reforma política

Congresso ameaça avanços da representação feminina na política

Propostas em debate no Congresso alteram pilares importantes do atual sistema eleitoral e ameaçam a representatividade feminina

Debates simultâneos que ocorrem no Congresso Nacional, sem a devida transparência e maturação necessárias, modificam pilares importantes do atual sistema eleitoral brasileiro e podem comprometer seriamente o futuro da representação feminina na política do país – num momento em que boa parte do mundo discute medidas para a paridade de gênero.

Alguns detalhes de propostas de emenda constitucional (PECs) que tramitam na Câmara e no Senado – em paralelo a um projeto de lei complementar denso, de 905 artigos, que estabelece um novo Código Eleitoral – apresentam regras divergentes e podem ameaçar a eficácia da política de cotas, com obrigatoriedade para que no mínimo 30% das candidaturas sejam de mulheres.

Especialistas em direito eleitoral consultados pela DW Brasil apontam preocupação com a redação de artigos dessas propostas em tramitação e criticam a falta de transparência dos debates, levantando dúvidas sobre o açodamento com o qual o Congresso quer aprovar novas regras, antes de outubro deste ano, para que possam vigorar já no pleito de 2022.

"Estamos todos muito preocupados com esse fluxo legislativo, com tantas mudanças ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, porque essas proposições não conversam entre si. Elas divergem entre si. E temos um Código Eleitoral vigente de 1965. Por que em 2021 de repente querem mudar tudo? Qual é a urgência disso?", questiona Ana Claudia Santano, coordenadora geral da Transparência Eleitoral Brasil e professora de direito eleitoral e constitucional. "Esse código não é apenas uma consolidação de regras. Ele muda muitas coisas", alerta.

Risco de retrocesso

Um dos problemas apontados por mulheres que defendem a ampliação do espaço feminino nos poderes Legislativo e Executivo é que os textos, pelo menos a PEC 18/2021 aprovada no Senado em 14 de julho, recolocam na mesa antigos problemas. A despeito da boa intenção dos parlamentares e da atuação da própria bancada feminina no Senado, a redação da PEC embute retrocessos.

O texto "fixa novas regras para a destinação de recursos em campanhas eleitorais, determinando que cada partido deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas proporcionais de cada sexo". Eis aí o problema: a expressão "deverá reservar". Essa expressão já causou problemas no passado, pois os partidos brasileiros, todos ancorados numa visão patriarcal, não são obrigados, com essa redação, a apresentar as candidaturas femininas. Reservar não significa preencher.

Em 2009, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a expressão precisava ser modificada e estabeleceu que os partidos têm que preencher as candidaturas com pelo menos 30% de mulheres.

Foi esse entendimento da "obrigatoriedade" que abriu espaço para, anos depois, assegurar que também o financiamento fosse proporcional ao número de candidatos, ou seja, 30% dos recursos dos fundos eleitoral e partidário devem se destinar a candidaturas de mulheres, observando-se, obviamente, a proporcionalidade: se houver 40% de mulheres candidatas, elas recebem 40% de recursos financeiros, por exemplo.

Essa regra amparou também a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, para assegurar financiamento proporcional não apenas às candidaturas de mulheres, mas também aos candidatos negros, dos ambos os gêneros.

"O texto do Senado retoma uma fórmula antiga, que não funcionou, que é dizer aos partidos que simplesmente reservem as vagas. Reservar é muito diferente de preencher. É deixar a cota facultativa", critica a coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil.

"No Brasil, a política de cotas demorou muito a ter resultados. Evoluímos pouco de 1995 para cá e chegamos na última eleição com 15% das cadeiras para mulheres na Câmara, o ápice desde a redemocratização. Por isso, qualquer medida que retire a política de cotas é ruim. As cotas existem para tentar mudar uma realidade. Já vimos que o aumento de recursos [para candidaturas femininas] teve impacto no aumento de eleitas, ainda que não seja uma relação causal", pontua a professora Luciana Oliveira Ramos, integrante do Grupo de Estudos em Direito, Gênero e Identidade da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP).

Reserva de assentos é tímida e deve coexistir com as cotas

A professora da FGV reconhece que a intenção do Senado de manter a política de cotas e, ao mesmo tempo, definir uma reserva mínima de assentos para mulheres no Legislativo é positiva, mas faz ressalvas. O texto do Senado estabeleceu uma reserva de assentos gradual, começando em 18% das cadeiras nas próximas eleições e chegando a 30% em 2038.

Uma das ressalvas diz respeito aos percentuais de reserva. "Destinar 18% das cadeiras pode parecer imediatamente bom, mas se formos pensar no tempo e no escalonamento, de chegar a 30% em 2038, ou seja, daqui quase duas décadas, isso é muito pouco. A média de representação feminina das Américas é de 32% hoje. Somente daqui a duas décadas estaremos chegando nesta média. A média mundial atualmente é de 25%", afirma Ramos. Ela destaca, ainda, que as Nações Unidas, na Agenda 5050, preveem a paridade de gênero já em 2030.

"Essa meta de 30% em 2038 vai refletir um enorme atraso da sociedade brasileira. A gente deveria estar almejando mais, 50% de representação de mulheres, e de diversos perfis, negras, indígenas. Vai ficar muito aquém do que se espera e do que é o debate hoje no mundo, que é paridade de gênero. Isso está escrito nos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU", diz a professora da FGV.

De acordo com Ramos, é preciso, ainda, que essas propostas em tramitação no Congresso não substituam a política de cotas pela reserva de vagas. As duas iniciativas, salienta, devem coexistir. 

"Porque só a reserva de assentos não é suficiente para ampliar a representação feminina na política. Apenas reservando assentos a gente perde todo o processo de amadurecimento das instituições, dos atores e atrizes envolvidos no jogo político eleitoral como, por exemplo, a sensibilização de partidos políticos para que de fato lancem candidaturas de mulheres que sejam viáveis e que tenham efetivas chances de se eleger."

A professora enfatiza, ainda, que outra política importante diz respeito ao financiamento e destinação de recursos públicos para candidatas mulheres e negras. "Não basta só colocar o nome dessas pessoas na lista, o importante é fortalecer essas candidaturas de fato."

"Não há risco algum", diz relatora do Código Eleitoral

Para a deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do Código Eleitoral, "o texto consolida os avanços conquistados pela bancada feminina tanto na Câmara quanto no Senado, como a cota de candidaturas e de financiamento para mulheres, entre outras questões novas. Nossas conquistas estão garantidas e estamos propondo novos avanços, para que tenhamos cada vez mais mulheres na política", disse ela, em mensagem enviada à DW Brasil.

