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Míriam Leitão: Erros fiscais criam armadilha

Por Alvaro Gribel (interino)

Muitos economistas têm minimizado a alta da inflação, mas para economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, esse é um problema que precisará ser monitorado com atenção daqui para frente. Mesquita estima que o IPCA continuará acelerando nos próximos meses, até 4,5% em maio do ano que vem, para só então começar a cair. O problema é que muita coisa pode dar errado até lá, especialmente na política fiscal. Uma nova disparada do dólar pode deixar o Banco Central pressionado para aumentar os juros em plena recuperação. “O ambiente se tornou mais delicado para a inflação do que era há alguns meses”, explicou.

A inflação vem subindo mesmo na recessão e, por mais que se diga que ela está concentrada nos alimentos, não é boa notícia. O governo sairá desta crise muito endividado, e isso tem provocado aumento na cotação do dólar. Mesmo que o repasse de preços para muitos produtos seja menor, pela ociosidade da economia, isso pode acabar batendo mais fortemente nos índices.

— Podemos ter depreciação sobre depreciação (do real) e aí, mesmo com ociosidade, tudo fica mais intenso. Se o dólar for para R$ 6 no final do ano, o BC pode ter que iniciar o movimento de alta dos juros no início de 2021 para atingir a meta de 3,75% em dezembro. Por ora, as expectativas de inflação continuam “ancoradas”. Mas tudo vai depender do fiscal — explicou.

Esse é mais um ingrediente na discussão do Renda Cidadã. O governo não sabe de onde cortar para viabilizar o programa e qualquer medida que aumente o déficit no ano que vem será mal recebida pelo mercado, com reflexo no câmbio. Acionar o orçamento de guerra para driblar o teto de gastos teria o mesmo efeito negativo, porque vai significar aumento de despesa, de qualquer forma. Mesquita acha que o Banco Central não hesitaria em elevar a Selic, em caso de piora das expectativas.

Sobre o ritmo da recuperação, o Itaú estima que o PIB deste ano cairá 4,5%, para crescer apenas 3,5% no ano que vem. Ele explica que três pontos dessa alta em 2021 já estão assegurados pelo chamado “carregamento estatístico”. Ou seja, o crescimento, de fato, será pequeno.

— Na prática, se a economia não crescer nada no ano que vem ela já garante um crescimento de 3% na média, por efeito estatístico. Então a alta de verdade será pequena, parecida com a que a gente já vinha tendo antes da pandemia — afirmou.

O país ainda está longe de uma recuperação plena na economia. E agora ganhou um complicador a mais, o risco de aumento da inflação e da taxa básica de juros.

Endividamento em alta

A dívida das famílias com o setor financeiro bateu recorde em julho. Segundo dados do Banco Central, ela chegou a 47,45% da renda anual, o maior percentual desde 2005, quando começou a série histórica. Parte da alta no mês foi provocada pelo financiamento imobiliário, que subiu de 27,27% para 27,63%. Durante a pandemia, muitos bancos adiaram o pagamento das prestações, que foram incorporadas ao saldo devedor. Essa tendência de alta do endividamento total, no entanto, já vem desde dezembro de 2017. Assim como o governo federal, as famílias estão com mais dívidas a pagar.

PIB e pandemia

A consultoria Oxford Economics tem cortado as projeções para o PIB mundial do ano que vem. Há uma combinação de fatores: aumento de casos de Covid, fim dos estímulos fiscais e crescimento mais forte no final deste ano, o que aumenta a base de comparação. “Nos últimos meses ficou claro que as medidas de isolamento continuarão necessárias, especialmente em países que não fazem testes e rastreamentos de forma efetiva.” Fica o alerta.


Míriam Leitão: Perdas humanas e custo econômico

Por Alvaro Gribel (interino)

O Brasil chega a 150 mil mortes na pandemia combinando o pior dos cenários: elevado custo econômico e um número assustador de perdas humanas. Na média de mortes por milhão, o país é o pior entre as 10 maiores populações. Ultrapassou os Estados Unidos. Na economia, também não há o que comemorar. O custo fiscal foi mais elevado porque o governo não soube fazer o que era mais barato: comunicar de forma eficiente e orientar a população. Vários estudos têm comprovado que há uma relação direta entre a redução das mortes e a recuperação do consumo.

O FMI divulgou um relatório importante na última semana confirmando que os países que melhor controlaram o vírus estão tendo maiores ganhos econômicos. Se a perda no curto prazo foi mais forte, pelas políticas de isolamento social, no médio prazo isso está sendo compensado pela volta da confiança. O Fundo lembra que há o isolamento orientado pelo governo e o isolamento voluntário, quando as famílias ficam trancadas em casa pelo medo do vírus. De um jeito ou de outro o isolamento acontece, e é melhor que seja de forma organizada. Isso quer dizer que nunca houve trade off entre saúde e economia, as duas coisas sempre andaram juntas, de forma complementar.

Aqui no Brasil, o Itaú Unibanco chegou à mesma conclusão fazendo um cruzamento de dados de consumo, auxílio emergencial e número de mortes. Se é verdade que a ajuda financeira está tendo efeito positivo sobre o PIB, o banco descobriu que muitos municípios que controlaram a pandemia já recuperaram o nível pré-crise, ainda que as suas populações tenham recebido menos dinheiro do governo.

“O consumo de municípios com menor repasse e menor mortalidade está acima do consumo daqueles com maior repasse e maior mortalidade”, disse o departamento econômico do banco, para depois concluir: “Os resultados evidenciam que a recuperação da economia e o controle da pandemia são indissociáveis.”
Quem lê o estudo do FMI percebe que o governo brasileiro continua se deixando levar pelos acontecimentos. Como ainda não há certeza de quando haverá vacina, o que vai determinar a recuperação no ano que vem será a capacidade de a população se sentir segura e de o maior número de setores trabalhar remotamente. É crucial que as populações mais vulneráveis tenham acesso à internet de alta velocidade para trabalhar à distância. O mesmo vale para o uso de máscaras, as testagens em massa e as estratégias de rastreamento. Pouco disso — para não dizer nada — foi feito pelo governo federal. Por isso as estatísticas mostram gastos exorbitantes, uma crise fiscal sem precedentes, e um número inadmissível de perdas de vidas de brasileiros.

