Macron

Ricardo Noblat: Bolsonaro deve preparar-se para colher o que plantou

A saída da Ford. Presidente francês quer soja europeia para não depender da brasileira

O ministro Paulo Guedes, da Economia, soube pela imprensa do fechamento das fábricas da Ford no Brasil e da retirada da empresa do país depois de mais de 100 anos. Foi a primeira montadora de automóveis a se estabelecer por aqui.

Guedes caiu na mais irresistível tentação que acomete os homens públicos – mentir ou exagerar. A primeira coisa que disse foi que o encerramento das atividades da Ford no Brasil destoa da forte recuperação econômica que vive o país.

Foi mais fundo o governador Rui Costa (PT), da Bahia, que sedia uma das fábricas que será fechada: “Não há planejamento. O que pensaram nos últimos cinco anos para aumentar os investimentos em tecnologia e industrialização? Nada.”

E concluiu com uma frase de efeito, mas não distante assim da realidade: “Estamos satisfeitos em nos tornarmos uma grande fazenda”. Bolsonaro preferiu criticar a Ford e esconder que seu governo aumentou os subsídios dados às montadoras.

No momento em que mais o governo hostiliza a China, o maior parceiro comercial do Brasil, chamando a Covid-19 de vírus chinês, desancando a vacina CoronaVac e rejeitando a tecnologia chinesa para o 5G, a quem ele pensa recorrer no caso da Ford?

O Ministério da Economia já entrou em contato com outras montadoras sobre a possibilidade de elas assumirem as fábricas da Ford que serão fechadas em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e em Horizonte (CE). E uma das montadoras é a Chery, chinesa.

Quando a necessidade aperta, às vezes o realismo prevalece mesmo em governos ineptos. O céu não é de brigadeiro, nem mesmo de paraquedista afoito capaz de saltar para a morte só porque lhe mandaram saltar, e ele se vê como um herói.

A Ford vai embora porque atravessa uma crise empresarial faz anos dentro de uma crise maior que atinge outras marcas famosas de veículos. Só falta o governo brasileiro imaginar que se Donald Trump tivesse sido reeleito isso não aconteceria.

O amigo dileto de Bolsonaro nada fez pelo Brasil enquanto presidente dos Estados Unidos – por que faria caso tivesse derrotado Joe Biden? E por que Biden socorreria o Brasil se Bolsonaro apoiou Trump e justificou a invasão do Capitólio?

No início do seu governo, Biden pretende convocar uma reunião da Cúpula das Democracias. Haverá lugares nela para Bolsonaro e outros chefes de Estado marcadamente autoritários? É de duvidar que sejam convocados. Seriam estranhos no meio.

O mundo dito civilizado não gostou do que viu nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro e perdeu a esperança de que os próximos dois anos sejam diferentes. O presidente brasileiro prepara-se para começar a colher o que plantou.

Emmanuel Macron, presidente francês, outro governante destratado por Bolsonaro que chamou sua mulher de feia, deu uma ideia do que possa vir quando disse, ontem, em Paris durante a cúpula sobre a defesa da biodiversidade:

– Continuar a depender da soja brasileira seria endossar o desmatamento da Amazônia.

Aperte os cintos, Bolsonaro.

A responsabilidade do governo nas mortes pela Covid-19

A mentira que custa vidas

Fora a vacina, não há tratamento precoce para a Covid-19. Quando o presidente Jair Bolsonaro diz que há, mente, e sabe que mente. Como mentem todos os seus acólitos que repetem o que ele diz. Simples assim. Mas parece que não cansam de mentir.

As mais recentes digitais da mentira governamental responsável por tantas mortes estão em ofício encaminhado à Prefeitura de Manaus, na última sexta-feira, onde o Ministério da Saúde pede para visitar as Unidades Básicas de Saúde da cidade.

Qual seria o propósito da visita? Difundir “o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença”. Mas tratamento com base no quê? Está dito no ofício publicado pelo jornal Folha de S. Paulo:

“Aproveitamos a oportunidade para ressaltar a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo ministério, tornando, dessa forma, inadmissível, diante da gravidade da situação, a não adoção da referida orientação”.

As medicações defendidas pelo governo não têm eficácia no tratamento do vírus. Mas, e daí? Na nota informativa 17/2020, o Ministério da Saúde sugere um combinado de cloroquina ou hidroxicloroquina com azitromicina.

O ofício enviado à Prefeitura de Manaus é assinado por Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde. Ela tornou-se conhecida em 2013 por ter hostilizado cubanos que participavam do curso do programa Mais Médicos.

Em julho de 2020, Mayra escreveu nas redes sociais que os governadores e prefeitos de São Paulo eram os responsáveis pelas mortes por coronavírus que aconteceram em suas regiões por dificultarem “o acesso às medicações para tratamento da doença.”

Bolsonaro avalizou, ontem, a posição de Mayra e culpou o governador do Amazonas e o prefeito de Manaus pelo aumento de mortes por lá:

“Mandamos o nosso ministro da Saúde [ao Estado]. Estava um caos. Não faziam tratamento precoce. Aumentou assustadoramente o número de mortes. E mortes por asfixia, porque não tinha oxigênio. Deixaram o oxigênio acabar”. 


Hélio Schwartsman: 'Je suis Samuel Paty'

Liberdade de expressão faz parte das inovações que puseram Europa na rota da tolerância

Estou com Emmanuel Macron. O Ocidente não pode desistir de princípios como a liberdade de expressão só porque certas palavras e desenhos ferem suscetibilidades religiosas. A liberdade de expressão faz parte do pacote de inovações, primeiro cognitivas e depois institucionais, que colocaram a Europa na rota da ciência, da prosperidade e da tolerância.

Uma das coisas que mais me chocou quando do atentado contra o semanário satírico francês Charlie Hebdo, em 2015, que deixou 12 mortos, foi que várias vozes respeitáveis da sociedade civil condenaram o ataque, mas fizeram questão de acrescentar que o estilo excessivamente irreverente e provocativo da publicação havia chamado a tragédia para si.

A nova crise, que já contabiliza um saldo de dois atentados, o assassinato do professor Samuel Paty e o ataque a uma Igreja Católica em Nice, mostra os limites do raciocínio contemporizador. O professor Paty não tinha a intenção de provocar ninguém. Ele estava apenas explicando o conceito de liberdade de expressão. Antes de exibir as charges retratando o profeta Maomé, alertou os alunos muçulmanos para o potencial ofensivo dos desenhos e os convidou a deixar a sala, se quisessem. Tal cuidado não o impediu de ser decapitado por radicais islâmicos.

O problema, portanto, não está na atitude daqueles que criticam religiões, mas no fato de certos grupos não aceitarem o mais básico dos princípios do pacto civilizatório, segundo o qual diferenças são resolvidas sem recurso à violência física.

