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Seminário Internacional: “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”

André Amado

Nas crises, uma das primeiras vítimas é a capacidade de encarar o futuro com esperança e otimismo. Em parte, porque não entendemos o que está acontecendo a nosso redor. Presenciamos perplexos a fragilização de conceitos tradicionais de classe, partido e religião no âmbito da chamada prosperidade econômica que, a reboque da globalização e do avanço tecnológico, aumentou não só as diferenças entre ricos e pobres, mas também o número de desempregados, além de provocar deslocamento de populações, flageladas pela nova ordem econômica.

Não surpreende – mas preocupa – a recrudescência de rancores, ódios, intolerância e xenofobia, sentimentos que envenenam as relações entre pessoas, povos e países. Assustam, também, as propostas de solução que se embriagam de simplificações, como se a sobrevivência de uns pudesse compensar as provações dos outros. É a hora dos extremismos, do fundamentalismo, visões caolhas do mundo que conspiram contra um dos pilares da civilização moderna, a democracia.

É em momentos como este que se escrevem as grandes páginas da história. Seja pelas mãos de lideranças políticas, seja pelo vigor de movimentos sociais, seja pelo conluio de ambos atores, de todo comprometidos com a construção do futuro, a tarefa a cumprir implica combater os impulsos alimentados pelos sectarismos e, ao mesmo tempo, favorecer o primado da razão, do poder iluminante das ideias, da reflexão livre de verdades prontas e capaz de desmontar preconceitos e inibir exclusões, na busca de caminhos alternativos e consensuais de saída da crise.

Ninguém questiona a extensão e a complexidade da crise que vem assolando o Brasil nos últimos tempos. Resolvê-la só pelo viés do jogo político ou pelo arsenal de respostas dos economistas poderá ser tão efetivo quanto evitar as guerras com propostas militares de paz.

O Deputado Roberto Freire (PPS-SP) propôs e o Senador José Anibal (PSBD-SP) aceitou a convocação de um seminário em que se discutissem os desafios políticos que tanta desestabilização tem provocado nesse começo do terceiro milênio.

O patrocínio da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e do Instituto Teotônio Vilela (ITV), centros de estudo e formação política ligados ao Partido Popular Socialista (PPS) e ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), respectivamente, de forma alguma antecipa tratamento político-partidário dos temas. Apenas identifica os promotores originais da iniciativa que, para legitimar-se – estabeleceu-se desde o início – teria de congregar personalidades do universo político, acadêmico e jornalístico do Brasil e do mundo e buscar lançar alguma luz sobre os temas de interesse comum da sociedade.

A lista dos participantes e a definição das mesas de trabalho, que reproduzo a seguir, revelam a importância atribuída pelos organizadores ao atendimento dos objetivos do evento.

As mesas serão:

- A crise de representação política e o futuro da democracia;

- A globalização e a mudança da estrutura das sociedades;

- A revolução tecnológica e o mundo do trabalho; e

- Mãos Limpas e Lava Jato, relações de força e limites.

Para discutir esses temas, que decerto eriçam as preocupações de uma grande maioria, convidaram-se, do exterior, Adrian Wooldridge (co-autor de A Quarta Revolução), Alessandro Ferrara (filósofo, Roma2, Tor Vergata), Gianni Barbacetto (co-autor de Operação Mãos Limpas), Mario Albuquerque (sociólogo e consultor, Chile), Mauro Magatti (sociólogo, UC de Milão, Itália) e Stefan Foster (co-autor de Riqueza Pública das Nações).