A manutenção das cotas de candidaturas femininas é defendida pela parlamentar. "As cotas de candidaturas são conquistas ainda essenciais, embora não sejam suficientes. É preciso que os partidos estimulem a formação de novas lideranças femininas, sobretudo financeiramente. O fim das cotas viria acompanhado do fim do financiamento mínimo de candidaturas femininas, o que nenhuma parlamentar aceitará. Qualquer proposta nesse sentido é um retrocesso inaceitável", afirmou.

No entanto, outra proposta em tramitação, a PEC da Reforma Política, já aprovada em dois turnos na Câmara e aguardando a votação no Senado, especifica percentuais distintos de reserva de vagas para mulheres, eliminando as cotas.

O texto aprovado prevê a contagem em dobro dos votos dados a candidatas e a negros, a partir das eleições de 2022. Essa regra seria usada para calcular a fatia de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral) para essas candidaturas.

Para as professoras de direito, o texto da PEC da Reforma Política foi aprovado às pressas, com inúmeras mudanças, sem debate e pode, sim, revogar por completo a política de cotas, o que seria um risco. Seria mais razoável, reconhece a deputada Margarete Coelho, manter a política de cotas combinada com a reserva de assentos. Segundo ela, a proposta do Senado, neste sentido, parece mais avançada. 

"Enquanto a paridade não vem, temos que construir um degrau após o outro da escada que nos levará a um parlamento mais inclusivo. A reserva de cadeiras é um passo essencial para a garantia de uma representação mínima, o que, ao lado da manutenção da cota de candidaturas, permitirá que mais mulheres sejam alçadas à condição de protagonismo político."

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/congresso-amea%C3%A7a-avan%C3%A7os-da-representa%C3%A7%C3%A3o-feminina-na-pol%C3%ADtica/a-59072160


Câmara rejeita distritão, mas aprova retorno das coligações proporcionais

Deputados entraram em entendimento após duas reviravoltas em votação na noite desta quarta-feira

Bruno Góes e Evandro Éboli / O Globo

BRASÍLIA — Após mudança de última hora, em sessão conturbada, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, a reforma política com o retorno das coligações proporcionais.

Em sessão tensa, com duas reviravoltas, líderes de partidos decidiram excluir o distritão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC). O acordo envolveu ampla correlação de forças e promessa de apreciação também no Senado. O texto principal foi aprovado por 339 votos a favor e 123 contra. Deputados ainda analisam destaques ao texto, e o segundo turno deve ser votado amanhã.

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No distritão, seriam eleitos os candidatos a deputado mais votados em cada estado, sem levar em conta o peso de cada legenda. Com as coligações proporcionais, duas ou mais siglas podem somar seus votos para atingir o quociente eleitoral e, assim, ocupar melhores posições no cálculo de divisão de cadeiras.

A sessão da noite desta quarta-feira começou com uma surpresa quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou o assunto que estava previsto para análise só na quinta-feira.

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No início da deliberação, apoiadores do distritão achavam que teriam maioria para aprovar o modelo de votação. A partir do momento em que o apoio foi minguando, sem a certeza de que havia o quorum mínimo, ou seja, 308 votos para aprová-lo, a relatora, Renata Abreu (PODE-SP), fez um aceno aos contrários e se reuniu com líderes de oposição e do Centrão para encontrar um meio termo.

— Somos contrários ao distritão, é a derrota ao distritão.  Mas as coligações são o mal menor — disse o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), após reunião de 30 minutos enquanto a sessão se desenrolava.

A partir do acordo, outras legendas defenderam a volta das coligações, para vigorar em 2022. Foi o acordo que envolveu a grande maioria dos partidos com representação na Câmara, que incluiu do DEM ao PT. Já PSD e Cidadania ficaram de fora do acordo, pois rejeitaram qualquer um dos modelos.

Levado a toque de caixa, o texto foi negociada no varejo pela relatora. Antes de o distritão ser descartado, levantamento feito pelo GLOBO junto às lideranças e dirigentes de partidos apontava que só cinco siglas, que somam 122 parlamentares, decidiram orientar a favor do novo sistema de votação para o Legislativo. 

Em compensação, nove legendas não haviam definido posição ou iriam liberar os seus filiados para votarem como bem entenderem, um total de 220 deputados. Já 170 se posicionariam de forma contrária.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/reforma-politica-camara-rejeita-distritao-mas-aprova-retorno-das-coligacoes-proporcionais-25151889


Maria Hermínia Tavares: Os dilemas da reforma

A reforma administrativa não pode ser apenas acerto fiscal que subordine, de qualquer maneira, o diâmetro da esfera pública aos recursos disponíveis

A Covid-19 teria efeito ainda mais devastador se a população brasileira não contasse com o SUS. A crise econômica, trazida pela virose, teria arrastado à miséria um número muito maior de famílias caso o auxílio emergencial não chegasse com rapidez a 65 milhões de pessoas. Nada disso é trivial —antes, são exemplos notáveis de capacidades estatais desenvolvidas nos últimos 30 anos.

Elas não podem ser esquecidas quando a reforma administrativa volta à agenda política. Poucos duvidam de que a reforma seja necessária: há ineficiências a superar e privilégios a combater. Ninguém imagina que a mudança seja fácil, dados os interesses contrariados que mobiliza e os limites fiscais que a enquadram.

Mas a reforma administrativa não pode ser apenas acerto fiscal que subordine, de qualquer maneira, o diâmetro da esfera pública aos recursos disponíveis, de forma a permitir investimentos igualmente importantes. Refletirá, inevitavelmente, uma ideia de poder público.

Segundo o "Atlas do Estado Brasileiro 2019", publicado pelo Ipea, entre 1986 e 2017 cresceu expressivamente o número de servidores nos três níveis de governo. A expansão foi puxada pelo aumento das administrações subnacionais —dos estados e, sobretudo, dos municípios—, acompanhando o aumento de suas responsabilidades na provisão de serviços sociais. Quatro em cada dez servidores municipais são educadores ou profissionais da saúde. Nos estados, educação, saúde e segurança respondem por 60% do emprego público. O setor federal cresceu menos, e a sua participação no conjunto caiu.

O gasto com servidores ativos da União manteve-se relativamente constante como fatia do PIB, mas cresceu para cerca de ¼ da receita corrente líquida. O que aumentou de forma desmedida foram os gastos com aposentadorias e pensões. A longo prazo, a reforma da Previdência trará desafogo. Mas, no presente, a despesa total com servidores pressiona os orçamentos dos governos.

Um projeto de reforma administrativa que valha seu nome tem de decidir como assegurar que não faltem professores para turnos escolares compatíveis com o aprendizado; que haja profissionais da saúde para sustentar um SUS decente país afora; que existam fiscais ambientais; que a renda básica conte com pessoal competente no cadastramento e monitoramento; que haja carreiras para servidores capazes de coordenar programas intergovernamentais e avaliar seus resultados.