Ninguém pede que os muçulmanos aplaudam as charges. Eles têm todo o direito de criticá-las e os seus autores. Podem xingá-los. Podem até, como estão fazendo, promover boicotes a produtos franceses, mas não podem matar uma pessoa porque não gostam do que ela diz ou desenha. Quer dizer, até podem, como mataram, mas, ao fazê-lo, saem do pacto civilizatório para tornar-se terroristas.


Denis Lerrer Rosenfield: Amazônia ‘internacional’

O presidente Macron, ao responder ao presidente brasileiro, criou um problema geopolítico de dimensão inusitada

Muitas impropriedades foram cometidas a propósito dos debates sobre a questão da Floresta Amazônica, uma celeuma que se tornou um problema geopolítico, diplomático, comercial e militar. Uma questão de comunicação, de pouca eficácia do lado brasileiro ganhou dimensão propriamente amazônica. Note-se que o mundo da política, e também o do comércio exterior e da diplomacia, é o das percepções, muitas vezes os fatos e a verdade ficam a reboque.

Tanto uma percepção falsa quanto uma verdadeira orientam a ação, que se fará numa ou noutra direção. Eis por que o trabalho de comunicação e esclarecimento dos fatos é da máxima importância, pois de sua falta seguirá um tipo ou outro de ação. Ou seja, a comunicação social, tanto a tradicional quanto a digital, faz parte da ação humana e, portanto, dos governos, empresas e entidades de classe. Dela dependerá a orientação do comportamento e da ação humana.

Nesse jogo de percepções e de apostas arriscadas, no que tange às impropriedades o presidente francês ganhou o campeonato, embora o brasileiro se tenha referido à primeira-dama da França de forma inadequada e desrespeitosa. Isto é, o presidente Macron, ao responder ao presidente brasileiro, criou um problema geopolítico de dimensão inusitada. Picado pela boutade imprópria de Bolsonaro, declarou que a Amazônia teria status internacional, não devendo, portanto, estar submetida à soberania brasileira.

O caminho é deveras longo da primeira-dama à ameaça de velada intervenção externa, certamente “comandada” e “inspirada” pela França. É bem verdade que o presidente Macron procura agradar aos agricultores franceses, refratários à competição internacional, vivendo de subsídios e temendo fortemente a concorrência da agropecuária brasileira. Sua intenção é evidente: torpedear o recém-assinado acordo Mercosul-União Europeia. Está à procura de votos e tenta para isso criar uma crise internacional.

Seus colegas europeus não caíram na armadilha, ressaltando, corretamente, que o próprio acordo contém salvaguardas ambientais e a negociação é o melhor caminho. Mas o dano ao Brasil já foi causado e o objetivo, alcançado: queimar a imagem do País e do agronegócio.

Mais de 80% do bioma amazônico é preservado pelas terras indígenas, áreas de preservação ambiental, áreas militares e 80% das propriedades privadas. Ou seja, o coeficiente de preservação ambiental é altíssimo. Não haveria motivo para nenhuma espetacularização, porém, considerando a inação da comunicação governamental, dados desse tipo nem alcançam os meios de comunicação mundiais, em particular na Europa. Paradoxo: um dos países mais conservacionistas é tido como responsável pela poluição planetária!

Veja-se o despropósito. A Amazônia não seria mais exclusivamente brasileira. Amanhã ou depois poderiam alguns governantes lunáticos propor uma intervenção militar em nosso território. Por que não propõem algo semelhante nos cinco países mais poluidores do planeta: Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Japão? Ou entre os dez, incluindo Alemanha, Canadá e o Reino Unido? Estão preocupados com o planeta ou com os seus interesses?

Ademais, o presidente francês, ao afirmar que a França tem extensa fronteira com o Brasil, “esqueceu” um pequeno dado histórico. A Guiana Francesa é, na verdade, uma colônia, resquício do passado colonial francês. Ser hoje denominada “departamento francês ultramarino” não muda a História. A Holanda e o Reino Unido também tiveram suas “Guianas” e levaram a término um trabalho de descolonização. O Brasil não tem “fronteiras” com esses países europeus. Não seria o momento de a França fazer seu dever de casa?

Dito isto, o Brasil deve enfrentar seus próprios problemas. Um dos principais consiste na regularização fundiária, bem assinalada pelo ministro Ricardo Salles. Há uma questão envolvendo terras que não são de ninguém, para utilizar uma expressão corrente, numa confusão entre a titularidade da União e a posse dos que lá vivem e trabalham. Ou seja, não há responsabilidade nenhuma, de tal maneira que, no caso de uma queimada, o crime não tem titular. Se houvesse uma regularização, a lei deveria ser seguida por aquele que detém a propriedade da terra. Assim como está, ninguém é responsável por nada. Os criminosos desaparecem.

Em torno de 74% da área da Amazônia é constituída por terras públicas, cabem apenas 26% à iniciativa privada. E esta deve obedecer ao limite legal de exploração em somente 20% da área. Leve-se também em consideração que, anteriormente à lei em vigor, 50% podiam ser desmatados. Logo, quando se fala em “queimadas”, dever-se-ia determinar se ela ocorreu em área pública ou privada, responsabilizando-se lá quem de direito. A exploração da agricultura e da pecuária no Brasil, atualmente, não utiliza a queimada como instrumento de preparação de cultivo da terra, salvo em casos marginais e sem expressão. Em consequência, não há como responsabilizar a agricultura e a pecuária brasileiras pelo desmatamento, como está sendo feito internacionalmente.

Há uma distinção capital a ser feita entre desmatamento legal e ilegal. O legal corresponde ao direito de cultivo e produção de alimentos relativo aos 20% que podem ser desmatados. Tudo conforme a lei. Outra coisa totalmente diferente é o desmatamento ilegal, que não segue nenhuma regra e nem limites. E é esse que se utiliza de queimadas! Na verdade, trata-se de grilagem de terras, garimpos, exploradores de madeira, que deixam as terras devastadas. Esses casos deveriam ser tratados com todo o rigor da lei, com uso de policiais e, se for o caso, de militares. Ações de repressão aí são fundamentais, pois se não forem realizadas passarão a mensagem de que tudo é permitido e a impunidade faz o crime valer a pena.

*Professor de filosofia na UFRGS.


Clóvis Rossi: Contra o ódio, é preciso conversar

Macron mostrou o caminho; será seguido aqui?

Duas iniciativas do presidente da França, Emmanuel Macron, talvez devessem ser replicadas no Brasil.

A primeira foi a convocação de um grande debate nacional: durante dois meses, desde meados de janeiro, se realizaram mais de 10 mil reuniões em todo o país. Macron participou de uma dúzia delas.

