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Temer joga com as brancas

Temer sinalizou para o PMDB que o prefeito de São Paulo, João Doria,  pode ser uma alternativa para o partido na sua própria sucessão

O encontro de ontem do presidente Michel Temer (PMDB) com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), para sacramentar a transferência de parte da área do Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte da capital paulista, foi mais do que um ato administrativo. Como quem joga com as brancas, Temer mexeu a primeira peça do tabuleiro do xadrez da própria sucessão. “Tenho orgulho de me equiparar às atitudes de João Doria para que nós tomássemos atitudes que estavam paralisadas há muitíssimos anos (…) Isso é fruto da ideia porque tenho um parceiro e um companheiro. João não tem uma visão só municipalista, mas nacional”, disse Temer, ao transferir um terreno muito cobiçado, que será destinado a um parque municipal.

Ao dar à questão local uma dimensão nacional — afinal, trata-se apenas de um terreno destinado a um parque municipal —, Temer sinalizou para o PMDB que o prefeito de São Paulo pode ser uma alternativa para o partido na sua própria sucessão. E, com isso, começa a resolver um grande problema: a “sombra de futuro” curtíssima. O presidente da República escapou do afastamento pela Câmara dos Deputados porque a denúncia do Ministério Público Federal foi rejeitada, mas saiu do embate menor do que entrou: a base do governo diminuiu de tamanho e o desgaste político causado pelo episódio é de difícil reversão. Além disso, seu mandato durará mais 16 meses, apenas.

Com a popularidade atual, Temer não tem a menor perspectiva de fazer um sucessor filiado ao PMDB, embora existam ambições na equipe ministerial, como as do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por exemplo. Em termos de expectativa de poder, ou arranja um candidato competitivo para sua sucessão ou em breve começará a tomar café frio, como se diz no jorgão palaciano. O lance de ontem foi uma espécie de “Abertura Réti”, jogada de xadrez que recebeu esse nome por causa de seu autor, Richard Réti, que quebrou a invencibilidade de oito anos do famoso enxadrista Capabranca, ao controlar, por antecipação, o centro do tabuleiro, com uma ação de flanco para capturar os peões adversários e dominar o jogo. Temer não economizou elogios a Doria: “Sempre agregou, sempre somou”.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não participou da solenidade. O prefeito paulistano foi uma invenção política do tucano, mas agora criatura e criador andam se estranhando. Alckmin não moveu uma palha para demover os deputados paulistas de votarem a favor da denúncia do Ministério Público contra Temer, que agora deu o troco incensando Doria. Nos bastidores da política nacional, os dois tucanos já estão em guerra pela vaga de candidato a presidente da República pelo PSDB.

Reformas

Doria também não se fez de rogado em relação a Temer: “A parte mais difícil já passou e agora há pouco campo para fazer oposição ao governo. O PSDB tem de fazer as reformas. Agora, não é mais o caso de discutir se é contra ou a favor de Temer, mas de puxar o Brasil para a frente, porque já chega o que os partidos de esquerda puxam para baixo”, disse. E defendeu a permanência dos tucanos na equipe de governo: “O PSDB tem quatro ministros muito bons que atuam no governo com muita eficiência, com destreza, são prestigiados, e, a meu ver, podem continuar o seu trabalho onde estão. E entendo também que o PSDB é um grande partido, composto por boas cabeças, que emitem suas opiniões nem sempre coincidentes.”

Além de se reposicionar em São Paulo, cuja política conhece bem, Temer neutraliza um pouco o protagonismo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que passou a ser o polo decisivo para aprovação das reformas e a própria estabilidade do governo, conforme ficou claro na votação da denúncia. Maia é hoje o principal fiador da aprovação das reformas política, previdenciária e tributária, quando nada porque manda na pauta da Casa que lidera. Ao lado do prefeito de Salvador, ACM Neto, Maia opera para resgatar o antigo poderio do DEM, incorporando à legenda os dissidentes do PSB e de outros partidos que votaram com Temer.


Fausto Matto Grosso: "O que nos aguarda em 2018"

No quadro geral de incertezas sobre a política brasileira é possível que, em 2018, o País encontre o caminho da superação das suas dificuldades?

Certo é que em algum momento chegaremos ao fundo do poço e daí só nos restará a alternativa de buscarmos a luz. Quando isso acontecerá é a questão. O avanço da Lava Jato é condição fundamental para esse nosso reerguimento como Nação e para a reproclamação da República.

Mas para o reencontro do nosso caminho não é suficiente a limpeza ética e a busca de lideranças confiáveis, mas sim, principalmente, a construção de blocos políticos mais estáveis que consigam formular projetos de futuro para o País, que sinalizem para novas governanças.

Há que se buscar uma maior clareza programática das forças políticas, diminuir a fragmentação partidária e superar o clima de radicalização insana que temos vivido nos últimos anos.

Reencontrar esse caminho dependerá da assimilação do contexto de mudanças em curso e da superação de algumas incertezas críticas.

A economia real do País, a despeito do governo e do Congresso, está começando a se recuperar.

Recuperação lenta, gradual, sem milagres previstos, deverá estabilizar a situação econômica ainda em um quadro de grande dificuldade.

O governo Temer ou seu substituto não terá condições de avançar na reforma da Previdência e outras igualmente importantes e isso continuará a ser um dos maiores problemas a serem transferidos para os próximos governos. Eis um tema em relação ao qual não é aceitável nenhum estelionato nas próximas eleições.

Persistem ainda, na atualidade, duas incertezas críticas: a Operação Lava Jato e a natureza da reforma política tramitando no Congresso.

A Operação Lava Jato provocará ou não o impedimento de políticos conhecidos, entre eles Lula, Temer, Serra e Aécio, com abalos nas possibilidades de seus partidos?

A reforma política criará ou não obstáculos ao processo de renovação dos quadros políticos ou deixará abertas possibilidades para a renovação/recomposição dos partidos? De acordo com a resolução dessas incertezas teremos os diferentes cenários da disputa em 2018.

Como no resto do mundo, também convivemos com uma crise de representação que enfraquece os partidos em favor do fortalecimento de lideranças “não políticas”, e com o surgimento de uma cidadania “autoral” que, através das redes e mídias sociais entra no cenário da disputa sobre o futuro.

Existe ainda o fato de que, em uma sociedade fragmentada, nenhuma força política isolada consegue formar maioria estável. Nesse caso, muito se dependerá do surgimento de um centro democrático que garanta um mínimo de estabilidade no processo político.

Desse contexto complexo e da combinação das incertezas, podemos prever uma arquitetura não trivial para a cena de 2018. A clássica divisão entre esquerda e direita já não dá conta de definir os campos ideológicos da vida real.