Os participantes brasileiros serão Caetano Araújo (sociólogo, Senado Federal), Carlos H. Britto Cruz (físico, UNICAMP e FAPESP), Cristovam Buarque, Demétrio Magnoli (sociólogo, membro do GACINT-USP), Dora Kaufman (socióloga e pesquisadora, ATOPOS USP e TIDD PUC/SP), Fernando Henrique Cardoso, José Álvaro Moisés (Professor Titular do Departamento de Ciência Política da USP), José Anibal Marcelo Moscogliati (Subprocurador-Geral da República), Marco Aurelio Nogueira (cientista político, UNESP), Marcus Melo (cientista político, UFPE), Oscar Vilhena (Diretor da Faculdade de Direito, FGV), Roberto Freire, Rodrigo Chemim (Procurador criminal, Paraná) e Sergio Fausto (sociólogo, Fundação Fernando Henrique Cardoso),

 

André Amado é secretário Executivo do Seminário Internacional “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”.


Michel Zaidan Filho: Reflexões sobre a revolução russa no ano do seu centenário

Este artigo pretende discutir algumas questões relacionadas à experiência da maior revolução socialista da história da humanidade, a Revolução Russa, que completa neste ano 100 anos. Como se trata de um movimento revolucionário que inspirou, pela teoria e pela prática, milhões de ativistas e militantes sociais no mundo, escolhemos alguns pontos desse grande acontecimento histórico para analisar, em perspectiva das lições e aprendizados para a luta social do século XXI. Primeiro, a questão ocidente versus oriente. Segundo, a relação nacionalismo, luta anti-imperialista e revolução. Terceiro, o lugar da democracia liberal, no processo revolucionário. Quarto, a dialética entre o nacional e o internacional Quinto, a questão camponesa. Sexto, a relação entre democracia e socialismo. Sétimo, a questão da universalização do “modelo” da Revolução russa.

I
O primeiro ponto a se considerar sobre a Revolução Russa, numa retrospectiva de 100 anos, é se ela foi a última revolução europeia contra o capitalismo, do século XIX, ou se ela pode ser caracterizada como a primeira na periferia do mundo capitalista?

É de se lembrar de que a Revolução Francesa iniciou um ciclo revolucionário, na Europa (e no resto do mundo), que se fecha com a derrota da Comuna de Paris (1781). Até a Comuna, é possível vislumbrar um conjunto de influências revolucionárias tais como: o anarquismo, o blanquismo, o socialismo pré—marxista etc. Ou seja, onde é patente a presença de ideias europeias e de militantes sociais europeus naquele movimento, sendo a influência das ideias de Marx muito pequena ou quase nula. (Vejam-se, a propósito, as críticas de Marx aos “comunards” franceses, nos manuscritos guardados no Museu de História Social de Amsterdam, e as de Lenin, no ensaio “As duas táticas da socialdemocracia russa” à Comuna de Paris). Já a Revolução Russa trai a participação decisiva dos bolcheviques e a orientação marxista na condução do movimento revolucionário, sem desprezar o papel de anarquistas, dos camponeses, soldados e marinheiros. Sobre isso, há um longo debate entre revolucionários russos (não marxistas) e o próprio Marx sobre os caminhos disponíveis para a Revolução na Rússia, incluindo as possibilidades de uma passagem da antiga economia agrário-camponesa russa diretamente para o socialismo, muito ao contrário da ortodoxia engelesiana da necessidade de uma “revolução democrático-burguesa”. (Vejam-se as cartas de Marx a Vera Zazulitch, em comparação aos fragmentos publicados por Eric Hobsbawn, em “Formações econômicas pré-capitalistas”). Se for possível tomar a formulação leninista sobre o Imperialismo, e adotar a tese de que a Revolução se daria no “elo mais fraco” da cadeia imperialista, então temos de admitir que a Revolução Russa fosse a última grande revolução socialista europeia, já no século XX. É assim que se pode interpretar a análise de Gramsci sobre “a guerra de movimento”, em referência à revolução. E seu prognóstico de que as futuras revoluções no Ocidente seriam “guerras de posição”. (Veja-se Nota sobre Maquiavel, a Política e o Estado Moderno).