Pois o problema é real, e as escolhas, difíceis. Não ajudará muito se o debate virar guerra de chavões sobre a "destruição do Estado" ou os perigos do "corporativismo".

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Paulo Fábio Dantas Neto: Crise, reforma política e as âncoras da democracia brasileira

Se fosse possível escolheria não escrever sobre reforma política. Tenho, na contramão de certo senso comum que se formou no Brasil, a percepção de que no nosso atual sistema político, ancorado na Constituição de 88, há mais a conservar que a reformar. Mas não é possível ignorar um bordão que vive sendo repetido, mesmo que, na maioria dos casos, quem o repete não saiba exatamente o que quer reformar. Todo mundo quer políticos melhores, eu também. Mas penso ser ilusão supor que eles serão achados ao adotarmos sistemas de governo, de partidos e de eleições diferentes. Os problemas que temos estão em softwares, não no hardware. Partindo desse entendimento tentarei tratar do tema evitando caminhos argumentativos que, a meu ver, costumam ser estéreis.

O primeiro caminho a evitar é o de reiterar um diagnóstico áspero, por vezes indignado, sobre patologias da política brasileira. Nesse tom costumam convergir certezas ingênuas de senso comum e normativas nos campos jurídico, sociológico e econômico, bem como na imprensa e em hostes empresariais e do ativismo social. O mantra mais notável desse território argumentativo é o que proclama a reforma política como a “mãe de todas as reformas”. Um estribilho que reverbera em vozes certamente dissonantes se o debate for sobre qualquer outro tema. Ele garante simpatia, o aplauso é provável mas o resultado substantivo é o de não contribuir ao debate. Contribui para torná-lo medíocre, pois não esclarece de qual reforma se fala, cada qual pensa numa, ou em nenhuma.

O segundo caminho a evitar penso que é, na contramão do primeiro, o da defesa acrítica do status quo institucional do sistema político. Até teve sentido esse papel de contraponto cumprido, desde os anos 90, pela ciência política brasileira. Ela nos ofereceu pesquisas que permitiram enfrentar preconceitos frequentes em ambiente social hostil, que tende a estigmatizar a política, e evidenciou a racionalidade do assim chamado presidencialismo de coalizão, cujo fracasso é hoje diagnosticado. É preciso que a ciência política não capitule, por viés político e/ou timidez intelectual, perante esse senso comum, mas também não é sensato aferrar-se a achados pretéritos como se fossem dogmas infensos ao certo derretimento objetivo daquele arranjo institucional. Quem seguir esse caminho “teimoso”, de uma ciência que rejeita os fatos, também não dará contribuição positiva ao debate. O resultado seria contribuir para torná-lo esotérico.

Um terceiro caminho a evitar é o de buscar “culpados” pela necessidade de reforma política. Ele reduz a discussão a um embate de narrativas sob um emaranhado infindo e infinito de polarizações: liberais vs. desenvolvimentistas em economia; ativistas vs. garantistas em direito; conservadores vs. vanguardistas em cultura; direita vs. esquerda, ou governo vs. oposição, no campo estritamente político. Mais insolúveis, por intolerância, são polarizações entre autoproclamados democratas à esquerda e os que eles denunciam como golpistas, neoliberais e fascistas; bem como entre democratas juramentados à direita e os que esses últimos acusam de estatistas, stalinistas, bolivarianos e por aí vai. O preço a ser pago por quem ceder à tentação de visitar esse labirinto será o de, além de não contribuir ao debate, terminar contribuindo para torná-lo banal, ou interditá-lo.

Em fuga, tento manobrar entre esses três territórios minados para fixar, em termos de reforma política, apenas dois entendimentos. O primeiro é o de que a discutimos hoje sob o influxo de um equívoco que fez nascer a ideia de que ela é mãe de todas as reformas. Precisamente em 2013, após massivas manifestações públicas de insatisfações para com a política realmente existente, algum gênio do marketing sacou o bordão da reforma política (no sentido de mudança das regras do sistema político) e encontrou acolhida interessada em atores políticos com algum poder de fala e decisão. A partir daí vendeu-se à sociedade civil a ideia de que era preciso trocar o hardware da política brasileira, ideia que ajudou a esvaziar as ruas.

Até então, o eleitorado — um público mais amplo e menos informado que a sociedade civil — dava de ombros a essa questão, vista como técnica, como em parte realmente é. O que ele sentia na pele e compreendia bem eram os duros efeitos de políticas públicas (softwares) mal implementadas, cujo financiamento tornara-se problemático. Além disso, eleitorado e sociedade civil convergiam no ceticismo em relação ao desempenho da elite política. Através dos partidos ela exibe um padrão de interação política de má qualidade, outro software ruim. Só que o discurso de que mudar o hardware é solução para mazelas criadas pelos atores (do estado e da sociedade civil) ganhou terreno e acabou persuadindo até o eleitorado.

O segundo entendimento que desejo transmitir é sobre a crise que emoldura um discurso reformista forte, em relação ao tema. Vejo-a como crise de aperfeiçoamento e não de colapso da democracia brasileira. Estou longe de ignorar o potencial de risco que ronda o sistema político quando o cidadão comum deseja paz e grupos sociais e políticos organizados disputam um rude e surdo vale-tudo. Mas vejo no interior das nossas instituições as possibilidades de que essa crise seja vencida com uma subida de patamar. A modesta reforma eleitoral aprovada no Congresso Nacional há dois meses (sobre a qual já se falou e debochou fartamente como se fosse mero arranjo corporativo, para dizer o mínimo) sinaliza, a meu ver, uma rota: reformar, a cada momento, o que for praticável, em termos políticos, pois nenhuma convicção doutrinária é válida se não puder ser viabilizada democraticamente, logo, politicamente.

Sim, espero resultados de eleições para deputados em 2018, já com moderada cláusula de barreira e, a seguir, eleições sem coligações, para vereador (2020) e para deputados, em 2022. Após resultados objetivos, que venham análises de corpo presente sobre aquilo que realmente estiver morto. Creio ser essa atitude mais sensata e razoável do que ministrar extrema-unção a quem ainda não apenas respira, mas pode se reformar gradualmente, desde que mantido vivo. Penso — e o digo francamente — ser esse o caso do nosso sistema político.

Outras iniciativas moderadas serão necessárias para, por exemplo, resolver impasses nas regras de financiamento de partidos e campanhas. Sem demagogia, é preciso argumentar que a retirada completa do financiamento de empresas implica aumentar o fundo público destinado a esse fim. Mesmo que se baixem, como convém, os custos das campanhas, não é sensato (nem possível) querer fazê-lo como se as campanhas devessem retroceder ao tempo dos “santinhos” e do “corpo a corpo”. Somos uma democracia eleitoral de massas e, a menos que se queira substituir a democracia por outro regime, é preciso (e desejável) que a sociedade financie a competição política.

