Arte: João Rodrigues/FAP

Ivair dos Santos: “Combate ao racismo precisa ser prioridade do Estado"

João Rodrigues, da equipe da FAP

Hoje, 19 de novembro, a série de entrevistas da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em celebração mês da Consciência Negra chega ao terceiro episódio. Com a participação da gestora pública e ativista social Raquel Dias, o último programa teve como tema mulheres negras e a política. O primeiro convidado foi o professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ivanir dos Santos, que falou sobre as lutas do movimento negro nas últimas décadas.

Para analisar os desafios para a equidade racial no Brasil, o podcast Rádio FAP desta semana conversa com Ivair Augusto Alves dos Santos, doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Ciência Política pela Universidade de Campinas (Unicamp), integrante do Conselho Curador da FAP, ele é ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.



Exemplos internacionais na luta antirracista, as conquistas do movimento negro e os porquês das dificuldades para eleição de candidatos negros também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios da TV Senado e do site oficial do Olodum.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP




Arte: João Rodrigues/FAP

Raquel Dias: “Mulheres negras não podem ser invisíveis na política”

João Rodrigues, da equipe da FAP

Estimular a reflexão sobre a luta do povo negro pela igualdade. Esse é um dos objetivos do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 novembro. Para celebrar a importância da data, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) iniciou na semana passada uma série de entrevistas especiais. O primeiro convidado foi o professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivanir dos Santos.

Na sequência da série “Mês da Consciência Negra”, o podcast Rádio FAP bate um papo com a gestora pública e ativista social Raquel Dias. Integrante do Conselho Consultivo da FAP, ela é diretora de educação e articulação social da Àwúre Educa, plataforma educacional do Ministério Público do Trabalho (MPT), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Fundo das Nações Unidas Pela Infância (UNICEF).



Apesar de 27% da população feminina se declarar negra, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres negras representam apenas 2% do Congresso Nacional. Essa falta de representatividade é o principal tema do episódio. Cotas para mulheres na política, ações afirmativas e as perspectivas para o novo governo, liderado pelo ex-presidente Lula, também estão entre os temas do programa, que conta com áudios da Rede TVT e African Drums Company.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP




Arte: João Rodrigues/FAP

Ivanir dos Santos: "Vitória de Lula é esperança para o movimento negro"

João Rodrigues, da equipe da FAP

O Dia da Consciência Negra, assim como todo o mês de novembro, marca a importância das discussões e ações para combater o racismo e a desigualdade social no país. E para celebrar essa data tão importante para o movimento negro no país, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) inicia hoje uma série de entrevistas em comemoração ao mês da consciência negra.

O primeiro entrevistado é o professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ivanir dos Santos. Babalawô, integrante do Conselho Consultivo da FAP, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) é fundador do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) e vencedor do Prêmio de Direitos Humanos do Estado Americano.



As expectativas do movimento negro com a eleição do presidente do Lula, a representatividade negra no Congresso Nacional e a persistente intolerância religiosa no Brasil também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do UOL e TV Brasil.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

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Foto: Reprodução/Instagram

Bicentenário da Independência: Ivan Alves Filho fala sobre lançamento do livro “O caminho do alferes Tiradentes”

Por Aquarius Produções Culturais

O livro “O caminho do alferes Tiradentes - uma viagem pela Trilha dos Inconfidentes”, de autoria do historiador Ivan Alves Filho. Trata-se de uma edição comemorativa ao Bicentenário da Independência do Brasil, que teve na figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, seu maior entusiasta e mentor.

Ivan Alves Filho percorreu milhares de quilômetros em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, perfazendo uma espécie de geografia da história da Conjuração Mineira. Para isso, o autor se baseou nos Autos de Devassa, o processo movido contra os revolucionários pelas autoridades coloniais. Nesta obra, Ivan Alves Filho se tornou um historiador de campo, mesclando pesquisa histórica, relato de viagem, método antropológico, mergulhando fundo na cultura mineira e brasileira. Artes plásticas, cultura barroca, música colonial, construções arquitetônicas, ideias revolucionárias, nada parece ter escapado ao olhar atento do pesquisador.

O caminho do alferes Tiradentes - uma viagem pela Trilha dos Inconfidentes é prefaciado por Angelo Oswaldo, ex-ministro interino da Cultura e por duas vezes secretário de Cultura de Minas Gerais. A obra tem "orelha" do documentarista, músico e escritor Luiz Carlos Prestes Filho, que nela se inspirou para compor sua série musical Molhem minha goela com cachaça da terra.

A referida publicação - devidamente atualizada e revisada - é o vigésimo livro de Ivan Alves Filho.

O lançamento dessa obra acontecerá na FLITI - Feira Literária de Tiradentes/MG, nos dias 3, 4, 5 e 6 de novembro de 2022.