Fuga de estrangeiros

A crise fiscal e a pandemia ainda sem data para acabar têm pesado sobre a bolsa, que há dois meses vem andando de lado. Pelo gráfico, extraído de uma apresentação do presidente do Banco Central, percebe-se uma fuga em massa de capital estrangeiro da B3. Enquanto o investidor pessoa física entrou com R$ 33,7 bi até setembro, e o investidor institucional, com mais R$ 56,8 bi, o estrangeiro retirou R$ 87,5 bilhões de papéis de empresas brasileiras.

Fundos parados

Se o Brasil precisa de investimentos em tecnologia da informação, há cerca de R$ 100 bilhões parados em três fundos do setor, segundo Vivien Suruagy, presidente da Feninfra (Federação da Indústria de Infraestrutura de Redes e Telecomunicações). Ela explica que esse dinheiro do Fust, Funttel e Fistel não foi usado durante a pandemia e ainda encareceu o serviço na forma de encargos. “Somente 8% do que foi recolhido até hoje foi investido no setor. Foi tudo para a conta do governo”, explica. Ela teme os efeitos da reoneração da folha, que pode levar a demissões em massa no setor de telecom e provocar um apagão do serviço a partir de janeiro.


Míriam Leitão: Inflação em alta na pior hora

Por Alvaro Gribel (interino)

A inflação subiu em má hora e voltou a preocupar. O país ainda vive o pior da recessão no mercado de trabalho, mesmo que tenha atenuado parte de seus efeitos com as políticas de governo e o auxílio emergencial. Os preços sobem nos produtos que os pobres mais consomem. Os índices do atacado dispararam, criando um problema no mercado de imóveis alugados que só será superado com muita negociação. A inflação acelera num momento de dúvida sobre os juros futuros. De um lado, a economia precisa de estímulos, de outro, os sinais confusos do governo na área fiscal pressionam o custo da dívida. O IPCA está baixo, mas a natureza desta inflação, a hora em que ocorre, o peso sobre os alimentos, tudo isso se tornou um complicador.

A inflação de setembro foi a mais alta para o mês desde 2003. Se a análise sobre os índices de preços não pode se concentrar no dado de um único mês, também não dá para ignorar o que diz a trajetória. E a taxa acumulada em 12 meses também voltou a acelerar. Saiu de 1,88% em maio para 3,14% em setembro. É verdade que está bem abaixo da meta do ano, de 4%, mas esse movimento surpreendeu os economistas e deve aumentar a cautela do Banco Central. A possibilidade de um novo corte da Selic já era baixa e agora ficou praticamente descartada. Ontem foi dia de revisões para cima nas projeções de inflação em bancos e consultorias.

Os alimentos foram responsáveis por mais de 70% da inflação de setembro. Isso tira renda das famílias porque são itens essenciais de compra. Mas os economistas dizem que esse choque será temporário e tem pouca capacidade de se espalhar para outros produtos. Ou seja, está muito concentrado, o que é uma boa notícia. Ainda assim, o departamento econômico do Bradesco chamou atenção para a inflação dos serviços, que saiu de -0,47% em agosto para 0,17% em setembro. Esse dado será monitorado com lupa nos próximos meses.

Em situações normais, a inflação no patamar atual preocuparia pouco, porque a taxa em 12 meses permanece abaixo da meta. Mas ela ocorre em uma conjuntura de piora dos indicadores fiscais, de aumento do dólar, risco de rompimento do teto de gastos e estresse de vários ativos financeiros. Já não se trata apenas de números ligados à bolsa de valores, mas sim de aumento do custo da dívida do Tesouro. Nessa circunstância, voltar a falar de inflação é tudo que o Brasil não precisava.

Risco de indigestão

O gráfico mostra a inflação dos alimentos em domicílio.Pelas projeções do banco ABC Brasil, ela vai continuar acelerando em 12 meses, até 18,71% em novembro, para fechar ao ano em 14,11%. Muito elevada.

Emprego prejudica Trump

A economia americana sempre surpreendeu na abertura de vagas em períodos pós-crise, mas isso não está acontecendo agora. Segundo levantamento do economista Marcel Balassiano, do Ibre/FGV, as duas principais pesquisas de emprego nos EUA mostram que o país perdeu cerca de 20 milhões de vagas, mas só recuperou em torno de 11 milhões. Esses dados podem atrapalhar as chances de reeleição do presidente Donald Trump. No mercado financeiro, uma vitória folgada de Biden também seria bem recebida, porque diminui a chance de Trump questionar o resultado judicialmente. O pior cenário seria uma vitória apertada do democrata. Isso poderia estressar as bolsas.

Nem pensar

O mercado financeiro não quer nem ouvir falar na prorrogação do auxílio emergencial no ano que vem. Pelas palavras de um gestor, a reação seria “horrorosa” caso o governo e o Congresso acionem novamente o orçamento de guerra, dentro do pacto federativo, para driblar o teto de gastos. De um jeito ou de outro, a despesa irá pressionar o déficit e a dívida bruta, ainda que legalmente não descumpra a regra do teto.


Míriam Leitão: Brecha para fugir do teto de gastos

Por Alvaro Gribel (interino)

O ministro Paulo Guedes cedeu mais uma vez à pressão por aumento de gastos. Ontem à noite, admitiu que a PEC do Pacto Federativo vai incorporar uma emenda que permite acionar o chamado orçamento de guerra. Na prática, se o Congresso prorrogar o estado de calamidade no ano que vem, em função da pandemia, o governo poderá contornar o teto de gastos para pagar o auxílio emergencial. O texto ainda não foi apresentado, e os detalhes serão cruciais para se saber a reação do mercado, mas economistas ouvidos pela coluna disseram de antemão que é um erro colocar em uma legislação permanente um mecanismo que foi usado para um caso absolutamente emergencial. Outro ponto levantado seria a forma de acionar esse orçamento, se via conselho fiscal, com a decisão restrita a poucas pessoas, ou via Congresso, ainda que seja como um fast track, em votação conjunta pelas duas Casas.

