miriam leitão

Míriam Leitão: O insustentável peso do auxílio

A Petrobras valia ontem a preço de mercado R$ 300 bilhões. O auxílio emergencial custa o dobro disso em um ano. Se fosse mantido por doze meses, seriam R$ 600 bilhões. Vinte vezes mais do que o Bolsa Família, que no mesmo período consome R$ 30 bilhões. O auxílio que tem tal peso nas contas é o que encanta o presidente Bolsonaro. O ministro Paulo Guedes oferece um prêmio de consolação: o Renda Brasil. Ele será insuficiente para manter a sensação dada a quem recebeu o auxílio nesta pandemia.

Esse é o centro de um dos dilemas de Paulo Guedes. O auxílio reduziu o peso da recessão e aumentou a popularidade do presidente. Contudo, tem um custo impagável. O outro dilema são os investimentos pedidos pelos militares e as obras defendidas pelos ministros setoriais. Separadas podem ter boas justificativas, todas juntas serão a pá de cal no programa que o ministro vendeu ao mercado como aquele que seria aplicado durante o governo Bolsonaro. Resta pouca coisa do programa original. Não foi feita a privatização, a reforma administrativa mofa na gaveta presidencial, a capitalização foi derrubada pelo Congresso, a abertura comercial virou um acordo com a União Europeia de incerta homologação. Se descarrilhar o gasto, nada restará.

Agosto é mês em que todo ministro da economia fica sob pressão porque fecha-se o orçamento e cada área quer evitar cortes. Desta vez é pior porque a situação é muito mais complicada. A pandemia elevou espantosamente os desafios fiscais do país. Luta-se pelo gasto imediato e pela despesa do ano que vem.

Renda Brasil: Mais de 20 milhões de famílias com benefícios de R$ 300
Há uma velha lei da selva brasiliense. Toda vez que o presidente tem que dizer que alguém está prestigiado é porque este alguém está sob ataque. Quem está forte não precisa ser fortalecido. No caso de Paulo Guedes, ele sentiu necessidade de reforçar a si mesmo e disse que Bolsonaro tem confiança nele e ele tem confiança no presidente.

O maior ataque ao ministro vem do próprio presidente. Guedes pode vencer as quedas de braço parciais contra os ministros Rogério Marinho, Tarcísio de Freitas ou até o general Braga Netto. Mas não será possível vencer um presidente em campanha eleitoral, enamorado de si mesmo, e com ouvidos abertos aos que prometem que todo aquele eleitorado será dele se ele continuar gastando, dando auxílios e inaugurando obras, mesmo as que não foram feitas por ele.

Bolsonaro não sabe governar. Sua agenda se resume à defesa dos clubes de tiro, onde seus filhos gostam de brincar, ao desregramento do trânsito, às vantagens corporativas de militares e policiais. Presidentes assim em épocas difíceis costumam criar falsos adversários, mentir sobre a realidade e entrar em campanha. Bolsonaro usou as três técnicas e com elas tenta encobrir sua incapacidade administrativa.

Entre Bolsonaro e seu objetivo há o tempo e os limites dos cofres públicos. Mesmo que o ministro da Economia aceite ceder, ele sabe que não pode ser por muito tempo. O Renda Brasil não terá o mesmo valor, nem a mesma amplitude do auxílio. Vai decepcionar muita gente. Para ter recursos precisará acabar com benefícios que tem defensores. O abono salarial, recebido por trabalhadores que ganham até dois pisos salariais, o seguro defeso, dado a pescadores em época de desova dos peixes, e a farmácia popular, que reduz o preço dos remédios para determinada faixa da população. Para acabar com esses programas será preciso travar batalhas difíceis.

Paulo Guedes é um defensor dos cofres públicos incomum. Ele cede mais facilmente aos argumentos do presidente. Bolsonaro pode dizer a ele que em 2023, depois de se reeleger, ele então privatizará, diminuirá o tamanho do Estado, abrirá a economia, mas que agora não dá porque precisa lutar contra os inimigos da esquerda que atacam seu governo. O ministro é inteligente, mas cairá nesta conversa facilmente.

Entretanto, chegará o dia em que o mercado verá que o rei está nu. Bastará olhar os números. A despesa primária este ano está indo para R$ 1,98 trilhão, o que é 27,6% do PIB. No ano que vem, terá que ser reduzida para 19,6% do PIB, em 2022, para 19,2%. Isso acontecerá por força do teto de gastos. Parte do governo quer que essa queda seja mais lenta. Mas a dívida está indo para 98% do PIB. E os juros futuros já ligaram o pisca-alerta.


Míriam Leitão: Os vários nós da crise Guedes

Há dinheiro sobrando no Orçamento. Essa é a ironia desta crise. Houve o chamado empoçamento. Até junho, o dinheiro não executado chegou a R$ 31 bilhões. Outro risco: em 2021, não há meta fiscal porque foi impossível estabelecer uma previsão quando foi feita a LDO. O ambiente parece perfeito para os gastadores. Só que existem dificuldades técnicas e uma trava para os gastos: o teto. Não é a primeira vez que o ministro Paulo Guedes entra em zona de turbulência, mas esta é a pior crise. No governo, dizem que ele não sai, mas a tensão está aumentando. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em conversa com interlocutores internos, já avisou que concorda em 99% com o ministro Paulo Guedes. Não poderia ser o substituto na eventualidade da queda.