Confira, abaixo, entrevista de Ivan Alves Filho sobre o livro:




Foto: Flickr/Cidadania

Revista online | Roberto Freire: “Votar em Lula é salvar a democracia”

Entrevista concedida a Caetano Araújo, Luiz Sérgio Henriques, João Rodrigues e Paulo Fábio Dantas Neto, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)

Na reta final do segundo turno da campanha presidencial, diversos fatos ainda movimentam o xadrez político nacional. No último domingo (23/10), por exemplo, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) atacou policiais federais com granadas e tiros de fuzil, após resistir a uma ordem de prisão expedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para analisar a conjuntura política e o futuro da democracia no Brasil, a equipe da revista Política Democrática online entrevistou o presidente do Cidadania, Roberto Freire. “Votar 13 no próximo domingo é a nossa única chance de salvar o Estado Democrático de Direito no Brasil”, resumiu Freire.

Ex-senador e deputado federal, líder do governo Itamar Franco e candidato a presidente da República em 1989 pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Roberto Freire defende que o voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é essencial para frear o projeto fascista do bolsonarismo. Freire também foi membro da Assembleia Nacional Constituinte e um dos responsáveis pela transformação do antigo PCB no Partido Popular Socialista (PPS), em 1992.

O papel estratégico da senadora Simone Tebet (MDB-MS) na campanha do ex-presidente Lula (PT), a ampliação da federação PSDB Cidadania, com uma eventual inclusão do MDB, e a importância de movimentos de renovação política estão entre os temas abordados. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista com Roberto Freire.

Confira, abaixo, galeria de imagens do entrevistado:

Roberto Freire em escritório |Foto: reprodução/Wikimedia Commons
Simone Tebet e Roberto Freire aparecem juntos no estande da Fundação Astrojildo Pereira | Foto: João Rodrigues/FAP
Roberto Freire fala sobre radicalização provocada por Lula e Bolsonaro (Foto: Reprodução/Internet)
Roberto freire. Foto reprodução: Cidadania23
Roberto Freire, presidente do Cidadania, durante sessão na Câmara dos Deputados em 2015 | Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Brasília 19.12.2016  Ministro da Cultura, Roberto Freire.  Fotos: Acácio Pinheiro/MinC
Roberto Freire em escritório
Simone Tebet e Roberto Freire aparecem juntos no estande da Fundação Astrojildo Pereira
Roberto Freire fala sobre radicalização provocada por Lula e Bolsonaro (Foto: Reprodução/Internet)
Roberto freire. Foto reprodução: Cidadania23
Roberto Freire, presidente do Cidadania, durante sessão na Câmara dos Deputados em 2015 | Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Roberto Freire vai assumir o Ministério da Cultura
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Ministro da Cultura, Roberto Freire
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Roberto Freire em escritório
Simone Tebet e Roberto Freire aparecem juntos no estande da Fundação Astrojildo Pereira
Roberto Freire fala sobre radicalização provocada por Lula e Bolsonaro (Foto: Reprodução/Internet)
Roberto freire. Foto reprodução: Cidadania23
Roberto Freire, presidente do Cidadania, durante sessão na Câmara dos Deputados em 2015 | Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Roberto Freire vai assumir o Ministério da Cultura
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Ministro da Cultura, Roberto Freire
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Política Democrática (PD): Como você avalia esta reta final da campanha, com todas as incertezas que este complexo processo eleitoral tem demonstrado?

Roberto Freire (RF): Em primeiro lugar, gostaria de registrar que considero as pesquisas eleitorais confiáveis e acredito que elas devem ser consideradas. No primeiro turno, as pesquisas acertaram o percentual de votos atingido pelo ex-presidente Lula (PT). O problema maior foi em relação ao presidente Bolsonaro (PL). Porém, como muitos eleitores bolsonaristas, por orientações de ministros do atual governo, inclusive, se recusaram a responder os levantamentos, pode ter ocorrido influência. Estou em Brasília, não tenho percorrido o Brasil neste segundo turno. Até porque não adianta muito a gente andar na rua, pois a campanha é majoritariamente digital. Contudo, penso que a eleição está mais ou menos decidida. Esse episódio do Roberto Jefferson – que atacou com granadas e tiros de fuzil agentes da Polícia Federal para descumprir uma decisão do STF – pode fazer com que pessoas que antes diziam votar nulo agora decidam votar 13, no Lula. Certamente, houve um impacto muito negativo para a campanha do Bolsonaro. Foi algo patético, bizarro. Você imagina se fosse um negro, favelado, pobre? Atirar na polícia é inaceitável. O apoio da Simone Tebet e da Marina Silva, em diversos eventos pelo país afora, também ajuda o Lula a diminuir o receio de alguns setores da sociedade. A minha impressão é de que está bem encaminhada a vitória do ex-presidente Lula no próximo domingo, 30 de outubro. A não ser que surja um fato novo, algo imponderável.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

PD:  Qual a sua avaliação do desempenho de Simone Tebet no primeiro turno da eleição presidencial e como analisa o papel estratégico dela na campanha do ex-presidente Lula (PT)?

