Day: setembro 30, 2022

Arte: João Rodrigues/FAP

Antonio Barbosa: “Desigualdade racial persiste há 200 anos e cria abismos sociais”

João Rodrigues, da equipe da FAP

A série sobre o Bicentenário da Independência, iniciada em agosto pelo podcast Rádio FAP, chega ao fim nesta sexta-feira (30/9) com uma entrevista especial com o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) e consultor legislativo aposentado do Senado Federal, Antonio Barbosa. Entre os convidados anteriores, estiveram o jornalista Sergio Leo, a médica Ligia Bahia, o consultor do Sebrae Cezar Vasquez, o professor Vinícius Müller e a psicopedagoga Terezinha Lelis, que aprofundaram debates sobre temas relevantes para o futuro do Brasil.

Para encerrar mais uma série de entrevistas sobre as efemérides de 2022, o podcast Rádio FAP aborda o tema Brasil e o protagonismo no século XXI, com o professor Antonio Barbosa. Um dos historiadores mais renomados do país, ele leciona na UnB as disciplinas de História Contemporânea, História Social e Política Geral.



Desigualdade racial, economia verde e a atual crise econômica e social também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios da TV Senado e das cinco entrevistas anteriores da série sobre o Bicentenário da Independência.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google PodcastsAnchorRadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.

RÁDIO FAP




Militantes do PCdoB fazem campanha no Calçadão de Campo Grande e relatam medo de agressões | Imagem: Igor Mello/ UOL

Intimidação e esquerda acuada: o clima no maior reduto bolsonarista do Rio

Nem mesmo o frio e a chuva fizeram com que a campanha eleitoral cessasse no principal reduto bolsonarista no Rio de Janeiro. Na reta final, cabos eleitorais de candidatos bolsonaristas e de partidos do Centrão disputavam espaço embaixo das marquises no Calçadão de Campo Grande, principal centro comercial do maior bairro carioca, localizado na zona oeste da capital.

No local, militantes e candidatos de esquerda relatam rotina de medo e intimidação por bolsonaristas, além do temor da milícia.

As zonas eleitorais de Campo Grande entregaram a Jair Bolsonaro (PL) sua maior vitória na disputa presidencial de 2018 na capital. Nelas, Bolsonaro venceu Fernando Haddad (PT) com 75% dos votos válidos. O bairro é o mais populoso do Brasil, segundo dados do Censo de 2010, e tem uma grande população evangélica e um número significativo de militares e policiais entre seus habitantes.

Nesta campanha, as ruas foram disputadas por candidatos de partidos fisiológicos e por bolsonaristas.

Ali, a esquerda se vê pouco representada: no Calçadão, o único candidato com uma presença relevante encontrado pelo UOL na quarta-feira (28) foi o petista André Ceciliano, presidente da (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) que tenta se eleger senador.

Fora isso, havia apenas duas barraquinhas distribuindo material de candidatos progressistas: uma do PCdoB e outra do PDT.

Cabos eleitorais no Calçadão de Campo Grande | Imagem: Igor Mello/ UOL

"É duro fazer campanha em Campo Grande porque ainda tem muita gente que declara voto em Bolsonaro. E há apreensão o tempo todo porque é notório que é uma área dominada [pela milícia]. Mas estamos aqui firmes e fortes na tentativa de mudar esse quadro", argumenta.

"Fazer campanha aqui no Calçadão ainda é tranquilo, dentro dos bairros [de Campo Grande] é diferente, tem um clima de intimidação maior." Carlos Rangel, coordenador da campanha do PCdoB em Campo Grande.

Atentado durante campanha. Apesar de relatos de discussões e troca de ofensas entre bolsonaristas e militantes de esquerda, a campanha transcorria sem casos de violência física até esta semana.

Na terça-feira (27), o vereador Willian Siri (PSOL), candidato a deputado federal, denunciou ter sido vítima de um atentado enquanto fazia campanha no centro de Campo Grande.