Objetivo: dar voz aos franceses, para entender a insatisfação popular. Que há insatisfação, é só ver a quantidade de gente que participa, todos os sábados, das manifestações dos "coletes amarelos".

A propósito: não vale confundir os protestos, quando pacíficos, com o vandalismo promovido pelos chamados "casseurs", que saem quebrando o que encontram pela frente. Não é civilizado.

Segunda iniciativa de Macron, levada a cabo na segunda-feira (18) e que avançou pela madrugada de terça (19): chamar ao Palácio do Eliseu 64 acadêmicos (filósofos, historiadores, sociólogos, economistas, cientistas), como se fosse o epílogo do grande debate nacional.

Por que acho que são iniciativas que deveriam ser imitadas?

Primeiro, porque o Brasil precisa conversar. O que há hoje é um monólogo dentro de cada tribo, não uma conversação entre uma tribo e outra (ou entre diferentes tribos).

Segundo, porque há no Brasil uma situação razoavelmente parecida com a que o filósofo Pascal Bruckner descreveu para Macron sobre a França. Lamentou, no Eliseu, "esta anarquia crescente, que faz da França um país em um estado de quase guerra civil latente, na qual o ódio de todos contra cada um parece triunfar".

Que há uma guerra civil mais que latente no Brasil é óbvio, embora de características diferentes. Que há ódio no ar (e nas redes sociais) é igualmente evidente.

Nessas condições, o brasileiro é hoje mais infeliz que nunca, a julgar pelo Relatório Mundial de Felicidade, divulgado há uma semana.

A média brasileira para 2018 era de 6,1, a mais baixa desde que se iniciou esse tipo de levantamento, em 2006. O país ficou no 32º lugar entre 156 países.

Para comparação: a França ficou em 24º, por mais que os franceses sejam tidos como resmungões o tempo todo, ao passo que os brasileiros são considerados risonhos.

Se a França, menos infeliz que o Brasil, se dispõe a conversar e se seu presidente chama acadêmicos para completar a conversa, não há razão lógica para que o Brasil se tranque em bolhas que não se comunicam.

Afinal, a eleição de 2018 revelou dois colossais blocos: os 57 milhões que votaram por Jair Bolsonaro e os 89 milhões que preferiram ou Fernando Haddad ou o voto branco/nulo ou nem sequer compareceram para votar.

Como parece altamente improvável que um bloco ou o outro seja subitamente tragado pela terra e, em consequência, o outro possa fazer o que bem entender, ou se decidem a conversar ou o ódio de todos contra cada um vai mesmo triunfar, como teme Bruckner no caso da França.

Lá como cá, a iniciativa tem que partir do chefe de governo. O presidente Jair Bolsonaro precisa ser convencido de que não adianta ficar conversando só com os seus.

Vale o que escreveu na sexta-feira (22) Brian Winter, editor-chefe de Americas Quarterly, após viagem ao Brasil e conversas com inúmeras pessoas que podem não ter votado por Bolsonaro, mas lhe disseram que "o país não pode aguentar outro fracasso".

Cultivar o ódio é namorar com o fracasso.


Zeina Latif: Erros do tipo Macri e Macron

Bolsonaro necessita de uma estratégia precisa para a reforma da Previdência

O futuro ministro da Economia está quieto. Depois das falas polêmicas e de manifestações que sugeriram conhecimento pouco profundo dos desafios fiscais, Paulo Guedes sabiamente se recolheu e reagiu bem aos alertas. Está quieto, mas não inerte. Seus movimentos recentes foram precisos, como na nomeação de Marcelo Guaranys, Rogério Marinho e Leonardo Rolim, que são profissionais com perfis complementares e fazem jus a um título de “time dos sonhos”. Combinou-se conhecimento da máquina pública, experiência política e domínio técnico do tema que é prioritário, a reforma da Previdência.

Seria importante Guedes conter as falas ambíguas e equivocadas de Bolsonaro e do núcleo duro que o cerca. A retórica alimenta a percepção de que o presidente eleito não tem suficiente clareza sobre a insustentabilidade da Previdência e suas regras injustas. Adquirir esse conhecimento será parte de sua missão de defender politicamente essa agenda. Caso contrário, será improvável o apoio do Congresso. Na política, as palavras têm peso.

Escolhas precisam ser feitas. Mais complicado ainda é fazê-lo em um ambiente de incertezas. O que é melhor: (1) propor uma reforma ambiciosa que viabilize o cumprimento da regra do teto e o ajuste fiscal dos Estados, mas correndo o risco de ter uma tramitação lenta e desgastante politicamente, ou (2) uma reforma diluída, como sinalizado pelo presidente eleito, com trâmite mais rápido, mas com risco fiscal elevado?

É possível que se opte pelo meio do caminho, fatiando a reforma, separando as matérias constitucionais das infraconstitucionais, o que é positivo, e também avançando por etapas nos diferentes regimes de militares, policiais, servidores e setor privado, como proposto por Paulo Tafner e outros especialistas. Porém, o risco de o Congresso só aprovar uma ou outra fatia, e não o todo, resultando em uma reforma insuficiente, precisa ser considerado pelos estrategistas políticos.

A escolha de Bolsonaro será o primeiro teste de sua convicção sobre a necessidade da reforma. A capacidade de diálogo no Congresso, o teste principal. Não temos essas respostas. O ambiente de incertezas, portanto, ainda vai prevalecer por um tempo.

O que Bolsonaro precisa evitar são os erros de Macri e Macron, ambos presidentes com perfil reformista, eleitos em uma onda de renovação da política e contando com apoio popular. Agora ambos sofrem grande desgaste.

O argentino Mauricio Macri iniciou o mandato corrigindo importantes distorções na política econômica. No entanto, por contar com uma base estreita de apoio no Congresso – menos de 30% dos parlamentares quando iniciou seu mandato em 2016 –, foi forçado a negociar com governadores e a ceder. O gradualismo no ajuste fiscal parecia o único caminho possível naquele momento. Nas eleições parlamentares de 2017, Macri conseguiu aumentar seu apoio no Congresso e aprovar uma reforma da Previdência aguada. O resultado é o desarranjo do ambiente macroeconômico, com inflação acima de 40% e mais um acordo com o FMI.

O francês Emmanuel Macron, impulsionado pelas mídias sociais e com apoio no Congresso, conseguiu avançar com seu ímpeto reformista. Agora sofre o desgaste decorrente da percepção da sociedade de que ele protege os mais ricos. A elevação do preço de combustíveis, decorrente do imposto sobre carbono, penalizou uma classe média que se sente desprestigiada pelos políticos. Faltou diálogo e o devido cuidado com políticas que mexem diretamente no bolso dos eleitores. Protestos eclodiram. Macron recuou, mas a insatisfação persiste, enquanto outras reformas, como da Previdência, ficaram comprometidas.

