Bruno Boghossian: Bolsonaro tenta abrir caminho na política a golpes de machado
24 de março de 2019Folha de S. Paulo,POLÍTICA HOJEBolsonaro
Presidente anda para trás no trabalho de articulação e aprofunda isolamento
Jair Bolsonaro igualou uma façanha dos tempos modernos quando se elegeu sem fazer alianças com grandes partidos. Ao tomar posse, concretizou um lance audacioso ao montar um governo sem negociar ministérios em troca de apoio no Congresso. Desde então, o presidente passa os dias admirando os dois títulos pendurados na parede.
Bolsonaro chega à reta final do terceiro mês de mandato sem apresentar um diagrama do que será erguido no lugar das relações partidárias que ele prometeu derrubar. Na última semana, o governo obteve a proeza de aprofundar ainda mais seu isolamento político.
O PSL, partido do próprio presidente, deu sinais de esfarelamento. O líder da sigla na Câmara criticou a proposta do Planalto para reformar a aposentadoria dos militares e disse que a legenda não estava disposta a “descascar o abacaxi no dente”.
O desprezo do clã Bolsonaro pela tal velha política se traduziu em hostilidade. Conseguiu incomodar o DEM, o único partido que fazia esforços para dar sustentação ao governo, com o comando das duas casas do Congresso. O presidente andou para trás no trabalho de articulação.
Bolsonaro não precisa ceder ao “toma lá, dá cá” que marcou, por décadas, a relação entre Executivo e Legislativo, mas também não conseguiu mostrar como conquistar votos para aprovar os projetos de seu interesse. Sua única estratégia, até agora, foi tentar abrir caminho na política a golpes de machado.
O governo decidiu se mover de acordo com a algazarra de seus apoiadores fiéis e ignorar as vozes do Congresso —o que afasta Bolsonaro cada vez mais de pautas como a reforma da Previdência. Nenhum de seus eleitores mais aguerridos, afinal, votou nele pensando no ajuste do sistema de aposentadorias.
O presidente aposta numa filosofia da terra arrasada. No jantar que teve com Olavo de Carvalho, Bolsonaro disse que precisa “desconstruir muita coisa para depois começar a fazer”. Pelo visto, o dinheiro da obra pode acabar já na fase de demolição.
Eliane Cantanhêde: 'Não tem governo'
24 de março de 2019Rodrigo Maia,Eliane Catanhêde,POLÍTICA HOJE,governo bolsonaroBolsonaro
Rodrigo Maia: “É um governo vazio, sem ideia, sem proposta, sem articulação”
Mais uma semana infernal no Congresso, no Executivo, no Judiciário, no mercado e, muito especialmente, no twitter. Começou e terminou com o presidente Jair Bolsonaro ajustando as posições brasileiras às de Donald Trump, enquanto o Brasil pegava fogo. Mais um ex-presidente preso, o presidente da Câmara em pé de guerra e os filhos do presidente desgovernados nas redes sociais.
A maior vítima é a reforma da Previdência, que sofreu vários solavancos: críticas no Congresso à proposta dos militares, considerada mais branda do que para outras categorias; parlamentares do PSL comemorando a prisão de Michel Temer, maior nome do MDB; a queda de 15 pontos na popularidade de Bolsonaro no Ibope; a desarticulação do governo com sua base.
Nada, porém, foi tão nocivo às chances da reforma da Previdência quanto os ataques de bolsonaristas e até do governo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é, nada mais, nada menos, a peça principal para a aprovação da proposta no Congresso.
De pavio curto, como se sabe, Maia não gostou quando o ministro Sérgio Moro se reuniu com a “bancada da bala” e disse que iria insistir na tramitação do pacote anticrime o quanto antes. Maia, que tinha acertado com Bolsonaro dar prioridade à Previdência e deixar o pacote Moro para o segundo semestre, deu um pulo. E avisou que não falava com funcionários, só com o chefe. Ou seja, não falava com Moro, só com Bolsonaro.
O clima piorou quando Carlos Bolsonaro, o 02, usou a trincheira da internet para defender Moro e atacar o presidente da Câmara com insinuações. A coisa mudou de figura. E de patamar. Nesse meio tempo, Maia ameaçou não receber o projeto dos militares e abandonar a articulação da reforma, furioso com uns e outros. Inclusive os que usaram a prisão do padrasto da sua mulher, Moreira Franco, para atingi-lo.
Quando liguei para ele, Rodrigo Maia contra-atacou: “Não tem governo. É um governo vazio, que não tem ideia, proposta, articulação”. E continuou: “Para dissimular, criou esse confronto do bem contra o mal, do bonito contra o feio, do quente contra o frio. Eles são o bem, os bonitos, os quentes. E nós, os políticos, somos os maus, os feios. É só para manter a base ultraconservadora na internet”.
Bolsonaro sabe que a reforma da Previdência é questão de vida ou morte para o País e para o governo dele, mas finge que não queria, que não é com ele. “Ele tira o corpo fora e vende a imagem de que nós é que estamos obrigando o governo a fazer a reforma”, diz Maia.
Ainda na sexta-feira, o filho 01, senador Flávio Bolsonaro, tentou consertar o estrago (pelo twitter...) e elogiou o presidente da Câmara: “Assim como nós, ele está engajado em fazer o Brasil dar certo”. Maia devolveu o elogio, mas com ressalva: “O Flávio é bom, mas ele é do Parlamento, não do Executivo”.
É assim que o governo, em vez de aglutinar, vai dividindo, afastando, criando atritos, dificultando não só a reforma da Previdência como a sua própria vida. O 01 tem mais noção política e mais responsabilidade, mas o 02 e 0 03 precisam lembrar que Bolsonaro não governa para seus eleitores, muito menos para os eleitores genuínos (que votaram efetivamente nele, não contra o PT). Governa para todos.
O Planalto não pode correr o risco de perder o apoio de Maia, porque ele abriria uma longa fila de adversários, o DEM, o PSDB, o MDB, parte dos evangélicos do PRB e vai por aí afora. O que sobraria? O PSL, novo inexperiente e dividido?
