Elio Gaspari: Há três setes na mesa dele

Bolsonaro está sem rumo

Elio Gaspari / O Globo

Se Donald Trump tinha um plano para a insurreição de 6 de janeiro, durou cerca de seis horas. Se Bolsonaro tinha o seu plano para o 7 de Setembro, durou menos de quatro horas. Às 11h43, ele anunciou a convocação do Conselho da República, sabe-se lá para que, e lá pelas 15h o Palácio do Planalto informou que a reunião estava esquecida.

No seu discurso matutino, Bolsonaro mostrou-se desorientado. Referindo-se ao ministro Luiz Fux, ele disse: “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”. A frase não faz sentido. O presidente do Supremo não tem poder para “enquadrar” a Corte. (A menos que Bolsonaro esteja fazendo fé na faixa preta de jiu-jítsu de Fux.) Também não tem sentido o “sofrer aquilo que não queremos”. Primeiro, porque falta dizer o que “queremos”, depois porque falta explicitar o que significa “sofrer”. À tarde, Bolsonaro fulanizou sua carga contra o ministro Alexandre de Moraes: “Ou ele se enquadra ou pede para sair”. Não disse como, nem por quê. Também não explicou o mecanismo legal que poderá livrá-lo de Moraes.

Hoje, ao chegar ao Planalto, Bolsonaro não terá na agenda a tal reunião com o Conselho da República, mas lá estarão os três setes que assombram o Brasil no seu 199º ano de existência:

O litro da gasolina a R$ 7, com a inflação e os juros arriscando chegar a 7%.

Isso para não falar nos 14 milhões de desempregados num país que rala em pandemia que já matou mais de 580 mil pessoas. Todos esses problemas exigem que o governo trabalhe. É serviço para formigas, não para cigarras.

Se qualquer dos problemas que estão sobre a mesa de Bolsonaro pudesse ser resolvido tirando Moraes ou qualquer outro ministro do Supremo, eles certamente mandariam as togas para o Planalto. Contudo, no seu discurso vespertino, Bolsonaro pronunciou a palavra mágica de suas ansiedades: “inelegibilidade”.

Bolsonaro tem uma só preocupação: continuar na Presidência. Teme perder a eleição, por isso continua satanizando as urnas eletrônicas. Sabe que corre o risco de ser declarado inelegível pelo que fez e deixou fazer em suas campanhas e antecipa-se. Declará-lo inelegível em 2022 por malfeitorias de 2018 dará ao processo legal um cheiro desagradável de tapetão.

Nada melhor que chamar os eleitores, computar os votos e empossar o candidato que tiver mais votos.

Até a hora em que Bolsonaro terminou seu segundo discurso, o 7 de Setembro de 2021 transcorreu em paz. Ficou apenas uma ameaça de Bolsonaro: ele diz que não cumprirá ordens da Justiça que vierem a desagradá-lo. A ver.

Bolsonaro diz que continuará dentro das quatro linhas da Constituição, mas ameaça sair do quadrado, sem dizer como. Falta pouco mais de um ano para a eleição, e novas crises virão.

Os três setes continuarão sobre a mesa do presidente, com suas próprias tensões. As ruas continuarão abrigando gente que acredita em cloroquina, no grafeno, no nióbio e nas fraudes das urnas eletrônicas.

A História oferece um refresco. Os restos mortais de Napoleão chegaram a Paris em 1840, 19 anos depois de sua morte. Naqueles dias, só no manicômio de Bicêtre, havia 14 Napoleões.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/ha-tres-setes-na-mesa-dele-25188247


Elio Gaspari: A briga pueril do ministro da Saúde Marcelo Queiroga

Ministro da Saúde condenou o que chama de 'demagogia vacinal' praticando obscurantismo oral em torno da dose de reforço

Elio Gaspari / O Globo

Aos 55 anos, o doutor Marcelo Queiroga meteu-se numa briga pueril com o governador paulista João Doria. Ambos correram para anunciar o início da aplicação da terceira dose das vacinas contra a Covid. É o jogo jogado, caçam-se imunizantes para o bem de todos e felicidade geral da nação. Nada a ver com Bolsonaro dizendo a um repórter para ir buscar vacina “na casa da tua mãe”.

Aborrecido porque Doria anunciou que ofereceria a terceira dose a partir do próximo dia 6, Queiroga deu-se a um lance de terrorismo sanitário: “Se cada um quiser criar um regime próprio, o Ministério da Saúde, lamentavelmente, não terá condição de entregar vacinas. Temos que nos unir aqui para falar a mesma língua. Se for diferente, vai faltar dose mesmo (...) Juiz não vai assegurar dose que não existe”.

A diferença entre a promessa de Doria e a do Ministério da Saúde é de apenas nove dias. O que Queiroga disputa é a primazia. Para isso, não precisava ameaçar. Até porque Doria oferece as vacinas que contratou e Bolsonaro desdenhou. Ademais, no dia seguinte ao destempero do doutor Queiroga, a repórter Patrícia Campos Mello expôs o vexame que a administração do general Eduardo Pazuello produziu em janeiro, correndo contra o relógio para trazer vacinas federais antes que Doria começasse seu programa em São Paulo. Torraram US$ 500 mil com o frete de um avião para ir à Índia buscar uma encomenda que não estava disponível. Querendo atrapalhar a vacinação de Doria com o gogó, Queiroga seguiu o estilo patético de Bolsonaro, quando disse que o imunizante chinês não seria comprado, e do coronel da reserva Elcio Franco, que acusou o governador de sonhar acordado prometendo vacinação para janeiro. (Ele cumpriu.)

Queiroga condenou o que chamou de “demagogia vacinal”, praticando uma forma de obscurantismo oral. O doutor pode não ter percebido, mas entrou para um governo cujo titular já chamou a Covid de “gripezinha“ e a segunda onda de “conversinha”. Isso, fazendo-se de conta de que não aconteceram as traficâncias reveladas pela CPI.

Macumba eleitoral

Quem acha que Jair Bolsonaro não terá fôlego para chegar ao segundo turno da eleição do ano que vem baseia-se numa projeção do que se denomina de “efeito Covid”.

Nessa conta, cada morte irradiou-se, afetando cem adultos entre parentes, vizinhos e colegas de trabalho. Isso resulta no comprometimento de 57 milhões de votos.

Cenas fantásticas

Um ministro de Bolsonaro imaginou uma cena catastrófica, ao estilo dos pelotões palacianos:

“Se um mandado de busca contra o presidente é expedido pelo STF, a Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado pelo Exército. O que acontece? A PF vai retirar o solados?”

A construção é improvável, mas, ficando-se no campo da fantasia, pode-se refrasear a questão:

A Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado pelo Exército. Ela volta nos dias seguintes. O que acontece? O Exército ficará cercando o palácio para descumprir uma ordem judicial?

Nem Woody Allen no seu filme Bananas imaginou uma cena tão ridícula.

Bolsonaro e André Mendonça

Bolsonaro combinou uma rotina de convivência com André Mendonça, caso ele venha a ser confirmado para ocupar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal: os dois manteriam uma agenda de almoços semanais, para sincronizar suas posições.

Ao lado da cloroquina, do nióbio, do grafeno e da soma de -4 com +5 resultando num +9, essa é uma de suas ideias estapafúrdias.

Primeiro, porque avacalha o ministro do Supremo, seja ele quem for.

Segundo, porque o capitão desconfiará do comensal antes do terceiro almoço.

Má ideia

No escurinho de Brasília, circula a lenda de que Bolsonaro fez chegar ao Supremo Tribunal Federal o desconforto que lhe causa a possibilidade de sair do Judiciário uma notícia desagradável para seu círculo familiar.

Se for verdade, errou três vezes.

Primeiro, porque revela vulnerabilidade. Depois, porque bateu no gabinete errado. Finalmente, porque ele não tem cartas para jogar baralho com o ministro Alexandre de Moraes.