Uma nova variável está, crescentemente, entrando na definição das forças políticas: a posição diante do processo de modernização, aí entendido o processo de globalização, da revolução científica e tecnológica, de modificações no mundo do trabalho, etc.

Afirmam-se quanto a esse tema duas posições, uma cosmopolita/reformista, que aposta nas transformações em curso no mundo e outra nacionalista/conservadora, que imagina saídas autóctones e regressivas (Trump, Brexit, etc.).

Assim, poderemos ter quatro combinações básicas das forças políticas para a disputa de 2018. Um campo da direita conservadora (Bolsonaro), um campo da esquerda conservadora (PT, PDT, PSB e PCdoB), um de centro-direita cosmopolita (PSDB, DEM) e um de centro-esquerda cosmopolita (Rede, PPS, PV).

O Centrão, condomínio de interesses particularistas regido pelo PMDB, buscará se acomodar nos projetos que se mostrarem mais promissores.

Aí caberá aos brasileiros decidirem sobre o destino do Brasil.

* Fausto Mato Grosso é professor da UFMS, membro da executiva estadual do PPS/MS


Miriam Leitão: Temer deu a senha para desidratar a reforma da Previdência

O próprio presidente da República disse, em entrevista a "O Estado de S. Paulo", que aceita uma versão minimalista da reforma da Previdência. Está aberta, assim, a temporada de reduções no projeto.

Michel Temer chamou de “atualização”. Ou seja, começa a abandonar a palavra “reforma”. O presidente jogou a toalha, praticamente. Isso enfraquece o projeto. Vai tocar a reforma para dizer que fez. A senha foi dada. Os grupos de interesse pressionarão para que nada mude. Temer saiu enfraquecido da votação da denúncia, na semana passada. Ele está vulnerável a esse tipo de pressão.

A própria proposta da idade mínima, mesmo se for mantida, terá uma aplicação lenta. A regra começa com 54 anos e só chegará aos 65 para homens e 62 para mulheres após uma prolongada transição. Se aprovada dessa forma, seria uma reforma pra inglês ver.

Quem está certo é o presidente da Câmara dos Deputados, que delimitou a discussão. Ele diz que o único ponto de discordância é a regra de transição para quem entrou no setor público antes de 2003, quando Lula fez a reforma para novos servidores. E Maia diz que é preciso votar o projeto em setembro. Mas Temer agora avisou que aceita a versão reduzida do projeto.

 


Folha de S. Paulo: Novas delações podem atingir inquéritos sobre Temer, diz Janot

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, 59, diz que "colaborações em curso" podem ajudar nas investigações contra o presidente Michel Temer por suspeita de obstrução de Justiça e organização criminosa.Os inquéritos servem para embasar novas denúncias contra o peemedebista.

LEANDRO COLON, DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
REYNALDO TUROLLO JR., DE BRASÍLIA

A PGR negocia, segundo a Folha apurou, as delações do ex-deputado Eduardo Cunha e do operador financeiro Lúcio Funaro, ambos presos pela Lava Jato.

Janot diz que não pode confirmar as tratativas, mas questionado sobre o que um político como o ex-presidente da Câmara tem de entregar para fechar um acordo, ele respondeu: "O cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa".

O procurador-geral recebeu a Folha em sua casa no sábado (5), em Brasília, para uma entrevista. Indicou que prepara nova denúncia contra Temer, revelou que pedirá a anulação de uma delação e afirmou que a saída para o país não é "considerar bandido como político".

Janot, cujo mandato na PGR termina em 17 de setembro, contou que pretende tirar férias acumuladas até abril e projeta se aposentar no meio do ano que vem.

Folha - Os bambus acabaram? Ainda restam flechas?

Rodrigo Janot - Restam flechas. A gente não faz uma investigação querendo prazo e pessoas. As investigações vão ficando maduras até que se possa chegar ao final. E várias estão bem no finalzinho. Eu diria que tem flecha.

Quais são?
A surpresa você vai deixar para mim, né?

Não foi um pouco de soberba ter falado em flecha (em um evento recente)?
Isso é brincadeira que a gente faz internamente desde a época do Cláudio Fonteles [2003-2005]. A gente dizia que temos que trabalhar, e a expressão dizia isso, enquanto houver bambu, lá vai flecha. Não é soberba nenhuma.

A Câmara barrou a denúncia por corrupção contra Temer. É frustrante ver o trabalho ser enterrado?
A Câmara não barrou a denúncia. A Câmara faz um julgamento político de conveniência sobre a época do processamento penal do presidente. Fiz meu papel, cada instituição tem que fazer o seu. A Câmara entendeu que não era convenientemente o momento para o processamento do presidente. Que a Câmara agora arque com as consequências. Agora, a denúncia continua íntegra, em suspenso esperando o final do mandato. Acabou o mandato, a denúncia volta e ele (Temer) será processado por esses fatos que estão ali imputados, que são gravíssimos.

Como fica a situação do ex-deputado Rocha Loures?
Vou pedir a cisão do processo, sim, e ele vai responder esses fatos.

A denúncia descreve roteiro plausível de crime de corrupção, mas não aponta que a mala de R$ 500 mil recebida por Loures da JBS foi para Temer. O sr. acha que a falta dessa ligação ajudou a segurar a denúncia?
Temos de entender que o crime de corrupção não precisa de você receber o dinheiro, é aceitar ou designar a proposta. Receber o dinheiro é a chapada do crime de corrupção. Se a gente não vive um país de carochinha, uma pessoa que designa um laranja para acertar acordo ilícito, que acerta a propina e recebe a mala, vou exigir que a pessoa que designou o laranja receba pessoalmente o dinheiro? Jamais alguém vai comprovar.

Mas existe a possibilidade de o Loures ter feito o acordo sem que o presidente soubesse, não?
É admitido como possibilidade, vamos ouvir o Loures. Ele é designado como o meu (Temer) homem de confiança para tratar por mim todos os assuntos, trata a corrupção e depois a recebe. Se isso acontecesse com qualquer pessoa, acho muito difícil qualquer um de nós ter um outro juízo que não fosse "esse sujeito que foi designado como laranja recebeu o dinheiro para aquela pessoa". Como é que eu, de antemão, vou separar isso? Não tem como. Nesse caso específico, tínhamos réu preso. Em se tratando disso, o inquérito tem que ser concluído em dez dias e a denúncia tem que ser oferecida em cinco.

Mas é consequência de a PGR ter pedido a prisão. Se não pedisse, haveria mais tempo para investigar.
E deixo que o crime continue sendo praticado? Na esperança de que esse dinheiro vá chegar às mãos do presidente? Não somos ingênuos. Vocês acreditam que essa mala chegaria às mãos do presidente? Que o Loures entregaria a mala? "Olha, presidente, vim trazer a sua malinha." O dinheiro seria repassado de outra forma. Todas as investigações que fizemos mostram que uma organização criminosa atua de maneira profissional, não infantil.