Penso que não estamos à beira de um precipício, como narrativas simplificadoras, eleitoralmente interessadas, querem nos fazer crer. Mas claro que há perigo na esquina. Há porque competidores preparam-se para eleições na contramão da política, com discursos intolerantes, salvacionistas ou justiceiros; e porque setores da sociedade civil veiculam discursos análogos. Apesar dessa babel — e em contraponto a ela — temos hoje, diferentemente da nossa experiência histórica, uma Constituição que cumpre um papel de agência. O País em que ela nasceu mudou e muda na direção do que ela apontou, isto é, na direção da complexidade das relações sociais e, consequentemente, dos mecanismos políticos que devem regulá-las. Complexidade que precisa ser conservada e não atirada ao lixo para dar passagem a qualquer tipo de solução simples, não política.

A Constituição e um calendário eleitoral são as âncoras que até aqui nos detém ante o precipício e nos prendem a um terreno áspero, mas real, de uma ampla democracia. O tema da reforma política é delicado pois afeta essas duas âncoras. Ideias, palavras e obras sobre ele podem ajudar a fixá-las mais solidamente, ou a fazerem-nas bambear.

* Paulo Fábio Dantas Neto é cientista político e professor da UFBA. Texto originário de exposição em Seminário sobre reforma política no TRE/ Ba, em 23.11.2017, e entregue para publicação no site Outra Bahia, em 08.12.2017.

 


Jose Roberto de Toledo: De Congresso a delegacia

Sempre que parlamentares aprontam, seja resgatando um colega da cadeia seja aprovando uma lei impopular, uma altercação emerge nas mídias sociais. Primeiro, a fúria: “Deputado isso!”, “deputado filho daquilo!”,”deputado #@$%&!”. E, imediatamente, a ponderação: “Foi o povo que colocou eles lá”, “democracia é isso”. Todo congresso, assembleia, câmara é reflexo da sociedade que o elegeu, mas prismado pelo sistema eleitoral em que vingou.

Lapidar sistemas eleitorais para favorecerem uma casta, partido, corporação ou região geográfica é prática recorrente nas maiores democracias do mundo. Nos EUA, de tão banal, cunharam a palavra que designa a manipulação dos distritos eleitorais: gerrymandering (“salamandragem”). Bem torturadas, regras admitem qualquer coisa. Até que quem tem menos votos pode eleger mais representantes e fazer o presidente. Não é mágica, é técnica.

No Brasil, o sistema poderia ter ficado ainda pior se o Congresso tivesse aprovado a reforma política. Retirados os bodes do texto, pouco mudou. Entre muitos defeitos mantidos, o sistema favorece a perpetuação de dinastias e a falsa renovação do plenário – basta dar novos prenomes a velhos sobrenomes, de tempos em tempos. Nem dinheiro aumenta mais a chance de um candidato se eleger do que ele já ser deputado ou seu herdeiro.

Há uma grande mas etérea expectativa de que em 2018 isso vai ser diferente. De que a insatisfação explosiva da população com seus representantes levará a uma “limpeza” no Congresso. Pesquisas com perguntas bem intencionadas mas indutivas mostram que uma ampla maioria quer mudança, quer novas lideranças, quer novidade. Será mesmo? Será que na hora de teclar cinco dígitos na urna eletrônica a maioria dos eleitores vai se lembrar disso?

Se houver mudanças, elas não serão por igual. Uns perderão mais do que outros. Os grupos mais coesos tendem a se expandir. Os fragilizados por disputas internas, a encolher.

Entre os que correm mais risco estão os candidatos cujos números começam por 45 ou 13. Desde 1994, eles têm se beneficiado da polarização entre seus partidos nas eleições presidenciais. Invariavelmente, os dois mais votados candidatos a presidente eram o 13 e o 45. Eles puxavam votos para o número da legenda nas eleições dos demais cargos. A polarização acabou. De juiz a desajuizado, qualquer um acha que pode se eleger presidente.

Em mais de 20 anos, a situação dos ex-polos nunca foi tão ruim. O 45 rachou: o quatro, de um lado, xinga o cinco, do outro. Seus presidenciáveis foram abatidos em voo. Quem sobrou está penando. O 13 tem o líder das pesquisas, mas não sabe se ele chegará candidato ou cassado ao dia da eleição. Puxadores de voto do partido nas proporcionais foram condenados e mudaram de número.

Se 13 e 45 perderem, quem pode ganhar?

Olhando-se as tendências de mais longo prazo, é possível que os ganhadores não sejam propriamente partidos, mas segmentos mais bem articulados e engajados da sociedade. Eles se beneficiam da perda de credibilidade das instituições, da crise da segurança pública e da epidemia de violência. São também beneficiados por pertencerem a corporações hierarquizadas e militantes.

Na atual legislatura há quatro vezes mais deputados que levam “delegado” no nome de guerra do que “professor”. Dez anos atrás, não havia nenhum. Se o prestígio eleitoral das corporações policiais cresce, as da saúde caem. Há uma década, havia dez deputados com “Dr.” ou “Dra.” no nome. Sobram três. Há notícia de que dezenas de delegados da Polícia Federal se candidatarão em 2018. Da Bahia, vem uma nova onda, síntese de duas tendências: o deputado Pastor Sargento Isidório deve sair para federal.

 


Arko Advice: Reforma Política infla apoio ao governo em setembro

Levantamento da Arko Advice mostra que o apoio ao governo aumentou de 43,8% em agosto para 54,56% em setembro. No estudo, foram analisadas 21 votações nominais e abertas ocorridas no mês passado. Em nenhuma delas o governo foi derrotado.

A melhora no índice foi, em grande parte, puxada pelas votações relacionadas à Reforma Política. Duas Propostas de Emenda à Constituição, que exigem quórum qualificado, e de grande interesse de deputados e senadores, contribuíram com o resultado. Em algumas delas, o governo se manifestou e orientou como sua base deveria votar. Entretanto, quando excluímos a Reforma Política da análise (sete votações), o índice cai para 45,79%. Uma leve melhora em relação ao registrado em agosto (43,8%).

Na votação da Medida Provisória nº 782, o governo não perdeu por pouco. Ela dá status de ministério à Secretaria-Geral da Presidência da República, ocupada por Moreira Franco (PMDB-RJ). Na votação de uma emenda do PSOL para inviabilizar a MP, o governo venceu com placar apertado (203 X 198). Claramente, há sinais de descontentamento entre os aliados. Nessa votação específica, 42,22% do PSDB votaram contra o Palácio do Planalto.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em jantar com deputados e senadores (5), de acordo com informações reveladas pela imprensa, afirmou que o presidente Michel Temer terá “dificuldades” para barrar a segunda denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República. A chance de Temer sair derrotado é pequena, mas a análise de Maia espelha o descontentamento da base.