O capitão e Pacheco

Com um pouco de empenho, Jair Bolsonaro poderia ter sabido que o senador Rodrigo Pacheco mandaria ao arquivo seu pedido de impedimento do ministro Alexandre de Moraes.

De duas uma:

A assessoria parlamentar de Bolsonaro não presta.

Ela presta, e ele queria criar um caso com o presidente do Senado.

A sombra atrás de Biden

Joe Biden está mais perdido que americano em Cabul ao lidar com a crise do Afeganistão. Noves fora os fiascos, ele deu entrevistas na Casa Branca tendo às costas um quadro que retrata um cavaleiro fardado.

É Theodore Roosevelt, com o uniforme do regimento de voluntários que formou em 1898 para ir combater em Cuba contra os espanhóis. A roupa foi cortada na loja Brooks Brothers. Ele já havia ido a caçadas com uma faca feita pelos prateiros da Tiffany's. Seu desempenho na guerra de Cuba deu-lhe fama, elegeu-se governador de Nova York e presidiu os Estados Unidos de 1901 a 1909.

Na quinta-feira, Biden teve a boa ideia de não falar com Teddy Roosevelt às costas. Para o bem ou para o mal, resoluto, ele foi tudo o que Biden gostaria de ser.

O quadro, ruinzinho, é de um pintor de dondocas.

Madame Natasha

Madame Natasha não entende nada que o doutor Paulo Guedes diz, mas admite que isso se deve à sabedoria que nele abunda e nela escasseia.

Pela segunda vez em poucas semanas, Guedes reclamou de que “tudo o que eu falo é tirado do contexto”. Assim foi com as empregadas domésticas que iam para a Disney e com o filho do porteiro que entrou para a faculdade. Sua última batatada foi a seguinte: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”

O problema é que a energia, o óleo de soja e o prato feito ficaram mais caros, e o salário (quando existe) continua o mesmo.

Natasha sabe que não se pode impedir Guedes de produzir frases. Mesmo assim, sugere ao doutor que se livre da praga que o persegue valendo-se de um método simples:

Primeiro, ele avisa qual é o contexto. Depois, fala o que bem entender.

Bolsonaro acordou

Bolsonaro acordou para a crise hídrica com pelo menos três meses de atraso.

Em junho, sem se referir a ele, o professor Adilson de Oliveira, da UFRJ, escreveu um artigo com o seguinte título:

“É a água, estúpido.”

Agora o capitão reconheceu:

“Em grande parte dessas represas já estamos na casa de 10%, 15% de armazenamento. Estamos no limite do limite. Algumas vão deixar de funcionar se essa crise hidrológica continuar existindo.”

Para quem assumiu no dia 1º de janeiro de 2019 e duas semanas depois acordou com o desastre de Brumadinho, ele deveria ter procurado uma benzedeira.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-briga-pueril-de-queiroga-25175376


Elio Gaspari: As Polícias Militares são uma questão militar

É ali que mora a encrenca

Elio Gaspari / O Globo

O ministro da Defesa, general Braga Netto, sabe melhor que ninguém o que está acontecendo em algumas Polícias Militares. Em 2018, ele comandou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Enxugou gelo, mas sentiu a temperatura. Um episódio, ocorrido no 18º BPM (Jacarepaguá), ilustra o que acontecia.

Um general do Exército foi inspecionar o quartel e, para recebê-lo, havia uma guarda formada por 20 soldados. O coronel comandante ordenou que dessem continência ao general, e uma parte da tropa fez que não ouviu. Teve de repetir: “Todo mundo”. Só então foi obedecido.

O governador de São Paulo acaba de tirar o comando de um coronel da PM que convidou os “amigos” para a manifestação de apoio a Jair Bolsonaro no Sete de Setembro. Em manifestações anteriores, ele já havia chamado o presidente do Senado de “covarde”.

Motins de PMs entraram na vida nacional há poucas décadas. Desde 2012, foram pelo menos seis e, em quatro casos, foi necessária a intervenção da tropa do Exército.

Como general, Braga Netto conhece a relação funcional e auxiliar das Polícias Militares com as Forças Armadas. Como interventor no Rio, sabe quase tudo. Como ministro do governo de Bolsonaro, conhece os projetos que tramitam no Congresso dando autonomia administrativa às PMs. Conhece até mesmo o dispositivo que cria patentes de general nessas corporações. Isso para não mencionar a familiaridade de Bolsonaro com cerimônias de policiais militares. Em 2018, ainda candidato, visitou o Batalhão de Operações Especiais do Rio e saudou a tropa com o grito de “caveira”.

A ideia de um dispositivo político amparado em simpatizantes das PMs tem duas pontas. A primeira, visível, é a militância truculenta. Isso se viu no Recife e em episódios esparsos no Rio, em Goiás e em Minas Gerais. A segunda, muito mais tóxica, é a transformação das Polícias Militares numa espécie de quarta força armada. Bolsonaro nomeou dezenas de oficiais da ativa e da reserva das PMs para cargos federais. Numa trapaça da sorte, o astucioso Luiz Paulo Dominguetti, que negociava a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde, é um cabo da ativa da PM mineira. Essa ponta do problema está sobre a mesa do general Walter Braga Netto, atual ministro da Defesa.

Enquanto a politização das Polícias Militares segue a agenda do Planalto, ela pode ser agradável para os generais do pelotão palaciano. Trata-se de um engano, pois, uma vez politizadas, as PMs podem mudar de agenda e, quando isso acontece, fica vulnerável o poder central.

Como capitão, Bolsonaro foi um mau militar. Como presidente, colocou as Forças Armadas, ou “meu Exército”, em situações constrangedoras, como sucedeu com a gestão do general Eduardo Pazuello e de sua tropa de ocupação no Ministério da Saúde. Tratou-se de uma má experiência, mas coisas desse tipo acontecem.

Bem outra coisa é o aparecimento de manifestações políticas amparadas em convites de coronéis das PMs para dar apoio a iniciativas do Planalto.

Braga Netto tem um problema sobre a mesa: as PMs são forças auxiliares do Exército, Marinha e Aeronáutica, ou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica podem viver situações políticas em que são forças auxiliares das PMs?

Texto original: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/as-pms-sao-uma-questao-militar-25169171


Elio Gaspari: Cabul, Saigon, Shaaban, Budapeste

Os americanos defendem seus interesses

Elio Gaspari / O Globo

Quando Donald Trump botou o apelido de “Joe Dorminhoco” em Joseph Biden, ele sabia do que tratava. Biden às vezes fecha os olhos enquanto fala e fez fama com suas declarações impróprias.

A sorte faltou-lhe no dia 8 de julho passado, quando um repórter duvidou de sua estratégia de retirada do Afeganistão:

— Presidente, sua comunidade de informações diz que o governo afegão poderá entrar em colapso.

— Isso não é verdade.

Mais adiante, outro jornalista insistiu:

—Alguns veteranos do Vietnã estão vendo semelhanças com a retirada do Afeganistão. O senhor vê algum paralelo entre essa retirada e o que aconteceu no Vietnã?

—Nenhuma, zero.

Quem viu as imagens dos afegãos no aeroporto de Cabul, ou das pessoas caindo de um avião em voo, imediatamente as associou às cenas de Saigon em 1975 ou aos corpos que caíam das Torres Gêmeas de Nova York na manhã de 11 de setembro de 2001.

As diferenças entre o que aconteceu em Saigon e o que está acontecendo em Cabul são enormes, mas falar em “zero” foi uma leviandade de Biden. O acordo que entregaria o Afeganistão ao Talibã foi fechado por Donald Trump, mas o custo do “zero” de Biden só poderá ser avaliado em novembro do ano que vem, depois da eleição que renovará a Câmara e uma parte do Senado.