O pior é que a culpa da guerra de guerrilhas na internet sempre cai sobre os filhos, mas Maia tem uma certeza: “É tudo patrocinado por ele”. Quem é ele? Jair Bolsonaro.
Sérgio Gonzaga de Oliveira: A retomada do Desenvolvimento Econômico (I)
24 de março de 2019socialismo,POLÍTICA HOJE,governo bolsonaro,Sérgio Gonzaga de Oliveirademocracia
Democracia não deve ser um regime político baseado em práticas puramente eleitorais, desvinculada das condições objetivas da sociedade. Na verdade, a democracia pressupõe a existência de determinados direitos e liberdades básicas para que possa ser exercida com integridade. Dentre esses, os direitos sociais são fundamentais. Salário digno, previdência social, saúde, educação, habitação e tantos outros não podem ser relegados a um segundo plano. É muito difícil o exercício da cidadania quando os indivíduos vivem no limite da sobrevivência. Embora o Bolsa Família seja um programa importante para retirar da miséria absoluta milhões de brasileiros não é possível imaginar que um valor básico de R$ 85,00 e máximo de R$ 195,00 por mês irá transformar essas pessoas em cidadãos perfeitamente integrados à democracia. E direitos sociais não surgem do nada. Pelo contrário, exigem que a economia tenha atingido um patamar mínimo de produção e distribuição de renda.
Adicionalmente, o conceito atual de desenvolvimento econômico inclui obrigatoriamente a preservação do meio ambiente. Devemos lembrar que o ambiente natural é a fonte onde os humanos vão buscar alimentos, matérias primas e energia que lhes são tão necessários. A destruição do meio ambiente atinge mortalmente a economia. Os exemplos são cada vez mais alarmantes.
Cansamos de ler e ouvir que o Brasil é um país “emergente” ou “em desenvolvimento”. Até o início dos anos 80 do século passado, pelo menos em termos de crescimento econômico, era verdade. Entretanto, a partir daí, até nossos dias, o cenário mudou muito e para pior. Registra o economista José Luis Oreiro, em artigo recente, que entre 1930 e 1980 crescemos em média 6,32%aa e entre 1981 e 2013, apenas 2,55%aa. Se computarmos os cinco últimos anos de crise e baixo crescimento, o número cai ainda mais. Considerando o aumento populacional no período, esse número é lamentável. Alguns surtos de crescimento foram observados nos anos 90 e na primeira década do novo século, mas não foram suficientes para alterar a média geral muito baixa. São praticamente quatro décadas perdidas. Enquanto ficamos patinando, países como a Coréia do Sul, China, Austrália, Nova Zelândia e vários outros cresceram muito e estão a caminho de se tornarem desenvolvidos.
A questão do desenvolvimento não é trivial. Deveria ser uma preocupação constante de todos aqueles que lutam contra a injustiça social. Na verdade os que mais sofrem com a falta de produção, emprego e renda são os 50% da população de renda mais baixa que vivem nas regiões mais pobres e nas periferias das grandes cidades. Para esses, falta tudo: salário, alimentação, vestuário, saneamento básico, saúde, habitação e muito mais. É uma vida miserável e sem perspectiva. Do ponto de vista da cidadania, essa situação é uma tragédia.
A experiência mostra que quando se pretende estabelecer um projeto de desenvolvimento, é relativamente fácil reunir meia dúzia de economistas, advogados, engenheiros, sociólogos e outros acadêmicos para listar as principais medidas a serem tomadas para levar o projeto adiante. Alias é o que têm feito os partidos políticos de quatro em quatro anos, sem grandes resultados. Essa prática burocrática e eleitoral é a principal razão pela qual os projetos de desenvolvimento nos últimos quarenta anos no Brasil não vão adiante. Um projeto de desenvolvimento, principalmente em um ambiente democrático, precisa, antes de tudo, ser um projeto político. Deve ser construído, item a item, simultaneamente à formação de uma frente política capaz de levá-lo adiante. Sem essa configuração, perde-se tempo.
Ao pretendermos que o desenvolvimento seja inclusivo, distribuindo renda e respeitando o meio ambiente, estamos definindo que essa frente política, além de democrática, deve ser progressista. Por outro lado, para que possa ser efetivado com sucesso, deve ser majoritária. Uma frente política majoritária, democrática e progressista, construída em torno de um projeto de desenvolvimento, deveria ser hoje uma aspiração de todos os brasileiros. Não se deve limitar a participação das forças políticas nesse projeto, indicando a priori quem pode ou não pode tomar parte. Certamente as forças mais retrógradas, internas ou externas, que apostam no atraso social, de onde tiram suas eventuais maiorias eleitorais ou vantagens econômicas, não sentarão a mesa para negociar. Ao contrário, farão uma forte oposição. E o acordo político passa por negociações às vezes muito duras e difíceis. Soluções burocráticas foram tentadas nas últimas décadas, como o Programa Avança Brasil, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e “Uma Ponte para o Futuro”. Os resultados, como eram de se esperar, têm sido irrelevantes.
A experiência internacional tem indicado que um acordo político dessa natureza resulta em um conjunto coerente de ações estratégicas, planejamento estatal e participação do capital privado. Os recursos financeiros necessários são extremamente elevados para que o desenvolvimento possa ser alcançado, em um prazo razoável, sem a participação do setor privado. Os escassos recursos do Estado devem ser reservados para as áreas onde a alternativa privada não é viável, para setores estratégicos ao próprio desenvolvimento e para a segurança nacional. Muitos dos investimentos necessários só podem ser efetivados pelo Estado, já que não têm retorno financeiro suficiente para atrair o capital privado. É o caso, por exemplo, da educação e saúde de populações de baixa renda ou investimentos em tecnologias básicas e adequadas aos recursos produtivos brasileiros. Talvez a maior contribuição do Estado ao desenvolvimento seja o planejamento e a coordenação dos planos e projetos estratégicos acordados.