Siri relata que conversava com eleitores na calçada de um famoso bar do bairro quando um homem jogou o carro em sua direção. O parlamentar estava de costas e só não se feriu gravemente porque foi puxado por uma pessoa que viu a tentativa de atropelamento, segundo contou ao UOL.

Quando você olha essas violências políticas que têm no Brasil, não imagina que vai acontecer com você. Campo Grande é um bairro que nunca teve esse histórico. Tem a questão da milícia, que é outra coisa, mas violência nesse nível ideológico, não.

"Willian Siri (PSOL), vereador e candidato a deputado federal Com a proximidade do primeiro turno, Siri demonstrou preocupação com o risco de uma escalada de violência, especialmente com a chance de vitória de Lula no primeiro turno. Apesar disso, ele diz que a receptividade no bairro com candidatos de esquerda tem sido muito maior do que em 2018.

"O Calçadão de Campo Grande é meu parâmetro de vida política. Em 2018, até o camelô era Bolsonaro. Hoje mudou muita coisa. A quantidade de panfletos e adesivos do Lula que saem é muito grande."

'Datacamisa' dá vantagem a Bolsonaro. Se as campanhas de esquerda sustentam uma percepção de que o apoio a Lula tem crescido na reta final da campanha, quem aproveita a eleição para faturar tem uma opinião oposta.

Vendedores de itens como camisas e toalhas dos candidatos na região dizem que a procura por produtos com alusões ao presidente é muito maior.

O comerciante Adailson da Silva, 46, tem uma gráfica na região. Na frente, exibia apenas camisas com motes bolsonaristas. Perguntado sobre o motivo, disse ser uma opção eminentemente comercial.

"Não boto do Lula porque não vende. Para cada uma saem 30 do Bolsonaro. Eu só faço do Lula quando tem encomenda, porque não compensa ter no estoque. Hoje mesmo vendi dez camisas do Bolsonaro e não saiu nenhuma do Lula ainda", explicou.

A percepção do ambulante Geovane de Souza, 47, é a mesma. Ele concilia uma barraca que vende roupas e acessórios e uma carrocinha de pipocas no Calçadão. Ao lado de camisas verde e amarelas com o rosto de Bolsonaro há uma toalha de Lula à mostra. Souza diz que a demanda dos bolsonaristas é maior e que os públicos dos dois candidatos têm perfis diferentes.

"No comecinho estava vendendo mais do Lula, mas de um mês pra cá inverteu. Vendo 15 itens do Bolsonaro e uns cinco do Lula. Hoje já vendi cinco do Bolsonaro e nenhuma do Lula", relata. "Quem compra do Bolsonaro é mais pai de família, que vem pegar pra presentear o pai ou o avô. Já do Lula é gente mais jovem mesmo", diz.

O ambulante Geovane de Souza diz que camisas de Bolsonaro são mais vendidas que produtos de Lula em Campo Grande | Imagem: Igor Mello/ UOL

Destino de presidenciáveis. O Calçadão de Campo Grande é um ponto de parada obrigatório de candidatos que almejam crescer entre o eleitorado de perfil popular no Rio. Por isso, é sempre visitado por candidatos à prefeitura da capital e ao governo do estado.

Até mesmo presidenciáveis já marcaram presença no local. O mais célebre deles foi José Serra (PSDB). Em 2010, foi durante uma caminhada no local que ocorreu o episódio da bolinha de papel, quando ele caminhava ao lado de seu vice, Índio da Costa, e de militantes.

O grupo se encontrou com petistas e uma confusão ocorreu. Serra foi atingido por um objeto na cabeça e, inicialmente, foi divulgada a versão de que seria uma pedra. O presidenciável chegou a ir a um hospital fazer exames, que nada constataram. Posteriormente, imagens da confusão revelaram que Serra foi atingido por uma bolinha de papel e um rolo de fita adesiva.

Em 2014, foi a vez de Aécio Neves (PSDB) ir ao local. Ele foi levado por Jorge Picciani (MDB), que naquela época capitaneava o movimento "Aezão", uma dissidência que pedia votos no governador Luiz Fernando Pezão —que formalmente apoiava Dilma Rousseff (PT)— e no tucano.