Independentemente da controvérsia sobre a ortodoxia revolucionária dos bolcheviques e a natureza de sua revolução, é indiscutível que Lenin se louvará nas obras de Marx para defender a Revolução Russa. Como se sabe, nenhuma revolução se faz de acordo com um manual; ocorre sempre dentro de circunstâncias bem determinadas. E a despeito do estatuto teórico duvidoso de muitas das posições leninistas, podemos aceitar o caráter socialista da revolução, num contexto de guerra e cerco das potencias imperialistas à Revolução de Outubro.

Nesse sentido, a Revolução Russa pode ser considerada a primeira Revolução Socialista (vitoriosa) da história contemporânea. E que teve um formidável efeito multiplicador das ideias revolucionárias no mundo inteiro: na Europa e fora dela.

II
Outro ponto importante tem a ver com a discussão sobre nacionalismo (ou luta anti-imperialista), democracia liberal e socialismo. Os que apontam na direção do “comunismo de guerra” dos primeiros anos, se dispõem a admitir que originalmente trata-se de uma revolução anti-imperialista, onde uma espécie de acumulação primitiva faz muitas concessões à propriedade agrária dos camponeses. Sendo, portanto, impossível caracterizar esse momento da luta revolucionária como uma construção socialista. É a etapa da chamada “Nova Política Econômica”, em que de fato abre-se um espaço para propriedade camponesa, a fim de que os camponeses apoiem a revolução, num momento crucial de sua existência. A defesa da Revolução é mais importante do que a socialização das terras, num contexto de uma pequena classe operária industrial e do oceano agrário que era a Rússia nesse então. Buscar uma base doutrinária em Marx, Engels, Kautsky ou Chayanov para justificar essas medidas é inútil e desnecessário. As medidas de Lenin se devem ao calor da hora e a urgência de garantir o apoio campesino á Revolução.

Poder-se-ia objetar que tais concessões levariam a um reforço à mentalidade de proprietário do pequeno camponês. E que num momento seguinte, seria necessária a expropriação da pequena propriedade. Mas a questão foi adiada e coube a Stalin resolvê-la, pela força, desorganizando até hoje a agricultura russa.

III
Mais complicado é, sem dúvida, a questão da democracia liberal. Num momento em que a Assembleia Constituinte estava funcionando e mantinha a pluralidade partidária, tanto quanto os Conselhos de Operários e Soldados, os bolcheviques decidiram fechar a ele órgão de representação política e os Conselhos, sob a alegação de conspiração ou oposição contrarrevolucionária à nova ordem instituída. O que teria levado Rosa Luxemburgo a dizer que a democracia e a liberdade de expressão só se colocam para quem diverge de nós, não para quem pensa igual à gente. Na verdade, a questão da democracia no âmbito da cultura marxista-leninista sempre foi encarada como um expediente tático. Nunca como estratégia revolucionária. Seria necessário aguardar o pensamento de Antônio Gramsci e seus intérpretes, para que fosse possível repensar “a hegemonia como contrato”, ou “rousseunizar” Gramsci, como diz o ensaísta brasileiro Carlos Nelson Coutinho. (“Marxismo e Teoria Política”). O núcleo duro da teoria política marxista vê o Estado como um instrumento político à serviço da classe dominante. Dessa forma, a democracia só pode ser vista como um expediente tático, para acumulação de forças, em direção à revolução socialista. Daí o caráter das alianças políticas da classe operária e seu partido.