No Brasil, a atual fragmentação das forças políticas e sociais e a falta de um projeto de desenvolvimento comum leva a uma virtual paralização do Estado. Pior do que isso, os grupos privados e corporativos mais organizados “canibalizam” a máquina estatal, destroem sua capacidade operacional e fragilizam as finanças públicas. A desorganização do Estado se reflete em toda a economia. Os consumidores se retraem e adiam as compras. Os fabricantes diminuem a produção. O setor privado reduz os investimentos em novas unidades produtivas ou aplica somente quando consegue taxas de lucro muito altas para compensar as incertezas. O desenvolvimento econômico cessa ou avança em ritmo muito lento, imobilizando o país. Estamos nessa situação há quase quatro décadas. É angustiante.
Em resumo, os problemas podem ser econômicos, mas a saída é necessariamente política. A solução para esse impasse é um movimento político que mude as expectativas negativas que os agentes econômicos e a população em geral têm em relação ao futuro do país. Sabemos que a construção desse projeto não é uma tarefa simples, mas certamente é necessária. Dificilmente uma força política sozinha, por mais bem intencionada que seja, conseguirá levá-lo adiante. De qualquer forma, a compreensão da importância e da natureza do problema é um primeiro passo para sua superação.
Para provocar o debate pretendo, num próximo artigo, tentar esboçar um diagnóstico da situação atual, tomando por referência as variáveis básicas dos modelos que buscam entender a dinâmica da economia capitalista no longo prazo.
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(*) Sérgio Gonzaga de Oliveira é engenheiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e economista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)
Marcus Pestana: Mitos e evidências sobre a reforma da previdência
24 de março de 2019POLÍTICA HOJEMarcus Pestana,o tempo,reforma da previdência
Como prometido, retomo hoje a discussão sobre a reforma da previdência.
A previdência tem papel central no crescente endividamento do Brasil. Nossa dívida chega, segundo o FMI, a 87% do PIB, e o déficit nominal anual está em 9,3% do PIB. Isto é grave ou não? Gravíssimo. A dívida média dos países emergentes é de 49,9% e o déficit nominal médio é de 4,2%. A Previdência é o maior fator do desequilíbrio fiscal, o gasto total previdenciário consome 14% de toda a riqueza gerada pela sociedade, sendo o déficit total dos diversos regimes 335 bilhões de reais ou 5,1% do PIB. Diante disso alguém vai dizer que não há déficit e que a situação é sustentável? Pior é o agravamento do déficit previdenciário, mais 50 bilhões de reais por ano, ou seja, o valor da construção e equipamento de 400 novos bons hospitais, temos sete inconclusos em Minas.
No mundo inteiro, reformas da previdência se fazem necessárias. Por um simples motivo, as mudanças demográficas. Nascem cada vez menos bebês e, felizmente, estamos vivendo cada vez mais. Em 1980 tínhamos apenas 4,0% da população acima de 65 anos, em 2020 teremos 9,8% e em 2060 25,5%. Paralelamente, em 1980 tínhamos 38,2 de crianças e jovens abaixo dos 14 anos, em 2020 serão 20,9% e em 2060 teremos 14,7%. Menos gente contribuindo, mais gente usufruindo. Simples assim. Ou será que o IBGE está mentindo?
Apenas 12 países não têm, como o Brasil, idade mínima. No México, no Peru e no Japão é de 65 Anos. Na Argentina e no Chile, 65 para homens e 60 para mulheres. Nos EUA, 66. Será que Irã, Iraque, Nigéria e Brasil estão certos e o resto do mundo errado? E não há evidências demográficas para a diferenciação de idade entre homens e mulheres. As mulheres vivem muito mais. O argumento é o peso inegável da maternidade. Neste sentido, achei interessante a proposta de que a idade seja a mesmo, mas a mulher tenha um prêmio de um ano abatido da idade mínima por cada filho. Hoje 30% das mulheres não têm filhos.
Mas a questão central é combater os privilégios e a previdência como fator de concentração de renda. O servidor do Legislativo Federal tem um benefício médio 18,9 vezes maior que os 30 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, o Judiciário 12,7 vezes, Ministério Público Federal 10,3 e o Executivo Federal, seis vezes. É justo isso? O déficit é financiado pelos impostos pagos pela população que poderiam ser usados para melhor a saúde e a educação de todos. Sabem qual é a renda transferida para o aposentado a cada ano para o financiamento do déficit? São 63 mil reais para os servidores civis da União, 43,5 mil reais para os aposentados dos Estados e apenas 4,6 mil reais para os do INSS. Será que os que dizem defender os pobres não enxergam isso?
Se não fizermos a reforma, em 2027 o sistema consumirá 82% dos recursos disponíveis. Sobrarão 18% para educação, saúde, segurança, meio ambiente, ciência e tecnologia, diplomacia, forças armadas. É isso que queremos? E não adianta falar que é só cobrar a dívida dos devedores do INSS, que equivale apenas ao déficit de um ano e é relativa na maioria das vezes a empresas falidas como a VASP e VARIG. Ou o mito que é só gastar menos com juros da dívida, o que é uma tolice econômica.
Precisamos de menos mitos e mais evidências na discussão. É o futuro do país e das novas gerações que estará em jogo!
Maurício Huertas: Um partido pra chamar de meu!
24 de março de 2019cidadania,POLÍTICA HOJE,blog cidadaniaMauricio Huertas
Antes de mais nada, frente à descrença generalizada na política, nas mãos desses políticos populistas, hipócritas, corruptos e fisiológicos envolvidos nos mais tenebrosos escândalos, dessa polarização burra e odiosa que divide o Brasil em bolhas ideologizadas e idiotizadas, a dúvida é: será que eu ainda preciso de um partido pra chamar de meu? A resposta, por mais incrível e antiquada que pareça, é SIM!
Se queremos um mundo melhor, mais justo e mais plural, sem preconceito e intolerância, menos desigual, violento e inseguro, com oportunidades para todos, temos que ocupar todos os espaços disponíveis e fazer valer a nossa voz. Ter a liberdade de sermos quem nós somos, o direito de expressar os nossos sentimentos, a garantia de correr atrás dos nossos sonhos e ideais.
