Revista online | Não! Não Olhe! Sim! Enxergue!

O filme tem forte crítica social, centrada, principalmente, na questão da discriminação racial 
Foto: Reprodução/Cinepop
Foto: Reprodução/Cinepop

Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)

Em um primeiro momento, o título pode confundir… Não, não se trata de outra resenha sobre o afiado Não Olhe Pra Cima (2021), de Adam McKay, lançado no ano passado. Desta feita, o assunto é o terceiro longa do diretor afro-americano Jordan Peele, autor dos também excelentes Corra (2017), Ópera Prima que lhe rendeu o Oscar de melhor roteiro original, e Nós (2019), filme assustador que se vale da mítica do doppelgänger para revelar o lado mais sombrio de cada um de nós. O que os três têm em comum é o mergulho em um gênero esnobado pela crítica, o terror, que no seu caso, vem sempre acompanhado de uma forte crítica social, centrada, principalmente, na questão da discriminação racial.  

Em Não! Não Olhe!, essa questão continua presente, claro, mas ela se dilui em tantas outras camadas de simbolismos e significados que a trama apresenta. Em uma primeira leitura, estamos diante de um “neowestern de ficção científica trabalhado no suspense”.

A história se passa em um rancho perdido na aridez da Califórnia, onde a família Haywood cria cavalos e faz o adestramento dos animais para que eles possam “atuar” em produções hollywoodianas. Uma tradição familiar que descende do jóquei que aparece nas primeiras imagens em movimento da história do cinema: as dos cavalos de Muybridge. Acontece que os livros só se atêm ao movimento do animal, sem dar nenhum crédito a quem teria sido aquele jóquei negro da foto. Segundo Peele, um legítimo Haywood.

A trama poderia girar simplesmente em torno dessa omissão histórica e já seria por si só bem interessante. No entanto, essa é apenas uma das possibilidades de leitura que o filme nos proporciona. Há muitas mais.

Partindo de um prólogo incompreensível e aparentemente desconectado do resto da história, em que um chimpanzé ensanguentado aparece no meio de um set de filmagem, passamos, por meio de um corte seco, diretamente ao rancho Haywood. Ali, a morte repentina e inusitada do patriarca da família dá início à trama do filme.

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A partir daí, O.J. (Daniel Kaluuya), primogênito do velho Haywood, toma a frente dos negócios e, por pura falta de habilidade, sobretudo social, fracassa em seguir os passos do pai. Nem com a ajuda da irmã Emerald (uma carismática Keke Palmer) os negócios conseguem ir adiante. O jeito então é vender alguns cavalos a fim de não perder o rancho. Seu maior comprador é o vizinho Jupe (Steven Yeun), um coreano, ex-ator-mirim, que agora ganha a vida com um parque de diversões temático, meio fajuto, instalado naquele meio do nada californiano. Jupe usa os cavalos para criar espetáculos não muito claros no começo da história. O que se sabe apenas é que a cada apresentação o empresário volta para comprar mais um animal.

Aos poucos, coisas estranhas começam a acontecer no rancho Haywood. Uma nuvem se fixa no céu, objetos caem sabe lá Deus de onde, a energia vai embora sem explicação, pessoas começam a desaparecer… Tudo muito surreal! A primeira suspeita é a de que esses fenômenos sejam obra de seres extraterrestres que estariam vigiando a Terra, talvez com o intuito de invadi-la. Até aí, nada de muito original. Acontece que Peele vai subverter essa lógica, e de observados, os terráqueos passarão a ser os observadores. De caçados a caçadores.

Isso porque os irmãos Haywood decidem instalar câmeras em todo o perímetro de sua propriedade, com o intuito de registrar qualquer objeto ou movimento suspeito no céu. Os olhos mecânicos voltados para o alto, vão devolver o olhar alienígena, que observa enquanto é observado.

O olhar é, portanto, central nessa história tão bem inserida em nossa sociedade do espetáculo, em que não basta ver, mas é preciso, sobretudo, ser visto. Não basta ter conhecimento da existência de algo, é preciso filmá-lo e/ou fotografá-lo a fim de midiatizá-lo, viralizá-lo, transformando-o em capital e fama. Vide aqui a insistência de Emerald para mandar o material filmado à apresentadora Oprah. Esse mesmo olhar, que é forma de controle para uns e de submissão para outros, é também fundamental para que Peele desenvolva a sua questão-destaque, que sempre é a das injustiças sociais enfrentadas até hoje pela população negra.  

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Foto: Reprodução/G1
Foto: Reprodução/Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Chippu
Foto: Reprodução/UOL
Foto: Reprodução/Omelete
Foto: Reprodução/Observatório do Cinema
Foto: Reprodução/Legião dos Heróis
Foto: Reprodução/Plano Crítico
Foto: Reprodução/Omelete
Foto: Reprodução/G1
Foto: Reprodução/Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Chippu
Foto: Reprodução/UOL
Foto: Reprodução/Omelete
Foto: Reprodução/Observatório do Cinema
Foto: Reprodução/Legião dos Heróis
Foto: Reprodução/Plano Crítico
Foto: Reprodução/Omelete
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Foto: Reprodução/G1
Foto: Reprodução/Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Chippu
Foto: Reprodução/UOL
Foto: Reprodução/Omelete
Foto: Reprodução/Observatório do Cinema
Foto: Reprodução/Legião dos Heróis
Foto: Reprodução/Plano Crítico
Foto: Reprodução/Omelete
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Menos assustador do que Corra, mas ainda mais complexo do que Nós, Não! Não Olhe! está mais para suspense do que para terror. Mas bem distante do tradicional, claro! Estamos aqui diante de um suspense com jeitão de western e de ficção científica, tudo junto e misturado, em que Jordan Peele parece ter ido beber da fonte de Hitchcock, Spielberg, Shyamalan e Sergio Leone, com direito a uma eclética trilha sonora, assinada por Michael Abels, espécie de homenagem às obras desses diretores.

Um filme que, em uma primeira leitura, pode parecer puro entretenimento, mas que a cada releitura, mostra que chegou para chacoalhar nossos neurônios. Para enxergar, é preciso, porém, abrir bem os olhos e a mente.

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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