É preciso encontrar uma solução para manter o socorro aos mais vulneráveis a partir de janeiro, mas ampliar gasto sem fonte de receita provocará aumento do endividamento do governo, e é isso que tem pressionado as taxas de juros e estressado os indicadores financeiros do país. O governo deveria cortar despesas, mas prefere o caminho mais fácil de tentar contornar o teto.

Recorde em meio à crise

O comércio nunca vendeu tanto quanto em agosto de 2020. Superou até agosto de 2014, até então o maior nível da série medida pelo IBGE. Há várias explicações para o fenômeno, e a principal delas é o anabolizante injetado no consumo pelo auxílio emergencial. Um volume nunca visto e que chegou a 20 vezes o valor do Bolsa Família. Dinheiro para baixa renda ou informais que foram impedidos de trabalhar. Além disso, o comércio parece ter “roubado” receita de outros setores, como os serviços que permanecem fechados. De todo modo, o objetivo do programa era esse mesmo, manter a economia aquecida do jeito que desse.

Os números de agosto vieram pouco acima do esperado. No varejo restrito, que exclui veículos e materiais de construção, houve alta de 3,4% em relação a julho, com projeções em torno de 3%. No conceito ampliado, crescimento de 4,6%, contra estimativas de 4,1%. O Iedi apontou que os três segmentos que mais cresceram na comparação com fevereiro, antes do início da pandemia, são os que têm relação com mudanças de hábito no isolamento social: móveis e eletrodomésticos, 24% acima do nível pré-crise, materiais de construção, 19,2%, e artigos de uso pessoal e doméstico, 12,3%. O varejo também se adaptou ao às vendas eletrônicas.

“As famílias podem ter substituído parte de seus gastos com serviços — como viagens, serviços pessoais e de lazer, restaurantes — por consumo de bens comercializados pelo varejo”, explicou o Instituto.

Em economia, tudo que é artificial tende a gerar problemas à frente. Por isso, os economistas temem que as famílias estejam usando o auxílio emergencial — que é temporário — para fazer compras a prazo, o que deve aumentar o endividamento, com risco sobre a inadimplência. Especialmente as vendas de móveis e eletrodomésticos preocupam. O BC, lembra o economista Sérgio Vale, da MB Associados, registrou crescimento nas compras com cartão de crédito e boletos bancários por famílias de menor renda. Um problema para o pós-pandemia.

‘Não me interrompa’

No debate entre a senadora Kamala Harris e o vice-presidente americano, Mike Pense, os momentos de maior sucesso foram quando ela impedia a interrupção e dizia: vice-presidente, I am speaking. O movimento feminista americano tem uma grande luta contra a interrupção da fala da mulher pelo homem, o chamado manterrupting.

Amazônia e Pantanal

Para quem não entende a relação entre o desmatamento da Amazônia e as queimadas do Pantanal, a resposta está nos chamados “rios voadores”, explica a cientista Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul. O vapor d’água na Amazônia vira chuva em outras regiões do país e quando isso acontece em menor intensidade, como este ano, há aumento das queimadas. “A área desmatada (na Amazônia), o tempo seco e as altas temperaturas formaram um conjunto de elementos que impediu a formação de chuvas. Consequentemente, o nível dos rios não se elevou e o Pantanal não foi inundado, criando uma paisagem com matéria orgânica altamente combustível”, explicou.


Míriam Leitão: Ruído constante na economia

Com Alvaro Gribel (interino)

Não há um único dia em que investidores e empresários deixem de falar sobre a ampliação do Bolsa Família. O vazamento de ideias é constante e varia conforme a fonte do governo. Se vem da equipe econômica, a sinalização é de que não haverá aumento de gastos. Se vem de ministros ligados à articulação política, prega-se que uma solução será encontrada. Ontem, ao mesmo tempo em que o ministro Paulo Guedes negou a hipótese de prorrogação do auxílio no ano que vem, houve quem defendesse um mecanismo para acionar o orçamento de guerra, o que facilitaria o aumento dos gastos. Limitar supersalários esbarra na independência orçamentária dos poderes.

Em sua carta mensal enviada a clientes, o Verde Asset, do economista Luis Stuhlberger, comparou a atuação do governo na pandemia entre 20 países emergentes. O Brasil, apesar de ser o mais endividado (85%), foi o que mais gastou como proporção do PIB (9%). “Os únicos países emergentes que gastaram parecido com o Brasil são Peru e Chile, ambos com grau de investimento e dívida pública antes da pandemia próximas a 25% do PIB, com muita margem de manobra.” O Brasil está dois degraus abaixo do nível de investimento e no mercado já há preocupações de que um novo rebaixamento possa acontecer no final do ano.

Se o objetivo do presidente é transferir recursos aos mais pobres para manter a sua popularidade, o tiro pode sair pela culatra. O presidente da Abit, Fenando Pimentel, que representa a indústria têxtil, também está preocupado com o fim do auxílio no final do ano, o que pode afetar o consumo e a recuperação do setor. Mas ele lembra que, mesmo que o Bolsa Família dobre de tamanho, nem de longe terá o mesmo impacto do auxílio emergencial.

— O auxílio emergencial custa R$ 50 bilhões por mês. O Bolsa Família é R$ 2,5 bi mensal. Mesmo que o governo consiga dobrar o programa para R$ 5 bi, o efeito sobre o consumo será muito mais limitado do que a ajuda que foi dada na pandemia —afirmou.

A ideia de liberar recursos limitando de fato o teto do funcionalismo parece boa, mas enfrenta problema técnico. Segundo o relator da reforma administrativa na Câmara, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), os orçamentos dos poderes são independentes e o que pertence ao judiciário não poderá ser transferido para um programa social do executivo. “Ainda mais quando for recurso de estados e municípios”, explicou. O balão de ensaio parece que furou novamente.