Como então o dinheiro chegaria ao Temer?
Ou para pagamento de alguma campanha, ou para uma conta, ou para pagamento de despesas em 'cash'. Como se apura despesas em 'cash'? Não apura.
A segunda denúncia contra Temer será só por obstrução da Justiça?Não sei. Nós temos duas investigações: obstrução e organização criminosa.

Qual a chance de não sair outra denúncia?
Quem falou isso? Eu continuo minha investigação dizendo que enquanto houver bambu, lá vai flecha. Meu mandato vai até 17 de setembro. Até lá não vou deixar de praticar ato de ofício porque isso se chama prevaricação.

Na semana passada, o sr. pediu deslocamento da investigação de organização criminosa, envolvendo Temer, do inquérito da JBS para o do "quadrilhão" do PMDB da Câmara. Por que isso foi feito agora?
O presidente só pode ser investigado por atos praticados durante o exercício do mandato. O crime de integrar organização criminosa é permanente, então essa investigação tem que ficar permanentemente atenta para saber se a organização existe ou não, está em atividade ou não. Com esses últimos fatos [da JBS], a gente viu que a organização criminosa continua em plena e total atividade.

A investigação de obstrução já foi concluída pela PF.
Uma coisa é a polícia relatar. Outra coisa é eu, como titular da ação, entender que é o suficiente. Se entender que não, vou pedir diligências. Estamos com colaborações em curso que podem e muito nos auxiliar em uma e outra investigação.

O sr. está falando de Cunha e Funaro?
Não posso dizer quem são. As colaborações são sigilosas.

Falamos de ambos porque Cunha e Funaro estão ligados ao diálogo do Jaburu [gravado por Joesley Batista] e são personagens do inquérito do "quadrilhão".
Sobre colaborações em curso não posso falar. Não posso nem reconhecer que esse cidadão está em colaboração com a Procuradoria, a lei me impõe sigilo sobre o assunto.

O sr. não fala sobre negociações em sigilo, mas o que uma figura como Cunha teria que entregar para conseguir fazer um acordo com vocês?
Um dos critérios é o seguinte: o cara está neste nível aqui [faz um sinal com uma mão parada no ar], ele tem que entregar gente do andar para cima [mostra um nível acima com a outra mão]. Não adianta ele virar para baixo, não me interessa.

A questão da imunidade dada aos delatores não pode ter sido o principal erro do acordo com a JBS?
Se houve erro, foi de comunicação. Vamos lembrar. Recebo comunicado de que empresários relatariam com provas a prática de crime em curso do presidente, de um senador (Aécio Neves) que teve 50 milhões de votos na última eleição e seria virtualmente o novo presidente, de um deputado e de um colega [procurador] infiltrado na nossa instituição. Eles dizem: "A gente negocia tudo, menos a imunidade". A opção que tinha era: sabendo desse fato e não podendo investigar sem que colaborassem, teria que deixar que isso continuasse acontecendo ou conceder a imunidade. E mais: essas pessoas não só nos levaram áudios lícitos e válidos que comprovavam o que diziam. Elas se comprometeram a fazer ações controladas. Assumiram risco de fazer ações sem ter o acordo, e produziram prova judicial -a da mala do presidente, a da mala do senador, a da conversa do meu colega infiltrado-, e eu [ia] dizer assim: "Isso é muito pouco, eu quero que vocês tenham prisão domiciliar com tornozeleira."

Mas isso (prisão domiciliar com tornozeleira) era o mínimo, não?
Como o mínimo? O cara está entregando o presidente cometendo um crime em exercício. Você, como jornalista, tem conhecimento três meses depois de que isso me foi oferecido e eu recusei. Você acha que seu jornal, e você, como jornalista, iriam elogiar a minha atuação? Iam dizer "agiu certinho, tinha que continuar praticando crime, sim". Se houve erro, foi erro de comunicação nossa, porque a contraparte foi esperta em usar versões do fato para tentar mudá-lo.

Outro erro que a PGR pode ter cometido é não ter pedido perícia no áudio antes do inquérito.
Isso não existe. Como é que você faz uma perícia fora do inquérito? Prova ilícita, debaixo do tapete? Então eu recebo o áudio e digo que vou primeiro chamar o Mr. Bean [o comediante] para dar uma analisada para ver se vou instaurar inquérito. Isso é feito no inquérito. E qual foi o resultado da perícia? Nenhuma interferência no áudio.
Vocês não correram risco?Risco algum. A gente faz uma avaliação de risco antes, é claro, a gente tem técnico. Nós pegamos esse áudio, passou pelo nosso lado técnico. Um jornal, que não vou dizer qual foi, me publica um negócio dizendo que aquilo era uma perícia.

O sr. pode falar, foi a Folha (o jornal publicou uma perícia apontando edições na gravação).
E depois esse jornal envergonhadamente volta atrás e diz "erramos".

O jornal em nenhum momento admitiu que errou, a gente fez uma segunda perícia apontando que não houve edições.
A primeira perícia era de uma pessoa que escrevia [em seu laudo] que ouviu o áudio e, da oitiva, tirou as seguintes conclusões.

Mas nem vocês tinham feito a perícia.
A gente fez uma análise técnica, de viabilidade. Meu lado técnico disse que a probabilidade de ter alteração é 99,9 negativa.

A Folha abriu o debate sobre algo que deveria ter sido feito antes.
Mas foi feito [uma análise]. Perícia não se faz antes, você quer uma perícia no subterfúgio? Olha o que vocês estão sugerindo, que a gente faça uma investigação fora de um procedimento [formal]. Eu recebo [o áudio] e no escuro digo "vamos olhar aqui". Tem que ser tudo aberto. E onde é que a gente investiga? No inquérito.

O sr. continua achando que, na gravação, dá para interpretar aval do Temer para a compra do silêncio do Cunha?
"Tem que manter isso" o que é? Uma compra de carne? É uma feitura de suco? É fazer lanche? Qual era o fato que se discutia? "Eu estou segurando a boca de duas pessoas, Cunha e Funaro". "Muito bom, muito bom, tem que manter isso." Esse diálogo não foi negado pelo presidente, mas ele diz assim: "A interpretação que eu faço desse diálogo é outra". Se a gente não vive o país da carochinha, vamos interpretar o que está dito, gravado.

O sr. disse que soube da gravação de Joesley no Jaburu depois que ela ocorreu. É difícil acreditar nisso...
Eu não sou mentiroso, vamos começar por aí.

Por que ele faria isso da cabeça dele sem saber se vocês aceitariam? Ele não correu um risco?
Vocês acreditariam se alguém dissesse "peguei o presidente da República com a boca na botija"? Aí você diz assim: "E qual a prova que você tem?" "Nenhuma, eu ouvi o cara falar." Você acha que eu assumiria o risco de induzir uma prova ilícita que eu não pudesse usar depois? É maluquice completa. Eu nunca conversei com ele antes disso.