A solução, segundo eu soube no governo, será conseguir algum dinheiro este ano para atender aos ministros Rogério Marinho e Tarcísio de Freitas. E essa foi toda a discussão das últimas horas. Marinho, que queria R$ 30 bi, se contentaria com R$ 5 bilhões, mas nem isso Paulo Guedes achou técnica e fiscalmente viável. A turma do deixa disso está querendo convencer Guedes a ceder um pouco, e Marinho a concordar com menos. No final do dia, estava estabelecido que haveria uma MP de R$ 5 bi, e que R$ 1,8 bi seria para o Ministério do Desenvolvimento Regional. E Paulo Guedes bateu pé: só o que fosse possível ser executado até 31 de dezembro, porque no ano que vem não haverá a PEC da guerra, portanto, voltam a valer todos os limites de despesas.

Para entender o ambiente de ontem, de boatos sobre a queda do ministro Paulo Guedes, é preciso saber três coisas. Há uma rede de intrigas, há complexas questões fiscais envolvidas e existe o desgaste. Um observador da cena interna do governo lembra que já houve outras crises e a atual começou em abril, com o anúncio do Plano Pró-Brasil, quando se falou abertamente em abandonar o teto de gastos. A equipe econômica, na época, fez uma reunião e disse que estava com Guedes. Se o teto caísse, sairiam todos. De lá para cá, vários já saíram. Nas outras duas grandes crises, ele teve defensores dentro do governo. Agora, eles estão rareando.

A primeira crise foi entre o final da tramitação e a aprovação da reforma da Previdência. Guedes fez duras críticas às mudanças no Congresso. Ali, Guedes e Marinho ficaram mais distantes, e houve o embate com o deputado Rodrigo Maia. Na segunda crise, Guedes foi criticado por seu desempenho em Davos, pelo resultado baixo do PIB, pelas “não entregas”, e tropeçou mais uma vez nas palavras. Chamou os servidores de parasitas e criticou empregadas que teriam ido à Disney no câmbio baixo. Precisou ser defendido pelo presidente, que disse que ele teria cometido apenas “gafes” e ficaria até o final do mandato.

Com as chamadas “não entregas” do ideário liberal, o mercado financeiro perdeu a visão quase religiosa que tinha de Paulo Guedes. Agora, quando se fala com os economistas dos bancos, eles dizem que sabem que ele está isolado e que o programa se frustrou, porém, se sair, vai haver uma deterioração de preços de ativos, pelo entendimento de que a agenda liberal foi definitivamente abandonada.

No governo, o clima é o seguinte: Paulo Guedes se sente traído, porque acha que levou Marinho para o governo, quando o ex-deputado perdeu o mandato, e ele, depois de virar ministro, voltou-se contra Guedes. Outros ministros contam que Bolsonaro e Marinho se aproximaram muito e têm se encontrado toda semana. O presidente gosta do que ouve e quando vai falar com Guedes recebe a informação de que aquilo é impossível.

Na área técnica, o que se conta é que há duas armadilhas fiscais. Primeiro, o fato de que há dinheiro sobrando no orçamento. Recursos ordinários não foram gastos porque o governo parou. O segundo é que quando foi preparada a LDO era impossível fazer uma estimativa de receita para 2021. Então, pela primeira vez depois de décadas, o resultado primário será flexível. Não é simples realocar o dinheiro que está sobrando, muito menos usá-lo no ano que vem porque o teto de gastos voltará a valer. O que ouvi no governo e entre economistas do mercado: Paulo Guedes não sai agora, e é difícil substituí-lo. Roberto Campos Neto tem dito a quem o procura que concorda em quase tudo com Guedes. Um aviso de que não aceitaria ser o substituto.


Míriam Leitão: A renovação da economia

Cinquenta milhões de hectares de pastagens produzem menos da metade do que poderiam produzir porque o solo perdeu qualidade. Isso é território equivalente a dois terços do Reino Unido. Imagine que o país invista em tecnologias simples, como curva de nível? Isso elevaria em R$ 20 bilhões a capacidade de geração de renda da mesma área. A pecuária tem 28% de ineficiência, se ela fosse combatida, o país poderia produzir 10% a mais no mesmo espaço, isso seriam 20 milhões de cabeças de gado. Além disso, deixariam de ser derrubados 15 milhões de hectares de floresta.

Se a gente fizer contas assim chegará a bilhões ou trilhões de reais acrescidos ao PIB brasileiro. Foi isso que o WRI Brasil fez para calcular o quanto o país tem a ganhar se escolher uma nova forma de produzir na retomada da economia. O mundo inteiro está discutindo isso — é o chamado green new deal — e a conclusão mais inteligente é que adotando medidas para converter a economia para novos padrões de baixa emissão o país cresce mais e melhor. E gera mais empregos. O número final impressiona. O PIB pode crescer 38% a mais até 2030, no melhor cenário, o que significa R$ 2,8 trilhões.