RF: O desempenho foi ótimo. Infelizmente, tivemos poucos votos. Talvez, tenha sido a terceira via com menor percentual de votos absolutos nas eleições. A rejeição dos dois principais candidatos e a polarização foram fatores decisivos para esse cenário. Mas a Simone Tebet é muito maior do que os votos que conquistou. Ela obteve um crescimento exponencial, saiu bastante fortalecida do processo eleitoral e está consolidada como uma das maiores lideranças políticas do país. A presença dela no palanque do Lula é um diferencial, ajuda muito. Logo no início do segundo turno, eu me lembrei da campanha de 1989, quando mandamos fazer camisas e adesivos com a frase: ‘Sou Freire e estou Lula’. Reproduzimos esse slogan agora com a Simone. Nosso objetivo é passar aquela ideia: ‘com a Simone a gente vai’. Digo isso porque esse fato abriu um pouco alas para as pessoas que ficavam meio encabuladas, pois vinham perguntar: mas você não vivia esculhambando com o Lula? Ou qualquer outra coisa desse tipo. A partir dessa ideia (“Sou Simone e estou Lula”), conseguimos um anteparo. São diversos economistas, o pessoal do Plano Real, intelectuais, artistas, que agora passam a apoiar mais efetivamente o voto em Lula neste segundo turno. Todos esses atores têm um papel importante. A Marina Silva, por exemplo, que já foi do PT, mas tinha se afastado, exemplifica esse esforço por um bem maior, que é a democracia brasileira e o compromisso com o progresso nacional.

A militância do partido da Cidadania está muito ativa no lulismo, tem participado energicamente em tudo quanto é lugar do Brasil. O que a Simone está fazendo também é de uma militância impressionante. Ela está colada em Lula, até parece a vice, que não descola da vinculação com o titular. É algo praticamente inédito, de ter um apoio tão efetivo de uma candidata que não foi ao segundo turno, mas está totalmente comprometida com a candidatura. Isso é uma coisa que está engrandecendo-a. Aqueles que estavam decepcionados com Bolsonaro imaginavam que não iriam para o Lula de jeito nenhum e ela foi. Então, ela cresceu no conceito e no respeito de todos exatamente por conta dessa integração com muita ênfase na campanha presidencial. É uma militante que alguns petistas mais ativos devem estar mirando como exemplo.

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PD:  Pensando em um cenário pós-eleitoral, você acredita que, assim como Tancredo Neves foi chamado de “candidato da conciliação nacional”, o ex-presidente Lula poderia ajudar a pacificar o país?

RF: Essa é a questão em que a gente vai ter que se concentrar a partir de segunda-feira (31/10). Que quadro nós vamos ter? Vitória de um ou de outro. Vamos admitir que hoje não temos essa definição, apesar de certo favoritismo do ex-presidente Lula. Mas é um grande debate. Hoje já fui confrontado com isso em uma entrevista que dei a uma rádio de Pernambuco (PE). Eu disse que não estamos definidos. Eu dizia que Lula seria presidente, mas que nós não tínhamos definido se estaríamos no governo ou ficaríamos na oposição. Sem grandes problemas. Até porque oposição sistemática tivemos apenas na ditadura. O fato concreto é de que nós vamos ter que nos debruçar sobre isso. Vamos usar mais uma vez a Simone Tebet como exemplo. Como é que a Simone vai se posicionar? Estou querendo conversar com ela e ainda não pude. Ela tem viajado bastante. Falei pelo telefone, mas não avançamos em nada, por enquanto. Eu acredito que ela não queira participar de um novo governo Lula. Estava até discutindo uma questão colocada na ampliação da federação PSDB Cidadania, com a integração do MDB, para criar talvez a terceira ou quarta bancada. Se conseguirmos, podemos estar nos preparando para planos maiores em 2024 e 2026, fugindo desses dois polos que vão continuar. Qualquer que seja o resultado é fundamental para nós discutirmos, inclusive com a Simone, MDB e PSDB, ela liderando e nós vamos ter que discutir enquanto Cidadania. Pode oferecer a Lula a possibilidade de ele brigar contra seus radicais e entender que precisa minimamente não pacificar, mas, ter uma ampla maioria para evitar uma radicalização bolsonarista. Garantir a capacidade da sociedade de impedir que isso frature ainda mais o que já está fraturado. A presença da Simone, dos economistas, do setor liberal, de setores empresariais em apoio a sua candidatura tem que ficar junto dele no seu governo. Esses economistas, que vão ter um certo peso para contrabalançar o programa econômico de Lula, precisam estar junto também para dizer a ele: ‘olhe, você tem que ter o cuidado no governo de buscar pacificação, tolerância. Não pode excluir parte da sociedade que porventura não tenha votado em você.’ Embora a Lei não permita nenhum revanchismo, qualquer distúrbio que porventura possa existir deve ser suprimido. Não vamos pensar que esse episódio Roberto Jefferson, que ocorreu agora como um sinal de sedição, não sei, mas depois de uma derrota, isso pode se tornar algo comum. Indivíduos que queiram não admitir os resultados. Precisa ter um governo que tenha capacidade de juntar na realidade aqueles que estão votando para ter um processo democrático e não retrocessos. A gente não fala muito do Viktor Orbán e fala muito da Venezuela. O Bolsonaro não vai ser aquele que vai tentar experimentar um sistema de estatização da economia, de provocar aquilo que a Venezuela provocou concretamente, um empobrecimento da própria sociedade. Nós somos muito mais para a economia da Hungria, que cresce, do que para a economia da Venezuela, que vai lá para baixo. O governo Bolsonaro, autoritário, pode ter amplo apoio da sociedade. Não gerar o que gerou a Venezuela do empobrecimento, de uma decadência como ocorreu.Esse é o risco! Vamos analisar a Venezuela apenas como processo, mas não como base. Isso vai ficar mais para Polônia, para aquele sistema inserido na economia de mercado, que não vai sofrer retrocesso. O perigo está aí. Não é um processo de ruralização. Não vamos ter uma venezuelização por aqui, nesse sentido. Eu me lembro, quando vim de Cuba, em 1981, com o Goldman (Alberto), que estava sentado comigo, quando descemos em São Paulo, no aeroporto de Guarulhos, e vimos que aquilo era uma imensidão, uma potência. E eu brinquei com Goldman: ‘se a gente quiser fazer o que Cuba fez, vamos precisar de cinco Stalin e cinco Miami.’ Em Cuba, precisou de um só, mas por aqui precisariam de cinco. É uma economia que não tem como você imaginar que vai implantar isso e continuar. Eu acredito que esse é um grande desafio que a gente tem que pensar. É levar esse movimento que está ocorrendo no segundo turno para uma base efetiva do governo Lula. Nem mesmo participando necessariamente, não é isso. Mas é tendo o apoio crítico, mesmo com a independência, mas dando sustentação. E Lula entendendo que é fundamental ter isso. E não pensar que vai pegar o Centrão com qualquer movimento de aceitar processos de orçamento secreto ou qualquer outra forma para garantir o apoio meramente fisiológico. Ele tem que buscar esse apoio nesse sentimento democrático da sociedade. A Simone pode exercer o papel de liderança junto ao MDB e ao PSDB e, claro, nós do Cidadania estamos integrados nisso. Até porque esse objetivo, independente de quem for, a gente sempre teve.

