui. Eles colocavam na cabeça das pessoas que Lamarca tinha uma bomba que, se soltasse, não sobraria uma pessoa, uma cabeça de gado, num raio de 20 quilômetros”, lembra.

Sabendo da perseguição ao irmão, Olderico, com 23 anos, chegou a trocar tiros com os militares. Foi ferido na mão e no rosto e torturado na propriedade da família. O irmão Otoniel, de 20 anos, foi morto a tiros. Aposentado e dono de uma pequena propriedade rural, Olderico conta que costuma receber admiradores de Lamarca e Zequinha que visitam a região para reconstituir os últimos passos e render homenagens à dupla. “Eu tenho admiração profunda por aquela força, intelectual e física. Eu não ia brigar com o esquadrão da morte por qualquer coisa, não é? Considero Zequinha como vivo. Nenhum dos dois, nem Zequinha nem Lamarca, a gente chama de finado”, disse.

A principal homenagem anual parte da Igreja Católica. O bispo da Diocese de Barra, Dom Luiz Cappio, 74, que ficou conhecido nacionalmente pelas greves de fome que fez contra a transposição do Rio São Francisco no início dos anos 2000, organiza uma procissão seguida de missa acompanhada por moradores de Ipupiara. Por iniciativa do sacerdote, foi construído no local em que os dois foram mortos o Memorial dos Mártires, em homenagem a Lamarca, Zequinha e outros quatro filhos da cidade que lutaram contra a ditadura. “Fazemos isso há aproximadamente 20 anos. Sempre tem pessoas de fora, a palavra é aberta. As pessoas dão seus testemunhos”, destacou o religioso. “No começo houve resistências, mas hoje já faz parte da opinião pública de toda aquela região o valor dessas pessoas.

”NOTÍCIAS RELACIONADAS

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,morte-de-lamarca-completa-50-anos-e-atuacao-na-guerrilha-ainda-incomoda-militares,70003842886


Sociedade deve proteger Forças Armadas contra corsários, diz Rêgo Barros

Ex-porta-voz da Presidência da República aponta “atuação imoderada” do presidente Jair Bolsonaro

Cleomar Almeida, da equipe FAP

General de Divisão do Exército Brasileiro, doutor em ciências militares e ex-porta-voz da Presidência da República (2019-2020), Otávio Santana do Rêgo Barros chama a atenção da sociedade para a defesa da instituição das Forças Armadas, sem envolvimento de militares nas ações políticas de governo. Ele analisou o cenário em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática online de setembro (35ª edição).

Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de setembro (35ª edição)

A revista é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. Todo o conteúdo dela pode ser acessado, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade. O público também pode ver todas as versões anteriores no arquivo digital.

Cabe à sociedade a intransferível responsabilidade de avaliar adequações que possam ser necessárias ao papel das Forças Armadas. Protegê-las contra corsários em busca de credibilidade. Fortalecê-las como instrumento independente de Estado, peça importante da estabilidade interna e da dissuasão externa tão somente em nome do povo brasileiro”, afirmou ele, em um trecho.

De acordo com o autor, uma discussão sobre o papel das Forças Armadas se instalou para além dos muros dos quartéis. “A atuação imoderada do chefe do Poder Executivo, a incentivar o envolvimento de militares nas ações políticas de governo, potencializou a questão”, disse ele, no artigo publicado na Política Democrática online de setembro. “Somou-se a esse inconveniente, posturas contestáveis dos outros Poderes da República”, continuou.

Rêgo Barros observou, ainda, o Legislativo, com tendência mesquinha de enxergar os interesses paroquiais, e o Judiciário, em suposta cruzada moralizadora, que, segundo ele, ultrapassa o senso cotidiano de equidade. “Formou-se um torvelinho de opiniões divergentes, desamparadas de conhecimento qualificado, que anuvia grupos da sociedade”, escreveu. 

O general de Divisão do Exército Brasileiro também afirmou que a incompreensão da sociedade diante da obrigação do profissional das armas em ser pragmático perenizou-se com o correr dos tempos modernos. “O militar é o mais pacifista dos integrantes de uma comunidade. Suas experiências o fazem conhecer a desgraça final dos conflitos humanos e os efeitos deletérios para a sociedade. Justifica-se seu pessimismo”, acentuou. 

O militar, de acordo com o ex-porta-voz da presidência, tem o dever de se posicionar publicamente sobre fatos que afetem a missão da organização e o desempenho profissional. “O verdadeiro comandante, vestido da couraça envelhecida de homem das armas, jamais permitirá que seu julgamento seja deformado por conveniências políticas”, disse.

BOLSONARO E OS MILITARES


(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Confira, aqui, a relação de todos os autores da 35ª edição

A íntegra do artigo pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, reportagem sobre descaso do governo com a cultura e entrevista exclusiva concedida pelo cientista político Jairo Nicolau, que critica os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a urna eletrônica e o processo eleitoral brasileiro.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

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João Gabriel de Lima: 'Nossa democracia não pode ser abalada por radicais'

Democracia brasileira, vibrante, batizada nas ruas, não pode ser abalada por radicais

João Gabriel de Lima, O Estado de S.Paulo

O batismo de nossa democracia se deu nas ruas, com a campanha das Diretas-Já. De lá para cá, as manifestações se incorporaram ao cotidiano de nossa vida política. Manifestações que costumam ser civilizadas na forma – até para o padrão de regimes de liberdade mais maduros, como França e Estados Unidos – e democráticas no conteúdo. Protestamos contra a inflação, por sistemas de saúde e educação “padrão Fifa” e por leis mais duras de combate à corrupção – ou seja, pelo aprofundamento dos aspectos sociais e éticos de nossa democracia. 