Em termos partidários, PRP, PSC, SD, PSD e PR foram as legendas mais fiéis ao governo em setembro. O DEM ocupa a 6ª posição; PSDB, a 7ª; e o PMDB, a 9ª. Veja, a seguir, o comportamento de cada partido.

Confira aqui a íntegra do levantamento da Arko Advice.


Roberto Freire: Distritão derrotado e a reforma possível

A derrota do distritão, que não obteve os 308 votos mínimos necessários para uma emenda à Constituição, foi muito importante porque impediu um enorme retrocesso no processo democrático brasileiro

Alguns dos principais itens discutidos e aprovados na Câmara dos Deputados indicam que a reforma política possível de ser alcançada já para as eleições de 2018, se não é aquela de que o Brasil necessitava, ao menos representa um avanço em relação ao que tínhamos e um evidente aprimoramento do nosso modelo político-eleitoral. Há que se destacar a rejeição do sistema conhecido como “distritão”, uma contrafação da democracia representativa e que praticamente acabaria com os partidos e tornaria impossível a governabilidade.

A derrota do distritão, que não obteve os 308 votos mínimos necessários para uma emenda à Constituição, foi muito importante porque impediu um enorme retrocesso no processo democrático brasileiro. Caso aprovado, tal sistema resultaria em uma preocupante distorção da representação política no Parlamento.

Seriam eleitos os candidatos mais votados a deputado, independentemente das coligações que integrassem ou dos partidos aos quais pertencessem, que se transformariam em meros cartórios para o registro de candidaturas. A Câmara seria formada por nada menos que 513 entidades autônomas, cada uma valendo por si, o que faria com que os governos tivessem de se articular sem qualquer mediação partidária com cada um desses “deputados de si mesmos”, inviabilizando totalmente a indispensável interlocução entre Executivo e Legislativo. Em nosso regime presidencialista, não teríamos condições mínimas para promover uma articulação de governo. Não haveria como viabilizar qualquer tipo de coalizão da base.

Para que se tenha dimensão do absurdo da proposta – que esteve em vias de ser aprovada após uma estarrecedora articulação entre PMDB, PSDB e PT –, o distritão que se queria implementar no Brasil vigora atualmente apenas no Afeganistão, na Jordânia e em pequenos países insulares. Tal sistema já foi utilizado pelo Japão em uma única eleição, no pós-guerra, e imediatamente revogado diante de tamanho fracasso.

Outro aspecto significativo aprovado pela Câmara foi um destaque proposto pelo PPS extinguindo as coligações nas eleições proporcionais a partir de 2020 – elas serão permitidas apenas para as disputas majoritárias. Essa era uma reivindicação benfazeja que já vinha de muito tempo e pôde, enfim, ser votada e aprovada a partir de um consenso com as demais forças políticas da Casa.

Além disso, a instituição de uma cláusula de desempenho progressiva, a ser iniciada em 2018, será um passo importante para impedir o acesso indiscriminado das legendas aos recursos do Fundo Partidário. As agremiações teriam de alcançar 1,5% dos votos válidos nacionais a deputado federal já em 2018, distribuídos em ao menos um terço dos estados – em 2030, esse percentual mínimo seria de 3%. Somente os partidos que chegarem a esse índice poderão ser contemplados com os recursos do Fundo e o tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão.

Pessoalmente, não compartilho da tese de que as anomalias do modelo eleitoral brasileiro tenham relação com a possibilidade de criação de novas agremiações. Partido político é direito de cidadania e não pode ser tutelado ou regulamentado pelo Estado. O grande imbróglio é justamente o acesso irrestrito ao Fundo Partidário e ao tempo de TV. Criou-se no Brasil um amplo mercado de negociações espúrias e tentativas de enriquecimento fácil à custa do dinheiro público, com uma profusão de pedidos de registro de novos partidos. É algo semelhante ao que ocorre no sindicalismo, cada vez mais dependente dos valores provenientes do imposto sindical, felizmente abolido.

Outra ideia absurda que deve ser derrotada é a criação de um fundo de R$ 3 bilhões para financiar campanhas eleitorais, o malfadado “fundão”. Temos de caminhar justamente em sentido contrário, buscando o barateamento das campanhas. É evidente que a sociedade não aceita o uso de dinheiro público para custear as eleições, especialmente neste momento difícil que o Brasil vive, ainda se recuperando da mais grave recessão econômica de sua história e em meio ao impacto dos inúmeros escândalos de corrupção envolvendo políticos, partidos e empreiteiras. Seria um deboche.

Ainda há alguns pontos a serem analisados, mas estou confiante de que impediremos mais retrocessos. Assim como derrotamos o distritão, derrubaremos o indecente fundão. Diante do que foi votado e vetado pela Câmara, é possível dizer que avançamos na construção de uma reforma política tão necessária quanto urgente para o Brasil. Não é a reforma ideal, longe disso, tampouco a “contrarreforma” que se delineava no início do processo. Há imperfeições e aspectos que não foram modificados simplesmente porque não houve consenso em torno de propostas melhores. Mas um primeiro passo foi dado, o que não é pouco, e nos aproximamos de um sistema político-eleitoral mais justo, democrático e funcional. (Diário do Poder – 22/09/2017)

*Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


O Estado de S. Paulo: Câmara rejeita distritão para 2018

Plenário da Câmara derrubou proposta que estava sendo debatida havia meses; 205 deputados foram favoráveis à matéria, mas eram necessários 308 votos

Isadora Peron, de O Estado de S. Paulo

Em votação que encerrou uma discussão de meses, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de ontem, a mudança do sistema de eleição para o Legislativo do País. Os parlamentares recusaram a proposta de transição do atual sistema, chamado de proporcional, para o distritão nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e de 2020, para a escolha de vereadores. Em 2022, entraria em vigor o distrital misto. A proposta de emenda à Constituição teve 205 votos favorá- veis, mas, por se tratar de uma PEC, eram necessários 308 para sua aprovação. Votaram contra o texto 238 deputados. A matéria foi derrubada em primeiro turno e não pode mais ser discutida no Congresso Nacional neste ano.

O plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, na noite de ontem, a mudança do sistema de eleição para o Legislativo do País. Os parlamentares recusaram a proposta de transição do atual sistema – chamado de proporcional – para o “distritão” nas eleições de 2018, quando serão eleitos deputados estaduais e federais, e de 2020, para a escolha de vereadores. Em 2022, entraria em vigor o “distrital misto”.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) não foi aprovada porque não atingiu o mínimo de 308 dos 513 votos. Foram 238 deputados contrários à alteração – 205 votaram a favor e houve uma abstenção. A matéria foi derrubada em primeiro turno e não pode mais ser discutida no Congresso neste ano.