— O Brasil tem 200 milhões de hectares de pastagem, 70% das pastagens brasileiras tem algum nível de degradação. Sem proteção básica do solo, a chuva leva todo o fertilizante e é preciso colocar mais. Em vez de recuperar esse solo já ocupado, o país avança sobre a floresta e desmata. De cada 10 hectares de pasto na Amazônia, sete foram de desmatamento dos últimos 35 anos — diz Rafael Barbieri, economista sênior do WRI.

Ou seja, a cada ano o país perde bilhões com a queda de produtividade das pastagens, além disso destrói floresta, que ao ser derrubada diminui o fluxo de água nos rios, onde hidrelétricas produzirão menos energia. É um círculo vicioso. O país perde de várias maneiras com essas opções. E se em cada área os novos investimentos fossem diferentes? Essa foi a pergunta básica no estudo que reuniu especialistas da organização, professores da UFRJ, como Roberto Schaeffer, da PUC-Rio, ex-ministros como Joaquim Levy, estudiosos do Banco Mundial. Parece impossível que o governo atual faça as escolhas certas. Por isso eu perguntei para Carolina Genin, diretora de Clima do WRI, por que lançar o estudo neste momento:

— O trabalho começou há um ano e meio e replica para o Brasil uma pergunta que tem sido feita no mundo: se a transição para a economia de baixa carbono é benéfica. A conclusão é que sim e há muitas evidências. A agricultura, infraestrutura e indústria estão preparadas. Em alguns casos, é apenas dar escala ao que já fazemos. Nosso público alvo é o setor corporativo e o setor financeiro. E é uma linha de base para conversa com o Congresso. Seria um erro fazer o estudo pensando apenas no governo federal. Queremos fomentar o debate. É uma discussão de país.

No Brasil, o governo está dividido por uma discussão de meados do século passado: se é o Estado ou o setor privado que deve tocar o investimento. Em torno disso digladiam-se os ministros. O que deveria estar em debate é o que se discute no mundo hoje. Por exemplo, o que eles chamam de “infraestrutura de qualidade”. Parece um conceito abstrato. Rafael Barbieri dá um exemplo para o tornar concreto. Belo Monte foi construída tendo como base o regime de chuvas e o curso hídrico do passado. Só que está chovendo menos e o fluxo dos rios será menor com a mudança climática. O país construiu uma usina gigante que ficará ociosa em grande parte do tempo.

— Ela foi obsoleta na sua concepção. Com menos fluxo de água, ela vai gerar menos, ter menos receita e demorar mais a se pagar. Hoje, considerar os efeitos climáticos ao projetar uma obra é gestão estratégica de risco — diz Rafael Barbieri.

No mundo atual, mais do que apenas crescer é preciso saber como crescer. A opção por uma economia de baixo carbono é naturalmente a escolha de tecnologias novas. Ônibus elétrico, em vez dos velhos, a diesel, tem inovação embutido e custos menores em várias áreas. Na saúde, por exemplo. O texto sustenta que a transição energética para tecnologias de baixa emissão não é uma questão de “se”, mas de “quando”. Uma das sugestões é usar o gás como combustível de transição, nos navios de cabotagem, por exemplo.

No longo estudo, há exemplos e números que levam a uma constatação: essa é a nova economia. Se não for por aí, o Brasil ficará no passado.


Míriam Leitão: No centro da crise que devasta o país

A incapacidade de sentir a dor do outro e de viver o elo que liga uma pessoa ao seu próximo. Essa é a característica mais marcante da personalidade do homem que governa o Brasil. Foram muitos os erros que ele cometeu nestes meses do nosso desterro. Vivemos um exílio diferente, porque estamos apartados das virtudes que admiramos no país. Jamais saberemos quantas vidas teriam sido poupadas entre as 100 mil que perdemos se fosse outra a liderança. Carregaremos as dúvidas. Milhares de dúvidas. Dessa falta de sentimento humanitário, surgiram as frases ofensivas como o “e daí?” e o “eu não sou coveiro”.

Os coveiros trabalham duramente, em condições difíceis, em turnos dobrados, sob risco de contaminação em enterros sem choro e sem flores. O luto não tem cerimônia. Fica cravado no peito de cada um. Os que perderam as pessoas que amavam não puderam ser consolados. Não há mais abraços no mundo. Os coveiros viram. A esses profissionais, todo o respeito. Sim, o presidente não é coveiro. Ele não teria a grandeza de ajudar alguém em momento terminal.

Toda vez em que concedeu a frase “lamento as mortes” soou falso, porque era falso. Era seguida de adversativas e da platitude de que todos morreremos. Os médicos e os enfermeiros lutam diariamente para manter a vida, mesmo sabendo do destino final de cada um. Essa é a grandeza de quem trabalha com a sáude humana. Eles, elas podem se olhar no espelho e dizer: hoje venci várias vezes a luta desigual contra a morte. Às vezes, o preço é a própria vida, como a do jovem neurocirurgião Lucas Augusto Pires.