Se as ruas foram a pia batismal do nosso regime de liberdade, a certidão de nascimento foi a Constituição de 1988. Mesmo com algumas contradições, ela nos desafia a implantar um Estado de bem-estar social. Além disso, ao passar o poder para as mãos dos civis, nossa Constituição estabelece de forma clara o papel dos militares. Em seu livro Dano Colateral, a jornalista Natalia Viana lembra como foi redigido o artigo sobre a “Garantia da Lei e da Ordem”. No texto fica claro que o Exército não é um “poder moderador”, podendo atuar apenas quando convocado por poderes civis. 

Nos últimos anos, o Brasil colecionou notas altas nos rankings internacionais de democracia liberal, como Freedom House e V-Dem. “Democracia” significa implementar a “vontade do povo” por meio de eleições. O termo “liberal”, em sua acepção política, se refere à garantia dos direitos e ao primado das leis. Nenhum governante eleito, em nome da “vontade do povo”, pode agir contra as leis e os direitos estabelecidos na Constituição. 

Infelizmente, há quem pense de forma bem diversa. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destacada em manchete na quinta-feira pelo Estadão, mostra que a adesão a teses como o fechamento do Congresso e a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal aumentou 29% entre policiais militares. Pode-se criticar decisões de parlamentares ou juízes do Supremo, mas nada justifica tais teses, antidemocráticas em essência. O Congresso, um poder eleito, é a expressão mais plural da “vontade do povo”, e a Corte suprema é a guardiã do pilar “liberal” – o dos direitos – em qualquer democracia. 

Jair Bolsonaro deu declarações dúbias sobre o 7 de Setembro, dando munição a quem fala em tentativa de golpe – como o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Natalia Viana – que hoje vive em Boston, num período de estudos na Universidade Harvard – não acredita que o Exército embarque em qualquer aventura autoritária. Ela conversou com vários generais na confecção de seu livro sobre militares e política, e é a entrevistada do minipodcast da semana. 

Em manifestações recentes, lideranças do Exército externaram uma postura legalista, ecoando movimentos da sociedade civil. Centrais sindicais, associações de bancos e do agronegócio elaboraram manifestos defendendo a democracia. O governo tratou tais entidades como antagonistas, pressionando os signatários dos textos. “O clamor por responsabilidade e harmonia institucional é visto pelo Palácio do Planalto como radical oposição aos planos do bolsonarismo”, escreveu o Estadão em editorial. 

Os últimos monitoramentos de redes sociais rastrearam um recuo do discurso autoritário. É uma boa notícia. Nossa democracia vibrante, nascida com uma Constituição e batizada nas ruas, não pode ser abalada por radicais sem compromisso com nenhuma das duas – nem com a Constituição, nem com a democracia. 

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,as-ruas-a-democracia-e-o-7-de-setembro,70003831122


Miguel Reale Júnior: Estabilidade e terceira via

Cumpre exigir dos presidenciáveis um só caminho do centro, em prol do Brasil

Miguel Reale Júnior / O Estado de S. Paulo

No início do mês passado foi publicado manifesto assinado por figuras importantes da nossa sociedade como intelectuais, economistas, empresários, banqueiros, líderes religiosos. Desse documento destaco: “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”.

Em meados de agosto, o presidente da República enviou ao Senado Federal pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Em documento enviado ao presidente do Senado por ex-ministros da Justiça e da Defesa, propunha-se o arquivamento imediato do pedido como “caminho que evite constrangimento indevido e conduza ao apaziguamento dos ânimos e à reafirmação do respeito e da confiança no Poder Judiciário e no Estado de Direito”.

A Febraban, com apoio de 300 entidades, organizou manifesto a ser publicado pela Fiesp, que à última hora, constrangedoramente, recuou de dá-lo a público. Mas a Febraban e as demais entidades reafirmam esse texto, em nada agressivo ao governo, pois sua tônica é a defesa da democracia, como se pode ver no parágrafo a seguir.

“As entidades da sociedade civil que assinam este manifesto veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas. O momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional.”

Setor fundamental da economia brasileira, que tem mantido as exportações e o crescimento do PIB nacional, o agronegócio, por intermédio de seis entidades, a começar pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), em posição firme, ao contrário da pusilanimidade da Fiesp, deu publicidade a documento incisivo acerca do instante movediço vivido no País. E enfatizou “sua preocupação com os atuais desafios à harmonia político-institucional e como consequência à estabilidade econômica e social em nosso país. As amplas cadeias produtivas que representamos precisam de estabilidade, segurança jurídica, harmonia para poder trabalhar”.