Bolsonaro necessita de uma estratégia precisa para a reforma da Previdência. Não pode ser nem muito tímida nem muito desigual. E diálogo é essencial. Grupos que se sentem injustiçados podem reagir. O gradualismo e o tratamento desigual podem ser convenientes no curto prazo, mas cobram seu preço adiante.

*Economista-chefe da XP Investimento


Gilles Lapouge: Dias perigosos em Paris

A terceira jornada de protestos na França, no fim de semana, será incerta, talvez perigosa

Ainda os “coletes amarelos” e novamente a França. Gostaríamos de falar sobre outras coisas para lá do Sena e do Arco do Triunfo. Dê uma olhada na Alemanha, onde Merkel vacila, para o Reino Unido, onde May luta como um tigre para salvar tanto Brexit como ela mesma. Hoje, todos os olhos convergem para sábado na França. Essa data será fatídica: ela tanto pode trazer o fim dos distúrbios, ou ao contrário, se as ruas se lançarem novamente, então, a França vai se parecer com um cavaleiro bêbado montado em um cavalo louco.

Lembre-se dos delírios de Maio de 68. O pretexto era trivial: o câmpus de uma das faculdades de Paris decidiu garantir a castidade dos alunos, pois se um rapaz quisesse receber uma garota em seu quarto, ele deveria levar sua cama para o corredor. Podemos imaginar algo mais estúpido, mais insignificante? Um mês e meio depois, a França queima.

O poderoso general de Gaulle quase é mandado de volta para casa. O espetáculo fascina os países vizinhos. Se a França não é a primeira em todos os esportes, é inigualável na fabricação de dramas, tragédias, incêndios, com poucos fósforos.

Assim, hoje, os “coletes amarelos” fascinam o mundo inteiro. Inicialmente, alguns trabalhadores pobres, vestiam esses coletes refletores, e faziam barulho nas ruas. Três meses depois, o presidente francês, Emmanuel Macron, jovem que fascinou o mundo, sem grande esforço, sorrindo, sem experiência política, refugiou-se no pico mais elevado do Estado e ficou em silêncio porque não soube como sair da armadilha.

Ontem, Macron foi quase surreal. Estava andando sobre a água. Então, de repente, de um dia para o outro, ele perde todos os seus volteios, cai do seu trapézio. Ele escorrega e quase se afoga em cinco centímetros de água. Como o “Pequeno Príncipe” de ontem se metamorfoseou em um homem comum?

Lembre-se de onde estávamos há três ou quatro dias. Os “coletes amarelos” haviam bloqueado as estradas e, especialmente, realizado dois eventos espetaculares em Paris. O segundo foi assustador, com profanação desprezível de lugares sagrados da França, o túmulo do soldado desconhecido sob o Arco do Triunfo.

Mas durante aquelas semanas, enquanto crescia a febre em torno dos “coletes amarelos”, Macron, montado em suas esporas, tinha recorrido ao desdém. Ele estava acima dessas mediocridades. Que imprudência! Um estadista é aquele que consegue ouvir os rumores que acompanham a história, aquele que adapta as suas decisões à forma inesperada que toma a história.

E Macron, na terça-feira, recuou. Ele mostrou ao seu povo que é generoso. Ele está disposto a conceder as pequenas reformas que os “coletes amarelos” reivindicam há dois meses. O problema é que nesses dois meses os “coletes amarelos” se metamorfosearam.

Espantados com seu próprio sucesso e informados de que seu “grande teatro de rua” é acompanhado por todo o mundo, seja com reprovação, raiva, esperança ou admiração, seu apetite aumentou dez vezes. Eles hoje são insaciáveis. Parecem ogros. E os pequenos presentes que lhes deu Macron, que os teriam encantado há três meses, são considerados inadequados. Eles querem mais.

É por isso que essa terceira jornada de protestos, no sábado, será incerta, talvez perigosa. E mesmo se, como se espera, o pior seja evitado, ele permanecerá no campo de batalha como um inválido: Macron, terá passado da condição prestigiosa de “homem que jamais recua” para o status mais modesto de “o homem que recua”. / Tradução de Claudia Bozzo


Clóvis Rossi: Que a realidade eduque Bolsonaro

Ele já teve duas aulas, a do Egito e a de Macron

O general Juan Domingo Perón (1895-1974), três vezes presidente da Argentina, sempre por meio de eleição direta, produziu uma coleção de frases interessantes. Destaco uma: “A realidade é a única verdade”.

Torço para que a realidade aos poucos eduque Jair Bolsonaro para as verdades do mundo, para além de seus preconceitos, paixões e desinformação.

A primeira aula foi dada pelo Egito, que não chega a ser um dos países mais poderosos do mundo, ao cancelar viagem do atual chanceler, Aloysio Nunes Ferreira Filho, como represália pelo anúncio de Bolsonaro de que transferiria a embaixada brasileira para Jerusalém.

O impulso do presidente eleito ignora realidades. Primeira realidade: os países muçulmanos são grandes importadores de proteína animal do Brasil e poderiam ficar furiosos com a transferência da embaixada.

Logo, qualquer pessoa que pensasse antes de falar se perguntaria: o que o Brasil ganha com a mudança? Nada, a não ser, eventualmente, um afago de Donald Trump, o que não é nem remotamente suficiente para amenizar os problemas do Brasil.

Se é ruim para os negócios com os árabes mudar a embaixada para Jerusalém, mantê-la em Tel Aviv não atrapalha os negócios com Israel. Tanto não atrapalha que um dos raros acordos de livre comércio que o Mercosul tem é justamente com Israel, firmado em 2010 (governo Lula, portanto), que jamais pensou em instalar a embaixada em Jerusalém.

Agora, veio uma segunda lição: Emmanuel Macron, o presidente francês, disse, ao chegar a Buenos Aires: “Não sou a favor de que se assinem acordos comerciais com potências que não respeitem o Acordo de Paris”.

É uma alusão ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia, uma negociação que se arrasta há uns 20 anos.

Como se sabe, em outro momento de falar sem medir consequências, Bolsonaro ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris, o mais sólido movimento para conter a mudança climática em nível tolerável.

O que o Brasil ganharia se de fato saísse do acordo? Nada, a não ser o desprezo dos 174 países que o assinaram e que são praticamente todos os do mundo (agora com a exceção dos Estados Unidos de Trump).

Ganhariam apenas os fanáticos que negam que haja uma ameaçadora mudança climática. De novo, agradaria Trump que despreza até estudos científicos do seu próprio governo.