Os americanos gostam de cultivar uma imagem de onipotência irreal em si e tóxica ao longo dos tempos. Em 1956, eles deixaram na chuva os húngaros que se rebelaram contra a União Soviética. Em 1975, abandonaram seus aliados de Saigon. (Naquela ocasião, o senador Joe Biden disse que votaria qualquer verba para resgatar americanos, mas não queria que se misturasse a iniciativa com o resgate de vietnamitas.) Em 1991, os iraquianos que se rebelaram contra Saddam Hussein na Intifada de Shaaban foram massacrados. Em todos os casos, o governo dos Estados Unidos defendeu os interesses dos americanos. Quem acreditou que poderia ser diferente arrostou, como arrostam os afegãos.

A aventura americana custou mais de US$ 1 trilhão, ervanário equivalente ao que Joe Biden pretende gastar na recuperação de infraestrutura dos Estados Unidos. Algum dia essa despesa será examinada e vai-se constatar que as picaretagens apensas às compras de vacinas brasileiras foram golpes microscópicos se comparadas com as maracutaias da privataria das forças de ocupação americanas. Basta lembrar que por lá também se falou num “Plano Marshall” para o Afeganistão. Felizmente, o de Pindorama ficou só no palavrório.

A catástrofe afegã levará tempo para ser digerida. Quem viu as imagens do Talibã no palácio presidencial de Cabul deve medir o tamanho de uma mistificação que está em curso. Ninguém mexeu em nada, nem no bonito relógio que ficava sobre a mesa de reuniões. Puro teatro. Nas cidades do norte, lojas estavam sendo saqueadas.

Joe Biden lembrou na segunda-feira, dia 16, que os Estados Unidos foram para o Afeganistão há 20 anos porque lá o Talibã hospedava os terroristas da al-Qaeda, que derrubaram as Torres Gêmeas de Nova York em setembro de 2001. Verdade. Mas há 20 anos, no mesmo dia 16 de agosto, foi preso nos Estados Unidos Zacarias Moussaoui. Ele tomava aulas em simuladores de voo, e um instrutor desconfiou de suas intenções. As investigações empacaram, apesar de um agente do FBI ter registrado que ele queria jogar um avião numa das Torres Gêmeas. Deu no que deu.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/cabul-saigon-shaaban-budapeste-25159735


A voz de Trump vem ao Brasil

Entre ex-presidente americano e Bolsonaro a diferença são os militares

Elio Gaspari / O Globo

A repórter Beatriz Bulla revelou que deve chegar ao Brasil no próximo domingo Jason Miller, ex-porta-voz de Donald Trump. Vem divulgar sua rede social, Gettr, criada para contornar a expulsão de Trump das grandes plataformas americanas. A Gettr tem 250 mil brasileiros listados. Entre eles estão Jair Bolsonaro e dois de seus filhos.

Miller foi uma testemunha privilegiada da ruinosa insurreição de 6 de janeiro, quando Trump tentou melar o resultado da eleição americana. Para quem viu o desfile do pelotão da fumaça em frente ao Palácio do Planalto na semana passada, o golpe de Trump era muito mais delirante.

À tarde, o vice-presidente Mike Pence presidiria a reunião do Senado que sacramentaria a eleição de Joe Biden.

Às oito da manhã, Trump sabia que tinha milhares de seguidores em Washington e falou com Jason Miller. Esperava que Pence aceitasse as objeções dos republicanos e revertesse o resultado: “Faça isso, Mike. Esta é a hora da coragem”, tuitou.

Pouco depois, Trump ligou para Pence, mas o vice disse que não tinha poderes para tanto. Seu papel seria apenas cerimonial. “Você não tem coragem”, respondeu Trump. Ele tinha um plano e foi para um comício perto da Casa Branca.

Por volta de meio-dia e meia, enquanto Trump discursava incitando a multidão, Pence soltou uma nota oficial informando que não reverteria o resultado da eleição. Às 12h58m começava a invasão da área do Capitólio.

Às 14h12m, a multidão estava nos corredores. Alguns gritavam “enforquem Pence”. O vice-presidente e os senadores foram retirados do plenário, e o vice foi levado para um lugar seguro. Trump tuitava: “Mike Pence não teve a coragem de fazer o que devia ser feito.”

Estava enganado. Agentes de segurança queriam levar Pence para uma base aérea, mas ele decidiu ficar no prédio. Às 16h, o vice-presidente telefonou para o secretário de Defesa informando que pretendia retomar os trabalhos e queria que o Capitólio estivesse livre dos invasores: “Mande a tropa, mande logo.”

Entre o instante em que Pence deixou o plenário do Senado e as 20h, quando voltou para sua cadeira, a insurreição estava contida. Passaram-se seis horas, durante as quais as instituições democráticas americanas foram postas à prova.

Donald Trump passou a maior parte do tempo grudado nas televisões. Com o tempo, vai-se saber quem ligou para quem, dizendo o quê.

Às 21h, quando Pence já havia recomeçado a sessão que confirmaria a vitória de Joe Biden, Jason Miller começou a redigir uma nota na qual Donald Trump aceitava que se procedesse a uma “transição ordeira”. Reconhecia a necessidade da transição, o que não significava que reconhecesse o resultado da eleição. Fosse qual fosse o plano que Donald Trump tinha na cabeça, estava acabado.

Trump e Bolsonaro

Durante as seis horas de caos em Washington, Bolsonaro pôs suas fichas no cavalo errado.

Ele disse o seguinte:

“Eu acompanhei tudo hoje. Você sabe que sou ligado ao Trump. Então, você sabe qual a minha resposta aqui. Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso um tempo atrás, e a imprensa falou: ‘Sem provas, presidente Bolsonaro falou que foi fraudada a eleição americana’”

Poucas vezes, houve tamanha afinidade entre um presidente brasileiro e seu colega americano. Quando Bolsonaro disse “sou ligado ao Trump”, apontava para uma conexão que vai além da simpatia.

Trump contestava a eleição de Joe Biden. Bolsonaro contestava não só a eleição americana, como também a brasileira do ano que vem.

Trump acreditou na cloroquina e na imunidade de rebanho. Bolsonaro também.

Trump recusou-se a usar máscaras e duvidou da utilidade do distanciamento social. Bolsonaro também.

Trump disse que o vírus foi uma criação chinesa. Bolsonaro também. (Fazendo-se justiça a Trump, ele só saiu com essa patranha depois que os chineses disseram que o vírus havia sido espalhado pelos americanos.)

Por mais delirante que Trump tenha sido na sua conduta durante a pandemia, não há vestígio de picaretas agindo com relativo sucesso na burocracia da saúde pública americana.

Trump encrencou com seu vice. Bolsonaro também.

Trump quis militarizar o feriado de 4 de julho nos Estados Unidos botando tanques nos jardins da Casa Branca. Bolsonaro desfilou blindados fumacentos diante do Planalto.

Trump e os militares

É no capítulo das relações com os militares que salta aos olhos uma diferença entre o que aconteceu nos Estados Unidos e o que acontece no Brasil.

Lá, como cá, apareceram militares da reserva propondo excentricidades. Um general trumpista da reserva queria colocar o país sob lei marcial. Ficou no palavrório.

O general Mark Miley, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA, sentiu cheiro de queimado na movimentação dos trumpistas antes do 6 de janeiro.

Vendo uma manifestação em Washington no dia 2, ele cravou: “Esse é um momento do Reichstag. O Evangelho do Führer”.

Era uma comparação com os assaltos de Hitler ao regime democrático da Alemanha.

Não há prova de que Trump tenha tentado mover tropas do Exército, Marinha ou Aeronáutica no seu pastelão.

Pelo contrário. Na tarde do dia 6, quem pediu tropas foram os democratas Nancy Pelosi e Charles Schumer.

No dia 8, quando Trump já estava no chão, Pelosi, presidente da Câmara, telefonou para o general Miley, argumentando que o presidente estava fora de si e poderia fazer outras maluquices. Ela especulava a possibilidade de declará-lo incapaz.