A votação de ontem encerrou uma discussão de meses em torno da reforma política. Sem consenso, líderes da Câmara tentaram por diversas vezes aprovar a PEC, mas não conseguiram chegar a um texto de consenso.

Partidos como PMDB, PP e PSDB eram a favor da mudança do sistema eleitoral, mas resistiam a apoiar a criação de um fundo para financiar campanhas políticas. PT, PC do B e PDT apoiavam o fundo público (que chegou a ser cogitado em R$ 3,6 bilhões), mas recusavam a proposta do distritão.

O Estado revelou em julho que deputados do PMDB, PSDB e de ao menos oito partidos do Centrão haviam feito um acordo para incluir o distritão na reforma política – a medida foi apontada como uma maneira de assegurar a reeleição dos principais líderes a fim de se manter o foro privilegiado em meio ao descrédito com a classe política causado por escândalos revelados pela Lava Jato.

“O distritão, na verdade, é um ‘detritão’”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), ontem, durante a votação. “O que a sociedade quer não é a reforma política que cada deputado aqui está defendendo, é a reforma dos políticos, a reforma do que acontece aqui no Congresso”, afirmou o líder do PDT, deputado Weverton Rocha (MA).

Hoje, no sistema proporcional, para um deputado se eleger, é necessário calcular seu número de votos combinado com a quantidade de votos dados ao partido ou à coligação. Se o distritão fosse aprovado, o sistema de escolha de deputados federais, estaduais e vereadores nas duas próximas eleições se tornaria majoritário e seriam eleitos os candidatos mais votados. No distrital misto, o eleitor vota duas vezes: uma vez nos candidatos e outra em nomes de uma lista apresentada pelo partido. O distritão já havia sido rejeita- do pela Câmara em 2015.

“Esse debate foi muito difícil, tortuoso. Temos um sistema fragmentado e, talvez, seja o grande drama da representação partidária no Congresso. A PEC não conseguiu apoio necessário”, disse o deputado Betinho Gomes (PSDB-PE).

Coligação. Após rejeitar a mudança do sistema eleitoral, o plenário passou a discutir, já na madrugada de hoje, a PEC que trata do fim das coligações nas eleições proporcionais e da criação de uma cláusula de desempenho dos partidos.

O presidente da Câmara em exercício, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), afirmou, exaltado, que levaria a votação até o fim. “Ligue, mande buscar seus deputados em casa. Aqui tem 360 deputados (à 0h30). Eu falei que ia votar até seis horas da manhã. Vou cumprir o que eu falei, porque é meu dever cumprir. Palavra é palavra”, disse. A sessão, no entanto, foi encerrada pouco depois da 0h30 e a votação foi adiada.

Os deputados tentaram apro- var requerimento para retirar a PEC de relatoria da deputada Shéridan (PSDB-RR) de pauta, mas o pedido foi rejeitado. Ao todo, os deputados ainda tinham de analisar oito destaques ao texto. A principal mudança foi proposta pelo PPS para que o fim das coligações passasse a valer em 2020, não em 2018.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que é a favor do fim das coligações, ironizou o adiamento da votação. “O fim da coligação é a única iniciativa positiva da mal chamada reforma política.” Após Ramalho anunciar que a votação seria retomada hoje, parlamentares protestaram e disseram que a reforma seria feita pelo Supremo Tribunal Federal. Para que as mudanças passem a valer em 2018, elas têm de ser aprovadas até 7 de outubro.

Debate “O que a sociedade quer não é a reforma política que cada deputado aqui está defendendo, é a reforma dos políticos, a reforma do que acontece aqui no Congresso Nacional.” Weverton Rocha (PDT-MA).

 

 


José Serra: Sistema melhor e mais barato

O voto distrital misto pode representar a grande saída para o impasse brasileiro

Há muito insisto na tese de que o sistema eleitoral vigente é uma usina de impasses. Na sua fornalha, queimam-se montanhas de dinheiro público. Indomável e desagregador, o sistema ganhou impulso centrífugo adicional com a rejeição da cláusula de barreira pela Justiça. A fragmentação na Câmara avançou. Hoje temos 35 partidos registrados e devemos chegar a 50 no ano que vem. Um despropósito.

Ainda que a dispersão fosse menor, a competição entre correligionários em imensos distritos – que são os Estados – corrói a unidade dos partidos e os enfraquece em seu papel essencial: agregar as correntes de opinião, organizando-as, hierarquizando-as e estabelecendo processos de negociação e solução de conflitos, tudo com o objetivo de atender, na forma de programas de governo, as demandas majoritárias da sociedade.

Num sistema mais funcional, as legendas efetivas são em número suficiente para acomodar as minorias relevantes, mas não tão grande que impeça a maioria de tocar programas de governo. Um bom sistema deve se equilibrar entre dois objetivos contraditórios: ampla representatividade e governabilidade.

Nosso sistema eleitoral não faz nada disso. A sua tendência tem sido a de incentivar a dispersão, a pretexto de ampliar a representatividade. Só se submete a alguma lógica coletiva se for cevado continuamente com nacos da renda e do patrimônio estatais. Nem se tivesse sido feito por encomenda, serviria tanto para reforçar nosso histórico vezo patrimonialista e corporativista.

Vivemos uma longa fase de retração e estagnação na economia, decorrente de nossa incapacidade de melhorar a qualidade do gasto público e segurar sua expansão, bem como de superar nossa histórica má distribuição de renda, riqueza e oportunidades. Não sou determinista, mas é preciso reconhecer que o colapso fiscal do Estado e seus revezes éticos, embora não inevitáveis, foram decorrência estrutural de nossas instituições políticas. É preciso reformá-las.

O problema é que o mosaico partidário engendrado pelo próprio sistema se mostra incapaz de operar essa transformação no rumo exigido pela sociedade. Mais um indicador de que tal sistema mal representa e pouco decide.

Uma das tentativas de solução é o chamado distritão. Porém, ao eleger os mais votados sem observar a proporcionalidade, o distritão poderia contribuir para a extinção do último traço de racionalidade do atual modelo, que, com todos os seus defeitos, ainda é capaz de contemplar os partidos com representação correspondente ao seu eleitorado. No distritão, haveria o risco de os Estados se transformarem numa arena hobbesiana, despartidarizada. Seria a luta de todos contra todos. Uma caça ao voto, um tumulto de vontades sem ideias.