Foram muitas as demonstrações de falta de empatia e de compaixão nestes dolorosos meses. Não há mais o que esperar. Nem em sentimentos, nem em capacidade de liderar o país no meio de uma tragédia. Ele falhou completamente.

A falha cotidiana foi passar a mensagem perigosa de que não era necessário se proteger. A transferência de recursos aos estados e municípios não foi favor, o dinheiro é dos pagadores de impostos. O governo federal adiou o que pôde, com manobras regimentais, com deliberados atrasos burocráticos. Isso custou vidas humanas.

A ajuda às pessoas não foi concessão dele. A proposta saiu do executivo depois de muita pressão dos formadores de opinião, e no Congresso o valor foi elevado. A execução foi desastrosa, com as filas de pessoas lutando por seus direitos e a multiplicação dos casos de fraudes. Montou-se um sistema que negava o auxílio a um bebê porque não tinha CPF, mas entregava o dinheiro a uma pessoa rica sem averiguar sua renda. As linhas para sustentar as empresas em colapso foram tão tardias que falharam.

O governante inúmeras vezes usou a imagem da presidência para vender a ilusão da pílula mágica, produzida aos milhões nos laboratórios do Exército. Criou um tumulto administrativo no Ministério que coordena as ações da saúde. Convocou seus seguidores a invadir hospitais para perseguir a delirante versão de que era mentira a ocupação dos leitos. Quis suprimir os números das mortes. São muitos os crimes. Sim, a palavra é esta: crime.

Ele ofendeu e ameaçou governadores e prefeitos que se preocuparam em proteger a população, criou uma confusão na mensagem para as famílias, manipulou sentimentos conflitantes em um tempo difícil para alimentar a mentira de que não era o responsável. Numa federação e no presidencialismo não há quem substitua o presidente no trabalho de coordenação no enfrentamento de um flagelo coletivo. Isso custou muitas vidas.

Sua atenção esteve em uma pauta estrangeira à vida. Quer armar a população, aumentar o acesso a instrumentos de morte, tirou exclusividades das Forças Armadas em determinados armamentos mais poderosos. Eliminou legislação que permitia o rastreamento. Armas, armas à mão cheia. Esse é o lema do homem que governa o Brasil.

O presidente conspirou contra a democracia. Nos gabinetes fechados e à luz do dia. Estimulou aglomerações de manifestantes contra os poderes da República e alimentou milícias virtuais com ataques às instituições. Gritou ofensas e ameaças. Tudo isso enquanto os brasileiros tentavam se proteger de um inimigo mortal. Conseguiu duplicar as ameaças que pairavam sobre nós. Por semanas seguidas, o país teve que lutar pela vida e pela democracia. O nome disso também é crime. Crime de responsabilidade. Deveria ser punido com seu afastamento da Presidência. Ele não merece a cadeira que ocupa.


Míriam Leitão: De longe, Cintra vê uma CPMF

Longe do governo há quase um ano, o ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra reconhece a sua proposta de reforma tributária nas declarações do ministro Paulo Guedes, quando ele fala sobre a criação de um imposto digital. Cintra diz que pela arrecadação esperada, a base de tributação não pode ser apenas as grandes empresas de tecnologia, mas todas as transações financeiras. Ou seja, algo semelhante a uma CPMF. Ele acha que o governo tem errado ao não expor o projeto na íntegra, porque isso tem gerado ruído e aumento de resistência à reforma. E afirma que o presidente Jair Bolsonaro foi o primeiro a interditar o debate sobre o novo tributo.

Em uma longa conversa com a coluna, o economista Marcos Cintra falou sobre o que ele define como imposto de pagamentos e as vantagens que vê nesse tipo de tributo. Ele acredita que esse é o único caminho para destravar a reforma tributária e diz que é exatamente isso que o governo pretende apresentar na quarta fase do projeto, pelo que tem entendido das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes.

— Com muita sinceridade, tudo indica que é o mesmo projeto que estava pronto há um ano atrás. Foi apenas recalibrado. O próprio ministro falou isso na Comissão. A alíquota de 0,2% de cada lado, para gerar R$ 60 bilhões, tem que ter a base mais ampla possível. Então seria o que estava se discutindo lá atrás e que gerou a interdição do debate, primeiramente pelo presidente da República, o que levou à minha exoneração, e depois pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que disse que não o colocaria em pauta — explicou.

Ontem, em artigo no GLOBO, o economista Rogério Werneck, da PUC-Rio, mostrou que a arrecadação da CPMF, em 2007, foi de R$ 36,5 bilhões. Pela alíquota cobrada na época, de 0,38%, a base de incidência do imposto teria que ser R$ 9,6 trilhões, mais de três vezes o PIB daquele ano. Isso comprovaria o forte efeito cumulativo do tributo. “A mágica decorria da incidência em cascata da CPMF que dava lugar a uma base fiscal fictícia”, escreveu Werneck. Marcos Cintra entende que essa incidência em cascata é um problema menor diante da alíquota elevada que uma contribuição como o IVA teria sobre o setor de serviços.

