Míriam Leitão: Ruído constante na economia

Não há um único dia em que investidores e empresários deixem de falar sobre a ampliação do Bolsa Família. O vazamento de ideias é constante e varia conforme a fonte do governo.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

Com Alvaro Gribel (interino)

Não há um único dia em que investidores e empresários deixem de falar sobre a ampliação do Bolsa Família. O vazamento de ideias é constante e varia conforme a fonte do governo. Se vem da equipe econômica, a sinalização é de que não haverá aumento de gastos. Se vem de ministros ligados à articulação política, prega-se que uma solução será encontrada. Ontem, ao mesmo tempo em que o ministro Paulo Guedes negou a hipótese de prorrogação do auxílio no ano que vem, houve quem defendesse um mecanismo para acionar o orçamento de guerra, o que facilitaria o aumento dos gastos. Limitar supersalários esbarra na independência orçamentária dos poderes.

Em sua carta mensal enviada a clientes, o Verde Asset, do economista Luis Stuhlberger, comparou a atuação do governo na pandemia entre 20 países emergentes. O Brasil, apesar de ser o mais endividado (85%), foi o que mais gastou como proporção do PIB (9%). “Os únicos países emergentes que gastaram parecido com o Brasil são Peru e Chile, ambos com grau de investimento e dívida pública antes da pandemia próximas a 25% do PIB, com muita margem de manobra.” O Brasil está dois degraus abaixo do nível de investimento e no mercado já há preocupações de que um novo rebaixamento possa acontecer no final do ano.

Se o objetivo do presidente é transferir recursos aos mais pobres para manter a sua popularidade, o tiro pode sair pela culatra. O presidente da Abit, Fenando Pimentel, que representa a indústria têxtil, também está preocupado com o fim do auxílio no final do ano, o que pode afetar o consumo e a recuperação do setor. Mas ele lembra que, mesmo que o Bolsa Família dobre de tamanho, nem de longe terá o mesmo impacto do auxílio emergencial.

— O auxílio emergencial custa R$ 50 bilhões por mês. O Bolsa Família é R$ 2,5 bi mensal. Mesmo que o governo consiga dobrar o programa para R$ 5 bi, o efeito sobre o consumo será muito mais limitado do que a ajuda que foi dada na pandemia —afirmou.

A ideia de liberar recursos limitando de fato o teto do funcionalismo parece boa, mas enfrenta problema técnico. Segundo o relator da reforma administrativa na Câmara, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), os orçamentos dos poderes são independentes e o que pertence ao judiciário não poderá ser transferido para um programa social do executivo. “Ainda mais quando for recurso de estados e municípios”, explicou. O balão de ensaio parece que furou novamente.

Cautela automotiva

A Anfavea, que representa as montadoras de veículos, revisou de -45% para -35% a estimativa de queda da produção este ano. O clima ainda é de cautela. Se em setembro houve crescimento de 4,4% sobre agosto, em relação ao mesmo mês do ano passado foram produzidos 11% menos veículos. Olhando para frente, o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, explica que ainda permanece um cenário de incerteza: “Não dá para desconsiderar que a taxa de desemprego está em 13,8%, que a taxa de juros aos consumidores está em 19%, que estamos tendo aumento de custos acima do esperado, com aço, dólar, IGP-M. Estamos mais cautelosos por enquanto”, explicou.

Ajuda com os vetos

O sucesso no leilão de saneamento em Alagoas, na semana passada, pode ajudar o governo a manter os vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro no novo marco regulatório. Bolsonaro vetou a prorrogação de contratos das empresas estaduais, quebrando acordo feito no Senado, mas o resultado do leilão pode fazer com que os senadores insatisfeitos mudem de ideia, segundo o presidente do Trata Brasil, Edison Carlos. “Foram R$ 2 bilhões de outorga, valor muito acima do esperado. Os governadores vão ver o potencial de dinheiro entrando no caixa. O novo marco já está tendo efeito sobre os leilões, e isso pode estimular os senadores a deixarem tudo como está, sem mexer nos vetos”, disse.

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