Cautela automotiva

A Anfavea, que representa as montadoras de veículos, revisou de -45% para -35% a estimativa de queda da produção este ano. O clima ainda é de cautela. Se em setembro houve crescimento de 4,4% sobre agosto, em relação ao mesmo mês do ano passado foram produzidos 11% menos veículos. Olhando para frente, o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, explica que ainda permanece um cenário de incerteza: “Não dá para desconsiderar que a taxa de desemprego está em 13,8%, que a taxa de juros aos consumidores está em 19%, que estamos tendo aumento de custos acima do esperado, com aço, dólar, IGP-M. Estamos mais cautelosos por enquanto”, explicou.

Ajuda com os vetos

O sucesso no leilão de saneamento em Alagoas, na semana passada, pode ajudar o governo a manter os vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro no novo marco regulatório. Bolsonaro vetou a prorrogação de contratos das empresas estaduais, quebrando acordo feito no Senado, mas o resultado do leilão pode fazer com que os senadores insatisfeitos mudem de ideia, segundo o presidente do Trata Brasil, Edison Carlos. “Foram R$ 2 bilhões de outorga, valor muito acima do esperado. Os governadores vão ver o potencial de dinheiro entrando no caixa. O novo marco já está tendo efeito sobre os leilões, e isso pode estimular os senadores a deixarem tudo como está, sem mexer nos vetos”, disse.


Míriam Leitão: Governo dá voltas e não sai do lugar

Por Alvaro Gribel (interino)

O governo adiou mais uma vez o anúncio do Renda Cidadã. Segundo o relator Márcio Bittar, ficará para a semana que vem, mas há quem diga que Bolsonaro prefere decidir somente após as eleições municipais, no final de novembro. Sem dar uma solução para o financiamento do novo Bolsa Família, o clima continuará de volatilidade no mercado, com pressão sobre o câmbio e aumento dos juros da dívida. Nem o encontro de Paulo Guedes com Rodrigo Maia animou o mercado. A bolsa abriu em ligeira alta mas, nas palavras de um investidor, “ninguém acredita mais em historinhas”. É preciso colocar os números na planilha e provar que não haverá estouro do teto de gastos.

Quem participou do jantar com Guedes e Maia na noite de segunda-feira disse que o clima no encontro foi de franqueza e de que “não havia tempo a perder” na agenda de reformas. Mas faltou combinar com o presidente Bolsonaro, que está mais preocupado com as eleições e não quer correr o risco de perder apoio ao cortar benefícios de outros programas sociais. Por ora, o auxílio emergencial é suficiente para garantir sua popularidade, especialmente no Nordeste, até o dia da votação, e na visão de Bolsonaro a crise fiscal pode esperar.

No Congresso, as eleições para as presidências da Câmara e do Senado já afetam a agenda. Ontem, o centrão — com a ajuda da oposição —conseguiu obstruir a pauta. Os deputados Rodrigo Maia e Arthur Lira brigam pelo comando da Comissão Mista de Orçamento (CMO), no que está sendo visto como uma disputa prévia da sucessão na Câmara que ocorrerá em fevereiro.

O fim do auxílio emergencial pode provocar uma disparada do desemprego na virada do ano e afetar duramente o consumo, que tem sustentado a economia. Assim como o mercado, empresários aguardam pela decisão do novo programa social para calibrar os planos de contrações e os investimentos. Sem conseguir tomar decisões e arbitrar conflitos, o governo vai empurrando os problemas com a barriga. Como sabem os liberais, um dia a conta sempre chega.

Voz sem comando

Na entrevista coletiva após a reunião com Maia, Paulo Guedes voltou a falar por três vezes em Renda Brasil, o nome proibido por Bolsonaro. Vale lembrar o que disse o presidente no dia 15 de setembro: “Está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continua com o Bolsa Família e ponto final”.

Dois tipos de desculpas

Também chamou atenção na entrevista a forma como Maia e Guedes pediram desculpas um ao outro. Enquanto o presidente da Câmara olhou nos olhos de Guedes e lamentou ter sido “indelicado e grosseiro”, o ministro colocou tudo na condicional. “Caso eu tenha ofendido o presidente Rodrigo Maia, ou qualquer político, inadvertidamente, eu peço desculpas também, não há problemas”, disse Guedes, quando Maia já tinha deixado o local.

Tiro no pé

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, acha que Bolsonaro pode dar um tiro no pé ao deixar para depois das eleições a decisão sobre o novo programa social. Ele entende que isso pode ser visto como estelionato eleitoral se houver cortes em outros programas para financiar o Renda Cidadã. “A oposição pode colar a imagem nele de que fez mudança em política social só depois da eleição. Foi assim no plano cruzado em 1986, quando os governadores do PMDB ganharam, e o cruzado começou a desmontar em seguida. Pegou muito mal e foi o início do processo de desmonte do partido”, lembrou. Sérgio também acha que o calendário ficará apertado em dezembro, pressionado pelas férias legislativas, em janeiro, a votação do Orçamento, e a proximidade das eleições para a presidência das duas Casas. “Pode ser que acabe tendo votação para postergar a decisão sobre o auxílio. Entra o ano que vem recebendo auxílio e depois tem decisão mais permanente sobre o Renda Cidadã”, afirmou.

Trump derruba as bolsas

O risco Trump voltou a derrubar as bolsas. Após fala do presidente americano contra o pacote de estímulo do partido democrata, os principais índices mundiais foram ao vermelho e o dólar subiu. Os investidores que começaram o dia enxergando um céu de brigadeiro, após a saída do presidente do hospital, viram a volatilidade disparar depois do tuíte do candidato republicano.