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PD: O que poderemos chamar de “centro democrático” no Brasil pós-eleição, ganhando Lula ou Bolsonaro?  Quais são as condições para se articular com a razoável autonomia?

RF: Esse é o nosso grande desafio. Eu fico imaginando, tem um pouco de torcida, mas começa a ser um pouco de realidade. É um favoritismo. Vamos admitir que o governo Lula é o melhor para nós. O centro democrático se consolida mais com o governo Lula. Um eventual segundo governo Bolsonaro seria terrível para o Brasil. Teríamos que tomar uma série de medidas para não conviver com uma clara escalada golpista. Se Bolsonaro for eleito, o STF vai ter novos membros. Eles vão, talvez, abrir alguns impeachments de ministros do Supremo no Senado Federal. Caso ganhem, eles teriam uma postura autoritária e fascista, com forte presença no Senado, com figuras que terão lideranças importantes até vinculadas às Forças Armadas, como é o caso do atual vice-presidente, Hamilton Mourão, senador eleito pelo Rio Grande do Sul (RS). Ele foi um dos primeiros a verbalizar a ideia do aumento de ministros no STF. Esse é apenas o passo inicial. Eles vão querer modificar as relações com o Judiciário, que hoje é o poder mais frágil do Estado brasileiro. Precisamos reconhecer que o Supremo foi importante para conter avanços antidemocráticos nos últimos anos. Com Arthur Lira no comando da Câmara Federal, o Congresso não agiu em praticamente nenhum movimento para conter arroubos autoritários. Na época do Rodrigo Maia, ainda tivemos algumas votações de decretos legislativos, impedindo retrocessos. Se Bolsonaro ganhar, o STF ampliado por novos ministros eventualmente bolsonaristas pode ser bastante prejudicial para a nossa democracia. Acabou. A partir daí, controla tudo. Isso é o modelo do Chaves na Venezuela. O Bolsonaro tem fortes aliados. Parte do setor de bancos, a maior parcela do agronegócio, que pode ajudar tremendamente a que isso se transforme em uma atitude de separação dos poderes, afirmando que o Executivo não pode ser impedido de governar, independente do Legislativo e, especialmente, do Judiciário. É preciso ter cuidado. Quem ganhar a eleição tem espaço para ajustar discurso do futuro democrático do Brasil. Agora, se ganhar o Lula, nós podemos, a partir da presença que Simone pode ter – e eu fico imaginando que ela não participe – porque poderíamos construir uma federação ampliada, da qual ela seja a presidente, passando a ter um papel político importante na sociedade brasileira. Uma federação ampliada com o MDB, com todos os eventuais problemas, poderíamos, sim, chamar de ‘frente democrática brasileira’, que não é ampla como a uruguaia, que foi feita a partir das esquerdas. Porém, nós podemos e devemos encaminhar isso. Vamos ter alguns bolsonaristas que vão querer fazer uma oposição maior, mas isso a gente terá que trabalhar para segurar. É mais fácil segurar quem quer fazer oposição do que quem adere. Nós, do Cidadania, podemos, com o governo Lula, manter a independência e ao mesmo tempo construir uma possibilidade, pois não vamos construir uma alternativa democrática à direita. O campo da direita durante algum tempo vai ser hegemonizado pela parte mais extremada.