Quanto às maluquices (o uso de armas nucleares para criar um caso), Miley tranquilizou-a. Quanto à declaração da incapacidade de Trump, ele cortou:

“Eu não vou caracterizar o presidente. Não é meu papel.”

Serviço

Estão na rede três reconstituições das maluquices de Donald Trump, publicadas nos Estados Unidos.

Diante da pandemia:

“Nightmare Scenario“ (Cenário de Pesadelo), de Yasmeen Abutaleb e Damian Paletta.

Sobre o 6 de janeiro:

“Landslide” (Expressão em inglês para designar uma vitória folgada numa eleição), de Michael Wolff

 “I Alone Can Fix It” (Eu Consigo Consertar Isso), de Carol Leonnig e Philip Rucker

Madame Natasha

Madame Natasha acompanha as sessões da CPI da Covid mascando cloroquina e decepcionou-se com a intenção dos senadores de acusar Bolsonaro por “charlatanismo e curandeirismo” durante a pandemia.

Charlatanismo, vá lá, mas falar em curandeirismo é uma ofensa aos muitos pajés do círculo de amizades da senhora.

O charlatão sabe que o óleo de peixe não cura reumatismo. Já o curandeiro acredita nas virtudes de suas poções.

Zé Arigó (1921-1971) foi um homem honesto. João de Deus, antes de ser apanhado em seus delitos sexuais, fez fama atendendo muita gente boa. Isso para não mencionar os milhares de pajés que cuidaram de indígenas. O cacique Takumã Kamayura (1932-2014) é hoje uma lenda para os povos do Xingu.

Natasha acredita que essa confusão é crendice de homem branco.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-voz-de-trump-vem-ao-brasil-25155834


Brigar com vice é mau negócio. O Brasil não precisa de mais esse rolo

Elio Gaspari /O Globo

Em apenas dois meses, Bolsonaro ameaçou não realizar eleições, insultou senadores da CPI, disse que faltou maconha nos protestos contra seu governo e queixou-se da Receita Federal por ter ido “com muita sede ao pote” num projeto que não é dela, mas do ministro da Economia do seu governo. É compreensível que uma pessoa capaz de acreditar que a cloroquina remedeia a Covid-19 e que as vacinas são experimentais acredite em bizarrices. Ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, somou -4 com +5, obteve um +9 e viu no desempenho econômico do seu governo “um milagre”: “É inacreditável”.

Atitudes inacreditáveis, porém pontuais, são uma coisa, mas presidente atacando seu vice publicamente é coisa perigosa, que, além de tudo, traz falta de sorte. Bolsonaro disse que seu vice, Hamilton Mourão, “por vezes atrapalha”. Comparou-o a um cunhado: “Você casa e tem de aturar (...), não pode mandar o cunhado embora”. Ao contrário do que acontece com seus cunhados, quem escolheu Mourão para vice foi ele. Aturá-lo faz parte da ordem constitucional.

Fernando Henrique Cardoso e Lula tiveram nos vices Marco Maciel e José Alencar colaboradores exemplares. Nos últimos 50 anos, dois presidentes encrencaram com seus vices: Dilma Rousseff e João Baptista Figueiredo. Ambos se deram mal. Ela foi retirada do cargo, e Michel Temer tomou-lhe o lugar. Figueiredo saiu do palácio por uma porta lateral, enquanto o vice Aureliano Chaves tomava posse no ministério escolhido por Tancredo Neves. Indo mais longe, Jânio Quadros não se dava com João Goulart e renunciou achando que ele não seria empossado. No mínimo, brigar com vice não dá sorte.

Mourão foi escolhido às pressas (o preferido era o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança ) e acreditou que teria uma função relevante no governo, talvez cuidando da infraestrutura. Esqueceu-se da lição de Stanislaw Ponte Preta, o inesquecível personagem do jornalista Sérgio Porto: “Vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada”.

Mourão está acima da média da equipe de Bolsonaro e poderia ter ajudado em tarefas mais meritórias do que embarcar para Angola numa missão municipal. Ademais, ele só foi colocado na chapa porque traria consigo um apoio militar. Fosse qual fosse o tamanho desse apoio, também não dá sorte perdê-lo. Sobretudo numa fase durante a qual, para um militar, a associação com Bolsonaro pode trazer vantagens, mas cobra prestígio.

O pior que pode acontecer a um país com mais de 550 mil mortos numa pandemia e 14,7 milhões de vivos desempregados é ter um capitão na Presidência desentendido com um general na Vice. Mourão e Bolsonaro não conseguiram criar uma relação parecida com as dos dois presidentes da ditadura que tiveram vices militares. O almirante Rademaker (vice de Emílio Médici) e o general Adalberto Pereira dos Santos (vice de Ernesto Geisel) dormiam até tarde e foram felizes para sempre.

É sabido que o presidente e seu vice afastaram-se. Contudo uma separação pública de Bolsonaro e Mourão conduzirá inevitavelmente a um reflexo no meio militar. Quando esse veneno entra nos quartéis, a desintoxicação custa caro e demora anos para cicatrizar.


Elio Gaspari: Por que Queiroz depositou R$ 89 mil?

O MP não tem pressa, só perguntas

Em 2018 Jair Bolsonaro era o presidente eleito quando teve que explicar um depósito de R$ 24 mil feito pelo faz-tudo Fabrício Queiroz na conta de sua mulher. À época ele disse que esse dinheiro se relacionava com uma dívida de R$ 40 mil que o ex-PM tinha com ele.

O senador Flávio Bolsonaro conversou com Queiroz e deu-se por satisfeito: “Ele me relatou uma história bastante plausível e me garantiu que não há nenhuma ilegalidade”.

O vice-presidente eleito Hamilton Mourão acrescentou o essencial elemento de dúvida: “O ex-motorista, que conheço como Queiroz, precisa dizer de onde saiu este dinheiro.(…) Algo tem, aí precisa explicar a transação.”

Passaram-se dois anos, e nada aconteceu de bom para os Bolsonaros. O depósito de R$ 24 mil podia até ser parte da quitação de uma dívida de R$ 40 mil. Mas o ervanário depositado pelos Queiroz foi de R$ 89 mil. Bolsonaro não gosta de ouvir essa pergunta, mas precisa se habituar a conviver com ela. A ideia de “meter a porrada” em quem a faz é inútil, porque ela virá muitas vezes do Ministério Público. Os procuradores não têm pressa, só perguntas, e até hoje os Bolsonaros não contribuíram para o esclarecimento do que seriam seus rolos com Queiroz.

O que, em 2018, eram movimentações financeiras estranhas de um faz-tudo virou coisa mais pesada. Onze servidores alocados nos gabinetes dos Bolsonaros faziam depósitos nas contas de Queiroz. Entre eles estavam a ex-mulher e a mãe do ex-PM Adriano da Nóbrega, um miliciano foragido, que foi morto numa operação policial no interior da Bahia. Queiroz nunca deu uma explicação convincente para seus rolos. Sumiu e apareceu na casa de Atibaia do advogado Frederick Wassef. O doutor defendia os interesses de Flávio Bolsonaro. Todas as conexões de Queiroz tinham o aspecto comum às malfeitorias da pequena política do Rio de Janeiro, até que os repórteres Luiz Vassalo, Rodrigo Rangel e Fabio Leite revelaram que o doutor Wassef recebeu R$ 9 milhões para defender os interesses da JBS junto à Procuradoria-Geral da República e aos tribunais de Brasília. Em outubro passado, meses antes da manhã em que Fabrício Queiroz foi preso em sua casa, Wassef estava a serviço da empresa. Atravessaram a rua para entrar no Caso Queiroz.