A política não pode ser monopólio desses velhacos que manipulam os três poderes e lembram do povo só na hora de apertar botão em dia de eleição. A política tem que ser invadida, hackeada por gente jovem e bem intencionada, essa geração que já marca presença nas ruas e nas redes e que agora precisa arejar as instituições, redemocratizar a democracia, reinstalar o sistema ao disputar e ganhar cadeiras no parlamento e no executivo.
Cidadãos de bem, ativistas autorais que botem pressão diária nos políticos tradicionais, revolucionem os partidos e fiscalizem com isenção e autonomia o poder público. Que a periferia ganhe protagonismo. Que a borda invada o centro. Que as minorias tenham vez e exerçam a sua devida representação. Que a nossa opinião não seja ouvida apenas entre amigos, nos grupos de whatsapp ou nos stories do instagram.
Que a gente mostre a nossa cara na sociedade e exercite no dia-a-dia a nossa cidadania. Na mídia, na política, no mercado de trabalho, na porta de casa, na escola, na família, no lazer, na cultura, no parque, na praça, na ciclovia, no transporte público, na associação do bairro, na igreja, no movimento que pede mudança na política, na entidade de defesa dos animais.
Mas entre tantas siglas e bandeiras, trinta e tantos partidos oficializados no país, por que escolher esse tal de #Cidadania23? O que essa legenda que se diz nova, no meio de tantas outras que prometem a mesma coisa, tem de diferente das demais? Qual motivo ou argumento sensato te convenceria a ingressar, a votar ou até mesmo a ser você um dos seus candidatos? Ninguém aguenta mais tanto blablablá!
Ao conhecer a Carta de Princípios desse recém-nascido #Cidadania23, uma certeza você tem: vai ler uma proposta sincera, moderna, viável e diferenciada para responder grande parte das nossas angústias diante de uma realidade global que se torna, dia a dia, mais asfixiante e desesperadora.
Esse partido-movimento surge como uma chance de se concretizar de forma coerente os ideais democráticos, da cidadania plena, da sustentabilidade e da justiça social. É uma oportunidade de se falar de igual para igual com o político que tem mandato ou com o cidadão anônimo da base, que faz a política cotidiana na sua rua, na sua comunidade.
Se aprendemos por tentativa e erro, vale apostar no que propõe essa turma originada do antigo PPS com a soma de integrantes desses novos movimentos como Agora, Livres, Acredito, Renova, RAPS e outros. Muito além de uma nova sigla, eles (nós) pretendem(os) inaugurar uma forma diferente e inovadora de ver e de fazer a política, integrada aos novos tempos e inserida nessa revolução tecnológica que transforma continuamente a sociedade.
Em linhas gerais, essa nova formatação partidária se propõe a trilhar um caminho propositivo, reformador e equidistante da atual polarização entre a velha esquerda e essa "nova" direita - que de nova não tem absolutamente nada. Reafirma seus compromissos com a cidadania, a liberdade, o humanismo, a diversidade, o meio ambiente, o estado democrático de direito e os princípios republicanos.
Não parece pouca coisa, nem uma missão fácil. Precisamos arregaçar as mangas, pisar barro e vender o nosso peixe. Mas quem disse que temos medo de dificuldades ou de cara feia dos figurões da velha política? Então, vamos em frente, trilhar este novo caminho. Sejam bem vindos cidadãos, cidadãs, cidadanistas! Por um Brasil melhor, sempre!
Míriam Leitão: O exagero que derruba a tese
24 de março de 2019O Globo,POLÍTICA HOJE,Paulo GuedesMíriam Leitão
Paulo Guedes tem sólida formação intelectual, mas recorre a exageros para defender suas teses e aceita ideias que não caem bem a um liberal
O ministro Paulo Guedes seria mais convincente se não exagerasse nos números, cálculos e versões para confirmar seu ponto. Ele tem argumentos fortes que independem de distorção superlativa. Quando for à Câmara falar da reforma, seria bom que ele evitasse o que fez na sua eloquente e fluente fala nos Estados Unidos. Guedes disse em Washington que o Brasil foi governado 30 anos pela esquerda. Foram 13, na verdade. Os 30 anos incluiriam até José Sarney, Collor e Temer. Ele diz que nenhum presidente teve coragem de enfrentar a crise fiscal, mas o país teve 16 anos de superávit primário e tem a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O fato de o Brasil estar desde 2014 com déficit primário é grave. Torçamos para que ele nos leve de volta ao superávit. Se ele quiser dizer que o presidente Bolsonaro terá a coragem de enfrentar o déficit, seria ótimo se o fizesse em bom português. Não precisa usar uma linguagem chula que transforma coragem em sinônimo de parte da anatomia sexual masculina. Isso não pegou bem nos Estados Unidos, uma sociedade aberta, na qual as mulheres têm cada vez mais poder, inclusive no mundo corporativo. Isso não pega bem no Brasil.
O ministro Paulo Guedes está correto em dizer que durante as últimas décadas o total do gasto público como percentual do PIB cresceu ano após ano. A democracia atendeu às demandas sociais represadas, mas também errou ao distribuir benesses a grupos corporativistas. A dívida aumentou no governo de Fernando Henrique porque ele colocou na contabilidade explícita o que durante a ditadura estava fora das estatísticas. Eram os chamados esqueletos. Os números têm história.
Todos os governos fizeram mudanças na Previdência. A reforma do ex-presidente Lula reduziu alguns privilégios no setor público, como o fim da paridade e integralidade para servidor civil. Agora será a vez de Jair Bolsonaro. Ele não é o primeiro e, ao contrário do que o ministro Guedes disse nos Estados Unidos, a reforma não acabará com privilégios. Vai de novo apenas reduzi-los em alguns pontos, e até elevar, no caso dos militares.