Há uma bala de prata contra o presidente?
Não, existem flechas [risos]. Eu sou ecológico.

O presidente fala que o sr. tem atuado de forma política e pessoal contra ele.
Sempre trato os investigados e réus com respeito. Quando é que me dirigi ao presidente de maneira desrespeitosa? Não posso tergiversar com a pessoa que praticou ilícito. Isto é uma República, a lei é igual para todos.

A defesa de Temer diz que seus atos desestabilizam o país econômica, política e socialmente. O sr. acha que o Ministério Público leva em conta esses fatores ou deve levar?
Não deve levar. A partir do momento em que começo a contabilizar fatores econômicos, políticos, sociais, antropológicos, aristocráticos, como é que tenho critério objetivo para dizer que uma investigação vai desse jeito e a outra não? A solução para esse imbróglio só tem uma saída e é política. Agora, saída política não é você considerar bandido como político. O bandido que se esconde atrás do manto político não é político, é bandido.

O presidente Temer é um bandido?
Não, não estou falando isso. O bandido que se esconde atrás do manto de empresário não é empresário, é bandido. O bandido que se esconde atrás do Ministério Público não é membro, é bandido. Tem que ser tratado como bandido.

Há quem diga que sua sucessora, Raquel Dodge, é reservada e o sr. mais expansivo, com estilo midiático. Isso pode ter criado imagem de que o o sr. age para enfrentar, para retaliar, com o 'fígado'?
As pessoas fazem suas interpretações dependendo do que lhes é conveniente. Dizer que tenho um perfil midiático, quantas vezes eu falei com a imprensa? Falo muito pouco. Isso é tudo construção para favorecer os investigados.

Alguns críticos falam que a PGR trabalha com calendário político, mede passos em cima de episódios.
De jeito nenhum. Na minha cabeça, depois da Odebrecht, que era dita a "delação do fim do mundo", surge a JBS, que foi a colaboração Armagedom. Essa Armagedom não estava na nossa cogitação. Esse calendário não é meu.

A PF pediu a revogação da delação do Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro), falando que não avançou. Tanto a delação dele como a do Delcídio do Amaral não ocorreram sem provas?
Tudo o que foi colhido em áudio pelo Machado, de que é "preciso dar um basta", "nós temos que controlar essa história", não está acontecendo? O colaborador pode perder a colaboração se não auxiliou na obtenção da prova. Antes de sair estarei -não vou dizer de quem- inaugurando um incidente de revogação de um acordo por falta de protagonismo do colaborador.

O sr. costuma falar em divergência de procedimentos com a dra. Dodge. Quais são essas divergências?
Eu tenho facilidade para delegar, porque se não conseguir, não consigo marchar para a frente. E, pelo que conheço dela, não tem essa facilidade de delegar, é uma pessoa que concentra mais. Isso não é erro. Tenho uma maneira de trabalhar, ela tem outra. Não me preocupo de ela mexer ou alterar (investigações em curso). De ela engavetar me preocupo, sim. Se pretender engavetar, é lógico que vou me preocupar. Não acredito nisso.

*

Raio-X
Formação
Graduado e mestre em direito pela UFMG, especializou-se em meio ambiente e consumidor na Scuola Superiore Sant'Anna, em Pisa (Itália)

Cargos
Ingressou no Ministério Público Federal em 1984. Foi promovido a procurador regional da República em 1993 e a subprocurador-geral em 2003. Foi secretário-geral do MPF de 2003 a 2005

-Cronologia
17.mai.2017
É revelada a delação da JBS, que ameaça o mandato de Temer. Janot é criticado por conceder benefícios aos irmãos Joesley e Wesley Batista

26.jun.2017
Janot denuncia o presidente ao Supremo sob acusação de corrupção passiva. Temer reage e acusa Janot de buscar "revanche, destruição e vingança"

1.jul.2017
Procurador-geral diz que "enquanto houver bambu, lá vai flecha" em referência a seu trabalho nos meses que restam de mandato

2.ago.2017
Denúncia é barrada na Câmara e Temer diz que peça de Janot é uma "ficção" baseada em um ato criminoso patrocinado por um "cafajeste" e "bandido"

3.ago.2017
Temer volta a criticar procurador-geral, que define estratégia para apresentar ao STF nova denúncia, desta vez sobre obstrução da Justiça

17.set.2017
Data em que Janot encerrará o mandato. Equipe dele e advogados dos envolvidos trabalham para tentar fechar antes mais acordos de delação

 


Ricardo Noblat: Delenda Lava Jato

Temer ficou porque era melhor para todo mundo. Melhor para o Congresso acuado pela Lava Jato e interessado em extrair vantagens de um presidente fraco. Melhor para a oposição que imagina crescer batendo nele.

Melhor para os reais donos do poder satisfeitos com a sua agenda de reformas. Melhor até para a maioria dos brasileiros que o rejeita. Trocá-lo por quem? E a 15 meses de uma nova eleição?

As ruas não roncaram contra Temer porque não são tão bobas. Em junho de 2013, o ronco repentino e espontâneo surpreendeu governantes e partidos de todas as cores. Foi só um susto, contido pela ação violenta da polícia e dos black blocs.

Movimentos como aquele, sem líderes para conduzi-lo, sem pauta definida, esgotam-se como simples ventanias. Por vezes funcionam como aviso. Foi o caso.

A partir de 2015, as ruas roncaram forte contra Dilma pelas razões conhecidas – estelionato eleitoral, governo desastroso, recessão econômica com o desemprego de mais de 15 milhões de pessoas e a corrupção revelada pela Lava Jato.

O gatilho do impeachment foram os gastos não autorizados pelo Congresso e a maquiagem das contas públicas, uma clara violação da lei. De fato, Dilma caiu pelo conjunto da sua obra.

Temer foi acusado de corrupção. Seria o verdadeiro destinatário da mala com R$ 500 mil entregues pelo Grupo JBS ao então deputado Rocha Loures.

De fato, ele foi salvo por falta de alternativa e pelo conjunto da sua obra – a lenta recuperação da economia, a inflação quase negativa, a redução da taxa de juros, a compra de votos de deputados e a promessa de reformas que se forem feitas já virão tarde e pela metade.

Raros os deputados – Miro Teixeira (REDE-RJ) foi um deles – que discutiram a fundo e votaram com seriedade o pedido de licença para que a Justiça examinasse a denúncia de corrupção contra Temer.

Não será diferente se ele for de novo denunciado. É improvável que Rodrigo Janot tenha guardada alguma flecha de prata. Mas de prata ou de chumbo, se disparada ela paralisará o Congresso outra vez.