Míriam Leitão: Bastidores de uma nova confusão

Por Alvaro Gribel (interino)

A confusão envolvendo os ministros Rogério Marinho e Paulo Guedes, ontem, começou na verdade na quarta-feira, com uma conversa entre o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, e investidores. Barros queria entender a reação negativa do mercado à proposta do uso de precatórios para financiar o Renda Cidadã e ouviu que, se o governo seguisse por esse caminho, o presidente Bolsonaro enfrentaria uma crise econômica tão severa quanto a que derrubou a presidente Dilma Rousseff. Rogério Marinho resolveu, então, ter o mesmo tipo de conversa para tentar, na visão dele, “acalmar” o mercado. Acabou colhendo o efeito contrário.

É preciso entender a razão para a desenvoltura do ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho. Na quinta-feira, ele havia levado o presidente Jair Bolsonaro ao interior de Pernambuco para a inauguração de uma adutora de água na pequena cidade de São José do Egito. Bolsonaro fez o que mais gosta: usou a festa preparada por Marinho para exercer a função de líder populista, contar piada e angariar votos. A aproximação entre os dois faz Marinho se sentir mais forte, a ponto de extrapolar funções de sua pasta e invadir território que seria do ministro da Economia.

Na reunião com economistas da Ativa Investimentos, Marinho teria dito que a ideia do uso de precatórios foi da equipe de Paulo Guedes. A ala econômica, por sua vez, bate o pé e diz que havia apenas estudos. Marinho também afirmou que Guedes tem a confiança do presidente Bolsonaro e que o governo mantém compromisso com a agenda fiscal. Mas afirmou que o ministro da Economia, apesar de entender de assuntos macroeconômicos, tem menos traquejo político e peca em detalhes na formulação de alguns projetos.

As versões do que Marinho disse circularam pelo mercado e azedaram a bolsa. O ministro Paulo Guedes, que já tem Marinho como desafeto, jogou gasolina na fogueira e o chamou de “despreparado, desleal e fura-teto” caso fosse verdade. Mais tarde, voltou a público para tentar colocar panos quentes na discussão. Marinho também emitiu nota para negar que tenha sido descortês com Guedes.

No mercado financeiro, os economistas estão com as barbas e os investimentos de molho. Ainda é fresca na memória a crise provocada pela saída de Joaquim Levy, após disputa com o ministro Nelson Barbosa. Dilma optou por Barbosa em 2015, levando o país a uma forte desvalorização cambial. Os investidores temem que Guedes possa estar com os dias contados no governo e que Bolsonaro abrace de vez a agenda desenvolvimentista em que sempre acreditou durante seus mandatos como deputado federal.

Guedes não é Malan

O episódio fez economistas lembrarem de uma disputa entre os ex-ministros Pedro Malan, da Fazenda, e Clóvis Carvalho, do Desenvolvimento, no governo FH, em 1999. Carvalho havia feito críticas à política econômica, e Malan, ao contrário de Guedes, não deu nenhuma declaração e costurou nos bastidores. Ao fim, conseguiu a demissão de Carvalho. Se Bolsonaro não é FH, Guedes tampouco é Pedro Malan. À noite, deu entrevista coletiva para dizer que “estamos falando de crise e confusão com a economia voltando”.

Indústria recupera em ‘V’

Falta pouco mas a indústria praticamente superou as perdas da pandemia. Os indicadores de confiança da FGV também mostram que os empresários do setor estão mais otimistas, em parte pela desvalorização do real, que dificulta importações e ajuda exportações. Também pode haver dois efeitos de ações do governo. Os recursos do auxílio emergencial, que ajudaram o consumo, e as linhas de crédito, que favoreceram empresas maiores, mais comuns na indústria. Superado esse problema, volta-se ao anterior: falta de competitividade.


Míriam Leitão: Recados, indiretas e novos improvisos

Por Alvaro Gribel (interino)

Se a palavra do ministro Paulo Guedes ainda vale pelo governo, o programa Renda Cidadã voltou à casa zero. O ministro da Economia mudou sua agenda em cima da hora ontem à tarde para participar da divulgação dos dados do Caged, mas sobre o mercado de trabalho pouco falou e terceirizou para a área técnica. Ele aproveitou o espaço para disparar recados a aliados e ao próprio presidente Bolsonaro e ainda alimentou bate-boca com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Disse que havia rumores de que Maia interditara as privatizações após acordo com partidos de esquerda e que o novo programa social não pode ser financiado por “puxadinhos”.

Guedes se recusou a chamar o programa pelo nome Renda Cidadã e por três vezes falou em Renda Brasil, que havia sido proibido por Bolsonaro. Ao dizer que ele precisa ser a unificação de 27 projetos sociais, o ministro voltou à ideia inicial para o seu financiamento, que na visão do presidente significa tirar do pobre para dar ao paupérrimo. No mercado financeiro, a interpretação foi de que o ministro elevou o tom para demonstrar que não vai compactuar com pedaladas e contabilidade criativa. Para muitos investidores, a fala foi bem recebida, e houve quem entendesse que se o governo seguir por esse caminho Guedes deixará o cargo.

O ministro reconheceu que houve estudo sobre os gastos com precatórios, mas porque, segundo ele, esse tipo de despesa tem crescido muito nos últimos anos. Afirmou que em momento algum o governo “deixará de honrar” seus compromissos, muito menos uma dívida que já transitou em julgado. Em outras palavras, disse que a medida seria um calote, rebatendo o relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC), que chamou de “hipócritas” todos os que pensavam dessa forma.

Em seguida, Rodrigo Maia disse que Guedes está desequilibrado. No dia anterior, ele próprio acusara o ministro de interditar o andamento da reforma tributária. Sobre as privatizações, os fatos parecem estar a favor do deputado, já que o veto maior ao programa vem do próprio presidente Bolsonaro, que desde a campanha eleitoral excluiu as maiores estatais da lista de empresas vendáveis.

Ao fim e ao cabo, o novo programa social não tem nome, fonte de custeio, e o governo continua como sempre esteve: perdido em suas brigas internas.