PD: Você acha que isso acontecerá mesmo com a vitória do ex-presidente Lula?

RF: Com certeza. O bolsonarismo permanecerá, independente do resultado das urnas neste segundo turno. É ótimo que estamos aqui com pessoas que têm a visão da esquerda que quer ser contemporânea desse mundo que está aí, uma esquerda moderna. Ao contrário da esquerda dogmática, que pensa que é ainda revolucionária dos tempos do capitalismo industrial, bolchevique ou quer outros tipos de revoluções. E a América Latina tem muito disso. A América Latina é refratária a toda movimentação que houve no pensamento de esquerda, que é hoje o sustentáculo da União Europeia. Outro exemplo é a esquerda norte-americana, que consegue entender que para derrotar Donald Trump era melhor colocar Joe Biden do que Bernie Sanders. Essa esquerda que é democrática no mundo e entende a globalização, essa nova economia, as mudanças nas relações de trabalho e a evolução da própria sociedade.

A tendência do mundo, quando se fala de reforma trabalhista, é de querer regulamentar esse novo que está surgindo e não modificar o do passado. O próximo governo vai ter que lidar com um mundo que já não corresponde mais à mentalidade metalúrgica de Lula, daqueles que falam de classe operária enchendo a boca como a gente enchia, imaginando que o mundo era da classe operária no futuro. Era uma marcha que nós devíamos fazer na história. Não conseguem entender que não foi derrotado, houve a superação desta realidade, desta sociedade. E isso vai gerar crise lá dentro. Estou imaginando que esta força, o crescimento desta terceira via, é o avanço de uma visão que envolva também pensamentos – vamos chamar de social-democrata, centro-esquerda, o referencial que teremos para o futuro de uma esquerda democrática. A Europa democrática entende que deve se posicionar contra Putin em defesa da soberania da Ucrânia. Isso é um pouco essa visão progressista, e não da visão que aproxima Lula, também Bolsonaro a Putin. O eventual novo governo Lula vai ter essa contradição muito maior do que teve, por exemplo, em 2003, no início do primeiro mandato do PT, quando eles pensaram em fazer alguma reforma ali e, como reação, foi criado o Psol, de Heloísa Helena e tantos outros. Depois veio o mensalão, o que aumentou ainda mais as dissidências internas e tudo mais. Agora, vai ser muito mais concreto, não vai ter condições de alguém pensar na economia com a visão de que vamos fazer protecionismo, vamos construir uma indústria nacional, como disseram: ‘na pandemia, tivemos problema com agulhas, com máscaras, que poderiam não ter existido’. Por favor, isso foi um colapso da logística do mundo. Não é um problema para ficar imaginando que precisamos estar lá nas fronteiras produzindo algumas dessas coisas como se voltássemos ao mundo das barreiras alfandegárias.

Esse processo de globalização só vai se intensificar. Precisamos de um governo que tenha capacidade de administrar o país com a essa nova realidade e nenhum dos dois que estão aí está tendo capacidade para isso. Lula pode vir a ter, e vai ser necessário, porque ele precisa ampliar a sua base, mas, no momento que ele tomar determinadas decisões, pode enfrentar dissidências pela extrema esquerda. Vai ter problemas com aqueles que não permitem o que chamam de neoliberalismo, não admitem que você tenha uma visão de integração na economia mundial. Que diga que são sustentáveis, que isso seja mais importante que a economia do petróleo, do pré-sal. Teremos conflito com as corporações, haverá discussões sobre as necessárias reformas que estão em pauta. Por isso, fico imaginando que nós – e é dramático porque o MDB, com muito setor bolsonarista, o PSDB também, e até nós do Cidadania – como vamos gerar uma unidade para entender que nem Bolsonaro nem as posições majoritárias no PT são o futuro? O amanhã promissor nasce a partir da liderança da Simone Tebet, que também precisa entender que tem um grande papel. Esse é o nosso grande desafio. Concretizando essa federação ampliada, com o MDB, é até um desafio que se possa imaginar que tem que se criar uma nova formação política com esse setor, mas isso precisaria ter lideranças e eu não sei se o Eduardo Leite, eleito no RS, e se a Raquel Lyra, provavelmente eleita em PE, terão força suficiente para trazer o PSDB minimamente para um projeto desse porte. Nós, do Cidadania, estamos com dificuldade, poderíamos exercer esse papel se tivéssemos muita unidade com a nossa bancada. Esse é o drama. Não termos o velho Partidão, que enfrentou na época da ditadura a esquerda em cima, resolução, aventura, romantismo, outras tantas dificuldades e a gente se segurou e dentro do MDB, construindo uma alternativa democrática. Foi demorado, não foi fácil. As pessoas pensam que foi no final, quando as Diretas Já eram realidade, mas poucos sabem dos percalços. Nós acompanhamos. E agora, eu não sei qual força pode fazer isso. O PSDB não tem força para fazer. Esse é o drama que estamos vivendo. Mas é necessário construirmos. Se a gente tivesse esse setor que está indo para o Lula com a compreensão de que temos, desde já, buscar maior integração e construir novas alternativas políticas ao país, seria um avanço importante. Tem que tentar desde agora construir essa alternativa: a frente democrática que vai disputar 2026 não como um azarão, mas como uma força política que supere essa polarização que se afirmou novamente agora.