A sociedade brasileira, que assistia atônita às representações diárias de irracionalidade do sr. presidente, muitas vezes verbalizadas de forma chula, percebeu os riscos da criação artificial de confrontos promovida pelo mandatário. Esses antagonismos deixaram de ser em face de partidos e de pessoas, e passaram a ser em vista de instituições da democracia, criando um clima de grande insegurança.


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Os agentes econômicos dos mais diversos setores expressam agora o sentimento principal que preside o nosso cotidiano: a sociedade brasileira está cansada de guerras inventadas que sinalizam a necessidade falsa da adoção de medidas totalitárias, pois se quer, antes de tudo, estabilidade.

Por isso, a tônica das manifestações está na extrema preocupação com a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas, clamando-se pelo apaziguamento dos ânimos, pelo diálogo, pela pacificação política.

A democracia deve defender a si mesma, para que a liberdade não seja usada para destruir a liberdade de todos. Numa democracia militante defende-se não incrementar conflitos, principalmente de modo artificial, confundindo maliciosamente a liberdade de expressão com a liberdade de agressão, como agora pretende Bolsonaro ao convocar para os atos de 7 de setembro.

Esses manifestos das forças econômicas proclamam: precisamos “de estabilidade, segurança jurídica, harmonia para poder trabalhar”. Ao mesmo tempo reafirmam seu compromisso com o Estado de Direito, declarando: “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”. É demonstração veemente de estarmos numa democracia militante, a tal ponto que a própria sociedade se apresenta como asseguradora da ordem constitucional.

Certamente não será a argumentação melíflua do presidente da Câmara dos Deputados aos ouvidos solícitos do presidente da Fiesp que vai desfazer a realidade tão bem desenhada no manifesto da Febraban, ou seja: o risco contínuo de instabilidade com Bolsonaro no poder.

A intensa preocupação atual dos agentes econômicos e o pavor dos desempregados mostram como é temível a reeleição de Bolsonaro. Impõe-se, então, pensar com maior determinação numa terceira via que responda a esses anseios de paz, de estabilidade e de visualização do futuro.

Os subscritores dos recentes manifestos em prol do Estado de Direito devem se pôr em campo para exigir que os presidenciáveis do centro, após a legítima apresentação de sua ambição de ocupar a Presidência, venham a encontrar, dentre eles, alguém que aglutine e constitua governo conjunto, em torno de um só nome, como se fez na eleição de 1985, quando Ulysses e Montoro abdicaram da condição natural de candidatos em favor de Tancredo, o qual teria, mais que eles, condição de compor diversos setores políticos a seu favor.

Há tempo, mas cumpre a todos se debruçarem nessa tarefa de exigir dos presidenciáveis a criação de um só caminho do centro democrático, em prol do Brasil.

*Advogado, professor titular sênior da faculdade de direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,estabilidade-e-terceira-via,70003830873


Ministros do TSE avaliam hipótese de Bolsonaro ficar inelegível

Magistrados discutem nos bastidores estratégia jurídica que pode tirar presidente da disputa em caso de risco de ruptura; atos do 7 de Setembro podem ser usados como prova

Weslley Galzo e Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) discutem uma estratégia jurídica que pode deixar o presidente Jair Bolsonaro inelegível para a eleição de 2022. O cerco judicial está se fechando a partir de um inquérito administrativo instaurado no TSE em resposta a uma transmissão ao vivo realizada pelo presidente, em julho, acusando o tribunal, sem provas, de fechar os olhos para evidências de manipulação em urnas eletrônicas. 

Na visão desses magistrados, a depender do que acontecer e o tom adotado por Bolsonaro em seus discursos, os atos de 7 de Setembro poderão fornecer ainda mais provas contra o chefe do Executivo. O entendimento prévio é de que, uma vez configurado algum crime, o presidente poderá ter sua candidatura negada pela Justiça Eleitoral no ano que vem. 

A estratégia da inelegibilidade é discutida nos bastidores para ser usada apenas em caso extremo, de risco efetivo de ruptura institucional, uma vez que, na avaliação de políticos, iniciar agora um processo de impeachment, a um ano e dois meses das eleições, seria tão traumático quanto inviável. Na ocasião em que foi aprovada a investigação no TSE, também foi determinado o envio de notícia-crime contra o presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF), que foi aceita e incorporada ao inquérito das fake news. 

Apesar de a discussão sobre o cerco jurídico avançar nos bastidores, a medida que pode dar base a uma eventual inelegibilidade de Bolsonaro é reconhecida pelos próprios ministros como pouco convencional. A Justiça Eleitoral nunca havia aberto ação parecida, por isso o discurso adotado é de que a alternativa só seria acionada em caso concreto de risco à ordem constitucional. Por outro lado, um ministro do TSE argumenta, em caráter reservado, que nunca houve um ataque tão frontal ao sistema eleitoral como agora e que, por isso, é preciso reagir. 

Ameaçados de forma reincidente por Bolsonaro, essa foi a infantaria que os integrantes das mais altas Cortes da Justiça brasileira encontraram para preparar o contragolpe. “Se você quer paz, se prepare para a guerra”, disse Bolsonaro na quarta-feira, em cerimônia da Marinha no Rio. Ontem, mantendo o tom de ameaça, o presidente garantiu que os atos de 7 de Setembro serão um “ultimato” a ministros do STF. Os principais alvos de Bolsonaro são Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, autores de decisões recentes que desagradaram ao Palácio do Planalto, como a prisão de bolsonaristas. 