A insistência em agradar o chefe e afinar o discurso com a ala mais radical levou o ministro no discurso da Câmara Americana de Comércio a fazer seguidas críticas à mídia. Colocou-a como exemplo dos perdedores que, segundo ele, divulgam uma imagem falsa do presidente. E disse que a mídia “se encantou com o establishment”. Equívoco. Quem cobriu sistemática e intensamente os casos de corrupção no Brasil foram os grandes órgãos de imprensa. E o fizeram sem poupar qualquer lado envolvido. O processo virtuoso de enfrentamento da corrupção não é obra do presidente Bolsonaro, mas sim do Ministério Público, Polícia Federal e Justiça, e a eles a mídia brasileira, forte e independente, deu total cobertura ampliando o alcance das informações.
Ao tecer loas aos Estados Unidos, Paulo Guedes elogiou a abertura do comércio americano. Os Estados Unidos são um país de economia aberta, um pouco menos agora com o presidente Trump. Da perspectiva do Brasil, essa abertura tem falhas. Trump impôs sobretaxa e cotas às exportações brasileiras de produtos siderúrgicos. Depois, criou a possibilidade de contornar o bloqueio, mas houve aumento na burocracia. Eles subsidiam produtos agrícolas fortemente, como a soja, e isso restringe a entrada do Brasil em terceiros mercados.
Exemplo de exagero nefasto foi proclamar Olavo de Carvalho o “líder da revolução”. Não há uma revolução em curso. Não é bom para o próprio ministro perfilar-se no grupo dos aduladores de Olavo. Não é justo com ele mesmo, Guedes, que tem autonomia intelectual. Não faz bem entrar numa briga intestina, da qual deveria guardar distância. Se é para ter um lado, é o do grupo mais racional.
Na cena política reescrita por Paulo Guedes, está havendo no Brasil uma união perfeita de liberais e conservadores para derrotar os tais “30 anos” de esquerda no Brasil. Um liberal como ele é, de convicções firmes e antiga coerência, não pode estar confortável com um discurso tão iliberal quanto o que impera em certas áreas do governo, com o tom de caça aos hereges em diversas áreas, a repressão a professores, as teses retrógradas sobre mulheres e até a censura à educação sexual infantil. Um liberal de boa cepa não convive com tanto obscurantismo e isso ele pode conferir se revisitar os clássicos que formaram seu pensamento.
Elio Gaspari: Está no ar a barafunda Bolsonaro
24 de março de 2019Folha de S. Paulo,POLÍTICA HOJE,elio gaspari,governo bolsonaroBolsonaro
Governo enriquece Lei de Murphy: se algo pode dar certo, trabalha para que dê errado
Jair Bolsonaro superou as marcas de impopularidade de seus antecessores no início do primeiro mandato. Com viés de piora, esse desempenho deve-se em parte a um processo de autocombustão, mas nem tudo pode ser atribuído a Bolsonaro. Ele teve a ajuda de ministros civis e militares.
Resolveram fazer uma reforma da Previdência. Poderiam ter seguido a sugestão do economista Paulo Tafner, fatiando-a. Mandariam primeiro o corte dos privilégios dos marajás e depois cuidariam dos miseráveis. Resolveram juntar as duas brigas. Vá lá.
É elementar que a profissão e a Previdência dos militares nada têm a ver com as dos servidores civis. Poderiam ter separado as duas questões. Não só juntaram os debates, como decidiram botar no combo um projeto de reestruturação da carreira militar, coisa que não tem nada a ver com a Previdência.
Todas essas decisões embaralham o debate e dificultam a aprovação de algo parecido com o projeto original do governo. Como alguma reforma haverá de ser aprovada sempre se poderá cantar vitória. Afinal, Fernando Henrique Cardoso e Lula também fizeram reformas da Previdência. Nenhum deles atritou-se com o presidente da Câmara.
A barafunda vai além da reforma. O ministro Sergio Moro resolveu peitar Rodrigo Maia com mais uma de suas jeremíadas. Tomou umtranco e ficou em paz. Durante a visita de Bolsonaro a Washington, o ministro das Relações Exteriores foi humilhado, um filho do presidente disse que os brasileiros que vivem nos Estados Unidos sem documentação são “vergonha nossa” e o condestável da Economia informou que gosta de Coca-Cola e da Disneylândia. (Quem passava dias sozinho na Disney era o professor Mário Henrique Simonsen, mas ele nunca anunciou isso a uma plateia de empresários.)
Se tudo isso fosse pouco, Bolsonaro disse na Casa Branca que acredita “piamente” na reeleição de Donald Trump. Sentiu cheiro de banana e foi procurar a casca para escorregar. Os dois presidentes que mais ajudaram a ditadura brasileira foram Lyndon Johnson e Richard Nixon. Um encantou-se com o marechal Costa e Silva, o outro com Emilio Médici. Ambos foram eleitos com memoráveis maiorias e acabaram naufragando. Amaldiçoado, Johnson desistiu da reeleição. Acuado, Nixon renunciou. Os presidentes brasileiros não disseram coisa parecida. Trump nunca teve a força de qualquer um desses antecessores.
A Lei de Murphy diz que, se uma coisa pode dar errado, errado ela dará. O governo do capitão parece disposto a enriquecê-la: Se uma coisa pode dar certo, trabalham para que dê errado.
BRETAS PRENDEU TEMER PORQUE QUIS
Lula foi para a carceragem de Curitiba depois de ter sido indiciado, denunciado e condenado em duas instâncias. Temer foi encarcerado sem ter sido ouvido, indiciado, denunciado ou condenado. Tudo bem, o juiz Marcelo Bretas prendeu-o preventivamente e decisão judicial deve ser cumprida.
Na sua decisão o doutor Bretas reconheceu que Temer não foi condenado e ofereceu uma “análise ainda superficial” dos crimes que o ex-presidente teria cometido.
Cuidando do “superficial”, ocupou 40 páginas de sua decisão. Sua análise faz sentido, e muito, mas é apenas uma opinião. Justificando a prisão preventiva de Temer, Bretas não escreveu uma só linha.
Justificou-a genericamente, quando associou-a à de outros integrantes da “suposta organização criminosa”, e nisso ocupou três páginas. Nelas, justificou as preventivas porque “no atual estágio de modernidade, bastam um telefonema ou uma mensagem instantânea” para ocultar “grandes somas de dinheiro”. (São Paulo tem rede de telefonia desde o início do século passado.)