— Eu prefiro um imposto cumulativo de alíquota de 1% do que um imposto de valor agregado com alíquota de 12%. O fatiamento do projeto foi um grande erro do governo, porque impediu as pessoas de verem o conjunto e os benefícios de um imposto de transações — defendeu.

O ex-secretário concorda com quem afirma que a proposta do governo é diferente do que tem sido discutido na Europa. Por lá, apenas a Hungria tem um imposto nos moldes da CPMF, segundo Cintra. O que se discute na França e na Inglaterra é uma forma de taxar as grandes empresas de tecnologia — em um imposto muito parecido com a nossa Cofins — mas ele avalia que isso teria um potencial de arrecadação baixo no Brasil. Por esse caminho, não seria possível desonerar a folha de pagamentos e compensar o setor de serviços pelo aumento de carga de um Imposto de Valor Agregado (IVA).

— Sem compensar os setores de serviços e agropecuário não haverá reforma tributária, porque eles terão um aumento grande de carga e vão inviabilizar a tramitação. E um imposto apenas sobre as grandes empresas de tecnologia não arrecada o suficiente para desonerar a folha.

Na Comissão Mista do Congresso, na última quarta-feira, Paulo Guedes falou que comparar o imposto digital a uma CPMF é maldade ou ignorância. Cintra diz que é preciso que o governo venha a público e apresente a proposta:

— Fica-se apenas com as críticas e o preconceito que se tem contra esse imposto. O governo deixa alimentar esse tipo de inquietude, sem esclarecer como funciona o tributo, qual é a base, quais são as regras.

O economista diz que deixou o governo sem mágoas, porque não via sentido em participar de uma reforma sem que fosse para tentar um imposto de pagamentos — que é seu objeto de estudo de toda a vida. Agora, de longe, vê a mesma proposta ser retomada, mas sem que o governo tenha coragem de a assumir publicamente.

Os argumentos dos que são contra a CPMF me convenceram. Mas aqui estão os de Cintra, que a defende. Enquanto o ministro não apresenta seu projeto, o país perde tempo discutindo sobre hipóteses.


Míriam Leitão: Governo derrapa na pista de teste

Governo teve derrota humilhante no Fundeb. Se seu plano vencesse, haveria o caos na educação em 2021 e pedalada na despesas do fundo

Foi tamanha a trapalhada do governo no Fundeb que ficou difícil até explicar. A decisão foi a de fazer dele o primeiro teste da sua base ampliada com o centrão. Terminou num fracasso tão grande que ao governo só restou a mentira. Bolsonaro comemorou como sendo seu o plano contra o qual conspirou. Planeja outros testes nas próximas votações. Foi tentada a estratégia de manter o presidente em silêncio. Não tem dado muito certo, e as emas do Alvorada sabem disso.

O Ministério da Economia fez uma manobra brusca para atropelar na reta final um projeto que vem de longa estrada sendo articulado com parlamentares, especialistas, sociedade civil, educadores. O governo ficou fora da pista durante todo o tempo e entrou daquele jeito. Tentou tirar dinheiro do Fundeb para um programa inexistente com o qual pretende substituir o Bolsa Família. Foi pela contramão fiscal porque era para burlar a lei do teto, já que o fundo da educação não está incluído nele. Se oficialmente os recursos fossem do Fundo, poderiam ser usados no programa Renda Brasil.

O governo fez tudo contra o Fundeb. Arthur Lira, o líder informal, quis adiar a votação na reunião dos líderes e, no plenário, tentou obstruir a sessão. Mas a aprovação foi consagradora com duas votações de emenda constitucional numa única noite. Houve apenas sete votos contrários, todos bolsonaristas. Depois dessa o governo deveria ter tido a prudência de recolher seu carro. Bolsonaro preferiu trombar com a verdade. Disse que havia sido uma vitória do seu governo. “A esquerda não engole mais uma derrota. Não engole. Não fizeram nada.” O ministro da secretaria de governo, Luiz Eduardo Ramos, havia feito um esforço para reduzir o tamanho da derrota, mas derrapou no Twitter: “Aprovamos. O que os governos anteriores não fizeram o presidente Bolsonaro deu o primeiro passo em menos de dois anos.”

Os fatos: os governos anteriores fizeram. O Fundef, na época de Fernando Henrique, e o Fundeb, no período Lula. Bolsonaro ignorou o assunto e na reta final veio com um projeto doido e tentou impedir a votação. O Fundeb resistiu e está a um passo de entrar para a Constituição. Falta o Senado.

O governo colocará seus carros na pista para novos testes. Um deles é a votação do veto da desoneração da folha. O ministro da Economia entregou seu imposto com uma alíquota alta e acenou com uma desoneração mais ampla que depende da aprovação de um novo imposto que ele ainda não quer chamar pelo nome próprio.

Nessa e em outras votações o governo tenta saber quantos votos tem. Se for derrotado, dirá que venceu, se o filho for bonito, é dele, se for feio, é da oposição. Com os quase 200 votos que supõe ter com o centrão no banco do carona, Bolsonaro quer barrar eventual processo de impeachment ou denúncia contra ele na Câmara.