Em resposta às ameaças de Bolsonaro, o presidente do STF, Luiz Fux, fez um duro discurso anteontem, ao afirmar que a Corte não vai tolerar ataques à democracia, em referência aos atos do dia 7. “Num ambiente democrático, manifestações públicas são pacíficas; por sua vez, a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças”, disse. Bolsonaro pretende discursar no feriado pela manhã, em Brasília, e seguir com comitiva para fazer o mesmo em São Paulo, à tarde.  


Posse do Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Foto: Isac Nobrega/PR
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Novo procurador-geral da República, Augusto Aras, fala à imprensa no Palácio do Planalto depois da posse. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Novo procurador-geral da República, Augusto Aras, fala à imprensa no Palácio do Planalto depois da posse. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
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Posse do Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Foto: Isac Nobrega/PR
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Sabatina do PGR Augusto Aras na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Novo procurador-geral da República, Augusto Aras, fala à imprensa no Palácio do Planalto depois da posse. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Novo procurador-geral da República, Augusto Aras, fala à imprensa no Palácio do Planalto depois da posse. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
Posse do Procurador-Geral da República Augusto Aras. Foto: José Cruz/Agência Brasil - 26/09/2019
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PGR

Diferentemente de investigações criminais contra Bolsonaro em curso no Supremo, o inquérito administrativo no TSE é considerado uma alternativa mais viável por não depender exclusivamente de denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras

Neste caso, além do Ministério Público Federal (MPF), partidos políticos possuem legitimidade para oferecer representação contra a candidatura do presidente; e será o próprio TSE quem julgará esses pedidos. O único requisito é que apresentem provas de que Bolsonaro cometeu crimes eleitorais. 

O inquérito administrativo é comandado pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e atualmente está na fase da coleta de provas. Ele é chamado de “Plano C” por aqueles que conhecem o seu teor, justamente por reunir evidências que podem ser usadas por partidos para contestar o registro da candidatura de Bolsonaro. A apuração compõe o cerco judicial com outras duas ações de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, além de quatro inquéritos no STF que apuram crimes comuns do presidente. 

O foco da investigação eleitoral é constatar se Bolsonaro praticou “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”. 

A lei que regula os registros de candidatura afirma que serão inelegíveis os candidatos que “tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral”, com condenação em processo que investigue “abuso de poder econômico e político”. Caso o plano seja colocado em prática, Bolsonaro ficaria impedido de disputar eleições por oito anos. 

Rubens Beçak, professor de direito constitucional e eleitoral da Universidade de São Paulo (USP), avalia que o teor subjetivo da lei de inelegibilidade ao definir condutas abusivas permite a interpretação formulada por membros do TSE. Ele pondera que sua aplicação é temerária por não haver precedentes e abrir espaço para contestações. “Dá muito mais higidez ao processo a participação do PGR, mas existe essa outra interpretação e ela parece muito plausível. Quem está pensando em fazer o inquérito pelo TSE, provavelmente, está pensando em dar uma rapidez maior e afastar a influência política do PGR recém reconduzido”, afirmou. “Seria um procedimento completamente heterodoxo, porque isso nunca aconteceu dessa forma. Isso vai criar um precedente tremendo para que possa ser usado contra outros presidentes candidatos à reeleição. Dá um poder desproporcional à Justiça Eleitoral.” 

Fake news

Parte dos ministros do STF avalia que o inquérito das fake news também poderia ser um caminho para frear Bolsonaro por possuir amplo potencial incriminatório, mas o entendimento é de que é nula a possibilidade de Aras apresentar denúncia contra o presidente. 

O atual PGR já expressou nos bastidores o desejo de ocupar uma vaga no STF e, caso seja mantida a fidelidade a Bolsonaro, poderá ser ele o escolhido para substituir o ministro Gilmar Mendes a partir de 2023, na eventual reeleição do presidente. Na vaga aberta neste ano, Aras foi preterido por André Mendonça, que agora enfrenta a resistência de senadores para tomar posse do cargo.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministros-tse-avaliam-hipotese-bolsonaro-inelegivel,70003831145


RPD 35 || Otávio do Rêgo Barros: Relações entre civis e militares, uma reflexão

Cabe à sociedade a responsabilidade de garantir o papel das Forças Armadas, fortalecendo-as como instrumento independente de Estado

“Para abolir a guerra há que remover suas causas que residem na imperfeição da natureza humana” (Liddell Hart)

Vivemos tempos sombrios com a falta de ordenamento de nossa realidade. Uma discussão sobre o papel das Forças Armadas se instalou para além dos muros dos quartéis. 

A atuação imoderada do chefe do Poder Executivo, a incentivar o envolvimento de militares nas ações políticas de governo, potencializou a questão. Somou-se a esse inconveniente, posturas contestáveis dos outros Poderes da República. O Legislativo, com tendência mesquinha de enxergar os interesses paroquiais, e o Judiciário, em suposta cruzada moralizadora, que ultrapassa o senso cotidiano de equidade. Formou-se um torvelinho de opiniões divergentes, desamparadas de conhecimento qualificado, que anuvia grupos da sociedade.  