Sobre o entrevistado

Roberto Freire é presidente nacional do Cidadania, advogado, ex-senador, ex-deputado federal e foi candidato a presidente da República em 1989 pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).

** Entrevista produzida para publicação na revista Política Democrática Online de outubro de 2022 (48ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

Equipe de entrevista

Caetano Araújo: Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), consultor legislativo do Senado Federal e diretor-geral da Fundação Astrojido Pereira (FAP)

Luiz Sérgio Henriques: tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das “Obras” de Gramsci no Brasil, além de integrante do Conselho Consultivo da FAP

João Rodrigues: jornalista, sociólogo, mestre em Ciência Política e coordenador de Audiovisual da FAP

Paulo Fábio Dantas Neto: cientista político, economista, professor da Universidade Federal da Bahia e integrante do Conselho Consultivo da FAP

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Arte: João Rodrigues/FAP

Vilma Pinto: “Orçamento de 2023 gera incertezas e riscos fiscais”

João Rodrigues, da equipe da FAP

Desaceleração econômica, falta de organização das contas públicas, aumento de gastos do governo federal. O cenário da economia para 2023 é desafiador, independente de quem seja eleito presidente da República em 30 de outubro. Mesmo sem indicar fontes de receita, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) prometem manter o Auxílio Brasil em R$ 600. A medida não está prevista no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado ao Congresso Nacional.

Para analisar os desafios fiscais para o próximo ano, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) recebe nesta semana a economista Vilma Pinto. Diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, ela é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em Economia Empresarial e Finanças pela Escola Brasileira de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).



As expectativas de crescimento econômico para 2023, o cenário da dívida pública brasileira e as consequências da pandemia para a desigualdade social no Brasil também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Jornal da Band, UOL e BBC News.

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Arte: João Rodrigues/FAP

Benito Salomão: “Brasil precisa de modelo econômico que priorize a justiça social”

João Rodrigues, da equipe da FAP

Propostas econômicas para o governo brasileiro estão reunidas na obra Retomada do Desenvolvimento: reflexões econômicas para um modelo de crescimento com inclusão social, lançada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) no mês passado. Em formato de coletânea de artigos de 27 economistas, pesquisadores e nomes do mercado, a publicação pode ser acessada neste link.

Para analisar os desafios do Brasil para desenvolvimento com inclusão social, o podcast Rádio FAP desta semana bate um papo com o economista Benito Salomão. Doutor em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia, ele é autor do livro Perspectivas de Desenvolvimento no Município de Uberlândia: Uma Abordagem Econômica, Social e das Finanças Públicas; além de organizador do livro Retomada do Desenvolvimento.



A falta de propostas efetivas para o Brasil em meio à campanha presidencial mais polarizada do país, sugestões para avanços no desempenho macroeconômico nacional e a importância de uma política fiscal de Estado estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios de entrevista do professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro para a TV FAP.

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George Gurgel: “Novo Congresso é retrocesso para a pauta ambiental”

João Rodrigues, da equipe da FAP

Na eleição do último domingo, candidatos que incentivam a destruição do meio ambiente tiveram vantagem em relação aos que combatem a agressões à natureza. Um dos principais exemplos é a eleição do ex-ministro do Ricardo Salles, quinto deputado federal mais votado por São Paulo. Para analisar a correlação de forças no novo Congresso Nacional em relação à pauta ambiental, o podcast Rádio FAP desta semana bate um papo com o professor George Gurgel.

O pleito de 2022 também trouxe um alento aos defensores do meio ambiente, com a votação recorde do deputado Amom Mandel, do Cidadania de Amazonas. Ele teve 288.555 e tem na pauta ambiental uma das suas principais bandeiras. Na entrevista, Gurgel, professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador da Unesco, também fala sobre a importância da renovação política na Câmara Federal.



Políticas públicas para a Amazônia, preservação de recursos hídricos e os desafios da Bancada do Cocar também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do SBT News, TV Brasil, CNN Brasil e TV Cultura.