A JBS é hoje a maior empresa do país em receita, superando a Petrobras. Produzindo alimentos, ela foi uma das “campeãs nacionais” durante o consulado petista e tornou-se uma vaca leiteira para as criaturas que habitam aquilo que o doutor Paulo Guedes chamou de “pântano político, (com) piratas privados e burocratas corruptos”. Em 2017 Joesley Batista, um de seus controladores, quase derrubou o governo de Michel Temer gravando uma conversa escalafobética que teve com ele para azeitar o acordo de colaboração que fecharia com o procurador-geral Rodrigo Janot.

Em 2018, quando o Coaf desconfiou das contas de Queiroz, puxando os fios chegava-se aos Bolsonaros e às pizzarias de Dona Raimunda, mãe do miliciano Adriano da Nóbrega. Passaram-se dois anos, nenhuma pergunta foi respondida e, puxando o fio do ex-PM faz-tudo dos Bolsonaros, bateu-se em Wassef, que teve como cliente a JBS, uma das maiores empresas de alimentos do mundo.


Elio Gaspari: Livro mostra como artistas construíram o rosto de Tiradentes

Sete anos de pesquisas, com a consulta de 300 imagens, permitiram mostrar como foi construído o rosto que está em monumentos, quadros, cédulas, moedas e selos

Quando a vida voltar ao normal chegará às livrarias “Em busca de um rosto — A República e a representação de Tiradentes”, de André Figueiredo Rodrigues e Maria Alda Barbosa Cabreira. É uma valiosa pesquisa histórica, verdadeira viagem pela criação dos artistas que desenharam ou esculpiram o alferes e pela cabeça das épocas em que ele foi retratado. Ninguém sabe como era o rosto de Joaquim José da Silva Xavier. Vai daí, construiu-se uma imagem e, dependendo da época, ela muda. O Tiradentes mais conhecido está de bata, com os cabelos e a barba compridos. É uma licença poética, pois ele foi da cadeia ao patíbulo com a cabeça raspada.

Sete anos de pesquisas, com a consulta de 300 imagens, permitiram mostrar como foi construído o rosto que está em monumentos, quadros, cédulas, moedas e selos.

O primeiro Tiradentes, com barba, apareceu num busto de 1881, mas ele se perdeu. Um ano depois o abolicionista republicano Luiz Gama comparou-o a Jesus Cristo. Os martírios fundiram-se em 1890, num desenho de Décio Villares e no traço do grande jornalista Angelo Agostini, pai da “Revista Illustrada”. O Tiradentes de Agostini ecoa o “Cristo carregando a cruz” do pintor van Dyck (1599-1641). No desenho aparece, anexa, uma corda. E há ainda um corpo sem cabeça.

Visto que nada se sabe da fisionomia do alferes, a corda passa a ser um elemento revelador na construção de sua imagem. Com ela, é um revolucionário; sem ela, pode ser um mártir ou até um militar fardado. O traço de Agostini inspirou o escultor italiano Virgilio Cestari para esculpir o Tiradentes que desde 1894 está na Praça de Ouro Preto, com 2,85 metros de altura e corda no pescoço.

Noutra fusão, Pedro Américo pintou em Florença, em 1893, o seu magnífico “Tiradentes supliciado”. Lá estão a corda, o seu corpo esquartejado e, ao lado da cabeça, um crucifixo.

Em 1926, Francisco Andrade fez o monumento que está em frente ao Palácio Tiradentes, no Rio. A corda sumiu, e o condenado está numa posição quase penitente, com as mãos sobre o peito.

Em 1963, a fisionomia do Tiradentes de Agostini foi (sem corda) para a cédula de cinco mil cruzeiros, mas no verso o condenado está diante do carrasco Capitania. Hoje ele aparece na moeda de cinco centavos, sem corda, com a barba que não tinha quando foi enforcado.

O historiador André Figueiredo Rodrigues já publicou um minucioso trabalho sobre o patrimônio dos inconfidentes. Nos próximos anos, publicará o resultado de suas pesquisas sobre Joaquim Silvério dos Reis. Vale a pena esperar, pois tudo indica que a República, tendo criado um Cristo (Tiradentes), precisou criar um Judas: Silvério, como se ele tivesse sido delator da conspiração. Não foi bem assim.

Maia deu um basta aos planos de saúde
Deve-se ao deputado Rodrigo Maia a trava imposta aos planos de saúde que tentavam aumentar as suas mensalidades em até 20% num país onde uma pandemia já matou mais de 110 mil pessoas. Algum dia será contada direito a voracidade das operadoras. Começaram se recusando a refrescar a vida dos inadimplentes, vá lá. Em seguida, tentaram negar cobertura para testes sorológicos e se livraram dessa despesa por alguns meses. Tudo isso se movendo no escurinho de Brasília.

Na semana passada, elas começaram a cobrar reajustes de até 25%. Com a crise, essas empresas perderam 400 mil clientes, mas uma série de circunstâncias permitiu que aumentassem seus lucros. Uma grande operadora lucrou 150% acima do mesmo período do ano anterior. A essa bonança somou-se uma queda da inadimplência. Mesmo assim, tiveram autorização da Agência Nacional de Saúde para empurrar os reajustes.

Maia travou a tunga com um basta: “Aumentar um plano em 25% é um desrespeito com a sociedade.” Ameaçou votar na terça-feira um projeto que proíbe o tasco. Numa época em que o Legislativo está debaixo de chumbo, o presidente da Câmara mostrou que às vezes ele é a última trincheira para a defesa dos interesses da sociedade.

Com suas complexas e astutas conexões, as operadoras de planos de saúde sempre mostram que podem muito. Felizmente, não podem sempre.

Bannon
Steve Bannon, o guru de Donald Trump e inspirador dos Bolsonaro, foi preso, acusado de ter metido a mão no dinheiro de doadores que colaboraram para a campanha pela construção de um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México.

Bannon superou os larápios latino-americanos e os sobas da África. Nesses casos, avançam sobre dinheiro do Erário. O ideólogo da Nova Direita avançava sobre doações de gente que pensa como ele. Bem feito.

Zona de perigo
Não é só o governador Wilson Witzel (Rio) quem está com a cabeça a prêmio.

Ele rala um processo de impedimento e poder vir a ser assombrado por novas revelação e diligências.

Os governadores Carlos Moisés (Santa Catarina) e Wilson Lima (Amazonas) precisam de bons advogados para defendê-los no Superior Tribunal de Justiça.

Nos três casos, as administrações dos doutores estão metidas em malfeitorias relacionadas com o dinheiro que deveria ter ido para o combate à pandemia e pode ter ido para os bolsos de espertalhões.

Os dossiês de Mendonça
O melhor que pode acontecer com os dossiês do ministro André Mendonça é a sua exposição à luz do sol, o melhor dos detergentes.

Noves fora as questões legais, a exposição do conteúdo dessas arapongagens permitirá que se avalie a qualidade de suas informações.

Quem apostar que reúnem banalidades temperadas com insinuações e comentários destinados a agradar as chefias, ganhará um dinheiro fácil.

Em 1975, os serviços de inteligência resolveram estudar o livro “Autoritarismo e democratização”, do professor Fernando Henrique Cardoso, “reconhecidamente comunista”, segundo um dossiê do Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa). Até aí, tudo bem, pois até hoje há pelo menos um general (da reserva) que garante isso.

O livro de FH foi analisado por quatro braços da inteligência da ditadura: a Secretaria de Segurança de São Paulo, o Cisa, o Serviço Nacional de Informações e a Polícia Federal. Todos acusavam FH de “instigar a violência”. O exame desses pareceres permite afirmar que o SNI, o Cisa e a Federal fizeram um trabalhoso “copia e cola” em cima do texto da secretaria paulista.

Petrobras tucana
Na sua 72ª fase, a Lava-Jato voltou às malfeitorias praticadas na Petrobras.

Nas 71 etapas anteriores ela se concentrou nas atividades do comissariado petista. Desta vez, estão diante de uma oportunidade para conhecer o que acontecia por lá durante uma parte do mandarinato tucano.

O jogo de licitações viciadas e aditivos milionários começou bem antes. A escala era menor, mas a metodologia era a mesma.