Neste país, corrupção não derruba presidente. Getúlio Vargas matou-se ao concluir que perdera apoio político para governar. Jânio Quadros renunciou para voltar depois como ditador. João Goulart foi deposto por um golpe militar.

A morte impediu a posse de Tancredo Neves. Fernando Collor governou de costas para os partidos. Se não fosse por isso teria completado o mandato. Dilma, também. Temer foi mais sabido.

A oposição ao governo havia anunciado que negaria quórum à sessão da Câmara. Só entraria no plenário se o governo tivesse conseguido reunir ali 342 deputados, o mínimo exigido para dar início à votação. Não foi assim.

Entrou o líder do PT a pretexto de participar da discussão da denúncia. Em seguida, mais três deputados do PT. A porteira havia sido aberta. O governo celebrou. Só contava com 263 deputados para votar.

Lula e Temer têm mais coisas em comum do que parece. Juntos comandam a Operação Delenda Lava Jato, um rol de iniciativas que visam a frear os avanços no combate à corrupção e, se possível, revertê-los.

Contam para isso com a ajuda de ilustres portadores de becas e de representantes das elites corruptoras e corrompidas. O Brasil velho de guerra estrebucha e resiste a ser passado a limpo. Continua de pé apesar das avarias.

A crise política ficou do mesmo tamanho. Poderá crescer com o que ainda está por vir.

 

 

 

 

 


Luiz Carlos Azedo: O mundo de Neymar  

As democracias do Ocidente precisam reduzir a pressão sobre os orçamentos, reduzir suas dívidas e os impostos, investir em infraestrutura, combater a corrupção e renovar a política.

O Paris Saint-Germain contratou o atacante Neymar Júnior no maior negócio da história do futebol. A rescisão com o Barcelona custou € 222 milhões (R$ 812 milhões). O dono do clube é Nasser Ghanim Al-Khelaifi, de 43 anos, cuja ambição é ganhar a Liga dos Campeões. O dinheiro vem do fundo de investimentos Catar Sports, controlado pelo emir do Catar, Tamim ben Hamad Al Thani, ex-dirigente da Autoridade de Investimento do Catar, o fundo soberano do país. Antes de investir no clube parisiense, Al-Khelaifi era presidente do grupo de mídia “beIN”, canal esportivo que arrebatou os direitos de transmissão de grandes torneios. Chegou ao comando do PSG em 2011, após a compra do clube francês.

O Catar é um emirato absolutista, comandado pelos Thani desde o século XIX. Foi um protetorado britânico até conquistar a independência, em 1971. Desde então, tornou-se um dos estados mais ricos da região, devido às receitas do petróleo e gá. Tem uma população de 1,9 milhão de habitantes, dos quais apenas 250 mil são árabes. Os demais são trabalhadores estrangeiros: indianos, nepaleses, paquistaneses e filipinos, principalmente. Chanceler supremo, o emir possui o poder exclusivo de nomear e destituir o primeiro-ministro e o Conselho de Ministros, que é a autoridade executiva suprema no país. Doha, a capital do Catar, sede da rede de televisão Al Jazeera, é um paradigma da moderna arquitetura urbana do Oriente e um dos principais centros financeiros do mundo. O pequeno e rico Catar quer ser um polo da economia do conhecimento no mundo.

Recentemente, a Arábia Saudita, Egito, Barein, Emirados Árabes Unidos, Líbia, Iêmen e Maldivas cortaram os laços diplomáticos com o Catar. A justificativa dos países é que o emirato daria suposto apoio ao terrorismo, devido às relações do emir com a Irmandade Muçulmana e o Hamas, considerados uma ameaça às demais monarquias do Golfo Pérsico. O emir do Catar usa a mesma estratégia do rei Addulla II, da Jordânia, que mantém boas relações com o Hamas para os palestinos não desestabilizarem seu próprio regime. A compra do Paris Saaint-Germain e sua transformação na maior potência esportiva da Europa é uma grande jogada de marketing. Curiosamente, a camisa do clube é patrocinada pela Emirates Airlines, que chegou a cancelar seus voos na crise, e não pela Catar Airways, uma das companhias aéreas que mais cresce no mundo.

Corrida mundial
O Catar é um dos paradigmas de gestão para a nova escola de formação de dirigentes partidários, administradores públicos e executivos de empresas estatais da China. Outro paradigma é Cingapura, a cidade-estado da península da Malásia, com 5 milhões de habitantes, que tem um governo forte, experiente e altamente qualificado, apoiado por um serviço especializado civil e um sistema de educação com ênfase na realização e na meritocracia. O parlamento é controlado pelo Partido da Ação Popular, que governa o país com mão de ferro desde a independência. Catar e Cingapura participam da corrida mundial para reinventar o Estado, da qual a China pretende fazer parte, em meio à disputa com os Estados Unidos pelo controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. Levam a vantagem de não terem que lidar com a crise da democracia representativa e o colapso do Estado de bem-estar social do Ocidente.

Não é o caso da França, de Emmanuel Mácron. O presidente francês rompeu a bipolaridade da política francesa do pós-guerra, derrotando a esquerda e a direita, com um discurso no qual propõe a reforma democrática do Estado e a reinvenção da economia francesa. “Parabéns, soube que trouxe boas notícias”, disse o presidente francês a Al-Khelaifi, o presidente do PSG, referindo-se à chegada do craque brasileiro. O ministro francês das Contas Públicas, Gérald Darmanin, celebrou a fortuna do jogador, por causa dos impostos que vai pagar na França: “É melhor que pague aqui em vez de pagar em outro lugar”, afirmou.

Neymar deixou o Barcelona num momento em que cresce a campanha pela independência da Catalunha, de forte tradição republicana. Há um plebiscito convocado pelo parlamento local para 1º de outubro, mas que não é reconhecido pelo governo da Espanha, que atravessa um dos seus piores momentos. As democracias do Ocidente precisam reduzir a pressão sobre os orçamentos governamentais, reduzir suas dívidas e os impostos, investir em infraestrutura, combater a corrupção e, principalmente, renovar a política. Como no Brasil de Neymar.


Alon Feuerwerker: Três anos depois, a elite política blinda-se sob a indiferença geral

O termo “histórico” anda banalizado, mas a vitória de Michel Temer na Câmara dos Deputados na quarta-feira foi histórica, sem aspas. Após três anos de Lava-Jato, o mundo da política conseguiu quebrar a lógica do último quarto de século, lógica que prevalecia desde o impeachment do presidente Fernando Collor.

Até 2 de agosto de 2017 a coisa funcionava assim: 1) dificuldades econômicas enfraqueciam um governo sem ampla base parlamentar, 2) apareciam acusações de corrupção, 3) a imprensa entrava em modo de militância, 4) a classe média ia para a rua, 4) produzia-se unanimidade de opinião pública, 5) o Congresso acompanhava e 6) o governo caía.