Mais: o coronel Lima, faz-tudo de Temer, cuidava de apagar rastros e documentos no próprio escritório. (Bretas não fez qualquer referência à tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo na conta do coronel.)
Mesmo admitindo-se que tudo o que Bretas atribuiu a Temer na sua “análise ainda superficial” seja apenas parte de uma horrível verdade, as razões que citou para encarcerá-lo preventivamente são ralas.
O Brasil teve dois ex-presidentes presos. Um porque foi condenado. O outro não foi ouvido, indiciado, denunciado ou sentenciado. Os tempos estranhos ficaram mais estranhos.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acredita em tudo o que dizem os presos, a polícia e os procuradores, só não entende como alguém entrou numa agência bancária para depositar R$ 20 milhões em dinheiro vivo.
Alguém deveria carregar duas malas, cada uma pesando 25 quilos.
O cretino acha que existe um vídeo registrando a passagem desse estranho personagem pelo banco.
O Ministério Público informou que esse fato “ainda precisa ser investigado e apurado”.
RICO, COM SARAMPO
O governo propagou a ideia de que trocou a condição de pedinte na Organização Mundial do Comércio por um assento no clube dos ricos tornando-se eventual membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE.
Não é bem assim, porque a China está na mesma gaveta que o Brasil na OMC e tanto o México como a Grécia são membros da OCDE.
No mesmo dia em que o governo festejou essa possível baldeação, a Organização Mundial da Saúde tirou o Brasil da lista de países que erradicaram o sarampo.
Quando o delegado brasileiro for a uma reunião da OCDE e perceber que o sueco não chega perto dele, saberá por quê.
BASTA!
Nunca é demais lembrar como funcionava o tribunal de cassações da ditadura. Reuniam-se os ministros que integravam o Conselho de Segurança Nacional e um coronel lia a biografia do acusado.
Em 1969, o conselho estava reunido e o oficial começou e ler os dados pessoais de uma vítima: “Simão da Cunha, mineiro, bacharel...” O general Orlando Geisel interrompeu-o: “Basta!”
Seguiu-se uma grande gargalhada. Cunha foi cassado sem que fosse lida a acusação.
BOA NOTÍCIA
Uma dezena de fundações privadas cacifam o programa Ensina Brasil, que seleciona jovens formados em universidades públicas e privadas interessados em trabalhar por dois anos como professores nas redes escolares do país. Eles já atuam em alguns municípios de Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Programas semelhantes existem em 45 países.
A sabedoria convencional ensina que poucos recém-formados em seja lá o que for topariam trabalhar dois anos como professor. Pois neste ano o Ensina Brasil teve 10 mil candidatos para 123 vagas. Depois de um processo seletivo, eles passam por quatro semanas de curso presencial em São Paulo e assistem a 2.000 horas de aulas a distância. A ideia do projeto é achar gente interessada em melhorar a educação no país, formando lideranças nessa área.
Os jovens que entram no Ensina Brasil recebem os salários da escola e uma pequena ajuda do programa.
Como nem tudo são flores, há estados onde os sindicatos de professores não querem nem ouvir falar no assunto.
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
Ascânio Seleme: O homem mais odiado do Brasil
24 de março de 2019O Globo,POLÍTICA HOJE,ascânio selemeMichel Temer
O título um dia foi de Paulo Maluf, no Colégio Eleitoral de 1985, quando ele disputou a Presidência com Tancredo Neves, que era o símbolo da redemocratização brasileira. Depois, foi de Fernando Collor de Mello, no auge da CPI que resultou na sua cassação por corrupção. Antes, Collor já havia experimentado o ódio nacional ao congelar todas as contas bancárias dos brasileiros. Mais recentemente, coube ao deputado Eduardo Cunha o troféu de mais odiado do país. Ele era unanimidade nacional. Sua cassação e posterior prisão foram festejadas de Norte a Sul.
Durante todo o ano passado e boa parte do ano anterior, o homem mais odiado do Brasil foi o então presidente Michel Temer. O “Fora, Temer!”, que nasceu de uma contestação petista ao homem que conspirou contra a presidente Dilma e ajudou a arregimentar os votos necessários para o seu impeachment, acabou se espalhando e viralizou em todos os setores da sociedade. Ao deixar o governo, Temer tinha a aprovação de apenas 7% dos brasileiros. O que significa que 93% rejeitavam o presidente.
Sua prisão na quinta-feira passada pode ter servido para atender à gana que se tinha em Temer, mas não deixou o país melhor ou aliviado. O país não melhora com a prisão de ex-presidentes. Não melhorou com a prisão de Lula. Não vai melhorar agora. Tampouco dá para respirar aliviado, porque essa não foi a última mazela da nação. O Brasil está repleto de mazelas. Inclusive algumas novas, recém-incorporadas ao cardápio nacional. Mas claro que a sensação de satisfação com instituições como a Lava-Jato aumenta com esses episódios.
Há muitos outros homens públicos que atraem o ódio dos brasileiros. Alguns, como o senador Renan Calheiros e o deputado Aécio Neves, entram na mesma categoria de Maluf, Collor e Temer. E Lula. Esses dois são odiados porque respondem a inúmeros inquéritos por corrupção que não caminham porque param no Supremo Tribunal Federal. O brasileiro se sente afrontado com impunidade, e os dois parlamentares são ícones da impunidade. Sérgio Cabral passou da fase do ódio. As pessoas o enxergam como uma piada ridícula, tamanha a sua volúpia por dinheiro público. E, depois, porque ele está preso e vai mofar na prisão.
Como eles, algumas instituições também atraem a ira do brasileiro. Câmara e Senado, em primeiro lugar. O STF em seguida. O ódio à política é sócia do desamor pela corrupção, por isso o Congresso é tão atacado em todos os seus flancos. O mesmo pode-se dizer sobre o STF. As pessoas esperneiam e atacam o Supremo sempre que ele decide em favor daquilo que os brasileiros enxergam como relaxamento na caça aos corruptos.