O valor do auxílio

O gráfico mostra o impacto da crise sobre os rendimentos do trabalho. Pelos dados divulgados ontem pelo IBGE, e compilados pelo Iedi, houve uma queda de 13,3% em julho, sobre o mesmo mês do ano passado. “Tomados os rendimentos efetivamente recebidos, que refletem melhor o choque provocado pela pandemia, a massa de R$ 185,6 bilhões é a menor da série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012”, disse o Iedi. Esse dado exclui o que foi pago pelo governo no auxílio emergencial, e reforça a importância do benefício para garantir o consumo de muitas famílias.

Dois lados do emprego

Os economistas Bruno Ottoni e Tiago Barreira, do Ibre/FGV, juntaram três séries de desemprego e concluíram que a taxa de desocupação do país em julho foi a maior desde 1992, ou seja, em quase 30 anos. A Pnad Contínua, como se sabe, começou em 2012, mas os economistas adaptaram os dados à Pnad Anual e também à PME, que possuem séries mais antigas. “É uma constatação preocupante, e a tendência ainda é o desemprego aumentar nos próximos meses, porque muita gente que perdeu trabalho ainda não voltou a procurar”, disse Ottoni. No mercado formal, houve criação de quase 250 mil vagas em agosto, segundo o Caged. O governo comemorou e, na visão de Ottoni, o Programa de Manutenção do Emprego ajudou de fato a evitar um quadro pior. “Ainda assim, estamos com uma perda de mais de 800 mil vagas de carteira assinada desde o início da crise”, lembrou.


Míriam Leitão: Renda cidadã e o senador sem noção

Por Alvaro Gribel (interino)

Míriam Leitão está de férias

Desde que apresentou o programa Renda Cidadã, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) tem defendido a proposta como um cidadão sem noção. Em inúmeras conversas e entrevistas nos dois últimos dias, Bittar tem deixado de cabelo em pé seus interlocutores, sejam eles jornalistas, economistas ou investidores do mercado financeiro. Sem nenhum constrangimento, é capaz de afirmar na mesma frase que “atraso no pagamento de dívida não é calote”, para depois acusar de “hipócritas” aqueles que entendem o contrário. Quanto mais Bittar fala, menor parece a chance de aprovação do novo programa de renda mínima.

“O governo brasileiro está renegociando sua dívida”, justifica. Em qualquer lugar do mundo, o nome disso é calote, especialmente quando é feito de forma unilateral, sem negociação. No caso dos precatórios, o governo atrasará o pagamento mesmo após decisão judicial. Mas Bittar não se deixa abalar e complementa: “Você vai pagar praticamente um terço do que deve e dizer ao credor: O mundo entrou em uma crise e nós não saímos dela ainda, vamos ter que equacionar.” A fala contraria não apenas os bons costumes econômicos, como demonstra que a recuperação não é tão rápida quanto diz o governo, já que o Renda Cidadã só entraria em vigor no ano que vem.

Bittar disparou indiretas ao aliado Paulo Guedes. Disse que “o mercado não é Deus” e que em uma reunião com o governo fez questão de dizer “a um ministro” que se os investidores fossem tão inteligentes não teriam apoiado governos de esquerda no Brasil. Ainda assim, dividiu o ônus do projeto com a equipe econômica. “Não apresentaria uma proposta que não estivesse chancelada pela equipe econômica do governo do presidente Jair Bolsonaro, através do ministro Paulo Guedes.”

Bittar já havia chamado atenção no ano passado quando apresentou um Projeto de Lei ao lado do senador Flavio Bolsonaro para acabar com a Reserva Legal. Se fosse aprovado, as propriedades rurais ficariam liberadas para o desmatamento de vegetação nativa. O PL não foi adiante, mas não antes de os senadores afirmarem que “o aquecimento global era discurso apocalíptico para barrar o progresso” e que os EUA eram mais ricos que o Brasil porque derrubaram suas florestas a favor da agricultura.

Ontem, irritado com uma pergunta da jornalista na Globonews, Bittar a chamou de “querida”, para depois confundir Nelson Rodrigues com Nelson Gonçalves e afirmar que “a vida é como ela é”. Queria dizer que o governo enfrentaria resistências caso tentasse cortar gastos para financiar o programa, e que por isso buscou outro caminho. Como todo sem noção, não percebeu que confessava naquele momento o truque da contabilidade criativa.

Brasil fica para trás

Enquanto a bolsa brasileira está em último lugar na comparação com outras seis economias emergentes (veja ao lado), com perdas de 42% em dólar este ano, o principal índice da Coreia do Sul tem valorização de 4,85%. Curiosamente, o país asiático foi dos que melhor controlou a pandemia, com testes em massa, rastreamentos e isolamento social. No Brasil o governo deixou o vírus correr solto, ao mesmo tempo em que abriu a torneira dos gastos. O resultado foi desvalorização da moeda e queda da bolsa, que em reais também não voltou ao nível pré-pandemia.

Locador X locatário

O Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) já fez as contas para o reajuste dos aluguéis tendo como referência o IGP-M. O índice calculado pela FGV disparou 17,94% nos 12 meses até agosto e pode dar dor de cabeça aos inquilinos. Mas para o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, não faz sentido usar esse indicador, que tem forte influência do dólar e está fora da realidade: “O mercado está do lado do inquilino. Fora locais específicos, não é hora de ficar com imóvel vazio”, afirmou.


Míriam Leitão: O autocrata e os colaboracionistas

Quando um país toma o caminho do autoritarismo, não é pela vontade de uma só pessoa. É resultado da falha coletiva. É preciso ter um governante que despreza a democracia, e isso o Brasil tem no momento, mas todo autocrata precisa de colaboracionistas na sua conspiração contra as instituições. O Brasil neste um ano e nove meses demonstra ter uma multidão de ajudantes de Jair Bolsonaro em seu projeto antidemocrático.

Toda semana uma coleção de fatos é adicionada a outros, anteriores, mostrando a marcha que o país perigosamente empreende rumo ao abismo institucional. Muitos colaboram por má-fé ou ambição pessoal, alguns, porque olham para um ato específico e julgam erroneamente que ele não se soma a todos os demais que enfraquecem as instituições. Há os que ajudam porque andam distraídos quando a Pátria exige cuidados.