Desde que Fabrício Queiroz foi preso na casa do seu advogado e do seu filho, Bolsonaro tenta ficar em silêncio e abandonar a tática de agredir pessoas, instituições e sobretudo os fatos, diariamente. Já não está com a boca fechada, como se viu nos últimos dias.

Fazendo um exercício contrafactual, o que teria acontecido se o governo tivesse conseguido aprovar o projeto que improvisou contra o Fundeb? O ano que vem o Brasil viveria um caos na educação. O ensino básico em quase dois mil municípios entraria em colapso. As escolas teriam que ser fechadas no ano seguinte a uma pandemia em que elas serão mais necessárias do que nunca. E, depois, no ano eleitoral de 2022, começaria a sair dinheiro oficialmente do fundo para um programa de voucher creche que seria, além de tudo, uma pedalada no teto de gastos. Outro ponto da proposta poderia deixar professores sem pagamento em municípios de todas as regiões do país.

O governo que faz uma gestão criminosa na saúde tem tentado tudo contra a educação também, da omissão à ação irresponsável. O plano que fez demonstra que seus autores sequer olharam os dados, não tiveram o cuidado de se informar minimamente sobre o funcionamento do país. O Brasil venceu no final, mas está ficando exaurido de ter que lutar para sobreviver a este governo. A sensação que se tem é que ele testa a paciência das instituições até o limite do tolerável, esperando quem sabe a ruptura que o filho do presidente disse que é uma questão de tempo.


Míriam Leitão: Difícil caminho fiscal do Brasil

O ajuste fiscal será feito por um governo que saiba dialogar e construir consenso. A vida é diferente das metáforas de Paulo Guedes

O Brasil tem que aproveitar a janela de oportunidade dada pelos juros baixos, o único item de despesa que diminuiu. Todas aumentaram, inclusive a previdência, que terá uma alta do déficit de mais de 1% do PIB neste primeiro ano da reforma. A janela pode ficar aberta por alguns anos, mas esse tempo pode se encurtar e ser apenas de alguns meses se o país cometer erros. Aproveitá-la é usar o tempo para conduzir um diálogo político e construir consensos. Isso é muito difícil com um governo espinhoso como este.

O Brasil entrou num período de déficit primário em 2014 e não tem chance de sair dele durante todo este mandato. A dívida terminará este ano em 98%, e o déficit primário, em 12% do PIB, um rombo gigante de R$ 800 bilhões. A ideia dentro do próprio governo é que, se não recuperar parte da arrecadação que vai perder, o país só verá a volta do superávit primário no fim do próximo governo, do presidente que ainda não foi eleito, e isso mesmo cumprindo o teto de gastos.

Na imagem que o ministro Paulo Guedes criou, ele é um conquistador de torres. Costuma repetir a história de que ele “derrubou a primeira torre, dos juros altos, e depois derrubou a segunda torre, da previdência”. A vida real é diferente das metáforas de Paulo Guedes.

Os juros foram derrubados no governo Temer. De 14,25% para 6,5%. Isso tornou a dívida bem mais barata. Essa queda continuou com Bolsonaro e agora despencou por causa da crise. Mas se o governo não mostrar capacidade de enfrentar os problemas fiscais brasileiros os juros subirão.

Quanto à segunda torre. Apesar da reforma, o gasto previdenciário subirá este ano como proporção do PIB. No RGPS, a despesa deve pular de 8,6% para 9,6% do PIB. No RPPS, deve ir de quase 5%, quando se junta o federal com estados e municípios, para 5,5%. Isso porque a despesa não caiu e o PIB encolheu. E é essa relação entre gasto e PIB que entra na conta. Tem mais um problema: a base de tributação caiu, porque empresas fecharam, empregos estão sendo perdidos.

O governo diz que a reforma administrativa não foi feita porque veio a pandemia. Não foi assim também. A reforma foi preparada, mas o presidente não quis enviá-la, apesar de muita insistência do ministro da Economia. A reforma tributária está sendo formulada desde o começo do governo mas ainda não foi para o Congresso, onde tramitam apenas duas formas de reorganizar o pagamento dos impostos sobre o consumo. O impasse tem a ver com a insistência do ministro, que gostaria de recriar um imposto sobre transações, sobre pagamentos, alguma coisa qualquer que funcione como a CPMF.

O que os especialistas em contas públicas dizem é que qualquer que seja o caminho do ajuste ele exige necessariamente muito diálogo entre executivo e legislativo, entre governo e sociedade. Tem que ir para o debate político disposto a ouvir, a trabalhar para construir o diagnóstico. Tem que ter calma e dialogar muito nos próximos meses. E este governo não sabe dialogar. O ministro da Economia não dá uma entrevista sem espalhar espetadas. E vai deixando mágoas.

Não é verdade a versão de que a reforma da Previdência foi aprovada porque este governo foi melhor do que os anteriores. O fato é que o debate foi amadurecendo, principalmente no período Temer. E o Congresso se esforçou apesar de o presidente Bolsonaro só ter se mobilizado para defender os grupos de interesse que sempre representou como deputado: policiais e militares.