É difundida a ideia de que, no distritão, a maioria dos deputados se reelegeria. Mas isso é duvidoso: não se pode tomar as votações obtidas no sistema atual como parâmetro do que ocorrerá no novo sistema. As mudanças de regras serão profundas e as estratégias dos partidos, dos candidatos e dos eleitores também mudarão. Os melhores jogadores numa quadra de vôlei não serão necessariamente vitoriosos no jogo de basquete. Além disso, é preciso considerar que o distritão poderá contribuir para enfraquecer ainda mais os fiapos de unidade programática que restaram nos partidos. Uma Câmara saída do distritão poderia contribuir para o colapso definitivo da governabilidade. Poucos eleitos se cingirão a compromissos partidários.

Felizmente, temos uma opção factível e muito superior ao estado de coisas atual: o voto distrital misto, que pode representar a grande saída para o impasse. Trata-se de um sistema eleitoral bom e muitíssimo mais barato, que racionaliza a disputa, ao pôr em confronto apenas um candidato de cada partido na mesma circunscrição. Cada eleitor escolherá duas vezes: um candidato do seu distrito e uma legenda partidária. O programa do partido passará a ser o grande tema da campanha, que deixará de ser personalizada em milhares de candidatos. Livre da algazarra dessa multidão de pleiteantes, os eleitores, postos a decidir entre poucos, terão mais chance de avaliar as propostas partidárias. Previamente à disputa, as agremiações serão obrigadas a se mobilizar e a escolher seus candidatos em processos que convergirão para prévias ou outros mecanismos que, no longo prazo, vão legitimar e enraizar os diferentes partidos.

No distrital misto, o caciquismo é enfraquecido, na medida em que, nos distritos, candidatos forçados pela cúpula têm chances muito menores de darem certo. O eleitor pode, inclusive, se dar ao luxo de não votar em um candidato imposto pelo partido no distrito, mas continuar dando seu voto ao partido de sua preferência na segunda cédula.

Diferentemente do que se imagina, no distrital misto a regra é o respeito à proporcionalidade. No fundo, as eleições nos distritos, que correspondem à metade das cadeiras, já são uma lista aberta. E a proximidade entre eleitos e eleitores aumentará muito a responsabilidade dos deputados, que estarão no foco de uma população geograficamente concentrada e, por isso, muito mais apta a cobrar desempenhos e resultados.

Uma outra dimensão essencial é a econômica. A população quer “moralizar” as eleições? Um grande passo é reduzir custos de campanha. A proximidade e a redução do número de candidatos permitirão a volta das campanhas feitas na sola do sapato, olho no olho. A despesa máxima por deputado eleito será várias vezes menor do que no sistema atual.

Finalmente, com os recursos da tecnologia da informação hoje disponíveis, a divisão dos distritos deixa de ser um desafio técnico. É perfeitamente possível desenhar, rapidamente, distritos livres da ingerência dos partidos, eliminando o risco do chamado gerrymandering. Essa atribuição será do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O eleitor quer isto: um sistema eficiente, bom e barato. Façamos a sua vontade.

*José Serra é senador (PSDB-SP)

 


José Aníbal: A flechada contra a agenda de recuperação do Brasil

O Brasil é ainda jovem quando se pensa na comunidade internacional: neste 7 de setembro, completamos 195 anos como nação independente, sendo 128 como República, e o atual período democrático soma pouco mais de três décadas.

O regime constitucional em vigor chegará aos 30 anos no ano que vem, quando elegeremos o presidente que levará o país ao bicentenário de 2022.

Nesse curso da história, o quanto aprendemos a viver como nação? Quais as experiências e práticas institucionais que já estão consolidadas, e quais são as que ainda precisamos aprimorar?

São perguntas que naturalmente exigem reflexão e ganham mais densidade no mundo contemporâneo, quando estão em debate questões como as funções, a eficiência e musculatura do estado e o papel de suas instituições, a crise da representatividade política, os avanços e as limitações que a própria democracia propicia às sociedades.

No caso brasileiro, a complexidade torna-se maior, exigindo ainda mais discernimento, compromisso e responsabilidade dos agentes públicos.

Nesse sentido, causa assombro e indignação ver a repetição de distorções dos papéis a serem cumpridos pelos que abraçam a causa pública. Como bem disse nesta semana o governador Geraldo Alckmin, as novidades de que o Brasil precisa são a verdade e a defesa do interesse coletivo, para que este se sobreponha aos objetivos das corporações que tomaram conta tanto de setores estatais como privados.

A política no dia a dia do governo e do Congresso obviamente precisa ser exercida com mais responsabilidade, mais conectada com os anseios e exigências da sociedade. Mas também é preciso avançar – e muito – nos outros pilares fundamentais do estado: o Poder Judiciário e o Ministério Público.

Quando regras são desrespeitadas, interesses pessoais e corporativistas são colocados à frente dos deveres institucionais, joga-se o país em aventuras e incertezas. Coloca-se em xeque a credibilidade não só deste ou daquele agente público, mas da própria ideia de república e de nação civilizada e democrática.

O ímpeto com que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se lançou nos últimos meses a disparar denúncias e acusações aos cântaros com base numa delação premiada bastante questionável, promovendo uma tempestade institucional sem precedentes, revelou-se agora açodado, inconsistente e movido por motivações ainda a serem explicadas.

Sob o pretexto de combater a corrupção e defender os interesses coletivos, deixou livres a dupla de empresários enriquecida pelo mais nocivo “capitalismo de compadrio” do lulopetismo e provocou um abalo que trouxe prejuízos intangíveis e incalculáveis. Foi uma verdadeira flechada na agenda para a retomada do crescimento econômico e da reorganização do estado brasileiro.

Quando Janot apresentou pedido para investigar o presidente da República durante o exercício do mandato, uma situação inédita e grave na história republicana, o Congresso estava prestes a aprovar a mais fundamental das medidas de ajuste das contas públicas.

A reforma da Previdência vai colocar um ponto final definitivo nas benesses previdenciárias da elite da burocracia – da qual fazem parte políticos e assessores legislativos, mas principalmente juízes, desembargadores, promotores e procuradores – e garantiria a sustentabilidade das aposentadorias e pensões da imensa maioria dos brasileiros. Por isso despertam tão forte reação das corporações, auxiliadas pela turma do “quanto pior melhor” de sempre.

Coincidentemente, no mesmo dia em que o procurador-geral admitiu falhas na delação dos irmãos Batista, o Conselho Nacional de Justiça atualizou as estatísticas de um problema bastante conhecido: o Judiciário brasileiro resolve menos de 1 em cada 4 processos em tramitação e custa mais caro do que os equivalentes de países europeus ou dos Estados Unidos. Em média, um magistrado brasileiro custa quase R$ 48 mil mensais. O salário mínimo é R$ 937,00. O salário médio dos trabalhadores brasileiros gira em torno de R$ 2.000,00.