IV
Outra questão relevante é a dialética entre o nacional e o internacional, que depois estaria no centro do movimento comunista internacional, envolvendo Stalin e Trotsky. A revolução socialista é mundial ou pode fazer, inicialmente, concessões a minorias nacionais? – Como se sabe, desde “o” Manifesto Comunista”, Marx admite que a emancipação do proletariado moderno não pode se dá, isoladamente, neste ou naquele país. Tem de ser um movimento internacional, sob pena da contrarrevolução triunfar. Como o próprio capitalismo ajuda a escrever uma história mundial, a revolução socialista tem ser, também, em escala mundial. Mas as circunstâncias históricas onde ocorreu a Revolução Russa (tanto internas, quanto externas) foram determinantes no recuo estratégico e a defesa da União Soviética, durante o “comunismo de guerra”. Antes mesmo de Stalin proclamar a doutrina do “socialismo em um só país”, o próprio Lenin já reconhecia que era preciso consolidar a revolução e para isso, seria necessário fazer certas concessões ora aos camponeses ora às nacionalidades ora a burocracia residual do velho regime. Rosa Luxemburgo foi a primeira a chamar a atenção do líder bolchevique de que tais concessões poderiam representar, no futuro, uma ameaça ou entrave para a constituição de uma verdadeira República Soviética. Mas naturalmente prevaleceu a opinião de Lenin, depois muito reforçada por Stalin no debate com Zinoviev e Trotsky. Difícil seria, como em outros casos, achar uma segura base doutrinária para essa tese, já que se tratava de um arranjo tático numa conjuntura política crucial para a sobrevivência da Revolução (a propósito, leia-se “Um passo adiante e dois para trás” e “Esquerdismo: doença infantil do comunismo”, ambos de Lenin)

Na verdade, quando se compara a possibilidade de uma revolução socialista na Europa com aquela que se deu na Ásia e depois, na América Latina e na África, é quanto se percebe o peso da questão nacional em relação ao internacionalismo proletário. A despeito, da Internacional Comunista ter sido pensada como “o estado maior da revolução mundial”, ela foi usada por Stalin em função das conveniências políticas (nacionais) da União Soviética. Veja-se, por exemplo, o que ocorreu com os comunistas na guerra civil espanhola.

V
Outro ponto muito discutido na experiência revolucionária russa (e fora da Rússia) é o do papel dos camponeses. É preciso dizer que Marx, diferentemente de Engels, Lenin ou Chayanov, nunca morreu de amores pelos camponeses e/ou a pequena propriedade rural. É conhecida a sua famosa expressão “um saco de batatas”, referindo-se ao campesinato francês, que sempre votava a favor dos Bonaparte. (Veja-se O Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte). Seu companheiro Engels, e depois Lenin, é quem manifestaram uma maior acuidade política em relação à questão camponesa, na Europa e fora dela. O primeiro escreveu o conhecido artigo: “o problema camponês na França e na Alemanha”. E o segundo, sempre teve o maior cuidado de contemplar as reivindicações do pequeno campesinato no processo revolucionário, sobretudo na fase democrático-burguesa da revolução. A tendência do desenvolvimento do capitalismo no campo era a proletarização objetiva dos camponeses e sua transformação em operários. Mas, subjetivamente, as coisas não eram assim. Muitos alimentavam a ilusão da posse da terra, mesmo em condições de profundo endividamento. Não eram ideologicamente a favor da coletivização da terra. Se na Europa, ainda havia resquícios de uma mentalidade feudal ou camponesa entre os trabalhadores do campo, imagine na Rússia! Na verdade, a decisão de coletivizar (à força) a agricultura soviética foi de Stalin, numa espécie de acumulação primitiva do “socialismo em um só pais”. E essa decisão custou muito caro: desorganizou a agricultura soviética até hoje.

Agora, como transformar isso numa teoria revolucionária, contemplando a situação particular dos camponeses, esse é o problema teórico. Máxime, para os países de desenvolvimento capitalista tardio. A não ser que os pequeno-camponeses fossem encarados como “aliados táticos”, numa certa fase da revolução. Depois, seriam descartados se não aderissem ao socialismo. Pessoalmente, considero a questão agrária ou camponesa como uma espécie de “ponto dollens” da teoria revolucionária do socialismo, sobretudo quando levado para a periferia do capitalismo.