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Antonio Barbosa: “Desigualdade racial persiste há 200 anos e cria abismos sociais”

João Rodrigues, da equipe da FAP

A série sobre o Bicentenário da Independência, iniciada em agosto pelo podcast Rádio FAP, chega ao fim nesta sexta-feira (30/9) com uma entrevista especial com o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) e consultor legislativo aposentado do Senado Federal, Antonio Barbosa. Entre os convidados anteriores, estiveram o jornalista Sergio Leo, a médica Ligia Bahia, o consultor do Sebrae Cezar Vasquez, o professor Vinícius Müller e a psicopedagoga Terezinha Lelis, que aprofundaram debates sobre temas relevantes para o futuro do Brasil.

Para encerrar mais uma série de entrevistas sobre as efemérides de 2022, o podcast Rádio FAP aborda o tema Brasil e o protagonismo no século XXI, com o professor Antonio Barbosa. Um dos historiadores mais renomados do país, ele leciona na UnB as disciplinas de História Contemporânea, História Social e Política Geral.



Desigualdade racial, economia verde e a atual crise econômica e social também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios da TV Senado e das cinco entrevistas anteriores da série sobre o Bicentenário da Independência.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP




Arte: João Rodrigues/FAP

Terezinha Lelis: “Omissão do governo na educação prejudica gerações de brasileiros”

João Rodrigues, da equipe da FAP

Os problemas graves enfrentados pelo Brasil têm, na falta de projeto nacional e consistente para a educação, uma face particularmente perversa e danosa. Baixo investimento, infraestruturas de escolas sucateadas, desvalorização de professores. Os problemas na educação brasileira são muitos e merecem atenção de toda a sociedade. Esses são alguns dos principais apontamentos do manifesto lançado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) no início deste mês.

Para analisar os desafios da educação brasileira, o podcast Rádio FAP desta semana recebe a professora Terezinha Lelis. Integrante do Conselho Curador da FAP, ela é psicóloga pela Universidade de São Paulo (USP), psicopedagoga pela EPsiBA, em Buenos Aires, Argentina, e mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).



A falta de políticas públicas nacionais para a educação, os benefícios do ensino integral e a importância do investimento na educação básica também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Poder 360, Jovem Pan News e Quebrando Tabu.

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Foto: Reprodução/spbancarios

Revista online | O Chile do pós-plebiscito

Alberto Aggio*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)

Passados mais de 20 dias do plebiscito de 4 de setembro, aprofundam-se as avaliações a respeito do significado daquela que está sendo considerada a maior derrota eleitoral da esquerda chilena, desde a retomada da democracia, no alvorecer da década de 1990. Depois disso, nunca a esquerda havia sido derrotada por mais de 25% dos votos, numa eleição de altíssima participação. Nem mesmo quando a direita chilena se impôs com Sebastian Piñera, por duas vezes, já nos primeiros anos do novo século. A discrepância é enorme se comparada à votação no chamado “plebiscito de entrada”, no qual cerca de 80% dos eleitores votaram a favor da montagem de uma Convenção Constitucional (autônoma e paritária) para a elaboração de uma “nova Constituição” para o país.

A derrota da opção apruebo foi dura e contundente, e é necessário refletir sobre isso. Trata-se de uma reflexão obrigatória especialmente para aqueles que pensam na continuidade do governo de Gabriel Boric até o final do seu mandato. Vale enfatizar que nunca a esquerda chilena havia sido derrotada de forma tão acachapante, logo após vitórias expressivas como foram a conquista da maioria dos convencionais da Convenção e a vitória de Gabriel Boric para a presidência da República. Alguns analistas chamam atenção para o fato de que, anteriormente, apenas na década de 1970, a esquerda havia sofrido uma derrocada tão forte, mas naquela oportunidade houve um golpe militar que impôs, pela força, uma ditadura implacável que daria sustentação à sua “revolução” neoliberal.  

A situação agora é diferente. Em termos sintéticos, foi uma derrota expressiva das correntes políticas que se expressaram nas manifestações multitudinárias de outubro de 2019 contra o governo direitista de Sebastian Piñera e transformaram aquela explosão de “rebeldia” numa operação política de refundação do país. Essas forças, somadas ao Partido Comunista e à Frente Ampla do presidente Gabriel Boric, “hegemonizaram” a Convenção Constituinte, que passou a ser identificada como uma assembleia de extremismo esquerdista, identitarista e antagonista. Dela saiu o texto constitucional que acabou sendo rejeitado pela imensa maioria dos chilenos. 

Veja todos os artigos da edição 46 da revista Política Democrática online

Para o cientista político chileno Kenneth Bunker, trata-se de uma derrota “transversal” que abarca todos os segmentos econômico-sociais, de gênero, urbano-rural, etc.; inclusive os setores que a esquerda diz representar. Para ele, foi também uma derrota “lapidária”: “a Convenção foi uma instância da esquerda, eles não tiveram a voz de veto da direita, fizeram um texto basicamente sem oposição, e o texto foi apresentado fielmente ao povo, com o apoio do governo e de uma parte importante da oposição; e o povo a rejeitou. Então é uma derrota ideológica, política, sobre uma visão socioeconômica do Estado que não tem comparação”.