A eficiência da Justiça é tão importante quanto a do Congresso e do governo. Todos os poderes devem prestar um bom serviço ao cidadão, cumprir com suas tarefas e ter o interesse coletivo como prioritário. É assim que se tornarão fortes, e não com arroubos de justiçamento ou voluntarismo. É assim que, perto de seus 200 anos de independência, o Brasil poderá ser um país com instituições sólidas e um povo orgulhoso de sua República.

 

 

 


Valor Econômico: Maia costura acordo para votar reforma política

Sob o comando do presidente da República em exercício, Rodrigo Maia (DEM-RJ), as articulações para viabilizar a votação da reforma política avançaram na semana passada e a proposta deve começar a ser votada amanhã no plenário da Câmara, que tem suas sessões conduzidas interinamente pelo deputado André Fufuca (PP-MA).

Marcelo Ribeiro, do Valor Econômico

O próprio PP, que foi o principal responsável por emperrar a tramitação da matéria na terça-feira da semana passada, cedeu às investidas de Maia - que chegou a deixar o Palácio do Planalto e ir ao plenário da Casa para interceder a favor da reforma na quarta-feira - e entrou no acordo para tentar tirar a proposta do papel.

Os parlamentares correm contra o tempo para aprovar alguns pontos da reforma, que, para entrarem em vigor nas eleições de 2018, precisam passar pelo crivo dos deputados e dos senadores até 7 de outubro. Esta semana é considerada decisiva, pois o prazo já está apertado, por conta do feriado.

Outra questão que pode atrapalhar os planos de Fufuca e Maia de votarem a reforma nessa semana é a resistência de algumas legendas de analisarem isoladamente o fim das coligações partidárias e o estabelecimento da cláusula de desempenho, se não for fechado um acordo prévio sobre o sistema eleitoral. Quem emperra o avanço é o PR e o PRB, que são as legendas que mais se beneficiam com o atual sistema.

"Houve acordo para votar a reforma, mas ainda é preciso aparar algumas arestas", afirmou o líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (AL), ao Valor.

Na avaliação de Lira, a proposta relatada pela deputada Shéridan (PSDB-RR) que proíbe as coligações tem tantos problemas quanto a de Vicente Cândido (PT-SP), mas será votada primeiro por apresentar menos resistência.

Lira adiantou que apresentará um destaque referente à cláusula de desempenho. Na proposta original, a tucana sugere que, na legislatura seguinte às eleições de 2018 tenham acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão os partidos que conquistem 1,5% dos votos válidos, em pelo menos 9 Estados, com no mínimo 1% de votos válidos em cada um deles. O destaque do PP vai propor que a linha de corte seja mais rígida e que as legendas só tenham acesso aos benefícios se conseguirem 2,5% dos votos válidos, em ao menos 14 Estados.

O PT, que chegou a ser apontado como obstáculo para que a votação fosse adiante, sinalizou nos últimos dias que, dada a urgência de se pautar a proposta, está menos resistente e com disposição para aprovar alguns pontos para que a reforma saísse do papel.

 

 


João Domingos: Jogo bruto  

 

A reforma política que o Congresso tenta fazer às pressas, e que é apenas um remendo, carrega em si mais do que a falta de acordo entre os partidos para os temas centrais nela trabalhados. O impasse sobre a adoção do financiamento público de campanha, distritão, fim das coligações para as eleições proporcionais e criação da cláusula de barreira embute o medo que deputados e senadores têm da rejeição cada vez maior da sociedade em relação ao comportamento deles.

Essa rejeição, que pode significar a derrota nas próximas eleições, faz com que cada um puxe a corda da reforma para o seu lado. Nessa disputa não há espírito de solidariedade de um com o outro. Pelo contrário. Quem puder empurrar o outro precipício abaixo o fará sem nenhum constrangimento.

Quanto mais o tempo passa, mais o desespero aumenta. Para que as novas regras possam valer para as eleições do ano que vem, as reformas têm de ser aprovadas até o dia 7 de outubro, pois a legislação exige que as mudanças sejam feitas a pelo menos um ano do primeiro turno da eleição.

As dificuldades de todos têm motivado gestos extremados. No momento, os partidos que defendem o distritão fazem pressão para que o PT reveja sua posição contrária ao modelo, aceite a mudança e os ajude a aprovar o sistema pelo qual seriam eleitos os mais votados em cada Estado e no Distrito Federal. O PT tem 58 votos, número suficiente para cobrir os cerca de 40 que faltam para a garantia da aprovação da emenda constitucional que acaba com o sistema proporcional adotado hoje para a eleição de deputados.

E por que o PT? Porque o PT hoje é de todos os partidos o mais dependente da aprovação do financiamento público de campanha.

Se o PT aceitar o distritão, poderá receber em troca a criação do fundo eleitoral que bancará as eleições. Se não aceitar, a alternativa será a volta do financiamento empresarial, o que para os petistas seria a pior de todas, com riscos de inviabilizar o partido nas próximas eleições.

Vejamos. A agenda do País, hoje, é uma agenda do mercado, principalmente do mercado financeiro. O governo Michel Temer, o Congresso, todo mundo trabalha de olho nela. Menos o PT, que depois do impeachment de Dilma Rousseff adotou uma agressiva postura antimercado, o qual acusa de estar por trás da cassação da petista.

Assim, quem é que vai financiar os candidatos do PT? Difícil imaginar que uma empresa o faria nas atuais circunstâncias.

Sem dinheiro para bancar a campanha de seus candidatos a deputado, senador, governador e presidente da República, o PT estaria em grande desvantagem na eleição do ano que vem.

O PT sabe dos perigos que corre. Caso não consiga eleger uma bancada grande, perderá dinheiro do Fundo Partidário a partir de 2019, porque a distribuição é baseada na proporcionalidade dos deputados de cada partido. Em 2017, o repasse do Fundo Partidário para o PT deverá ficar em torno de R$ 80 milhões a R$ 85 milhões.

Os adversários do PT poderão dizer que o aniquilamento do partido é bom, até porque em diversas ocasiões alguns petistas falaram em exterminá-los. Não é. Se o PT cometeu erros, e os cometeu aos montes, seja na relação promíscua com o capital privado e com o dinheiro público, seja na compra do apoio de partidos, os responsáveis pelas ações devem ser processados, julgados e, se for o caso, condenados.

O futuro da legenda deve ser definido pelo eleitor, não por chantagens ou manobras congressuais. Até porque a grande base social que o PT tem não morrerá se o partido morrer. Ela renascerá em outro. Pensar o contrário é pensar em enfraquecer a democracia.