VI
Já a questão da relação entre Democracia e Socialismo divide os marxistas há muito tempo. Marx, que não morria de amores pela “democracia burguesa”, pareceu não dá muita importância a essa questão. Apesar da tese dos marxistas contemporâneos, apoiados em Gramsci, apontarem para um processo de ampliação do Estado nas sociedades ocidentais, em razão da constituição de uma sociedade civil robusta e complexa, acho difícil encontrar no pensamento de Marx abrigo para uma estratégia democrática radical para o advento do socialismo. Existe, é verdade, o testamento de Engels falando do avanço eleitoral da socialdemocracia alemã, no final do século, e da possibilidade de uma vitória eleitoral do proletariado naquele país. Entretanto, esse testamento tornou-se mais um problema – na história das disputas internas no pensamento socialista, do que uma solução. Foi preciso esperar os debates do pós-guerra, para ver a elaboração daquilo que veio a ser conhecido como “eurocomunismo” e de uma estratégia democrática (processual) para o advento do socialismo.

Nada disso havia no período anterior à duas grandes guerras. O debate entre “guerra de movimento” e “guerra de posição” ainda não tinha se colocado com tanta força para os partidos socialistas do ocidente, como depois do refluxo da onda revolucionária. A questão parecia simples: Revolução Permanente, com a transmutação da revolução democrático-burguesa em revolução socialista, sob a liderança da classe operária, ou as revoluções por etapa, respeitando-se o ritmo, o caráter específico e a direção dos processos revolucionários. Como ficou conhecido, a primeira tese foi defendida por Trotsky, em sua famosa obra “A revolução Permanente”, apoiando-se no voluntarismo de Marx no contexto da revolução de 1848-1851 na França. A segunda, por Stalin e seus seguidores, em vários escritos de ocasião.

Concordando-se ou não com o ponto de vista de Trotsky, é necessário convir que sua tese estivesse mais próxima da de Marx do que a de Stalin ou mesmo das concessões táticas do gênio de Lenin. De toda maneira, a sorte da questão democrática no interior da dialética revolucionária russa, é semelhante à da questão camponesa. Nunca se achou um fundamento estratégico sólido ora para o etapismo ora para a revolução permanente. O que há são escritos políticos de ocasião, com exceção naturalmente do livro de Trotsky. Mas isso dividiu o movimento revolucionário entre aqueles que acham ser a revolução um processo mundial, sem etapas rumo ao socialismo, e outros que defendiam uma sequência necessária entre uma etapa democrático-burguesa e a revolução socialista propriamente dita. Infelizmente, como as outras questões, esse debate produziu consequências políticas sérias para a revolução nos países onde os Partidos Comunistas tinham que atuar, incluindo o caso do Brasil, da China, do México etc. Mas essa é outra história que não cabe ser tratada aqui.

A tese veiculada no 6º Congresso da internacional Comunista falava, por exemplo, de uma revolução democrático-burguesa anti-imperialista que devia realizar tarefas expropriatórias e políticas preparatórias para a revolução socialista. Esta tese hegemônica, inspirada na Revolução Chinesa, se chocava com as elaborações nacionais de outros PCs que acentuavam a necessidade de uma revolução democrático pequeno-burguesa, bem mais limitada do que aquela. Mas prevaleceu a tese da IC e os partidos comunistas se alhearam dos processos revolucionários reais, dirigidos pela chamada “pequena-burguesia”. E os responsáveis pelas elaborações nacionais foram punidos e afastados dos PCs.

VII
Finalmente, chegamos à questão crucial: pode a revolução russa servir de modelo para a revolução socialista no mundo inteiro ou para aqueles países chamados de “coloniais” ou “neocoloniais” ou “dependentes”, como diziam as teses do 6º Congresso da IC?