Elio Gaspari: Epidemia de descaso na educação

Esse Enem será um massacre para os jovens do andar de baixo, e não há educateca ilustre preocupado com isso

Se faltasse uma cena capaz de mostrar que Brasília é uma ilha de fantasias e o governo de Jair Bolsonaro vive no mundo da Lua, mostrou-se perfeita a posse do professor Milton Ribeiro no Ministério da Educação. Os estudantes brasileiros estão sem aulas presenciais desde março e, em janeiro, 5,8 milhões de jovens que concluíram o ensino médio irão para o Enem sem o preparo necessário. A respeito dessa desgraça, nem uma palavra.

Ribeiro contou que sua Universidade Mackenzie foi a primeira a receber filhos de escravos e que estudou na rede pública. Bolsonaro lembrou que fez toda a vida em escolas da Viúva. Nenhum dos dois percebeu que, de acordo com dados de 2008, três em cada dez jovens que concluíam o ensino médio não tinham acesso à internet. Sem ela e sem aulas, resta saber como podem se preparar direito. Os jovens Milton e Jair provavelmente estariam ferrados no Enem de janeiro.

Esse Enem será um massacre para os jovens do andar de baixo, e não há educateca ilustre preocupado com isso. Sabe-se lá o que pode ser feito, mas a triste realidade é que eles nem fingem estar preocupados.

A única coisa que se fez foi colocar em circulação a cloroquina pedagógica do ensino à distância. Na teoria, resolve qualquer problema, na prática, resolve os problemas de alguns espertalhões.

Amanhã, Ribeiro estará sentado de ministro. Pode começar sua gestão perguntando como foi preparado o edital 013 de 21 de agosto de 2019. Ele mexia exatamente com a informatização da rede pública de ensino. Pretendia jogar R$ 3 bilhões para a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks. A Controladoria-Geral da União apontou a maracutaia.

Repetindo: a Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, receberia 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Na Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), cada aluno ganharia cinco laptops. Duas das empresas que mandaram orçamentos ao FNDE enviaram cartas com o mesmo erro de português: “Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária”. Noutra coincidência, as duas empresas pertenciam à mesma família.

O edital foi cancelado. De lá para cá, o FNDE (R$ 58 bilhões no cofre) teve três presidentes, e ninguém contou como o jabuti foi parar na árvore.

Ribeiro anunciou que é homem do diálogo. Pode começar perguntando de onde saiu o edital. Se sobrar tempo, pode tentar saber o que é possível fazer pelos jovens que ficaram sem aulas e não têm acesso à rede.

A delegada perdeu
Depois de mais de três anos de litígio, o juiz Elder Fernandes Luciano, da 10ª Vara Federal Criminal, absolveu o repórter Marcelo Auler no processo que lhe movia a delegada Erika Mialik Marena por ter publicado um artigo em que lhe atribuía possíveis vazamentos de informações relacionados com a Operação Lava-Jato. Mais: o juiz disse que “não é necessário prolongar a ação penal com instrução processual em virtude de poder reconhecer que o fato narrado evidentemente não constitui crime.”

Marena considerou-se ofendida e queria uma indenização de R$ 8 mil. Em 2016, a delegada da Polícia Federal conseguiu uma ordem judicial para tirar do ar dez reportagens de Auler. Um mês depois, a decisão foi revogada. Ela foi um dos pilares do período de esplendor da Lava-Jato em Curitiba e deu nome à operação. No filme “A lei é para todos”, Marena foi interpretada pela atriz Flávia Alessandra.

No dia 14 de setembro 2017, a delegada comandou a espetaculosa Operação Ouvidos Moucos, que investigava fraudes nas contas da Universidade Federal de Santa Catarina. O reitor, Luiz Carlos Cancellier, foi preso. Libertado, estava proibido de circular no campus da escola e escreveu um artigo contando “a humilhação e o vexame” a que foi submetido: “Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à Polícia Federal.”

Sete dias depois, o professor matou-se atirando-se do alto de um shopping de Florianópolis.

O TCU inventou que pode tudo
Está nas livrarias “O soberano da regulação — O Tribunal de Contas e a infraestrutura”, dos advogados Pedro Dutra e Thiago Reis. É um trabalho jurídico, frio e devastador. Mostra como o TCU, um organismo que deveria assessorar o Legislativo como uma Corte de Contas, transformou-se num Tribunal, seus conselheiros viraram ministros e expandiram suas atividades, metendo-se em tudo. Atribuem-se poderes que nem o Supremo Tribunal tem. Por exemplo: avaliar a economicidade de uma praça de pedágio ou definir os “processos de desestatização”.

É um livro técnico, útil para ser discutido, sobretudo quando expõe que se formou um corpo burocrático interessado em “alavancar o potencial de controle do TCU em matérias regulatórias”. (Palavras de um documento de um braço da instituição.)

Faz tempo que o Tribunal de Contas vai além de suas chinelas, mas deve-se reconhecer que o chão de Brasília está cheio de cacos de vidros y otras cositas más. Foi o TCU quem detonou a maluquice do trem-bala durante o comissariado petista.

Rodrigo Maia
Quem conhece a Câmara acredita que o deputado Rodrigo Maia está caindo numa armadilha ao tentar se reeleger para a presidência da Casa.

Os inimigos que pretendem fritá-lo alimentam-no com a ideia de que conseguirá passar pelo Supremo Tribunal e terá os votos para a recondução. Enquanto ele acredita nisso, fica prisioneiro da agenda de todos os cleros da Casa.

Crise engorda
Quem já viu como as crises engordam mesmo em jejum, garante que o caso da representação dos comandantes militares contra o ministro Gilmar Mendes precisa ser descascado logo.

Nessas horas, quando alguém sugere esperar mais um tempinho, está apostando no agravamento da encrenca.

Alerta no Rio
Pelo cheiro da brilhantina, a Procuradoria-Geral entendeu-se com o Ministério Público do Rio e destravaram-se várias investigações que estavam travadas há meses.

Má notícia para pelo menos cinco desembargadores do Tribunal de Justiça.

Joe Biden
Se o Brasil tivesse chanceler, já teria seguido o conselho que John Bolton, o ex-assessor para segurança nacional de Trump, transmitiu pela repórter Beatriz Bulla: Bolsonaro deve abrir canais de conversas com a equipe do candidato democrata Joe Biden.

Essa é uma tarefa para a espécie de diplomatas que o ministro Ernesto Araújo detesta: experientes, relacionados e hábeis.

Biden pôs dois dígitos de vantagem sobre Trump e, ao contrário do que fez Hillary Clinton há quatro anos, flerta com os republicanos de centro com a mesma habilidade que Ronald Reagan cultivou os democratas moderados em 1980.

Ócio
Nos próximos quatro domingos, o signatário vai se dedicar ao ócio, pesquisando, por pura curiosidade, os efeitos da cloroquina sobre seja lá o que for.


Elio Gaspari: A fala de Gilmar acordou um vírus

Crises fazem parte da vida, golpes precisam de golpistas

Em abril do ano passado, quando era ostensiva a participação de militares na administração civil de Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão disse o seguinte:

“Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação.”

Entregar o que prometia, o capitão sabe que não entregará. A pandemia e suas superstições confirmaram sua previsão de março: “Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo.”

Mourão acredita que o ministro Gilmar Mendes “forçou a barra” quando disse que, com a conduta do governo diante da pandemia, “o Exército está se associando a esse genocídio”. Gilmar tem uma queda pelo exagero. Se tivesse dito que o Exército está sendo associado a uma ruína, o vice-presidente não poderia se queixar, pois estaria seguindo o raciocínio que ele enunciou há um ano.

O Ministério da Saúde não tem titular. O general Eduardo Pazuello é um interino e na sua equipe há 24 militares. Com suas certezas epidemiológicas, Bolsonaro jogou-os na fogueira. Nelson Teich, paisano, foi-se embora.