Foi o que se deu na semana passada, quando o STF decidiu que caixa dois é crime eleitoral e deve ser julgado pela Justiça Eleitoral. A lógica que levou a esta decisão nem vem ao caso. O fato é que, aos olhos da maioria, seis dos 11 ministros (cinco foram contra) votaram para paralisara Lava-Jato, paralisaras investigações dos casos de corrupção que levaram dois ex-presidentes para a cadeia. Por isso, muitos hoje odeiam o STF como odeiam o Congresso.
O problema, ou o perigo, é quando o ódio à instituição se fulaniza. Hoje, em larga medida, as pessoas personificam seu ódio ao Supremo nas figuras dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Gilmar, sobretudo. E o assédio que esses juízes sofrem há muito tempo passou do limite tolerável. Os ministros não são criminosos como os presos da Lava-Jato. Por isso, Toffoli instaurou inquérito para investigar a origem dos ataques ao STF. Quer corretamente proteger a integridade física dos ministros. Das demais integridades, cada um que cuide das suas.
Bernardo Mello Franco: ‘Mito’ liberal era fake news
24 de março de 2019O Globo,POLÍTICA HOJE,bernardo mello francoBolsonaro
Proposta de reforma para os militares mostra que Bolsonaro continua o mesmo. Sua conversão ao liberalismo era conversa de campanha
A campanha de 2018 fabricou um novo Jair Bolsonaro. Ele se dizia convertido ao liberalismo, embora admitisse não entender nada de economia. Ao ser questionado sobre algum tema concreto, escapava com um gracejo: “Vou perguntar lá no Posto Ipiranga”. Era uma referência a Paulo Guedes, anunciado como futuro ministro da Fazenda.
O aval do banqueiro bastou para convencer o mercado. Com os parceiros habituais em apuros, empresários e investidores arrastaram todas as fichas para a candidatura do “Mito”. Agora eles começam a se perguntar se fizeram a aposta certa.
Nos últimos dias, Bolsonaro indicou que não está tão empenhado em entregar o que prometeu. “Eu, no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, disse, na quinta-feira. Ele acrescentou que seria “irresponsável” não mexer nas aposentadorias, mas a primeira frase foi a que soou mais sincera.
Não é só com palavras que o presidente mostra a que (não) veio.
Na quarta-feira, ele levou ao Congresso um projeto de reforma para as Forças Armadas. Em vez de cortar privilégios, incluiu benesses como o reajuste dos soldos e o aumento da gratificação no fim da carreira. Até o líder do PSL, Delegado Waldir, reclamou do truque.
“Não tem como explicar esse tratamento diferenciado”, resumiu. O episódio mostra que Bolsonaro continua a pensar como chefe do sindicato dos militares. Sua versão liberal era fake news de campanha, assim como o kit gay, a ameaça comunista e a conspiração para fraudar as urnas eletrônicas. Na viagem ao Chile, o presidente deu novos tiros contra a reforma.
Questionado sobre a prisão de Michel Temer, culpou os “acordos políticos em nome da governabilidade”. Os parlamentares entenderam o recado: ele não está disposto a fazer concessões para mexer nas aposentadorias.
Com o ambiente político em chamas, o segundo-filho Carlos Bolsonaro resolveu jogar mais gasolina na fogueira. “Por que o presidente da Câmara está tão nervoso?”, provocou nas redes sociais, referindo-se à prisão de Moreira Franco.
O ex-ministro é sogro de Rodrigo Maia, que passou uma descompostura no chefe do clã:
“Ele precisa ter mais tempo pra cuidar da Previdência e menos tempo cuidando do Twitter”. Há duas semanas, o ministro Guedes disse que só faltariam 48 votos para aprovar a reforma. A declaração irritou líderes partidários, que traçam um cenário muito mais complicado. A paciência do mercado também começou a se esgotar, mas quem comprou o “Mito” em 2018 sabia estar diante de um papel de alto risco.
Merval Pereira: Sobre o Supremo
24 de março de 2019O Globo,Merval Pereira,POLÍTICA HOJE,supremoLava Jato
A decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou possível a prisão de Paulo Maluf
A disputa de interpretações de teorias jurídicas vem dando a tônica nos debates do Supremo Tribunal Federal. A denominação informal de cada um dos grupos mostra bem os parâmetros desta disputa. Os “garantistas” sustentam que qualquer decisão a ser tomada deve levar em conta a literalidade da lei para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.
Os “iluministas” ou “progressistas” buscam contornar eventuais obstáculos impostos pela literalidade com interpretações do texto legal, em busca da intenção do legislador para ter uma Justiça mais célere e eficiente. Assim, a jurisprudência atual é permitir a prisão em segunda instância, mesmo que a Constituição diga que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de seu processo.
Para tanto, considera-se que o processo se encerra na segunda instância, e os recursos aos tribunais superiores (STJ e STF) podem continuar sendo feitos depois da prisão, pois são de caráter extraordinário. A decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou possível a prisão de Paulo Maluf. Até hoje há a discussão sobre se lavagem de dinheiro é um crime instantâneo, que se encerra na sua consumação, ou se é permanente, como decidiu a Primeira Turma do STF.
O relator foi o ministro Edson Fachin, que levantou a tese, e não o ministro Luís Roberto Barroso, como escrevi aqui. Barroso votou a favor do relator juntamente com a ministra Rosa Weber e o ministro Fux, formando a maioria. O ministro Marco Aurélio, mesmo tendo votado a favor da prescrição, acompanhou a maioria no mérito.