Tomando por base o trabalho do professor Samuel Huntington, O soldado e o Estado (BIBLIEX, 2016), abordarei aspectos das relações entre civis e militares, contextualizados para o Brasil contemporâneo. Para fins de enquadramento, o livro foi publicado em 1957, período alcunhado de Guerra Fria, no qual a incômoda ascensão da União Soviética se projetava sobre a águia americana. 

A incompreensão da sociedade diante da obrigação do profissional das armas em ser pragmático perenizou-se com o correr dos tempos modernos. O militar é o mais pacifista dos integrantes de uma comunidade. Suas experiências o fazem conhecer a desgraça final dos conflitos humanos e os efeitos deletérios para a sociedade. Justifica-se seu pessimismo.  

Ele tem o dever de se posicionar publicamente sobre fatos que afetem a missão da organização e o desempenho profissional. O verdadeiro comandante, vestido da couraça envelhecida de homem das armas, jamais permitirá que seu julgamento seja deformado por conveniências políticas. 

A responsabilidade do militar perante o Estado é de natureza tríplice. Exerce uma função representativa, uma função consultiva e uma função executiva. O ordenamento dessas relações é capital para a política de defesa do país e procura consolidar um sistema de pesos e contrapesos entre o civil e o militar, sem sacrifício de valores sociais. Nos pratos da balança se equilibram, em posições opostas, o lícito interesse corporativo do militar e o necessário controle pela sociedade em ambiente democrático.  

Mais recentemente, o artigo 142 da CF/88, que elenca as missões “pétreas” nas Forças Armadas, vem sofrendo ataques. “Transitou em julgado, não cabe recursos”, embora encontremos grupos defensores de uma revisão sob um entendimento difuso de um papel de poder moderador das Forças Armadas, defendido em ambientes inelásticos, personalistas ou eivados de interesses políticos. Admito a necessidade de se reflexionar a missão constitucional das Forças, incorporando-se dinamismo modernizador ao conceito, que aclare possíveis imperfeições no texto. Não obstante, não se promovam modificações por contenciosos de momento. 

Voltemos à balança. Na disputa daqueles interesses está o nó de górdio das relações entre civis e militares. O grau em que eles entram em conflito depende das exigências de segurança externa e interna, e da natureza e força dos valores incrustados na sociedade. 

Entre nós, Terra Brasilis, a disputa se amplia pelo afastamento da sociedade ao tema, quase uma irresponsabilidade. Poderíamos justificar o desatino pelo baixo nível educacional que se reflete na incompreensão dos assuntos que envolvem Forças Armadas.  

Quem deveria assumir o papel de ator principal da peça defesa nacional? O povo brasileiro consciente! Mas, inconscientemente, ele transfere a responsabilidade de conduzir a cena aos próprios militares. 

A simbiose civil militar só se concretiza por meio de uma sólida obra de arte, que os torne interdependentes. Os batentes da ponte são a posição institucional dos militares, sua influência na sociedade, bem como a natureza da ideologia dos grupos nominados. A predominância egoísta de qualquer dos fatores fissura a estrutura, ofendendo a estabilidade da Nação. O que, convenhamos, não se espera em um país maduro democraticamente.  

É crucial fortalecer a segurança das instituições sociais, econômicas e políticas contra ameaças externas (das quais a médio prazo estamos libertos) e contenciosos internos (ardentes nos últimos tempos). Esses, a meu ver, sem soluções a curto prazo.  

Deixo-lhes uma reflexão: qual a natureza do corpo de militares que a sociedade deseja e pretende arcar? Enxuto e profissional ou abrangente e social? Envolvido em política ou abrigado dessas tentações?  

Os cenários de guerra não são mais westfaliano, quando se subordinavam à confrontação entre estados-nação. Agora, viceja a “guerra de quarta geração”, sem fronteiras, inimigos sem rosto e objetivos não palpáveis. O centro de gravidade é a vontade de lutar, e a opinião pública, genuína ou forjada. 

Por tudo isso, cabe à sociedade a intransferível responsabilidade de avaliar adequações que possam ser necessárias ao papel das Forças Armadas. Protegê-las contra corsários em busca de credibilidade. Fortalecê-las como instrumento independente de Estado, peça importante da estabilidade interna e da dissuasão externa tão somente em nome do povo brasileiro. 

Paz e bem! 


* Otávio Santana do Rêgo Barros é general de Divisão do Exército Brasileiro (R1). Doutor em Ciências Militares, foi porta-voz da Presidência da República (2019-2020). Comandou, no Rio de Janeiro, a força de pacificação nos complexos do Alemão e da Penha e a segurança da Rio+20. Foi Chefe do Centro de Comunicação Social do Exército.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


Ascânio Seleme: O poder político é civil

Ideia de reunião com os chefes das três Forças Armadas é oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem

Ascanio Seleme / O Globo

Não se deve oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem. A ideia dos governadores de se reunirem com os chefes das três Forças Armadas para medir a temperatura e tratar das manifestações do dia 7 de setembro é exatamente isso, dar força e poder político aos militares. O Brasil não precisa disso numa hora como esta. Conversar com os chefes militares pode até ocorrer, mas informalmente e nunca de maneira concertada e coletiva. No caso, os militares têm um dever constitucional e a ele devem se ater. Se ocorrer um badernaço de policiais militares armados no dia 7, caberá às Forças Armadas intervir para manter a lei e a ordem, como manda a Constituição. E ponto.