Por essa avaliação, pode-se dizer que um projeto de Constituição, de caráter exclusivo de um conjunto de forças de esquerda, sem sequer uma aproximação com outros setores sociais e políticos, ou seja, um texto constitucional que revelava uma forma de ver a sociedade e o que, no longo prazo, se queria para o país em todas as dimensões, superando o sistema político vigente bem como o Poder Judiciário, marca uma visão refundacional do país e, por consequência, seu rechaço pela maioria do povo significa que não se trata apenas de uma derrota eleitoral e, sim, uma derrota política, cultural e ideológica da esquerda que hegemonizou a Convenção. 

Depois de uma derrota desse porte, pode-se avizinhar um percurso bastante difícil para a esquerda chilena. Há aqueles que vaticinam um retorno da direita ao poder em prazo não muito distante. É possível que isso ocorra. As reações do governo Boric têm sido de mudanças tópicas em seu gabinete e erráticas em muitas outras dimensões – vide o estrepitoso episódio da negativa de credenciais ao novo embaixador israelense. 

Confira, abaixo, galeria de imagens:

População chilena rejeitou proposta de nova Constituição no início deste mês | Foto: Fernando Lavoz/NurPhoto via Getty Images
Foto: Javier Torres/AFP
Foto: Martin Bernetti/AFP
As reações do governo Boric tem sido-de mudanças tópicas em seu gabinete e erradicassem muitas outras dimensões analisa Alberto Aggio | Foto: Abriendomundo/Shutterstock
Foto: Martin Bernetti/AFP
Foto: Reprodução/AFP
Foto: Reprodução/CUT
Foto: Reprodução/Voz do Pará
Foto: Tatohra/Shutterstock
População chilena rejeitou proposta de nova Constituição no início deste mês | Foto: Fernando Lavoz/NurPhoto via Getty Images
Foto: Javier Torres/AFP
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As reações do governo Boric tem sido-de mudanças tópicas em seu gabinete e erradicassem muitas outras dimensões analisa Alberto Aggio | Foto: Abriendomundo/Shutterstock
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População chilena rejeitou proposta de nova Constituição no início deste mês | Foto: Fernando Lavoz/NurPhoto via Getty Images
Foto: Javier Torres/AFP
Foto: Martin Bernetti/AFP
As reações do governo Boric tem sido-de mudanças tópicas em seu gabinete e erradicassem muitas outras dimensões analisa Alberto Aggio | Foto: Abriendomundo/Shutterstock
Foto: Martin Bernetti/AFP
Foto: Reprodução/AFP
Foto: Reprodução/CUT
Foto: Reprodução/Voz do Pará
Foto: Tatohra/Shutterstock
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Ainda não se tem claro como se fará uma nova Constituição para o Chile, ou mesmo se ela será feita. Há uma forte divisão entre aqueles que querem uma nova Assembleia Constituinte, com um novo formato na sua composição (as sugestões são inúmeras) e aqueles que simplesmente querem entregar essa tarefa ao atual Congresso e pensam simplesmente em “reformas constitucionais”. 

O cenário é efetivamente de uma imensa estafa. O apelo do presidente Boric – que defende a elaboração de uma nova Constituição – para que se afaste do novo debate constitucional as posturas “maximalistas, violentas e intolerantes com aqueles que pensam de maneira diversa” ajuda, mas é visivelmente insuficiente para enfrentar o enorme problema de recomposição de algum consenso entre os chilenos.

Sobre o autor

*Alberto Aggio é mestre e doutor em História pela USP e professor titular em História da América pela Unesp, com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália). Dedica-se à história política da América Latina Contemporânea, em especial à história política do Chile. É o diretor do Blog Horizontes Democráticos (https://horizontesdemocraticos.com.br/autores/) e autor de Democracia e socialismo: a experiência chilena (São Paulo: Unesp, 1993; Annablume, 2002, Appris, 2021).

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Arte: João Rodrigues/FAP

Vinícius Müller: “Novo federalismo pode gerar avanços na educação básica”

João Rodrigues, da equipe da FAP

Na sequência da série de entrevistas sobre o Bicentenário da Independência, o quarto episódio do podcast Rádio FAP propõe a reflexão sobre a forma de partilha do poder do Estado brasileiro. O professor Vinícius Müller, doutor em histórica econômica pela Universidade de São Paulo (USP), explica a importância de um novo federalismo.

Integrante do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Vinícius Müller é professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) e do Centro de Liderança Pública (CLP). Ele também é autor de diversos livros, entre eles “Educação Básica, Financiamento e Autonomia Regional” e a "A História como Presente".



Os maus resultados econômicos, os desafios para descentralização de poder na organização e atuação do Estado e a relação entre a má qualidade da Educação e o desenvolvimento econômico também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios da BRS Explica, TV Amazônica e CNN Brasil.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

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