Já Lula esteve no local fazendo corpo a corpo em 1998, quando acabou derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 2014, o PT chegou a organizar um grande comício para a campanha de Dilma Rousseff (PT) no Calçadão, tendo Lula como atração principal. Mas o ex-presidente desistiu de ir, frustrando os petistas que o aguardavam no local.

Na campanha deste ano, apenas Ciro Gomes (PDT) fez uma caminhada no Calçadão—ele esteve no bairro da zona oeste ao lado de Rodrigo Neves (PDT), seu candidato ao governo do Rio.

Texto publicado originalmente no portal UOL.


Em entrevista ao Jornal da Record, presidenciável falou sobre sua proposta para o empreendedorismo feminino e voto útil (Foto: Reprodução/TV Record)

Paulo Guedes é ‘engodo’ e não conhece a realidade do Brasil, diz Simone sobre atual ministro da Economia

Cidadnia23*

A candidata a presidente da coligação Brasil para Todos (MDB, Cidadania, PSDB e Podemos), Simone Tebet (MDB), criticou ao atual ministro da Economia, Paulo Guedes, e o chamou de ‘engodo’ durante entrevista ao Jornal da Record, da TV Record, nesta quarta-feira (28).

“Lamentavelmente, o atual ministro é um engodo. O ‘Posto Ipiranga’ que diz resolver tudo e não resolve nada. Ele simplesmente não conhece a realidade do Brasil a ponto de dizer que não tem gente pedindo comida ou dinheiro nos semáforos das grandes cidades brasileiras”, disse a candidata, a referir à fala de Guedes, ocorrida nesta segunda-feira (26), quando, em discurso para empresários na Bahia, ele afirmou que o Auxílio Brasil, programa de transferência de renda do governo Jair Bolsonaro (PL) em vigor desde novembro do ano passado, retirou as pessoas das ruas.

Simone respondeu também perguntas sobre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), falou sobre sua proposta para o empreendedorismo feminino e disse ainda o que pretende fazer para diminuir a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Voto útil

Durante a entrevista, Simone evitou citar o nome de Lula, mas disse que o “voto útil” é o “voto consciente” e que quem decide a eleição são os cidadãos. A campanha petista investe no que é conhecido como “voto útil”, quando um eleitor opta por um candidato que não é necessariamente a sua primeira opção com o objetivo de determinar os resultados eleitorais.

“Voto útil é o voto consciente do eleitor. Quem decide, dia 2 de outubro, são os cidadãos. Participei de algumas eleições e sei que o dia decisivo é nas eleições”, afirmou a presidenciável.

Combate à fome

Ao visitar o Mercado Muncipal de São Paulo nesta quarta-feira (28), Simone defendeu o combate à fome no Brasil.

“Estar no Mercado Municipal, onde nós falamos de fartura, é mostrar a triste realidade de um Brasil tão desigual. De um lado, alimenta o mundo, mas há uma parcela significativa da população que passa fome”, disse.

Ela ressaltou ainda a importância do combate urgente ao desperdício de alimentos no Brasil.

“Os dados oficiais mostram que se nós acabarmos com o desperdício, nós temos capacidade de alimentar todo o Brasil que passa fome. Depois da porteira para fora, nós temos desperdício no manuseio, no transporte, na armazenagem e na comercialização dos produtos, sem contar o desperdício da comida que a gente joga na lata de lixo porque não come tudo”, avaliou Simone.

Matéria publicada originalmente no portal Cidadania23.


Datafolha: 53% admitem ter mudado de comportamento nas redes sociais por motivos políticos — Foto: Soumil Kumar/Pexels

Datafolha: 53% admitem ter mudado de comportamento nas redes sociais por motivos políticos

G1*

A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%

Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira (30), encomendada pela Globo e pelo jornal “Folha de S.Paulo”, aponta que 53% dos eleitores com contas em redes sociais ou em aplicativos de mensagens dizem que já mudaram de comportamento por conta de divergência política nos últimos meses.

Para os eleitores do ex-presidente Lula (PT), o índice é mais alto: 57%. Já para os eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL), é mais baixo: 46%.