Pode-se começar a lista de qualquer ponto. Em cada um deles há sinais de que colaboradores, conscientes ou involuntários, ajudam o projeto autoritário. Na economia, quem entregou a bandeira liberal para esconder o voluntarismo autoritário do presidente colaborou muito. Mesmo quem não se considera liberal pode ver que os clichês eram úteis, mas falsos. O “tirar o Estado do cangote do empresário” ou o “mais Brasil e menos Brasília” eram estelionatos, como tudo o mais. Diariamente vemos o aumento de Brasília subjugando o país. Em nome do que trabalham os economistas do governo? Já não há projeto, não há consistência, não há autonomia mínima. Estão todos engajados na campanha de 2022. Nada entregaram, a não ser a si mesmos. E para um governante de maus propósitos.

Aceitam, os gestores do orçamento, tirar dinheiro da educação num ano de emergência para jogar em asfalto, porque crianças e jovens aprendendo melhor não dão uma inauguração, mas um trecho qualquer de estrada serve de palanque ao presidente. Aceitam os colaboradores do Ministério da Economia estar em minoria numa Junta Orçamentária de generais. Desistem de qualquer amor próprio em nome não se sabe do quê. Um economista que passou pelo mercado financeiro entende quando já perdeu. Se fica na posição é porque acha natural o abuso.

A demolição da democracia tem tido muita ajuda da Procuradoria-Geral da República (PGR). Augusto Aras sabe o que faz. E não está sozinho. Remanescente de um tempo pré-constitucional, no qual era possível somar a advocacia com a procuradoria e servir a dois senhores, Aras tem pouco a ver com o atual Ministério Público construído como defesa dos interesses coletivos após 1988. Mas tem tido ajuda no seu trabalho incessante de transposição da PGR para a AGU.

O Supremo Tribunal Federal instalou barricadas importantes contra o avanço do autoritarismo. Por isso, o presidente foi para a rua com manifestantes pedindo o seu fechamento. E o fez impunemente. Os investigados são os que financiaram os atos que pediam a morte da democracia. Quem os incentivou a pedir poderes ditatoriais para si, esse está protegido pelo manto da Presidência. O STF tem que avaliar bem seus atos neste momento da República. Eles são supremos, contra eles a quem recorrer? Todos sabem naquele egrégio tribunal que o interrogatório de um investigado, se for sério, não pode ser por escrito, porque com esse conforto o trabalho de redação será entregue a um auxiliar. Todos sabem que o capítulo em que está a prerrogativa do artigo 221 do CPP tem como título “Das Testemunhas”. O capítulo “Do interrogatório do acusado” é outro. O presidente não pode ser testemunha da sua própria investigação. Um erro não faz um direito de isonomia. O espírito da lei repousa no voto de Celso de Mello. Com que artifícios jurídicos se tentará escapar do que está escrito?

O que mais a Justiça fará para não punir os que em gabinetes com inúmeras rachadinhas drenaram o dinheiro coletivo para os bolsos da primeira família e até da ex-família? Com que tapumes serão protegidos? Com quantas liminares será cassado o direito da imprensa de informar?

Um projeto autoritário se constrói com muitos erros e omissões. O Brasil neste momento triste de 135 mil mortos e um presidente que ri do sofrimento coletivo está no caminho da perdição da sua maior conquista. A vitória que Doutor Ulysses, com ódio e nojo à ditadura, exibiu ao país, triunfante, naquele dia de não se esquecer.


Míriam Leitão: Desmatamento e esperança

A defesa do meio ambiente recebeu, esta semana, reforços importantes. Empresas unidas a ambientalistas foram dizer ao governo que este é o momento de mudar de rumo. E, mais do que apelos, levaram propostas concretas de como fazer essa mudança. O governo, contudo, dobrou a aposta no seu descaminho. O vice-presidente se atrapalhou nas declarações, o presidente Bolsonaro piorou o seu negacionismo. Foi ao Pantanal e não viu a queimada, mas a fumaça o buscou até no avião. Os dois lados foram claros. Eles estão bem distantes um do outro.

A coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura já seria importante só pela parceria inédita que representa, mas além disso levou uma lista de coisas práticas a fazer. Eles acham que é preciso punir quem comete crime ambiental, na mesma linha da entrevista do executivo da Marfrig, Roberto Waack, ao GLOBO, ontem. Propõem a suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural que estão em florestas públicas. Parece incrível que se tenha que propor que não se legalize o roubo da terra pública, mas assim é o país. Eles sugeriram uma ação superimportante: criar unidades de conservação e de uso sustentável em 10 milhões de hectares próximas às áreas que estão sob maior pressão. Foi exatamente assim que se conseguiu, no passado, inverter a curva do desmatamento.

Querem que haja total transparência — e isso de fato é o mínimo — nas autorizações de desmatamento. Sugerem a suspensão de todos os processos de regularização fundiária em terras nas quais tenha havido desmatamento ilegal depois de julho de 2008, data do Código Florestal.

O vice-presidente Hamilton Mourão, sobre quem está depositada a expectativa de que o governo entenda do que está se falando, deu sinais mistos. Ele recebe e ouve de forma polida. Mas acusou um “opositor” de dentro do Inpe de divulgar os dados. Erro crasso, porque os dados são públicos, uma conquista de governos passados. Democracia, como se sabe, combina com transparência. Qualquer pessoa pode buscar esses dados no site do Inpe. Na sexta-feira, ele deu um estranho sinal. Defendeu a criação de uma nova agência de governo, que concentre os sistemas de monitoramento por satélite na Amazônia. Citou como exemplo a ser copiado o NRO (Escritório Nacional de Reconhecimento) dos Estados Unidos. Ou seja, o governo tentará tomar dos cientistas para entregar aos militares o trabalho que hoje é executado pelo Inpe. Já que não pode controlar a agência de controle, que tal desmontá-la? Tem sido assim em outras áreas do governo.