Por que não funcionou agora? 1) A Lava-Jato quer dizimar todas as facções, 2) isso induz solidariedade do universo político ao governo, 3) este encampa uma agenda popular para a elite, apesar de impopular nas massas, agenda que enfrentaria resistência numa eleição, 4) questões concorrenciais impedem a unanimidade na imprensa, 5) a inflação mergulhou.

Quem elege governos é o assim chamado povo, mas quem derruba governos são aparelhos estruturados, em geral controlados pela elite. O governante que impede o alinhamento desses aparelhos dificilmente cai, ainda mais quando consegue, pelo menos, a indiferença popular. E, no Brasil, se um governo controla a inflação tem meio caminho andado no último quesito.

As pesquisas mostram ampla rejeição ao presidente da República, mas uma coisa é achar que ele deve sair e outra coisa é decidir engajar-se num movimento pela sua deposição. “Movimento espontâneo” é história da carochinha. Para haver mobilização de massa é preciso ter quem a mobilize e ela estar propensa a mobilizar-se. Sem isso, nada feito.

Mas, e agora? Está tudo resolvido? Não. A guerra não acabou. O desfecho dela está dado, mas ela não acabou. Isso significa que haverá mais vítimas no universo político. E, principalmente, no empresarial. Se é verdade que o alto mundo da política está razoavelmente blindado, é fato também que a Lava-Jato mantém momentum e muita liberdade de ação.

A Lava-Jato reuniu um conjunto de informações que lhe dá combustível para voar por muito tempo. Então, a guerra entrará numa nova etapa, algo parecida com a crise de 2005/06: os fatos continuarão em fluxo contínuo, mas o efeito político imediato será relativo. Políticos morrerão? Sim. Mas a cadeia de comando do exército da política estará preservada.

A correlação de forças inocula estabilidade no poder. Quem pode derrubar o governo? A Lava-Jato. Que setor ponderável da política ou do empresariado está disposto a fortalecer a Lava-Jato ao ponto de ela reunir musculatura para derrubar o governo? Hoje, nenhum. De novo, só o imponderável pode mudar isso. Mas ele já andou aparecendo e não resolveu.

E as reformas?

A política pagará a dívida de sangue com a elite econômica e aprovará alguma reforma da previdência social, como der. Se não por emenda à Constituição, por outro meio. O governo tem hoje uma base firme em torno de 260 deputados e 50 senadores. Tentará ampliar isso, e colocará para votar o que for possível, de acordo com a força medida.

E a economia?

Tudo indica que a economia chegará a 2018 em situação medíocre. A submissão do Executivo ao Parlamento impedirá uma linha real de austeridade e a recessão de facto levará a sucessivas frustrações de receita. As providências ficarão em boa parte para o próximo governo, o que fará das medidas econômicas o eixo da campanha presidencial.

E a eleição?

Na esquerda, o nome será Lula ou um candidato de Lula, o que no final tende a convergir. Na direita, a vantagem hoje parece estar num eventual nome apoiado por Temer e pela ala temerista do PSDB, com a adesão do Democratas. No final, a disputa será esquerda x direita. A primeira sofrerá com o isolamento. A segunda, com o ônus da mediocridade econômica.

 


Demétrio Magnoli: Frustração das ruas com sistema político é salvo-conduto para Temer

‘Fica, Temer’ significa, igualmente, ’Fica Maia’ – e um tratado de cooperação contra as investigações

No horizonte do óbvio, Temer fica pois persuadiu 263 deputados a sustentá-lo, às custas do Orçamento, de cargos e de concessões políticas vergonhosas. Dilma, porém, foi defenestrada, mesmo depois de ofertar tudo isso no altar sacrificial da Câmara. As raízes da diferença entre um caso e outro estão fincadas num horizonte mais profundo: a miséria da nossa política. Temer fica pelos seguintes motivos:

1. Janot desviou a Lava Jato para o labirinto da politicagem. A denúncia contra Temer não nasceu de uma investigação exaustiva, como a conduzida no âmbito do cartel das empreiteiras, mas de uma arapuca vulgar montada em aliança com Joesley Batista. A imunidade absoluta concedida ao corruptor-geral da República provocou asco nacional, manchou a reputação pública da Lava Jato e ofereceu um álibi político eficiente ao ocupante do Planalto. Temer deve uma caixa de charutos a Janot.

2. A economia rompeu a crosta gelada da depressão. Temer preservará o imposto sindical, pervertendo a reforma trabalhista, e substituirá a reforma previdenciária por um emplastro improvisado. Mas, ao menos, a equipe econômica representa um seguro contra calamidades. O empresariado admite quase tudo, mas não um retorno aos folguedos infantis do dilmismo. E, claro, adora uma Presidência exaurida, pronta a curvar-se à exigência de mais um refinanciamento de dívidas em benefício dos amigos dos amigos. Temer deve um vinho de origem controlada a Meirelles.

3. Nossa elite política tem pavor da Lava Jato. Temer, no Planalto, e Rodrigo Maia, na Câmara, são fusíveis que protegem os parlamentares do incêndio. A substituição do primeiro pelo segundo implicaria a remoção do duplo fio de chumbo. O "Fica, Temer" significa, igualmente, um "Fica, Rodrigo" –e um tratado de cooperação diante das investigações policiais e judiciais. A manobra de salvação do presidente assinala o início de uma contraofensiva do Planalto e do Congresso. Temer deve bombons baratos a todos os políticos situados na alça de mira da polícia.

4. Aécio Neves alinhou uma corrente do PSDB à Santa Aliança anti-Lava Jato. Para proteger-se, o cacique tucano cindiu seu partido e atracou seu próprio futuro político ao cais do Planalto. A Lava Jato encontra-se, agora, em situação similar à da Operação Mãos Limpas, na Itália, durante os governos de centro-esquerda de Romano Prodi e Massimo D'Alema, cuja base parlamentar se uniu a Silvio Berlusconi para sabotá-la. Temer deve meia dúzia de pães de queijo a Aécio, outro amigo do peito da JBS.

5. "Fica, Temer" é o desejo oculto de Lula. A bandeira farsesca do "Fora, Temer" destina-se, exclusivamente, a consumo eleitoral. O PT e seus aliados garantiram quorum à sessão de salvação do presidente. Preservando Temer, o condottieri petista assegura para si mesmo o cenário mais favorável na disputa de 2018.

Mas, sobretudo, por essa via, o PT encontra um lugar na trincheira compartilhada pelos políticos que resistem à tempestade da Operação Lava Jato. Temer deve a Lula uma cachaça envelhecida, de alambique artesanal.