Treze agências federais do governo americano emitiram há dias um relatório em que diziam que, a menos que sejam dados passos significativos para controlar o aquecimento global, o dano provocado nos Estados Unidos cortará 10% da economia americana até o fim do século.

A menos que Bolsonaro e os fanáticos em torno dele achem que todos os cientistas são perigosos comunistas, o mais prudente é trabalhar com todos os países possíveis para mitigar os efeitos da mudança climática.

A cooperação internacional e multilateral é essencial para um país como o Brasil. Pendurar-se na perspectiva de alinhamento automático com os EUA —o que Bolsonaro rejeitou dias atrás— é um caminho que não foi seguido nem pela ditadura brasileira, que o presidente eleito acaricia e que se instalou com apoio americano.

A realidade é mais complexa que ideias simplistas.


El País: G20 corre o risco de fracassar por causa da tensão com a Rússia e guerra comercial entre China e EUA

Washington e Pequim se esforçam para alcançar um consenso mínimo fora da agenda oficial

Vladimir Putin está há 18 anos no poder. Nenhum outro mandatário da cúpula G20 tem experiência comparável. Nem o mesmo cinismo ou a mesma habilidade para provocar e controlar conflitos, nem a crueldade quando se trata de exterminar adversários, nem a brutalidade bélica. Ao seu lado, opríncipe saudita Mohamed Bin Salman é um aprendiz. Putin, que parece ter iniciado uma nova fase em sua estratégia de devorar a Ucrânia, lança mão agora de seus talentos na reunião de Buenos Aires: vincula as sanções contra seu regime com o protecionismo, dedica uma efusiva saudação a Bin Salman (seu inimigo na Síria) e dá de ombros quando se fala da nova crise entre Moscou e Kiev. A cúpula do G20 iniciada na última quinta-feira, marcada pela guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e as divergências sobre a mudança climática, corre o risco de fracassar. É o ambiente de tensão em que Putin se sente à vontade.

A foto do Grupo dos 20 com a qual a reunião argentina começou mostra o príncipe Bin Salman relegado a um canto, junto com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e os primeiros-ministros da Austrália e da Itália. Cabe a ele exercer a função de rejeitado. A guerra com a qual ele assola o Iêmen (apoiado pelos EUA) e o assassinato em Istambul do incômodo jornalista Jamal Khashoggi (que os EUA consideram um assunto de menor importância) o transformaram num pária dentro da comunidade internacional. Trump o protege, mas prefere não se mostrar com ele numa atitude amistosa. Nessa mesma foto grupal, Putin posa impassível. Conhece bem os ritos e os truques desses encontros.

O príncipe Salman não recebeu outros abraços a não ser os do presidente argentino, Mauricio Macri, anfitrião e portanto obrigado, e os de Putin, seu inimigo no tabuleiro sírio (se é que se pode chamar tal matança de tabuleiro) e seu aliado ocasional no terreno energético. O francês Emmanuel Macron trocou algumas palavras com o príncipe saudita “sobre petróleo”, segundo o Palácio do Eliseu. Na verdade, foi um diálogo tenso, cheio de subentendidos (“você não me escuta quando falo”, “sou homem de palavra”) e sem nenhum sorriso. A primeira-ministra britânica, Theresa May, reuniu-se ontem à noite com o homem forte do regime de Riad. Segundo um porta-voz de Londres, May lhe expressou a necessidade de terminar com a guerra do Iêmen (um grande negócio para os fabricantes de armas europeus, com exceção dos alemães) e de “tomar medidas” para que “um incidente tão lamentável” quanto o brutal assassinato de Khashoggi não volte a ocorrer.

Donald Trump, evidentemente, está no centro dos conflitos mais graves. Isso é inevitável. Ele é o presidente dos EUA, e é Donald Trump. Quando embarcou no Air Force One com destino a Buenos Aires, Trump enviou um tuíte para anunciar que cancelava seu previsto encontro com Putin. O motivo, supostamente, era o ataque russo contra navios militares ucranianos e o sequestro de seus tripulantes. Mas há muito mais entre Trump e Putin. Continua avançando a investigação sobre a possível cumplicidade do Kremlin com a campanha eleitoral do hoje presidente dos EUA. E Trump, que em seu jogo amigo-inimigo com Moscou, utiliza instrumentos tão perigosos quanto os arsenais nucleares (retirou-se do desarme) e prefere não se exibir muito na companhia do presidente russo.

Trump também protagoniza um dos conflitos potencialmente letais para essa reunião: sua guerra comercial com a China, que já freou o crescimento econômico mundial. Mas, como prova de que nesses encontros supostamente igualitários mandam os de sempre, a questão comercial será resolvida – de maneira boa, ruim ou regular – fora do tempo: com o comunicado oficial já emitido, Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, se reunirão para jantar (salvo imprevistos) na noite deste sábado e decidirão por conta própria. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu e representante de um terço da economia mundial, proclamou na quinta-feira que a União Europeia (UE) promove o comércio livre e justo. Sua voz foi ofuscada pelo atrito entre as duas hiperpotências.

Trump não quer ouvir falar de mudança climática, e nessa disputa está sozinho. Até mesmo Xi se une, pelo menos verbalmente, aos que consideram necessário agir com urgência contra o aquecimento global. O presidente Macron procura liderar, no que se refere ao clima, o campo contra Trump.

O que se pode esperar da reunião plenária deste sábado e da declaração final? Os técnicos de Washington e Pequim se esforçam para alcançar um mínimo de consenso fora da agenda oficial. A anfitriã Argentina carece de autoridade moral para promover acordos, pois seu sistema tarifário é um dos mais impenetráveis do mundo. E Putin esgrime cinicamente o livre comércio como argumento para desqualificar as sanções econômicas com as quais os EUA e a UE o pressionam para que deixe de abocanhar território ucraniano: essas sanções, diz ele, são manobras protecionistas. Para saber se a guerra comercial continuará se agravando ou se terá uma trégua, será necessário esperar a noite este sábado, e bem tarde. Sobre o clima, haverá palavras vagas – se é que será possível encontrar palavras vagas o bastante para não irritar Trump. Os acordos menores (promessas para os países em desenvolvimento, renovação do sistema de cotas do FMI, reflexões sobre o futuro do trabalho e coisas do gênero) poderiam se transformar no mais relevante de Buenos Aires.

TEMER ACREDITA QUE GOVERNO BOLSONARO VAI CONTINUAR NO ACORDO DE PARIS

POR AGÊNCIA BRASIL

O presidente Michel Temer reafirmou neste sábado em Buenos Aires, durante a cúpula do G20, o compromisso do Brasil com o Acordo de Paris e disse acreditar que seu sucessor, Jair Bolsonaro, não romperá este entendimento. "Evidentemente que essas questões são levantadas, mas depois são equacionadas. Não vejo que não terão apoio [as questões climáticas e ambientais] do novo governo", disse após reunião da Cúpula do G20.