O país vai reequilibrar as contas por onde? Vai criar imposto? Se for isso, terá que ficar claro. Vai reduzir os subsídios? Durante a campanha, Paulo Guedes falava que acabaria com os gastos tributários que são mais de R$ 300 bilhões. Essa agenda não andou. Na conta de redução de subsídios, de novo, o governo Temer, quando criou a TLP, deu um passo relevante.

Durante a campanha eleitoral, cada vez que um economista de qualquer campanha falava em reduzir as isenções e vantagens tributárias, eu pedia exemplos. Ninguém respondia assertivamente. Isso porque o maior gasto tributário é o Simples, outro enorme é o da Zona Franca de Manaus.

Existem também as isenções no Imposto de Renda Pessoa Física. Mexer em qualquer ponto desse exige um governo que saiba construir consensos. Este governo não sabe, muito menos depois de ter se comportado tão mal durante a pandemia.


Míriam Leitão: Mesmos erros na saúde e na doença

Em nenhum momento Bolsonaro entendeu seu papel de líder nesta pandemia. Tudo continua igual, a diferença é que ele testou positivo

O presidente usou até a sua infecção pelo novo coronavírus como parte da campanha de desinformação que vem mantendo desde o início desta pandemia. Jair Bolsonaro tem obsessão pelos seus erros, fica com eles contra toda a evidência factual e científica. Em nenhum momento entendeu qual é o papel do presidente nesta crise, qual é a força do exemplo e a função da representação. Ontem foi apenas mais um dia em que ele mostrou toda a sua coleção de perigosos equívocos. A única diferença é que o seu exame deu positivo para o novo coronavírus.

Quando começou a ter sintomas, o presidente deveria ter se afastado de qualquer atividade presencial. Esse é o primeiro movimento do princípio da precaução. Viajou para Santa Catarina, foi à embaixada americana, carregou ministros militares e civis para essa comemoração, abraçou o embaixador. Na segunda-feira, manteve contato com vários ministros. E já estava tendo febre. Entre eles, o único que tem o hábito de usar máscara é o da Economia, Paulo Guedes. Espero que a tenha usado. Bolsonaro, seu governo e seus seguidores tratam a falta de uso de máscara como um manifesto, como uma demonstração de coragem. Ele continuou com a mesma atitude imprevidente apesar de já estar com os primeiros sintomas.

Bolsonaro não entendeu a primeira lição dos médicos nesta pandemia: a preocupação de cada pessoa consigo mesma é uma forma de ter cuidado em relação aos outros. Não contrair a doença e não ser o vetor, esses são dois objetivos interligados. A cabeça dele é impermeável a muita coisa, como se vê nesta pandemia. Ele continua dizendo que quem tem menos de 40 anos não tem problema, e que as crianças deveriam voltar às aulas. Isso é não entender a dinâmica do contágio. Cada paciente, mesmo que tenha a forma branda da doença, pode contaminar outra pessoa cujo organismo tenha maior vulnerabilidade.

Ele insistiu ontem na falsa versão sobre o Supremo Tribunal Federal. Disse que o STF decidiu “que essas medidas de isolamento, entre outras, seriam privativas de governadores e prefeitos”. Disse que “o presidente da República passou a ser um órgão (sic) que repassava dinheiro”. Mais adiante, nessa mesma declaração em que comunicou a alguns jornalistas que estava doente, disse: “eu fui alijado de tomar decisão no tocante ao tipo de isolamento.” É falso, o Supremo não o destituiu de suas obrigações e poderes de presidente. Ele tem usado a repetição dessa mentira como parte da sua estratégia de fugir à responsabilidade imposta pela presidência.

Bolsonaro comparou a doença a uma chuva, que pode molhar todo mundo, fez propaganda da hidroxicloroquina usando a si mesmo como exemplo, e emprestando a ela efeito quase milagroso. Disse que tomou e “poucas horas depois já estava me sentindo muito bem”. De noite, postou um vídeo tomando a terceira dose do remédio.

Afirmou que o Brasil é um país continental, com diferenças no clima no Norte e no Nordeste em relação ao Sul. “O vírus se dá melhor em climas mais frios.” Isso já foi derrubado pelos fatos. O presidente da República não sabe o que aconteceu em Manaus? O que aconteceu em Fortaleza? Em várias cidades do Norte e do Nordeste? Disse que houve um “superdimensionamento” da doença, mesmo diante da terrível realidade de 66 mil mortos.

Repetiu todos os seus erros de avaliação, análise e comportamento que demonstrou desde o começo da pandemia. Ele repetiu seus equívocos de autopercepção.

— Eu sou presidente da República e estou na frente de combate. Eu não fujo à minha responsabilidade e nem me afasto do povo, eu gosto de estar no meio do povo — disse Bolsonaro.