6. Nossa elite política separou-se, em conjunto, do interesse público. A crise que produziu o impeachment prossegue no governo Temer. Sob o signo da Lava Jato, vivemos o ocaso da Nova República. Contudo, nenhuma articulação partidária significativa destacou-se da paisagem cinzenta para oferecer ao país uma alternativa de reformas institucionais e políticas.

No lugar disso, em meio às ruínas, assiste-se aos espetáculos deprimentes da decomposição do PSDB, do neoqueremismo lulista e das apostas especulativas de Marina Silva, Ciro Gomes, Jair Bolsonaro, os "salvadores da pátria" de plantão.

A frustração das ruas com a falência geral do sistema político funciona como salvo-conduto do ocupante do Planalto. Temer deve tudo ao medo da mudança. Ele honrará sua dívida, às nossas custas.

* Demétrio Magnoli é sociólogo

 


Cristovam Buarque: A ocupação necessária

O Rio e o Brasil estão comemorando mais uma vez a entrada de nossos soldados na luta contra a violência que tomou conta desta bela cidade. Diante da guerra civil em andamento, não há como ficar contra a decisão do governo federal, mas é preciso estar alerta aos seus riscos e limitações.

Com as Forças Armadas (FFAA) nas ruas, a população carioca pode ter um fôlego de paz, mas sob o risco de envolver nossos soldados em mortes: a deles e a de bandidos nas ruas. As consequências destas mortes poderão ser muito graves para o necessário casamento entre os brasileiros e suas FFAA.

Ao escolhermos o caminho do enfrentamento entre nossos soldados e a guerrilha do crime, adotamos o risco de soldados matarem brasileiros, inclusive com prováveis efeitos colaterais: eufemismo para dizer vítimas inocentes de balas perdidas atiradas por armas de um lado ou de outro. Somente neste ano de 2017, 92 policiais militares e mais de 500 civis, inclusive crianças, foram mortos na guerra entre bandidos e policiais. São estatísticas assustadoras: ainda mais grave se envolver nossos soldados.

Igualmente grave são os limites desta opção. O Exército não pode ficar para sempre nas ruas do Rio, nem de outras cidades. No dia seguinte à saída dos militares, mesmo não sendo vista como derrota, os bandidos voltarão com espírito de vencedores. Sem falar no risco de sucesso da guerrilha do crime, se não diretamente no enfrentamento com nossos soldados, indiretamente pela disseminação da bandidagem em outras cidades.

A solução provisória será um agravante. Ainda que tenham sucesso momentâneo, os soldados não construirão a paz permanente, que só viria se o governo federal ocupasse o Rio com professores bem preparados, dedicados, bem remunerados, em escolas bonitas e bem equipadas, todas com horário integral.

Há anos, muitos dizem que se o Brasil não ocupar suas cidades com professores, teria de ocupá-las com soldados. Darcy Ribeiro dizia que, se não fizermos escolas, teremos que fazer cadeias. Ou ocupamos com professores ou não adianta ocupá-las com soldados.

Mas continuamos preferindo os soldados aos professores, a segurança provisória à paz permanente. Comemoramos a federalização da segurança, mas nos recusamos a federalizar a educação. Se todas as crianças do Rio tivessem escolas equivalentes aos Colégios Federais, Pedro II ou Militares, em uma geração teríamos um ambiente de paz, evitando a necessidade da precária e arriscada opção militar.

Talvez isto nunca vá acontecer, por causa da miopia em relação ao futuro que nos faz preferir soldados nas ruas, muros nos condomínios, carros blindados, a uma paz duradoura que vem da educação. Em grande parte, porque temos três ideias arraigadas: a educação não resolve o problema; não podemos esperar por ela; e, sobretudo, a ideia de que no Brasil não há como oferecer escola com a mesma qualidade para os filhos de ricos e filhos de pobres. Esta mentalidade é a principal origem da violência que agora tentamos barrar com soldados.

 

 


Roberto Freire: Para avançar nas reformas

Em mais um capítulo da tumultuada quadra política que o país enfrenta, os brasileiros acompanharam a votação na Câmara dos Deputados que sacramentou o arquivamento do pedido de licença para que o Supremo Tribunal Federal (STF) analisasse se havia ou não elementos suficientes que ensejassem a abertura do processo com base na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer. Ao contrário do que apregoavam alguns analistas mais precipitados, o governo de transição demonstrou que ainda tem uma sólida base parlamentar de apoio no Congresso Nacional e, por isso, obteve uma vitória por ampla margem.

A bancada do PPS decidiu votar pela autorização da licença, seguindo um princípio histórico adotado pelo partido no sentido de que todas as denúncias de eventuais irregularidades devem ser rigorosamente apuradas, com total transparência. Mesmo assim, devemos reconhecer que, juridicamente, a peça apresentada pela PGR tinha fragilidades e uma série de inconsistências que certamente influíram no resultado final da votação. Além disso, parece consensual que houve certo açodamento do Ministério Púbico Federal ao apresentá-la sem ter reunido um cabedal probatório mais substancioso.

Com o resultado, a Câmara indica que o atual mandato será cumprido com Temer na Presidência da República. Se, em algum momento, havia a possibilidade de um outro presidente liderar a transição, hoje essa alternativa está, evidentemente, excluída. Diante de uma vitória tão acachapante, cabe ao governo a grandeza – e ela já transparece nas palavras do próprio presidente Temer – de buscar a reaglutinação da base de apoio na luta pelo impeachment em sua integralidade, sem excluir os deputados que, divergindo da posição do governo, votaram pelo pedido de licença já arquivado pela Câmara. A partir daí, na continuidade da transição, devem ser esses parlamentares os responsáveis pela retomada da votação das reformas.

O apoio à transição e às reformas tem de ser a palavra de ordem para chegarmos a 2018 em melhores condições e tendo superado os problemas decorrentes do perverso legado do lulopetismo. A principal tarefa do governo será rearticular todas essas forças políticas em prol de uma agenda reformista, positiva e necessária ao Brasil. No caso do PPS, é importante ressaltar que o partido segue com uma posição de independência, mas plenamente integrado na transição e na luta pela votação das reformas e pela recuperação econômica do país.

Apesar de algumas pesquisas de opinião apontarem uma grande rejeição ao presidente, a sociedade desta vez não se manifestou de forma significativa nem foi às ruas – ao contrário do que se viu no impeachment de Dilma Rousseff, que registrou as maiores mobilizações da história democrática do país. Trata-se, evidentemente, de uma clara demonstração de que a parcela amplamente majoritária dos brasileiros repudia a atual oposição, capitaneada pelo PT e também formada por alguns de seus satélites, como o PCdoB e o PSOL. O povo, definitivamente, não encampou a bandeira do “Fora, Temer” empunhada por aqueles que, abusando da desfaçatez, se dizem contra a corrupção, mas apoiaram Lula e Dilma; ou falam supostamente em favor da democracia e defendem a ditadura venezuelana chefiada por Nicolás Maduro.