Temer informou ainda que as colocações do presidente da França, Emannuel Macron, questionando o compromisso de Bolsonaro com o Acordo de Paris, não foram tratadas na reunião do G20. "Apenas o presidente da França falou disso [fora da reunião], fazendo uma relação com os possíveis acordos [do Mercosul] com a União Europeia, mas não houve uma palavra aqui sobre isso" , disse. "Não creio que haveria modificação da posição brasileira [no Acordo de Paris]", enfatizou.

Em entrevistas, o presidente francês, Emmanuel Macron, condicionou o avanço do acordo entre a a União Europeia e Mercosul ao apoio do governo brasileiro ao Acordo Climático de Paris. Bolsonaro respondeu que não fará acordos internacionais na área de meio ambiente que prejudiquem o agronegócio. Entretanto, ele ponderou que a posição não é definitiva.


El País: Macron diz que política ambiental de Bolsonaro é obstáculo para acordo com Mercosul

Presidente francês chega a Buenos Aires como porta-voz da globalização e do livre comércio. Macron também defende a luta contra o aquecimento global, entre outras coisas que Trump recusa

Emmanuel Macron se propõe como alternativa. Em Buenos Aires, tenta se tornar um líder mundial dos defensores da globalização, do livre comércio, do liberalismo e, principalmente, da luta contra o aquecimento global, tudo o que Donald Trump rejeita. E não deixa de alertar sobre o risco de que a cúpula do G-20 seja um fracasso. Antes da reunião dos principais líderes internacionais, na sexta-feira e no sábado, o clima ficou um pouco mais tenso com o anúncio, feito por Trump, de cancelar seu encontro previsto com Vladimir Putin por causa do grave atrito entre a Rússia e a Ucrânia.

Mohamed Bin Salman permanece trancado na embaixada saudita, transformada em um bunker. Macron, por outro lado, desfruta de um contundente protagonismo antes da cúpula e não deixa de apertar mãos na rua. No entanto, sua chegada, na noite de quarta-feira, foi infeliz. A vice-presidenta da Argentina, Gabriela Michetti, que deveria recebê-lo ao pé da escada do avião ao lado do embaixador francês, foi retida pela polícia em uma sala do aeroporto por supostas razões de protocolo e de segurança, e Macron encontrou apenas alguns funcionários com coletes amarelos, a roupa que agora simboliza a revolta contra ele na França. Foram as primeiras pessoas que Macron cumprimentou em sua primeira visita à Argentina. “Foi horrível, uma falha no protocolo, mas o presidente francês encarou com bom humor”, disse Michetti, que não pôde correr para a pista (sofre paraplegia por causa de um acidente) e chegou quando Macron já estava entrando em um carro rumo ao hotel.

Macron retaliou no dia seguinte. Foi cedo para a livraria Ateneo Grand Splendid, a mais famosa de Buenos Aires, para conversar com o gerente e com vários clientes sobre literatura argentina. Em seguida foi à Fundação Internacional Jorge Luis Borges e conversou com sua viúva, María Kodama. “Borges foi o meu acesso ao imaginário sul-americano”, disse, “é o homem que levou a sensibilidade argentina à universalidade”. De lá rumou à Plaza de Mayo, que percorreu a pé com a esposa entre uma pequena multidão, e entrou na Casa Rosada para realizar com Macri a primeira reunião bilateral da cúpula, seguida de um almoço em uma ilha do delta de Tigre.

Em uma entrevista ao jornal La Nación, Macron já havia anunciado sua intenção de usar a cúpula do G-20 para reunir “aqueles que não apenas querem preservar o Acordo de Paris [sobre o clima], mas ir mais longe” e advertiu sobre o risco de uma guerra comercial aberta entre Estados Unidos e China que seria “destrutiva para todos”. “Se não conseguirmos acordos concretos, nossas reuniões internacionais se tornam inúteis e até contraproducentes”, afirmou. Isso continua sendo uma possibilidade nesta cúpula, cujo sucesso ou fracasso se decidirá realmente no último minuto, durante o jantar que reunirá no sábado os presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping. Há meses ambos estão infligindo severas sanções comerciais um ao outro.

Depois da reunião entre Macri e Macron, abundante em gestos de cordialidade, os dois concederam uma rápida entrevista coletiva em que o argentino enfatizou a necessidade de alcançar finalmente um acordo entre a União Europeia e o Mercosul, depois de duas décadas de negociações, o que o francês descartou por enquanto. Disse que lhe parecia impossível avançar agora por causa da mudança política no Brasil, que nos próximos anos será presidido pelo ultradireitista Jair Bolsonaro — a França, contudo, é um dos países com mais ressalvas ao acordo que se tenta há décadas. E recorreu a um argumento que vale também para suas discussões com Trump, com quem, disse, mantém “uma relação fácil, com acordos e desacordos”: “Eu não posso pedir aos meus empresários e aos meus trabalhadores que façam sacrifícios em nome da transição energética e da luta contra a mudança climática e, ao mesmo tempo, assinar acordos comerciais com países que não pretendem fazer o menor esforço nessa área”. É o que Macron chama de “compatibilizar os problemas do fim do mundo com os problemas do fim do mês".


Rubens Barbosa: Nacionalismo, patriotismo e interesse nacional

Vivemos momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional

As comemorações pelo centenário do fim da Guerra de 1914-18, em Paris, reforçaram minha convicção de que estamos vivendo tempos estranhos e um momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional, com consequências para todos os países.

Foi curioso ver pequenos detalhes protocolares desencadearem reações políticas, como no caso da Sérvia, que se sentiu insultada pela baixa posição que seu presidente ocupou em relação ao Kosovo, colocado mais próximo ao presidente francês pelo cerimonial. Afinal, foi em Sarajevo que tudo começou. Notei a ausência do Brasil, convidado pela primeira vez para um encontro dessa magnitude, que seria uma oportunidade para mostrar que nosso país existe, tem presidente e foi parte das duas guerras (quando estava como embaixador em Londres, participei com o presidente FHC das celebrações do Dia da Vitória da 2.ª Grande Guerra, a de 1939-45, com o Brasil sendo convidado pela primeira vez).

Todos puderam assistir à deliciosa coreografia do poder entre Putin e Trump, que chegaram em limusines cercadas de seguranças, enquanto os outros 82 chefes de Estado e de governo saíram juntos do Palácio Élysée em ônibus especiais. Os líderes norte-americano e russo esperaram, escondidos, que todos tomassem assento para assumirem seus lugares ao lado do presidente Macron. Putin, mais esperto, esperou para chegar por último...