O presidente em seu desvario disse que o Brasil está de parabéns em sua política ambiental mesmo numa semana em que se acumularam evidências de que está tudo errado, que o crime está avançando e destruindo um bem coletivo. Ontem em Sinop foi a mais um ato de campanha muito antes do seu tempo. Falou com produtores agrícolas do Mato Grosso repetindo a ideia de que as críticas que fazem ao Brasil são de competidores internacionais. Uma sandice porque, ainda que fossem, o mais inteligente seria não lhes dar motivo, até porque estaríamos, antes de tudo, defendendo nossos próprios interesses.

É muito mais que apenas uma briga comercial. Esta semana houve também uma carta de oito embaixadores de países europeus entregue ao governo Bolsonaro. Dizem que está difícil importar alimentos do Brasil por causa do desmatamento. Eles são compradores de produtos brasileiros. Minimizar os alertas, alegando que a Europa importa relativamente pouco do Brasil, é não entender a lógica da economia atual. Os consumidores pressionam as empresas que tomam decisões que nos afetam. O que acontece na Europa certamente se espalhará por outras regiões. Se o projeto é fazer do Brasil um país pária, é por aí mesmo o caminho.

Sob os gritos de “mito”, Bolsonaro entregou títulos de regularização fundiária. A verdade sobre o assunto já escrevi aqui para os leitores. Este governo, no ano passado, distribuiu apenas seis títulos. Nos governos anteriores, a média era de três mil por ano.

O Brasil vive uma tragédia ambiental de enorme dimensão. Há pressões internas e internacionais para que o governo mude sua desastrosa política ambiental. Esta semana os recados foram mais claros. E mais uma vez o governo não deu qualquer motivo para se ter esperança.


Míriam Leitão: Fogo no Pantanal e as nossas aflições

O Pantanal é uma lindeza. Quem vê não quer parar de olhar aquela beleza de alagado, aquela multidão de pássaros. Há pontos do Pantanal que se a gente admirar bem cedinho fica pensando que deve ter sido assim o começo do mundo. São 150 mil km2 no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Até o dia 13, estavam queimados 29 mil km2. Isso é um quinto do bioma. Mas o fogo avança um pouco mais a cada dia. No Parque Estadual Encontro das Águas, 85% da área está queimada e lá moram onças pintadas. O Pantanal é a maior planície alagada do mundo. O Brasil tem tudo imenso quando o assunto é ativo ambiental. É dono da maior parte da maior floresta tropical do planeta. Tem a maioria das águas da maior bacia hidrográfica do mundo. Que tamanha insensatez a nossa.

— A gente está assistindo a uma tragédia anunciada e crescente. No começo do mês, eram 12% do Pantanal afetados e agora aumentou para 19%. A fauna está sendo muito atingida, os animais estão desidratados e sem comida e isso vai acabar afetando todo o ciclo de reprodução de animais listados em situação de extinção. A gente está vendo também um impacto econômico imenso — diz a cientista política Alice Thuault, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida (ICV).

Nossas aflições se somam. O que afeta a Amazônia agrava o problema no Pantanal, que precisa do Cerrado. Os biomas se falam.

— O nível dos rios está muito baixo. Isso é cíclico, mas o desmatamento da Amazônia está impactando o equilíbrio do Pantanal. Eu digo que é tragédia anunciada porque todo mundo viu o que estava acontecendo, e a gente não deu conta, como sociedade, de colocar isso na agenda pública, dos tomadores de decisão — diz Alice Thuault.

Os tomadores de decisão no Brasil estão empurrando o país para o abismo ambiental. Este governo desprezou todos os alertas, desmontou o Ibama e o ICMBio, tirou dinheiro dos seus orçamentos, não liberou os recursos que tinha em caixa, estimulou insistentemente o crime ambiental por atos, por palavras, por portarias e instruções, passando sempre a boiada nas leis. Espantou até os países que estavam doando para o Brasil proteger suas riquezas.

— Pelo corte de recursos, a máquina pública não está presente. O dinheiro do Fundo Amazônia está fazendo falta nas ações de preservação. O Mato Grosso tem um Corpo de Bombeiros antigo, mas que está sem orçamento. O Prevfogo, do Ibama, este ano não fez a qualificação de brigadistas, por causa da Covid — diz a diretora do ICV.

Perto do Parque Encontro das Águas fica a Baía do Guató, última terra indígena demarcada. Todas as aldeias dos Guató foram destruídas pelo fogo que não começou lá, mas sim em terras vizinhas:

— Hoje recebi a imagem da água que eles têm para beber, parece barro. Na Baía dos Guató foram protocolados vários pedidos para montar brigadas. Estão todos esquecidos do poder público. Primeiro é preciso apagar o fogo, depois será necessário socorrer as comunidades. Os indígenas e também os quilombolas que perderam toda a sua produção de subsistência.

Uma tragédia que se desdobra em várias. De onde veio o fogo? As investigações mostram que 67% da destruição foi consequência de incêndios que começaram em nove pontos, cinco deles em áreas que têm cadastro ambiental rural de fazendas dedicadas à pecuária.

O Pantanal é muito específico. Quem vê tanta água, na época da cheia, acredita que ela sempre estará lá. Mas o bioma é frágil. As águas estão de visita, precisam do Cerrado preservado, porque no Cerrado, que parece seco, é onde nascem as águas. Se a Amazônia arde, o Pantanal fica mais seco. A fragilidade da vida se vê, por exemplo, na Arara Azul. Grande e linda e vulnerável. Ela tem suas exigências. Precisa de uma árvore, o manduvi (Sterculia apetala) para sobreviver. E faz seus ninhos nas árvores velhas que já têm um oco, onde elas se instalam na reprodução. Por um trabalho de 30 anos do Instituto Arara Azul a população dessas aves começou a aumentar. O que será delas ao fim dessa devastação?

O Pantanal é uma das preciosidades do Brasil. A flora é resiliente, ela pode voltar devagar, e com a ajuda de viveiros para o replantio, pensa a diretora do ICV. Mas a fauna está morrendo. Há organizações que estão saindo para hidratar os animais. A natureza do Brasil está pagando um preço alto demais.