Faço minhas as palavras da grande revolucionária Rosa Luxemburgo, em seu opúsculo “A Revolução Russa”: não se pode transformar a necessidade em virtude, ou seja, é impossível a universalização de um tipo de revolução, que se deu em circunstâncias históricas e políticas muito particulares, a despeito da formulação leniniana do “elo mais fraco da corrente” numa época de dominação imperialista. Eram louváveis e necessários os esforços da socialdemocracia alemã e russa de analisar a especificidade do “capital monopolista” ou do “capital financeiro”, no final do século 19. E houve várias tentativas: “O Imperialismo – Etapa superior do capitalismo”, “O capital financeiro”, “Acumulação de Capital” e outros. Mas nada disso explicaria ou anteciparia as condições dramáticas em que ocorreu a revolução. Deve-se à enorme frente de militantes (anarquistas, social-revolucionários, bolcheviques) e ao gênio político de Vladimir Lênin todas as concessões táticas e estratégicas necessárias para o triunfo da onda vermelha, da defesa da Revolução e a própria constituição da URSS. Mas a leitura atenta de toda obra de Lenin, acrescida da de Trotsky e Stalin, não nos autoriza a construir um modelo universal de Revolução Socialista calcado nas vicissitudes da experiência soviética. Tanto os problemas que se apresentaram na construção socialista russa, como os advindos da mera transposição de táticas e estratégias do movimento comunista internacional para os movimentos socialistas ou de libertação nacional nos países da periferia do capitalismo foram resultantes de uma racionalização política equivocada e que trouxe mais prejuízos à causa da revolução mundial do que benefícios. De certo modo, a “queda do muro de Berlim” – tomada como uma expressão metafórica para falar da crise do socialismo realmente existente – é produto dessas contradições, ambiguidades e problemas mal resolvidos, que foram simplesmente transformados em solução.

Cabe aos revolucionários do século XXI colher as preciosas lições de grande (e única) revolução socialista para repensar a sua prática revolucionária. A rica experiência da Revolução de outubro oferece um catálogo completo dos desafios e das possibilidades de se construir um mundo mais justo, mais humano e digno para toda a humanidade.

*Michel Zaidan Filho é professor-titular do Centro de Filosofia e Ciências Humanas-UFPE

 

 


Política Democrática: Batalha diária da cidadania

A revista Política Democrática tem 17 anos de edições quadrimestrais ininterruptas, sempre na busca de constituir-se em instrumento de discussão e difusão de conhecimento junto à sociedade brasileira, na perspectiva dos valores democráticos e republicanos, capaz de contribuir, teórica e politicamente, para o melhor entendimento de nossa realidade nacional, local e internacional, nos seus mais diversos ângulos. Na tradição de outras publicações semelhantes, temos procurado colocar à disposição do público leitor múltiplos enfoques de análise sobre os temas mais importantes da agenda do pais e do mundo.

Contam-se, entre nossos colaboradores, intelectuais polêmicos e dedicados, com presença assinalada nos debates públicos; acadêmicos de renome, estudiosos das questões políticas, sociais, econômicas e culturais que compõem as agendas brasileira e internacional; agentes políticos e sociais, independentemente de concepção política e ideológica, assim como de filiação partidária, que expõem suas opiniões, suas ideias e propostas, com o objetivo de servir à cidadania e de colaborar para que se conheça em profundidade a complexa e delicada situação em que vivemos neste início do século 21.

Trata-se de uma ousada tentativa de envolver-se com representantes da esquerda democrática, oriundos de partidos políticos, movimentos sociais, organizações não governamentais ou mesmo da academia, procurando dar voz aos diferentes argumentos, promover seu confronto e construir, no processo, consensos que sirvam de fundamento à reconstrução da esquerda brasileira, de uma esquerda com viabilidade e eficiência, capaz de promover, no curto prazo, a ampliação e o aprofundamento da democracia, o desenvolvimento da equidade no país, tendo como uma diretriz central a oportunidade igual para todos, homens e mulheres; a superação da pobreza e da exclusão social; e o combate a toda discriminação em razão de classe, gênero, etnia, cor da pele, opção religiosa e/ou ideológica.