Generais só devem ser ouvidos sobre questões militares ou que envolvam atividades fora das definições constitucionais em que as Forças Armadas possam ser empregadas. Se um governador precisar da ajuda do Exército para abrir uma estrada ou construir uma ponte, por exemplo. Ou se um ministro precisar do serviço da Aeronáutica para transportar vacinas para um local que não é servido por linhas aéreas comerciais. Conversar com militares sobre suas atribuições constitucionais é chover no molhado. Sabem o que o general Paulo Sérgio, comandante do Exército, responderia aos governadores se estes lhes perguntassem como agiria em caso de baderna no 7 de setembro? Que agiria de acordo com o que determina a Constituição.

Aliás, o general Paulo Sérgio disse esta semana que o Exército respeitará sempre seus limites constitucionais. Falou isso no discurso que fez no dia do soldado. Foi claro diante do presidente da República, que ouviu calado. Mesmo que Jair Bolsonaro tente dar um golpe (e vai tentar), não será no dia 7 de setembro deste ano. E no momento em que tentar, pelo que se ouviu no dia do soldado, será rechaçado pelo Exército. Poderá ter o apoio de policiais militares? Sim. Mas estes nada podem sozinhos, não são organizados nem disciplinados. Sua reputação é péssima em todas as unidades da federação, ao contrário das Forças Armadas, uma das instituições mais respeitadas do país.

Exército, Marinha e Aeronáutica jamais se subordinarão a um golpe engendrado pela PM que, embora seja uma força de segurança pública, também em muitos casos é sinônimo de violência e terror. Tampouco as Forças Armadas se aliarão às milícias, quase todas formadas por ex-oficiais e ex-praças das PMs e dos Bombeiros. O que resta a estes agitadores que pretendem se manifestar armados no dia 7 é a baderna.

Usar a arma da corporação para se manifestar em vias públicas e ameaçar a democracia é crime. PMs armados em ato civil são declaradamente covardes. Qualquer ato de violência que vier a ocorrer será de responsabilidade destes que desrespeitam as leis e a Constituição. E devem ser punidos. É importante que os opositores de Jair Bolsonaro entendam isso e não insistam em se manifestar no mesmo dia. Podem dar o argumento que os extremistas precisam para iniciar a baderna e responsabilizar o outro lado.

Embora o Congresso estude uma quarentena de cinco anos para militares disputarem eleição, ninguém tem medo de medir forças com eles. Mas que venham desarmados, sem as fardas, reformados, e pelo voto. Em 2018, arrastados pelo fenômeno que elegeu Jair Bolsonaro, 72 militares foram eleitos para exercer mandatos nas câmaras estaduais e federal e no Senado. Menos de 5% dos 1626 parlamentares eleitos naquele ano excepcional. Dos 27 governadores eleitos, dois são militares reformados.

Todos os militares foram eleitos depois de se reformarem. Embora muitos usem seus antigos cargos antes do nome, como o ex-senador major Olímpio, nenhum deles é mais militar. São todos civis e só por isso foram habilitados para disputar um cargo eletivo. O poder político é civil no Brasil, manda a Constituição. Quer usar farda e armas pagas pelo Estado? Então fique no quartel. A beleza da democracia é que o eleito será sempre aquele que o povo escolher. Pode ter sido coronel, sargento, professor ou advogado, pode nem ser o melhor, mas sempre será um civil escolhido pelos eleitores de maneira livre e secreta.

Negociar o quê?

Os governadores, liderados por João Doria, erram ao tentar negociar com o presidente Jair Bolsonaro. Não há o que negociar. Não há mais diálogo possível com o chefe do Executivo. Os entendimentos têm que ser feitos com os Poderes Legislativo e Judiciário, com os setores organizados da economia, o agronegócio incluído, com sindicatos patronais e profissionais, com a comunidade acadêmica e com a sociedade civil. É impossível pacificar o país convencendo Bolsonaro que o caminho moralmente aceito e constitucionalmente possível não é o dele.

Não chamem os bombeiros

Neste momento, bombeiros apenas atrapalham o percurso que o Brasil terá de seguir até se ver livre de Bolsonaro. O ministro Luiz Fux já tirou o uniforme e o capacete e voltou a usar a toga.

Cabeça de bozo

Os brasileiros lotaram as praias e os parques no fim de semana passado. Ipanema, vista de quem andava do outro lado da calçada, parecia viver um veranico normal, como se estivéssemos em agosto de 2019. Havia de tudo naquela orla, menos máscaras. Ah, sim, faltaram também as bandeiras do Brasil.