Não é verdade. Ele gosta apenas de estar entre os que o apoiam, os que gritam “mito”. Ele fugiu da frente de combate, do lugar onde realmente se luta contra o avanço da doença. Bolsonaro fugiu à sua responsabilidade de governante de um país que é o segundo em número absoluto de mortes. Nunca encorajou os médicos e enfermeiros, eles sim na frente de combate, nunca dirigiu palavras de sentimento aos enlutados. Ele chegou ao ponto de cometer crime, como no dia em que estimulou pessoas a invadirem hospitais.

Ao contrair o Sars-CoV-2, Bolsonaro poderia ter tido um momento de reflexão e de correção de rota. Mas ele repetiu os mesmos desatinos que tem cometido desde o início desta pandemia, que nos atinge de forma tão dolorosa.


Míriam Leitão: O que Bolsonaro deu ao centrão

O FNDE tem dinheiro, obras, relação com prefeitos, licitações. Bolsonaro o coloca no balcão de negócios para ficar no cargo

O pote de dinheiro do Ministério da Educação fica no FNDE. O Fundo tem mais do que dinheiro, tem capilaridade. Através dele se fala com prefeitos do país inteiro, porque de lá é que saem as obras para a construção de creches e escolas, as compras de ônibus para o transporte escolar, a distribuição de material escolar e o fornecimento de merenda. É isso que o presidente Bolsonaro está entregando aos indicados de Valdemar Costa Neto, do PL, e Ciro Nogueira, do Progressistas.

— Dos R$ 140 bi a R$ 150 bilhões do orçamento do Ministério da Educação, dois terços são carimbados. Dinheiro para as universidades federais, os institutos federais, os hospitais universitários. Dos R$ 50 bilhões do FNDE, uns R$ 14 bilhões vão para o Fundeb. O resto — uns R$ 36 bilhões — é o dinheiro almejado. Por isso, todos os prefeitos quando chegam a Brasília vão lá falar com diretores e presidente do FNDE — explica o catedrático da Universidade de São Paulo Mozart Neves Ramos, especialista em educação, e ex-secretário de Pernambuco.

Binho Marques, ex-governador do Acre, e também especializado em educação, acompanha o trabalho do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação desde 1993, quando na gestão Murílio Hingel, no governo Itamar Franco, o fundo, criado no governo militar, começou a ser aperfeiçoado. Esse fundo é formado com o dinheiro do salário educação, mas, conta Binho, Hingel passou a adotar critérios para liberação dos recursos. Depois, houve novas mudanças na gestão Paulo Renato e nos governos do PT. O papel do FNDE foi ficando mais técnico. A tal ponto que Binho acha que existe menos espaço para desvios.

— No passado, o FNDE era um balcão, bem bagunçado. Eu comecei a trabalhar com ele, na condição de secretário de educação, num período promissor, com o Hingel. Ele chamou os secretários para construir regras de distribuição dos recursos. O Henrique Paim, que ficou muitos anos no MEC e foi presidente do FNDE, democratizou esses programas. Digo isso tudo porque não é como antigamente. O balcão deu lugar a um mecanismo com repasse automático por número de aluno. Antes era balcão mesmo, levava mais quem chegava lá com um deputado, senador, coisas desse tipo. Alimentação escolar, transporte escolar ganharam um sistema diferente de distribuição e mecanismos de controle. Isso reduz a manipulação política. O papel do FNDE ficou mais técnico, uma pessoa de perfil político fica perdida por lá — diz Binho Marques.

É uma esperança, mas não há o que este governo e o ministro Abraham Weintraub não consigam destruir. Os políticos lutam por esse cargo exatamente por essa mistura irresistível entre dinheiro, capilaridade, muitas licitações e distribuição de benesses aos municípios. A Secretaria de Educação Básica, explicam os especialistas, é importante para definir políticas, mas quem vai dar o dinheiro para a construção da escola ou da creche é o FNDE.

A entrega do FNDE no balcão de negócios do presidente Bolsonaro com os partidos do centrão é uma tragédia a mais que se abate sobre o Ministério da Educação.

— Já tínhamos um desafio enorme no meio de uma pandemia com um presidente na contramão de tudo, e um ministro que não sabe o que é educação — diz Mozart.

Binho Marques chama atenção para outro angustiante problema:

— A gente perdeu muito tempo discutindo o Fundeb sem a participação do governo. Felizmente o Congresso, principalmente a deputada Dorinha, teve um bom protagonismo. Mas agora veio a pandemia, o Fundeb não está reestruturado e está perdendo recursos, porque depende diretamente do ICMS, cuja arrecadação está diminuindo. Se cai o valor do Fundeb despenca o financiamento à educação.

E no meio de tudo isso, há esse ministro.

— Parou tudo no MEC, o Ministério desapareceu — diz Binho.

A opinião é muito semelhante a de Mozart.

— Para se ter uma ideia, o Conselho Nacional de Educação é que teve que fazer um parecer para orientar todo o sistema de ensino brasileiro durante a pandemia, para a reorganização do calendário escolar, que atividades podem ser contempladas no ensino à distância desde a educação infantil ao ensino médio. Seria papel do Ministério — diz Mozart.

No meio desta devastação que virou o Ministério da Educação, Bolsonaro decidiu abrir um dos seus mais vistosos balcões de negócios para blindar seu mandato.