Além da edição impressa, Política Democrática é lançada sob a forma de e-book, há mais de cinco anos, e já possui sua edição eletrônica. É um orgulho sermos bem considerados pela Qualis, um dos mais importantes sistemas brasileiros de avaliação de periódicos, mantido pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que relaciona e classifica os veículos utilizados para a divulgação da produção intelectual dos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), quanto ao âmbito da circulação e à qualidade. Sem falar que nossa revista está inserida no SciELO (Scientific Electronic Library Online), coleção de revistas e artigos científicos de amplitude mundial.

Abertos a colaborações, sob a forma de elaboração de artigos e ensaios, ou de criticas ao nosso trabalho, estamos orgulhosos do que já alcançamos e pretendemos ir adiante, sempre procurando produzir o melhor para fazer cabeças e estimular ações na batalha diária da cidadania por uma sociedade democrática, justa e fraterna.

Vamos em frente!

Francisco Inácio de Almeida, editor da Revista Política Democrática

 


Contra o ódio e a intolerância

Cada vez mais isolada e sem um discurso minimamente capaz de explicar o inexplicável ou justificar o monumental fracasso de um projeto de poder que se revelou nocivo ao país e gerou tamanha corrupção, desmantelo e a maior crise econômica de nossa história republicana, parte da esquerda brasileira resolveu apelar ao ódio e à intolerância para atacar e desqualificar seus críticos, contaminando o ambiente político e colocando em xeque a própria convivência democrática.

Recentemente, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), um dos homens públicos mais respeitados e bem preparados do país, foi vítima de um grupo de fascistoides durante o lançamento de um livro de sua autoria na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também se realizava a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Com xingamentos e tentativas de intimidação, essa pequena horda de militantes revelou a verdadeira face de uma esquerda populista, atrasada e essencialmente reacionária que perdeu o rumo, o discurso e a dignidade.

Curiosamente, mas não por acaso, são os mesmos setores que, há alguns dias, manifestaram novamente o seu apoio incondicional à ditadura comandada por Nicolás Maduro na Venezuela, um regime amplamente rejeitado pela comunidade internacional e por todos aqueles que prezam pela democracia e pela liberdade. Os que tentavam constranger o senador Cristovam na UFMG preferem fechar os olhos para uma tirania que reprime manifestações democráticas com violência (o que levou a mais de uma centena de mortes até o momento), censura a imprensa independente, viola as liberdades individuais, persegue e prende opositores políticos, controla o Poder Judiciário, entre outras atrocidades próprias de um governo autoritário.

Pessoalmente, jamais imaginei que tivesse de criticar forças de esquerda não por seus erros políticos, mas pelo nível de degradação moral em que parte delas se meteu. Mas é exatamente disso que se trata. É evidente que muitos foram os equívocos cometidos pela esquerda historicamente – e nós, do PPS, herdeiros do Partido Comunista Brasileiro (PCB), nos incluímos nesse processo de autocrítica –, mas desta vez é necessário apontar e condenar, com veemência, o desmantelo moral que tomou conta de uma parcela significativa da esquerda na América Latina, em especial o chamado bolivarianismo. Lamentavelmente, para onde quer que se olhe entre os países latino-americanos, essa esquerda se enxovalhou da forma mais espúria com a corrupção, praticando um verdadeiro assalto aos cofres públicos. Os 13 anos de governos lulopetistas no Brasil, infelizmente, são um exemplo ilustrativo de tamanho descalabro.

Além da corrupção em si, o que já seria gravíssimo, os regimes que predominaram em diversos países do continente na última década foram marcados por um viés populista que atende aos setores historicamente espoliados, mas de forma superficial e imediatista – por meio de um assistencialismo barato que não oferece um futuro digno nem é capaz de mudar a realidade. Há uma série de estudos acadêmicos e livros publicados na área de ciência política que tratam justamente do fim do populismo na América Latina, em especial o chavismo, na Venezuela, e o lulismo, no Brasil. Guardadas algumas diferenças, os dois modelos se assemelham muito no essencial: não propuseram nenhuma mudança substancial na qualidade de vida dos cidadãos por meio da educação ou de um efetivo projeto de desenvolvimento. A aposta quase exclusiva foi no incentivo ao consumismo desbragado e nos programas assistencialistas.