Pinçado, o trecho da fala de Gilmar foi repelido pelo ministro da Defesa e pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Força Aérea: “Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana.”

Se o caso ficasse nisso, seriam salvas trocadas, mas o Ministério da Defesa informa que representará contra Gilmar Mendes junto à Procuradoria-Geral da República.

Foi assim que nasceu o Ato Institucional nº 5. Uma conspiração palaciana manipulou um discurso (irrelevante) do deputado Marcio Moreira Alves para que o governo pedisse licença à Câmara para processá-lo. No dia 12 de dezembro o plenário negou o pedido e no dia seguinte o marechal Costa e Silva baixou o Ato. Foram dez anos de ditadura escancarada, torturas e extermínio. No Ministério da Justiça estava um tatarana. A cabeça militar dessa urdidura foi a de um general miúdo, conspirador incorrigível. Jayme Portella de Mello foi para escanteio anos depois, sem ter conseguido a quarta estrela.

Como a manobra de 1968 deu certo, ela foi reciclada sete anos depois. Num discurso, o senador Leite Chaves protestou pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog: “Hitler, quando desejava praticar atos tão ignominiosos como os que estamos presenciando, não se utilizava do Exército, mas sim das forças da SS.” O ministro Sylvio Frota foi ao presidente Ernesto Geisel e, supondo falar em nome do Alto Comando, exigiu a cassação do senador. (O Ato 5 estava em vigor.)

Quando Frota entrou no gabinete de Geisel, esta foi a cena, nas suas palavras:

“Merda! Merda! Vocês querem criar um problema! Eu não quero ser ditador! A ser ditador, que seja um de vocês!”

Frota miou, propôs uma representação contra Leite Chaves e nem isso conseguiu. Com a ajuda do senador Petrônio Portella, um marquês do Império a serviço da República, capaz de tirar a meia sem tocar no sapato, o episódio foi diluído.

As duas semanas de recesso do Judiciário permitem que se jogue água nas cabeças quentes. Mesmo assim, a fala de Gilmar pode ser usada para alimentar uma crise. Para isso, os golpistas precisam dizer que o que eles querem é uma ditadura.


Elio Gaspari: Aras pode fabricar um novo monstro

Centralização do Ministério Público pode preservar excessos, somando-lhe uma capacidade engavetadora

A Lava-Jato de Curitiba tantas fez que está encurralada. Tentaram satanizar a procuradora Lindora Maria Araújo e foram apanhados pelo repórter Leonardo Cavalcanti chamando Rodrigo Maia de “Rodrigo Felinto” e David Alcolumbre de “David Samuel” numa planilha oficial. Esse golpe é velho, usado por delegados e procuradores que tentam confundir juízes. Justificando-se, a equipe do doutor Martinazzo disse que os nomes completos não cabiam no espaço. Contem outra, doutores. Pode-se fazer tudo pela Lava-Jato, menos papel de bobo. O nome Rodrigo Felinto tem 15 batidas, Rodrigo Maia cabe em doze.

A turma da Lava-Jato já divulgou conversa telefônica da presidente Dilma Rousseff captada fora do horário legal. Já tentou criar uma fundação bilionária para azeitar seus objetivos. Isso, deixando-se de lado uma indústria de palestras muito bem remuneradas. Nenhuma dessas extravagâncias pode resultar na perda do cargo para seus autores. A invenção dos tais “Rodrigo Felinto” e “David Samuel”, pode.

O procurador-geral Augusto Aras não bica com as forças-tarefas em geral e com a de Curitiba em particular. Negociações com réus do Paraná e do Rio de Janeiro estão travadas por causa disso e, com a visita da procuradora Lindora Araújo, a turma da Lava-Jato recorreu ao velho expediente de atacar do uso dos meios de comunicação. Isso funcionou ao tempo do juiz Sergio Moro e virou pó quando ele assumiu o cargo de ministro. As forças-tarefas de procuradores dizem que precisam ser autônomas, mas querem ser inimputáveis.

Aras diz que precisa racionalizar o trabalho do Ministério Público. Em abril ele recebeu a minuta de um projeto que cria uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado, a Unac. Em poucas palavras, seria a criação de um investigador-geral da República, escolhido numa lista tríplice da corporação (põe corporação nisso). A Unac decidiria o que investigar, controlando as ações policiais e acompanhando os inquéritos.

O coronel Golbery do Couto e Silva propôs a criação de um Serviço Nacional de Informações na década de 1950. Conseguiu em 1964 e em 1981 confessaria: “Criei um monstro”. A ditadura criou também uma Comissão Geral de Investigações, sempre comandada por um general. Ela não foi geral nem investigou grandes coisas.

A descentralização do Ministério Público permitiu o surgimento da Lava-Jato, com todos os seus excessos. Uma centralização pode preservar todos esses excessos, somando-lhe uma capacidade engavetadora. Coisa assim: combate-se a corrupção e o crime organizado aqui e ali, mas não mexam com o Rio de Janeiro. Se centralização resolvesse, a Polícia Federal, a Abin e o Gabinete de Segurança Institucional teriam impedido que as empreiteiras fizessem o que fizeram pelo Brasil afora e, sobretudo, na Petrobras.

Augusto Aras sabia há meses que os procuradores autônomos operavam sistemas de grampos. Para acabar com coisas desse tipo, ou com a divulgação de telefonemas captados fora do prazo legal e até mesmo para impedir a armação de fundações sob medida, não se precisa de uma unidade de investigação geral. Basta que a Corregedoria do Ministério Público funcione. Ela poderá dizer ao doutor Martinazzo quem criou o “Rodrigo Felinto” da planilha enviada ao juiz Luiz Antonio Bonat.

Em tempo: Martinazzo é o sobrenome do meio do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba.

Covardia da FGV
O jornalista americano Murray Kempton definiu os editorialistas da imprensa como aquelas pessoas que depois de uma batalha vão ao campo do combate e matam os feridos. Foi isso que a Fundação Getulio Vargas fez com o ex-futuro-ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli. O falso currículo já o havia derrubado quando a venerável FGV soltou uma nota informando que ele nunca foi professor da instituição, mas apenas “colaborador”.

Podia ter feito isso em 2019, quando o doutor foi nomeado para a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e seu currículo dizia que ele havia sido “professor de Pós-Graduação em Finanças” na FGV.

A Fundação deveria cuidar melhor de sua marca. Uma coisa é um professor do quadro funcional da FGV. Bem outra é uma pessoa que deu uma aula num curso ou numa de suas atividades paralelas. (Faz tempo, um hierarca justificou seu título de professor visitante da Sorbonne dizendo que, como professor, havia visitado a universidade francesa.) O logotipo da FGV é usado para enfeitar eventos semicorporativos e até mesmo seminários de feriadão com verniz acadêmico e essência turística. Entrando no ramo de consultorias, a Fundação viu-se metida nas roubalheiras do governador Sérgio Cabral. Nas suas palavras, a FGV serviu de “biombo para efetivar ilegalidades.” A fundação assinou 58 contratos com a gestão do então governador do Rio, no valor de R$ 115 milhões.

A caça ao dinheiro tornou pandêmica a malversação das marcas de instituições renomadas. A London School of Economics mamou US$ 488 mil nos cofres do ditador líbio Muamar Kadafi e seu diretor embolsou US$ 50 mil assessorando-o.

No caso de Decotelli a FGV demorou para reclamar e, quando reclamou, exagerou. Ao contrário do que aconteceu com outros títulos do doutor, ele leciona na Fundação, foi bem avaliado pelos alunos e deu uma aula on-line há poucos dias.

Ordem da Gripezinha
Eremildo é um idiota e criou a Ordem da Gripezinha. Ela se destina a homenagear aqueles que contribuíram para o império da treva durante a pandemia.

O primeiro agraciado é o doutor Rubem Novaes, presidente do Banco do Brasil. Ele merece a comenda pela profundidade de sua contribuição.