Barroso é tido como expoente da ala “iluminista” do Supremo, mas ele recusa esse rótulo. “Sou a favor de um direito penal moderado. Porém, sério e igualitário. A queixa que existe é dos advogados criminalistas —que têm que fazê-la, por dever de ofício —e dos parceiros da corrupção, que não se conformam que o Direito Penal que valia para menino pego com maconha ou para o sem-teto que furtava desodorante no supermercado se aplique também a corruptos e criminosos de colarinho branco”. O ministro Luís Roberto Barroso afirma que “o Direito não ficou mais duro; ficou mais igualitário”. Para ele, “o garantismo”, em Direito, significa que o acusado tem o direito de saber do que está sendo acusado, o direito de se defender, de produzir provas, de ser julgado por um juiz imparcial e de ter acesso a um segundo grau de jurisdição”. Ele considera que está havendo uma distorção do conceito, “um garantismo à brasileira”, que seria um direito adquirido à impunidade, a um processo que não funciona, que tem recursos infindáveis, não acaba e sempre gera prescrição”.
No voto no caso Maluf, após concluir a parte técnica da argumentação, Barroso afirmou: “(...) considero que o rotineiro desvio de dinheiro público, seja para fins eleitorais, seja para o próprio bolso, é uma das maldições da República. (...) Este é um dos fatores que têm nos mantido atrasados e aquém do nosso destino, porque dinheiro público que é desviado é dinheiro que não vai para a educação, não vai para a saúde, não vai para melhorar estradas”. Ele acha que “a histórica condescendência que se tem tido no Brasil em relação a esse tipo de delinquência, aparentemente, está chegando ao fim. Punir a apropriação privada de recursos públicos é um marco na refundação do país”.
Clóvis Rossi: Contra o ódio, é preciso conversar
24 de março de 2019Europa,França,Macron,Temas & Debates,clovis rossi,floha de s. pauloEconomia
Macron mostrou o caminho; será seguido aqui?
Duas iniciativas do presidente da França, Emmanuel Macron, talvez devessem ser replicadas no Brasil.
A primeira foi a convocação de um grande debate nacional: durante dois meses, desde meados de janeiro, se realizaram mais de 10 mil reuniões em todo o país. Macron participou de uma dúzia delas.
Objetivo: dar voz aos franceses, para entender a insatisfação popular. Que há insatisfação, é só ver a quantidade de gente que participa, todos os sábados, das manifestações dos "coletes amarelos".
A propósito: não vale confundir os protestos, quando pacíficos, com o vandalismo promovido pelos chamados "casseurs", que saem quebrando o que encontram pela frente. Não é civilizado.
Segunda iniciativa de Macron, levada a cabo na segunda-feira (18) e que avançou pela madrugada de terça (19): chamar ao Palácio do Eliseu 64 acadêmicos (filósofos, historiadores, sociólogos, economistas, cientistas), como se fosse o epílogo do grande debate nacional.
Por que acho que são iniciativas que deveriam ser imitadas?
Primeiro, porque o Brasil precisa conversar. O que há hoje é um monólogo dentro de cada tribo, não uma conversação entre uma tribo e outra (ou entre diferentes tribos).
Segundo, porque há no Brasil uma situação razoavelmente parecida com a que o filósofo Pascal Bruckner descreveu para Macron sobre a França. Lamentou, no Eliseu, "esta anarquia crescente, que faz da França um país em um estado de quase guerra civil latente, na qual o ódio de todos contra cada um parece triunfar".
Que há uma guerra civil mais que latente no Brasil é óbvio, embora de características diferentes. Que há ódio no ar (e nas redes sociais) é igualmente evidente.
Nessas condições, o brasileiro é hoje mais infeliz que nunca, a julgar pelo Relatório Mundial de Felicidade, divulgado há uma semana.
A média brasileira para 2018 era de 6,1, a mais baixa desde que se iniciou esse tipo de levantamento, em 2006. O país ficou no 32º lugar entre 156 países.
Para comparação: a França ficou em 24º, por mais que os franceses sejam tidos como resmungões o tempo todo, ao passo que os brasileiros são considerados risonhos.
Se a França, menos infeliz que o Brasil, se dispõe a conversar e se seu presidente chama acadêmicos para completar a conversa, não há razão lógica para que o Brasil se tranque em bolhas que não se comunicam.
Afinal, a eleição de 2018 revelou dois colossais blocos: os 57 milhões que votaram por Jair Bolsonaro e os 89 milhões que preferiram ou Fernando Haddad ou o voto branco/nulo ou nem sequer compareceram para votar.
Como parece altamente improvável que um bloco ou o outro seja subitamente tragado pela terra e, em consequência, o outro possa fazer o que bem entender, ou se decidem a conversar ou o ódio de todos contra cada um vai mesmo triunfar, como teme Bruckner no caso da França.
Lá como cá, a iniciativa tem que partir do chefe de governo. O presidente Jair Bolsonaro precisa ser convencido de que não adianta ficar conversando só com os seus.
Vale o que escreveu na sexta-feira (22) Brian Winter, editor-chefe de Americas Quarterly, após viagem ao Brasil e conversas com inúmeras pessoas que podem não ter votado por Bolsonaro, mas lhe disseram que "o país não pode aguentar outro fracasso".
Cultivar o ódio é namorar com o fracasso.
Ricardo Noblat: Para esquecer o passado
24 de março de 2019cidadania,Blog do Noblat,POLÍTICA HOJE,vejaPPS
Tempos estranhos
“Cidadania”. É como se chamará doravante o Partido Popular Socialista (PPS), nome fantasia do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) fundado em 1922.
Houve quem não gostasse do nome, e sugerisse que melhor seria chamá-lo de Partido da Cidadania.
A sugestão foi derrotada porque então a sigla do partido (PC) remeteria à agremiação original, e nestes tempos estranhos…
“Cidadania”, pois. Ou Cida.
A falência do PMDB
Frouxa reação
O ex-presidente José Sarney estava em sua casa no Lago Sul de Brasília quando soube da prisão do ex-presidente Michel Temer na manhã da última quinta-feira. À tarde, leu a nota onde seu partido, o PMDB, protestava contra a prisão. Considerou-a muito fraca.
Então telefonou para o ex-senador Romero Jucá (RR), presidente do partido, e recomendou que convocasse uma reunião de emergência da Executiva do PMDB e que divulgasse depois uma nota mais dura.
Desligou depois de ouvir Jucá dizer que para fazer isso não tinha confiança na maioria dos 21 membros da Executiva.