O presidente Macron, em discurso na solenidade, em vez de saudar a presença dos líderes mundiais, de ressaltar a paz e a superação da guerra fria entre EUA e Rússia, resolveu chamar a atenção para as ameaças atuais que põem a estabilidade internacional de novo em perigo, põem em risco a democracia e dividem os países ocidentais. Observou que os pilares que sustentam os regimes democráticos são mais importantes que a unidade transatlântica e nesse contexto mencionou que o patriotismo é mais importante que o nacionalismo. Essa afirmação tinha endereço direto não só aos grupos de direita radical na França, como, de maneira pouco sutil, era uma crítica direta aos que dizem colocar os interesses de seus países em primeiro lugar e a consequência disso para os outros pouco importa. Ao qualificar o nacionalismo como traição ao patriotismo, exagerou, porque o termo na França é associado à extrema direita, enquanto em outros países a expressão se renova e tem conotação valorizada, como, por exemplo, na Irlanda e no Canadá.

A tensão estava criada. Não era a primeira vez que Macron, depois de ter sido um amigo muito próximo, divergia publicamente do presidente dos EUA. As boas relações pessoais se deterioraram diante das decisões de Washington de abandonar o Acordo de Paris sobre clima e pelo término do programa nuclear com o Irã. E também por estimular o protecionismo (ameaça de guerra comercial com a China), criticar o multilateralismo e tornar difícil a solução de dois Estados para o conflito Israel-palestinos.

Não foi surpresa a reação de Trump ao anfitrião, mas sim sua rapidez e virulência. Na tarde do dia 11, Macron organizou o Fórum da Paz, com o objetivo de defender o multilateralismo, um dos pilares da nova ordem internacional depois de 1945 com o surgimento da ONU e do Gatt/OMC, que os EUA ajudaram poderosamente a criar e agora procuram solapar. Todos os chefes de Estado compareceram, com exceção de Trump, que preferiu visitar sozinho cemitério militar americano na França. Além disso, desde a véspera havia iniciado uma troca de tuítes virulentos com Macron, trazendo a público a crescente rivalidade entre os dois líderes num momento de aumento das tensões transatlânticas. Apoio de Trump aos movimentos populistas-nacionalistas na Europa, despesas militares na Otan, criação de exército europeu, proposto por Macron-Merkel, e até ameaça velada à exportação de vinhos franceses para os EUA entraram na inusitada altercação presidencial. Ficou evidenciado o divórcio entre Trump e a Europa, em especial com as instituições supranacionais e multilaterais.

Cabem alguns comentários sobre o que se falou durante a cerimônia de Paris. A crítica de Macron ao nacionalismo está associada à direita populista de Marine le Pen, que, sob o pretexto de defender a nação, defende posições radicais contra o movimento de unidade europeia. Por outro lado, Trump não está preocupado com a unidade da Europa (agora ameaçada com a saída da Grã-Bretanha), mas sim com a China, e não quer continuar com os altos gastos militares na Otan. Por outro lado, talvez Macron não soubesse, mas a palavra patriotismo é pouco usada nos EUA, talvez por motivos históricos, além de ter ali um sentido algo pejorativo. Ao elogiar o patriotismo – com significado positivo nos países de língua latina –, Macron fez Trump se lembrar de frase atribuída a Samuel Johnson, “o patriotismo é o ultimo refúgio do canalha”. A oposição às instituições supranacionais e multilaterais representam um viés característico da superpotência norte-americana, agora exacerbado por Trump.

Qualquer semelhança disso tudo com alguns aspectos da discussão hoje no Brasil, em especial depois da eleição e da escolha do futuro ministro do exterior, não é mera coincidência.

A cerimônia parisiense mostra igualmente como é perigoso para qualquer país, nos tempos incertos que vivemos, declarar alinhamentos e afinidades definitivas com base em laços pessoais. Como aprendi nos meus primeiros anos no Itamaraty, os países (e os líderes) não têm amigos, têm interesses. O realismo e o pragmatismo na ação diplomática e comercial deverão prevalecer sobre vagos anseios conceituais, como o antiglobalismo e a defesa do Ocidente, de inspiração trumpista, bem assim sobre atitudes ideológicas em relação a China.

O interesse nacional, acima de países, grupos ou partidos, é a prioridade da política externa.

*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)


Luiz Carlos Azedo: Algo se move

“Pesquisas demonstram alterações de comportamento do eleitor na reta final da campanha, que será encerrada amanhã. No primeiro turno, houve grandes surpresas nesses três últimos dias”

A pesquisa do Ibope de terça-feira sinaliza que algo se move entre os eleitores. O dado mais surpreendente é a virada do candidato do PT na cidade de São Paulo, na qual Fernando Haddad ultrapassou Jair Bolsonaro (PSL): 51% a 49%. No primeiro turno, Haddad recebeu 19,7% dos votos dos paulistanos, contra 44,58% de Bolsonaro. Em 2014, Aécio Neves venceu com 63,85% dos votos na capital paulista, contra 36,15% de Dilma Rousseff (PT). Haddad foi prefeito da capital, mas não se reelegeu em 2016. Foi derrotado por João Doria (PSDB) no primeiro turno. Analistas consideram essa mudança um caso isolado e atribuem o fenômeno à rejeição do tucano, que abandonou a Prefeitura de São Paulo com 15 meses de mandato. Os resultados no interior corroboram a tese, porque Bolsonaro lidera a disputa no estado de São Paulo com 64% dos votos válidos contra 36% de Haddad.

Em todo o país, o resultado do Ibope mostra oscilação no limite da margem de erro: Bolsonaro caiu de 59% para 57%, enquanto Haddad subiu de 41% para 43% dos votos válidos. Na votação espontânea, a queda de Bolsonaro é de cinco pontos, de 47% para 42%, enquanto Haddad sobe ligeiramente, de 31% para 33%. Esses números estão diretamente relacionados à rejeição dos candidatos. A de Haddad caiu de 47% para 41%, enquanto a de Bolsonaro subiu de 35% para 40%. As intenções de voto do candidato do PSL oscilaram para baixo na faixa entre 25 e 55 anos, entre homens e mulheres, brancos, negros e pardos, em todas as faixas de escolaridade, (exceto nível superior) e na faixa de renda entre 2 e 5 salários-mínimos.