A população brasileira demonstrou, afinal, que não se esquece do descalabro dos últimos 13 anos: corrupção desenfreada e escândalos em série como o mensalão e o petrolão, a destruição quase completa da Petrobras, a maior recessão econômica da história do Brasil, com mais de 14 milhões de desempregados, entre outras mazelas. Diferentemente do que pregam os áulicos do lulopetismo, que constroem uma narrativa falaciosa, enviesada e desconectada da realidade, os brasileiros não desejam a volta de Lula e do PT ao poder. As eleições municipais de 2016 já haviam sinalizado de forma categórica que o país quer olhar para frente, seguir adiante com um novo governo e avançar em uma agenda virtuosa que nos traga desenvolvimento e crescimento econômico.

O cumprimento dessa pauta benfazeja é o norte a orientar os parlamentares e partidos que têm a exata dimensão da importância de não desperdiçarmos a chance de tirar o país da crise. Já o reconduzimos de volta aos trilhos depois do desmantelo lulopetista. Agora é preciso acelerar e consolidar a retomada da economia.

 


Alberto Aggio: Venezuela rumo ao totalitarismo

Há três anos eu começava a publicar artigos de opinião no jornal O Estado de São Paulo. O primeiro artigo tinha como título "O impasse venezuelano". A situação era complicada mas havia uma expectativa de que o chavismo garantiria os mínimos espaços de democracia, com alternância de poder. Há um ano, o chavismo perdeu as eleições para a Assembléia Nacional. Apoiada em massivas manifestações, a oposição esperava que aquele seria o primeiro e um importante passo para alcançar o poder democraticamente.

Passado esse tempo, o chavismo, liderado agora por Nicolas Maduro, consuma um golpe com a eleição fraudulenta da Assembléia Constituinte, faz a sua instalação e anuncia mais do que um regime autoritário. Pelas informações que se tem, a questão da "dualidade de poderes" já foi resolvida em favor do chavismo. Não há mais nenhum impasse na Venezuela.

A conquista de um "poder constituinte" acaba com a Assembleia Nacional, reafirma a escalada contra qualquer questionamento no poder Judiciário (muitos juízes já estão buscando asilo no Panamá, Chile e EUA) e instaura um conjunto de medidas de cunho abertamente totalitário: cancelamento de passaportes, regularização de documentação apenas para os favoráveis à Revolução Bolivariana, imposição de medidas extraordinárias a todos os bens particulares de todos os venezuelanos, haverá nova moeda nacional (o Sucre) e será presa a pessoa que estiver com moeda estrangeira; além disso, estarão suspensas a internet e as pessoas terão que registrar seus aparelhos eletrônicos nas instituições competente do Estado, e assim por diante.

Está claro o resultado: a democracia foi cancelada na Venezuela; sequer há o que podemos chamar de autoritarismo, que via de regra regula fortemente os espaços públicos; com o chavismo nessa nova fase, instaura-se o totalitarismo, já que o controle revolucionário vai atingir violentamente a vida privada das pessoas; não haverá mais nem autonomia e muito menos liberdade para os indivíduos diante do Estado Chavista que sairá dessa Assembléia Constituinte.

Em tempos de globalização, pode-se divisar que a Venezuela terá um regime mais radical do que foi o cubano; terá algo parecido com a Revolução Cultural chinesa, nos idos dos 60, ou algo como a Coreia do Norte. É ai que chegamos. Esperamos que os democratas latino-americanos possam compreender essa situação e mobilizar esforços, com realismo e consenso, para enfrentar o totalitarismo chavista que, sem dúvida, romperá com qualquer perspectiva de unidade ou colaboração do conjunto da América Latina.

 


Seminário “O Centenário da Revolução Russa”, de 14 a 18 de agosto, em Recife

O seminário é promovido pelo Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia (NEEPD) e pelo Departamento de História da UFPE

O seminário “O Centenário da Revolução Russa” será realizado, de 14 a 18 de agosto, das 14h às 18h, no Auditório Professor Paulo Rosas, na sede da Adufepe, no Campus Recife da UFPE. Haverá mesas-redondas, lançamento de livros e exposições. As inscrições gratuitas podem ser feitas, até o dia 13 de agosto, via internet.

O evento é destinado ao público em geral, com entrega de certificado de participação. O seminário é promovido pelo Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia (NEEPD) e pelo Departamento de História, ambos da UFPE.

Programação

14/08
Mesa 1: Os Impactos da Revolução Russa na América Latina e no Brasil
Análise do processo da Revolução Russa seguido de observações sobre os impactos e a recepção de suas influências nas realidades latino-americana e brasileira nas primeiras décadas do século 20.
Participantes: José Spinelli Lindoso (Ciências Sociais/UFRN), Jefferson Lopes (História/UFCG) e Michel Zaidan Filho (História/UFPE)

15/08
Mesa 2: Artes, Cinema e Revolução Russa
Inovações e desenvolvimento da Revolução Russa no campo da estética, das artes e também do cinema, do período pré-revolucionário à consolidação do stalinismo.
Participantes: Cid Vasconcelos (Comunicação Social/UFPE) e Jordi Carmona Hurtado (Filosofia/UFCG)

16/08
Mesa 3: Revolução Russa, Revolução Permanente e os Anarquistas
A Revolução Russa, a teoria da revolução permanente e o papel e a crítica dos anarquistas ao seu desenvolvimento contraditório.
Participantes: Ariston Flávio Miranda (Direito/UFPE), Carlos Gouveia de Omena (Administração/FAMA) e Felipe Gallindo (História/UFPE)

17/08
Mesa 4: As Repercussões da Revolução Russa na Vida e Obra de Lenin, Gramsci e Trotski
Análise histórica e teórica dos impactos recíprocos entre a eclosão e o desenvolvimento da Revolução Russa e o evolver das obras de importantes intelectuais críticos marxistas.
Participantes: Luciana Aliaga (Ciências Sociais/UFPB), Mauricio Gonçalves (Sociologia/UFPE) e Tiago Bernardon (História/UFPB)

18/08
Mesa 5: As Repercussões da Revolução Russa na Vida e Obra de Rosa, Benjamin e Mészáros
Análise histórica e teórica dos impactos recíprocos entre a eclosão e o desenvolvimento da Revolução Russa e o evolver das obras de importantes intelectuais críticos marxistas.
Participantes: Cristina Paniago (Serviço Social/Ufal), Luciano Mendonça (História/UFCG) e Marcos André de Barros (Sociologia/UFRPE)

Mais informações
Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia (NEEPD)
(081) 2126-7351 e neepdufpe@gmail.com