Os ameaçadores gritos de guerra e as palavras de ordem dirigidas a um homem honrado como Cristovam Buarque são reflexo justamente dessa visão de mundo populista, autoritária, antidemocrática e intolerante, que demoniza aqueles que pensam de forma diferente e não tolera o contraditório no debate público. Ao investirem no ódio, os setores mais atrasados e reacionários da esquerda ficam ainda mais isolados da opinião pública e da sociedade em geral e são responsáveis, de certa forma, pelo fortalecimento de um segmento também populista, mas de uma direita reacionária e de corte claramente fascista, que acaba por fazer o contraponto no outro extremo do espectro político.

Não construiremos um novo país com agressividade ou violência, e muito menos com o populismo mais rasteiro. Devemos fomentar o debate, a convivência pacífica entre contrários, a diversidade. As agressões contra o senador Cristovam são o retrato de um tempo que ficou para trás, uma espécie de grito desesperado daqueles que perderam o seu naco de poder. A população brasileira está cansada de tanto ódio, de tanta raiva, de tanta divisão e do discurso surrado do “nós contra eles”. Contra o ódio e a intolerância, respondemos sem medo, com serenidade e democracia.

Fonte: http://www.diariodopoder.com.br/artigo.php?i=56279853968


Jungmann: inteligência será a base do plano para combater crimes no RJ

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou ao Blog do Camarotti que a estratégia de inteligência é a base do plano de combate à criminalidade no Rio de Janeiro.

Segundo Jungmann, haverá o chamato "fator surpresa" nas ações integradas das Forças Armadas, Força Nacional de Segurança e polícias.

Leia abaixo a íntegra da entrevista com o ministro:

Blog – O que que vai ser feito para o Rio de Janeiro (enfrentar a crise de segurança pública)?
Jungmann - O que vai ser feito para o Rio de Janeiro é golpear a criminalidade para ampliar a sensação, o sentimento real de segurança dos cariocas. Isso será feito de uma forma permanente porém descontínua. Serão ações sucessivas integradas, puxadas pela inteligência policial e que contará com o apoio da Força Nacional de Segurança e também das Forças Armadas, num apoio a essas ações da polícia. Isso vai ser feito de maneira planejada e deve estar se iniciando nos próximos dias.

Blog - O que já foi feito muito, foi colocar reforço de homens das Forças Armadas e da Força de Segurança Nacional. O que muda agora?
Jungmann - O que muda é exatamente o fator surpresa. O que muda é que em lugar de ter uma atuação meramente ostensiva, que quando as Forças Armadas ou a polícia sai, o crime, que tirou férias, volta! Agora nós vamos, através da inteligência da informação e de atuar integradamente e de uma forma permanente, enfatizo isso, nós queremos atingir o comando do crime, queremos alcançar os seus arsenais, queremos inclusive barrar o caminho da droga. Só assim é que nós vamos reduzir o peso da criminalidade e, que hoje o carioca sente, e que evidentemente tem uma preocupação do Rio de Janeiro e de todos nós.

Blog – Até quando vai durar esta ação?
Jungmann - Essa ação vai até o último dia do governo Michel Temer. Portanto, também aí, ela é inovadora. Porque ela não será uma ação pontual. Ela será uma sequência de ações devidamente orquestradas entre polícia militar, polícia civil, com a Força Nacional de Segurança, com o Exército, com Marinha, com Aeronáutica, enfim, com todas as forças que dispõe o governo federal e também o governo estadual, que é decisivo nisso, porque tem as melhores informações, de forma que a gente possa, repito mais uma vez, golpear o crime organizado. E isso não se faz apenas com policiamento ostensivo. Isso se faz com inteligência, com integração, com planejamento. E é isso que esse plano vai demonstrar muito em breve, que nós estamos fazendo.