Os dados da eleição por região revelam indícios de movimentação eleitoral: na região Nordeste, Bolsonaro subiu de 33% para 34%; Haddad, caiu de 57% para 53%. No Norte/Centro-Oeste, o militar da reserva caiu de 59% para 55%; o petista subiu de 33% para 36%. No Sudeste, Bolsonaro caiu de 58% para 54%, e Haddad subiu de 29% para 31%. No Sul, o candidato do PSL oscilou de 62% para 60%, e o petista, de 28% para 29%. Esses resultados demonstram alterações de comportamento do eleitor na reta final da campanha, que será encerrada amanhã. No primeiro turno, em alguns estados, houve grandes surpresas nesses três últimos dias.

O PT faz uma campanha dura e agressiva contra Bolsonaro, na qual resgata posturas e atitudes que o candidato do PSL gostaria que fossem esquecidas pelos eleitores. A estratégia de Haddad é caracterizar a eventual eleição de Bolsonaro como uma volta à ditadura, o que não é verdade, mas ganha veracidade quando acompanhada de antigas declarações do candidato e episódios recentes de sua campanha. As ameaças de seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado eleito com a maior votação do país, contra o Judiciário, continuam sendo exploradas por Haddad. Bolsonaro também ameaçou adversários com a prisão e o exílio.
Essas declarações se tornaram verdadeiros bumerangues na campanha eleitoral. O candidato do PSL sentiu o golpe. Orientou seus partidários a não entrarem em confronto físico com os petistas e voltou a dar declarações para suavizar sua imagem e neutralizar os ataques dos adversários. Tem uma vantagem robusta ainda, mas eleição não se ganha de véspera. Mesmo quando já se está com a mão na faixa, ela precisa passar pela cabeça.

Fake news

A Polícia Federal está jogando duro com as usinas de fake news. Encarregado das investigações sobre crimes eleitorais na internet, o delegado Flávio Coca comandou operações em cinco estados para combater violações de sigilo de voto e ameças de morte: “As pessoas pensam que a polícia não vai chegar nelas ou que a Justiça não vai alcançá-las por estarem na internet, estarem atrás de um celular, de um teclado de computador. Mas se enganam, porque os olhos alcançam até as pessoas que estão imaginando que estão ocultas na internet. Não estão!”

A PF executou quatro mandados de busca e apreensão nas cidades de São Paulo (SP), Sorocaba (SP), Uberlândia (MG) e Caxias do Sul (RS). Foram intimados investigados nos municípios de Juiz de Fora (MG), Varginha (MG), Recife (PE), Caxias do Sul (RS) e Tomé-Açu (PA). Em Uberlândia, um jovem de 21 anos, que postou mensagens incitando a violência dois dias após o primeiro turno, foi identificado. Em Juiz de Fora, uma jovem de 25 anos. Um dos investigados foi identificado por reconhecimento facial.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-algo-se-move/

 

 


O Estado de São Paulo: A vitória de Macron

A ampla vitória do presidente da França, Emmanuel Macron, nas eleições legislativas, nas quais seu partido A República Em Marcha (REM) obteve folgada maioria na Assembleia Nacional é importante não apenas porque lhe dá condições de aprovar as reformas que propõe na economia e na política.

A ampla vitória do presidente da França, Emmanuel Macron, nas eleições legislativas, nas quais seu partido A República Em Marcha (REM) obteve folgada maioria na Assembleia Nacional – ainda maior quando somada à bancada de seu partido aliado, o Movimento Democrático (MoDem) – é importante não apenas porque lhe dá condições de aprovar as reformas que propõe na economia e na política. Ela muda em profundidade o panorama político do país e tem repercussões que vão além de suas fronteiras, na medida em que fortalece a União Europeia (UE), abalada pela saída do Reino Unido.

No curto período de um ano, Macron, ex-ministro da Economia de François Hollande, que bateu recorde de impopularidade, elegeu-se presidente, transformou seu novo partido no maior do país, com 308 deputados num total de 577 da Assembleia, que se sobrepõe hoje às tradicionais forças de direita (Os Republicanos e seus aliados), com 131 eleitos, e esquerda (Partido Socialista e aliados), com 31 eleitos, que dominaram a política francesa por mais de 40 anos.

Um conjunto de circunstâncias favoráveis permitiu essa ampla renovação dos quadros políticos: dois terços da Assembleia, com a chegada de um grande número de jovens e de mulheres (158), boa parte dos quais estreando na política. Tudo indica que a crise de representatividade, que atinge vários países de todos os continentes, está sendo resolvida ali rapidamente e sem maiores abalos.

O ponto fraco, logo apontado pelos adversários de Macron, foi a alta taxa de abstenção, de 56,6%. Taxa que já vinha crescendo no país e agora ultrapassou a metade do eleitorado. Em primeiro lugar, é evidente que o problema afeta tanto Macron como todos os que se opõem a ele. Em segundo lugar, o primeiro-ministro, Edouard Philippe, se apressou não apenas a comemorar a vitória como a reconhecer, certamente levando em conta a abstenção, que o governo não recebeu um cheque em branco.

A oposição, tanto a da extrema direita da Frente Nacional – que conta com o apoio de boa parte dos trabalhadores – como a da extrema esquerda da França Insubmissa, promete ir às ruas para se opor à reforma trabalhista. Segundo Macron, as regras atuais são ultrapassadas e atrapalham a retomada da economia e na prática colaboram para o desemprego, porque impõem altos custos às empresas. Embora governo e centrais sindicais reconheçam que as negociações serão difíceis, a ampla maioria parlamentar de que Macron dispõe permite a aprovação fácil da reforma na Assembleia e fortalece sua posição tanto nesses entendimentos como no enfrentamento nas manifestações, prometidas tão logo foram anunciados os resultados das eleições.

No plano político, o caso das mudanças propostas por Macron é diferente. Além de ser igualmente fácil sua aprovação pela Assembleia, não encontram maior resistência na oposição. Tanto a referente à moralização como a alteração parcial do sistema eleitoral. O ponto forte da primeira é o fim do nepotismo por parte de deputados. Ele foi o ponto central do escândalo que fez o candidato da direita, François Fillon – emprego da mulher e dos filhos como assessores, com altos salários –, perder a eleição para presidente, antes dada como certa. A segunda é a introdução no sistema eleitoral de uma dose de voto proporcional, hoje inteiramente distrital. Essa é uma mudança que interessa à extrema direita e à extrema esquerda.

No plano externo, a retomada da economia francesa, estagnada há muitos anos e com uma taxa de desemprego de 10% da força de trabalho, é julgada importante também pela UE, a começar pela Alemanha. A aliança com a Alemanha, considerada o motor da UE desde o início, não pode funcionar a contento com a França na situação em que se encontra.

O tempo dirá se Macron saberá enfrentar o desafio das transformações que prometeu e da esperança que despertou. A mudança no panorama político que já operou e a folgada maioria parlamentar que acaba de obter são passos da maior importância, mas só eles não bastam.

 

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-vitoria-de-macron,70001849874