Novaes entrou em campo com a seguinte reflexão filosófica:

“Muita bobagem é feita e dita, inclusive por economistas, por julgarem que a vida tem valor infinito.”

Em seguida foi para os domínios do conhecimento:

“A ciência médica é tão ou mais imprecisa que a ciência econômica”. (Ele é doutor em economia pela universidade de Chicago.)

Até aí tudo bem, pois pode-se ter uma opinião sobre a valor da vida alheia, assim como cada um pode ter a confiança que bem entende nos médicos e nos economistas.

Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril o doutor disse que “a minha sensação, de quem não é especialista no negócio, mas que observa os números, é que o tal do pico, o tal do famoso pico, que gerava tantas preocupações, a minha sensação é que esse pico já passou, né?”

Uma semana depois, com 474 mortos, o Brasil ultrapassou a marca da China. No dia 22 de maio eles eram 22.666 e ao fim de junho passaram dos 60 mil.

Novaes reconheceu que não era especialista nesse “negócio” mas Eremildo passou a duvidar da sua capacidade de observar números


Elio Gaspari: Decotelli poderá explicar o edital do FNDE

Empossado, ministro poderá acabar com o silêncio oficial, desvendando o mistério

Como ministro da Educação o doutor (?) Carlos Alberto Decotelli poderá contar como foi concebido o edital 13/2019, que licitava a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks para a rede pública de ensino, coisa de R$ 3 bilhões. Afinal, ele presidia o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação no dia 21 de agosto de 2019, quando o edital foi publicado.

Tratava-se de um imenso e silencioso jabuti. O próprio FNDE havia anunciado no dia 8 de agosto que Decotelli deixaria o cargo. Ele saiu semanas depois, e o novo presidente suspendeu o edital.

A Controladoria-Geral da União havia estudado o jabuti e descobriu o seguinte:

Armava-se uma despesa de R$ 3 bilhões sem que o Ministério da Economia tivesse sido ouvido.

Trezentos e cinquenta e cinco colégios receberiam mais de um laptop por aluno. A Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, receberia 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Na Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), cada aluno ganharia cinco laptops.

Duas das empresas que encaminharam orçamentos ao FNDE mandaram cartas com o mesmo erro de português: “Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária”. Noutra coincidência, as duas empresas pertenciam à mesma família.

A CGU interpelou o FNDE e recebeu respostas pífias, até que em novembro ela emitiu um relatório de 66 páginas. Como o jabuti andava sem fazer barulho, o caso ficou no escurinho da burocracia e o edital foi cancelado. Em dezembro o repórter Aguirre Talento expôs o caso. Seria natural que viesse alguma explicação do governo. Passaram-se sete meses e nada. Abraham Weintraub, aquele que propôs botar os “vagabundos” do Supremo Tribunal na cadeia, trocou mais três vezes o presidente do FNDE, mas nunca tocou no assunto.

Decotelli tem uma peculiaridade no Ministério de Bolsonaro, ele ri. Empossado, poderá acabar com o silêncio oficial, desvendando o mistério do edital 13/2019. Um governo que se diz comprometido com o combate à corrupção deveria se orgulhar do que aconteceu, pois a CGU viu o jabuti, alertou a administração, detonou a compra e poupou a Viúva de uma facada.

Falta responder a mais elementar das perguntas: Como esse edital foi montado? À época, Decotelli estava na presidência do Fundo. Fica combinado que é falta de educação perguntar por que o governo nunca tocou nesse assunto.

Aviso
Se o Planalto e os agrotrogloditas pressionarem a ministra da Agricultura para que ela se empenhe na aprovação do projeto de lei da grilagem, Tereza Cristina coloca o segundo pé fora do governo.

Weintraub no Banco
O governo buscava uma saída honrosa para Abraham Weintraub e conseguiu um episódio desonroso com um ministro escafedendo-se. Em condições normais ele assumiria seu cargo no Banco Mundial, mas quando a burocracia da instituição mostra-se contrariada com sua presença, é bom que se preste atenção.

Em 2007 os burocratas derrubaram o presidente do banco. Paul Wolfowitz era uma espécie de Weintraub de luxo do governo de George W. Bush. Como subsecretário da Defesa, foi uma dos ideólogos da desastrada ocupação do Iraque. Premiado com a presidência do banco, arrumou uma boquinha para sua parceira. Um protesto interno detonou-o em apenas três meses. (O doutor lambia o pente antes de passá-lo no cabelo.)

Novembro vem aí
Jair Bolsonaro deveria conversar com veteranos do Itamaraty para decidir como conduzirá as relações com os Estados Unidos, caso Joe Biden vença a eleição presidencial de novembro.

Se a diplomacia brasileira persistir na sua postura aloprada, consolidará sua posição de saco de pancadas do mundo.

Em 1976, quando o democrata Jimmy Carter ganhou a eleição, a ditadura brasileira passou pelo mesmo constrangimento. O novo presidente tinha uma agenda de defesa dos direitos humanos e pretendia sedar o acordo nuclear que o Brasil havia assinado com a Alemanha. Houve tensão e momentos de crise, mas profissionais dos dois lados impediram que a emoção agravasse as divergências.

(O presidente Ernesto Geisel detestava Carter. Anos depois, quando os dois estavam fora do poder e o americano visitou o Brasil, recusou-se a recebê-lo. Carter ligou para sua casa e ele não atendeu.)

Quitanda caótica
Se um general no comando de uma brigada fizesse as trapalhadas que o palácio do capitão faz com atos administrativos elementares, perderia o comando. A saber:

O ato de demissão do diretor da Polícia Federal tinha a assinatura do ministro Sergio Moro, mas ele não havia tocado no papel.

No dia 20, uma edição extra do Diário Oficial informou que o ministro da Educassão Abraham Weintraub havia sido demitido. No dia 23, em outra edição, disse que ele deixou o governo no dia 19.

Na quinta-feira, o ministro Luiz Eduardo Ramos anunciou novas parcelas do benefício emergencial para os invisíveis e pouco depois apagou a mensagem.

Bolsonaro é inocente
Defensor da cloroquina e inimigo do isolamento, Jair Bolsonaro já tem o lugar assegurado na história da pandemia da “gripezinha”. Mesmo assim, ele nada tem a ver com os repiques da Covid que estão acontecendo em diversos estados. Eles são da responsabilidade de governadores e prefeitos oportunistas e fracos que cederam diante da impopularidade da medida e da pressão de comerciantes e empresários.

Na semana passada o Ministério da Saúde admitiu que o tal “platô” de contágios não aconteceu e que a curva continua subindo. Em nove estados a rede pública tem 80% dos leitos de UTIs ocupados.

Cidades que relaxaram a quarentena estão pagando o preço, em vidas.

Estátuas
Em vez de se sair por aí destruindo estátuas, pode-se lidar com o passado de forma mais civilizada. É sabido que os russos resolveram a questão colocando os monumentos dos comunistas num parque de Moscou. (Stalin, com o nariz arrebentado.)

A universidade Harvard mostrou outro caminho, menos destrutivo e mais edificante. Puseram uma placa na porta da casa dos presidentes da instituição, homenageando os escravos Titus, Venus, Bilhah e Juba, que lá trabalharam no século XVII.

Tomara que a estátua de Theodore Roosevelt que está na entrada do Museu de História Natural de Nova York seja colocada num lugar onde possa ser observada. O branco, poderoso, está num cavalo, embaixo dele um índio e o negro, dominados, ficam a pé. Ela foi um monumento à supremacia branca e a ideia tornou-se uma caricatura, como a dos heroicos arianos do escultor Arno Breker, o queridinho de Hitler.

Os dias futuros
Bolsonaro teria entrado num modo conciliador. Resta saber qual é a carga dessa bateria. Isso é vital, porque o pacificador referiu-se a dias melhores que vêm pela frente. O que vem pela frente são dias piores.