Beija mão 1

O presidente parece mesmo disposto a destruir a candidatura de André Mendonça para o Supremo. Jogou Mendonça aos lobos ao informar aos apoiadores do seu curralzinho no Alvorada que o candidato a juiz se comprometeu de rezar na primeira sessão de cada semana da Corte e com ele almoçar uma vez por semana.

Beija mão 2

Quem notou o gesto e já fez um rápido movimento para ocupar o vácuo involuntário deixado por André Mendonça foi o ministro do STJ João Otávio Noronha.

Beija mão 3

O apoio do pastor Silas Malafaia ajuda ou atrapalha a candidatura de Mendonça? Se desse para agradecer e dizer “não, obrigado”, essa era a hora.

Nosso Rio

Muito bom o Instagram da Prefeitura do Rio. Moderno, ágil, didático, bem humorado. Vale como uma aula de comunicação.

Melhor calar

Lula é mesmo muito corajoso. Podia ficar na dele, calado sobre assuntos polêmicos em que o PT está do lado errado da corda esticada. No caso da censura à imprensa, apelidada de regulação da mídia pela sua turma, Lula disse que será prioridade em seu governo. Por falar demais, deixou escapar sua real motivação: “Eu vi como a imprensa destruía o Chávez”. Significa que é melhor calar a imprensa antes de ouvir dela denúncias contra o seu governo. Na Venezuela, aliás, a imprensa foi dizimada por Chávez e Maduro.

Respeitem os índios

Não é de hoje que os índios brasileiros são desrespeitados e vilipendiados por seus conterrâneos não originários. Quase todos os ataques que sofrem têm natureza econômica em razão da ocupação e exploração de terras. Mas eles também sofrem preconceitos racistas facilmente identificados. O que os índios brasileiros querem é viver em paz nas suas terras. E querem também, se entenderem ser este o caso, ter o direito de eles próprios explorarem seus recursos naturais e suas áreas agricultáveis. Deve-se respeitar o índio como nosso mais rico patrimônio antropológico.

Pobre Minas

Quem achava que Minas Gerais não poderia chegar mais fundo no poço em que se meteu, surpreendeu-se com a aparição de Romeu Zuma, na cola do meteoro Bolsonaro de 2018. O governador causa mais vergonha aos mineiros do que um de seus mais célebres antecessores. Minas está cada vez mais parecida com o Rio. Acha o governador atual ruim? Corrupto? Espere o próximo.

Chora mais

Fabio Rigo, herdeiro da empresa que produz o arroz Prato Fino, atacou o SUS no seu Twitter, disse que teve Covid sem sentir cócegas, que não vai se vacinar e concluiu com a frase imortal dos abusados: “Quem pode mais, chora menos”. O tweet foi postado 16 horas depois de o Grêmio, seu time de coração, levar de 4 X 0 do Flamengo. Com todo respeito aos demais gremistas, chora mais, Rigo.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-poder-politico-civil-25174643


Cristovam Buarque: A pobreza da democracia

Terceira maior pobreza é quando lideranças democráticas se submetem a apelar aos generais para que eles respeitem as eleições

Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles

A maior pobreza da democracia brasileira é não ter adotado uma estratégia para abolir a pobreza da população: não movemos a linha da pobreza nem aterramos o abismo da desigualdade. A segunda é a incerteza: se os portadores de armas aceitarão os resultados das urnas. A terceira maior pobreza é que as lideranças democráticas se submetem a apelar aos generais para saber se eles respeitarão as eleições. Foi o que vimos na semana passada, quando ex-presidentes, ex-ministros e líderes políticos procuraram militares para saber se os generais apoiariam golpe para impedir a derrota eleitoral do atual presidente.

Esta consulta demonstra a pobreza da democracia brasileira e das lideranças democráticas. Em uma democracia consolidada não haveria este temor aos militares. Eles estariam fora da política. Como estão em todos os outros países do continente, com exceção da Venezuela e do Brasil. Ao perceberem a fragilidade da democracia, os políticos deveriam unir as forças democráticas para enfrentar o risco de golpe. É a unidade nas urnas que dá força para vencer as armas. No lugar disto, nossos líderes se dividem, se antagonizam e, depois de ouvirem as manifestações legalistas dos generais, voltam tranquilos da conversa e continuam se digladiando entre si, confiantes de que o regime democrático sobreviverá, graças à boa vontade dos militares.


BOLSONARO E O GENERAL PAULO SÉRGIO NOGUEIRA (EXÉRCITO)


(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 12/08/2021) Solenidade de Promoção de Oficiais-Generais. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 31/03/2021) Encontro com os novos comandantes das Forças Armadas. Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 20/04/2021) Solenidade de Passagem do Cargo de Comandante do Exército, do General de Exército Edson Leal Pujol ao General de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Resende - RJ, 14/08/2021) Cerimônia de Entrega de Espadim aos Cadetes da Turma Bicentenário do General João Manoel Menna Barreto.
(Brasília - DF, 10/08/2021) Desfile Operação Formosa 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Esquecem que o maior incentivo ao golpe é a divisão dos líderes civis ao empurrarem os militares, provocados diante do vazio e da instabilidade que ameaça o País. As lideranças também esquecem o pouco significado da opinião dos comandantes, porque o desrespeito às urnas raramente parte de generais comandantes. Em muitos golpes, os primeiros presos são os generais, por determinação de coronéis, motivados pela divisão, incompetência ou corrupção de civis. Às vezes, o golpe vem de polícias ou milicias armadas ou do povo na rua. Não é raro também os golpes virem de um líder político contra os outros.

Quando perguntados se haveria golpe, os generais deveriam ter devolvido a pergunta aos políticos: “vocês acham que há clima para golpe? De onde viria?” Se não fossem enfáticos, ainda poderiam perguntar: “onde vocês erraram e estão errando para esta hipótese ser considerada.

A única forma de as urnas vencerem as armas está na unidade dos políticos democráticos. Para isto, devem entender que não é por gosto ou vocação que militares dão golpe e desmancham a democracia. Fazem isto empurrados quando a democracia demonstra esgotamento, quase sempre por incompetência e divisionismo entre políticos civis. Não precisam perguntar aos militares se eles querem intervir. Eles responderão corretamente que não querem e nunca quiseram, nem mesmo em 1964.

Foi a divisão entre políticos, o clima de instabilidade, a polarização da guerra fria e um general afoito que deslancharam o golpe. Para evitar golpe, os democratas devem evitar o acirramento da disputa no primeiro turno, cujas disputas e acusações deixam pouca margem para a unidade no segundo. Devem escolher um nome com mais chance de ser eleito e este assumir que seu governo promoverá união de todos para defender o poder das urnas. Mas isto parece impossível, e o outro lado, um presidente isolado, despreparado, com claros sinais de demência, pode provocar a instabilidade que levará a um golpe que os militares não querem fazer, mas os políticos divididos poderão provocar e serem as vítimas depois. Não será a primeira vez na história.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/a-pobreza-da-democracia-por-cristovam-buarque


Elio Gaspari: As Polícias Militares são uma questão militar

É ali que mora a encrenca

Elio Gaspari / O Globo

O ministro da Defesa, general Braga Netto, sabe melhor que ninguém o que está acontecendo em algumas Polícias Militares. Em 2018, ele comandou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Enxugou gelo, mas sentiu a temperatura. Um episódio, ocorrido no 18º BPM (Jacarepaguá), ilustra o que acontecia.

Um general do Exército foi inspecionar o quartel e, para recebê-lo, havia uma guarda formada por 20 soldados. O coronel comandante ordenou que dessem continência ao general, e uma parte da tropa fez que não ouviu. Teve de repetir: “Todo mundo”. Só então foi obedecido.

O governador de São Paulo acaba de tirar o comando de um coronel da PM que convidou os “amigos” para a manifestação de apoio a Jair Bolsonaro no Sete de Setembro. Em manifestações anteriores, ele já havia chamado o presidente do Senado de “covarde”.

Motins de PMs entraram na vida nacional há poucas décadas. Desde 2012, foram pelo menos seis e, em quatro casos, foi necessária a intervenção da tropa do Exército.

Como general, Braga Netto conhece a relação funcional e auxiliar das Polícias Militares com as Forças Armadas. Como interventor no Rio, sabe quase tudo. Como ministro do governo de Bolsonaro, conhece os projetos que tramitam no Congresso dando autonomia administrativa às PMs. Conhece até mesmo o dispositivo que cria patentes de general nessas corporações. Isso para não mencionar a familiaridade de Bolsonaro com cerimônias de policiais militares. Em 2018, ainda candidato, visitou o Batalhão de Operações Especiais do Rio e saudou a tropa com o grito de “caveira”.

A ideia de um dispositivo político amparado em simpatizantes das PMs tem duas pontas. A primeira, visível, é a militância truculenta. Isso se viu no Recife e em episódios esparsos no Rio, em Goiás e em Minas Gerais. A segunda, muito mais tóxica, é a transformação das Polícias Militares numa espécie de quarta força armada. Bolsonaro nomeou dezenas de oficiais da ativa e da reserva das PMs para cargos federais. Numa trapaça da sorte, o astucioso Luiz Paulo Dominguetti, que negociava a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde, é um cabo da ativa da PM mineira. Essa ponta do problema está sobre a mesa do general Walter Braga Netto, atual ministro da Defesa.

Enquanto a politização das Polícias Militares segue a agenda do Planalto, ela pode ser agradável para os generais do pelotão palaciano. Trata-se de um engano, pois, uma vez politizadas, as PMs podem mudar de agenda e, quando isso acontece, fica vulnerável o poder central.

Como capitão, Bolsonaro foi um mau militar. Como presidente, colocou as Forças Armadas, ou “meu Exército”, em situações constrangedoras, como sucedeu com a gestão do general Eduardo Pazuello e de sua tropa de ocupação no Ministério da Saúde. Tratou-se de uma má experiência, mas coisas desse tipo acontecem.

Bem outra coisa é o aparecimento de manifestações políticas amparadas em convites de coronéis das PMs para dar apoio a iniciativas do Planalto.

Braga Netto tem um problema sobre a mesa: as PMs são forças auxiliares do Exército, Marinha e Aeronáutica, ou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica podem viver situações políticas em que são forças auxiliares das PMs?

Texto original: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/as-pms-sao-uma-questao-militar-25169171