Os índices são os mesmos que os encontrados no levantamento anterior, divulgado em 31 de julho.

O Datafolha apresentou três situações vividas entre quem tem redes sociais:

  • Deixou de comentar ou compartilhar alguma coisa sobre política em grupo de Whatsapp para evitar discussões com amigos ou familiares;
  • Deixou de publicar ou compartilhar alguma coisa sobre política nas suas redes sociais para evitar discussões com amigos ou familiares;
  • Saiu de algum grupo de Whatsapp para evitar discussões políticas com amigos ou familiares.

No WhatsApp, 44% deixaram de falar sobre política (eram 43% em julho). Além disso, 15% já saíram de algum grupo para evitar discussões políticas com amigos ou familiares - eram 19%. Já na segunda situação, 42% já deixaram de publicar ou compartilhar algum conteúdo sobre política (eram 41%).

As taxas de mudança de comportamento são mais altas entre os eleitores de Lula que entre os de Bolsonaro. Na primeira situação, entre os eleitores do petista, o índice é de 48%, ante 38% entre os eleitores de Bolsonaro. Já na segunda situação, 45% ante 36%. Na terceira, 21% ante 8%.

Quando são consideradas as três situações, o índice de eleitores com conta em redes sociais ou em aplicativos de mensagens que já mudaram de comportamento alcança 53% no total (57% entre eleitores de Lula e 46% entre eleitores de Bolsonaro, como já dito).

Acesso a redes sociais

A pesquisa ainda apontou que oito em cada dez eleitores brasileiros (82%) possuem conta em alguma das redes sociais (Facebook, Instagram, Tik Tok e Twitter) ou aplicativos de mensagens pesquisados (WhatsApp e Telegram).

O alcance é mais elevado entre os seguintes grupos:

  • têm entre 16 e 24 anos (97%), 25 e 34 anos (95%) e 35 e 44 anos (89%);
  • são mais instruídos (96%);
  • possuem renda familiar mensal de mais de 2 a 5 salários mínimos (89%), 5 a 10 salários mínimos (94%) e mais de 10 salário mínimos (97%);
  • e moradores das regiões metropolitanas (87%).

Entre os eleitores de Jair Bolsonaro, o índice de usuários é mais alto que entre os eleitores de Lula -- 88% ante 78%.

Das redes sociais pesquisadas, o WhatsApp tem o maior índice de usuários (80%). Na sequência, estão: Facebook (64%), Instagram (56%), Tik Tok (29%), Telegram (21%) e Twitter (18%).

A pesquisa ouviu 6.800 pessoas, entre 27 e 29 de setembro, em 332 municípios. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%. A pesquisa está registrada no TSE com o nº BR-09479/2022.

Matéria publicada originalmente no G1


Famílias em insegurança alimentar passam fome, assunto regular nos discursos dos candidatos à Presidência | Foto: Nelson Antoine/Shutterstock

Revista online | Fome cai na boca de presidenciáveis e grita na barriga dos mais pobres

“Aqui em casa a mistura só é arroz e farinha. De manhã, meus meninos comem pão seco com água. Não tenho dinheiro para comprar leite”. O desabafo é da dona de casa Graziela dos Santos Pereira, de 27 anos, mãe solo de quatro meninos, de 11, 10, 8 e 6 anos, respectivamente. “Não consigo tomar nem remédio, porque dói com a barriga vazia”.

Moradora do Sol Nascente, favela no Distrito Federal e uma das maiores no Brasil, Graziela vive de “fazer bico de diarista”, como ela mesma conta, mas apenas quando consegue deixar as crianças aos cuidados de algum parente ou vizinho. “Não sobra para comer. A gente vive da compaixão das pessoas”, afirma. Ela se mudou do Maranhão para o DF, no ano passado, em busca de melhores condições de vida.

Sentada em uma cadeira de madeira de um barraco de lona, onde mora com os filhos, ela diz receber R$ 600 de auxílio do governo federal. Ela diz que “quebrar o jejum com pão de manhã”, “engolir a mistura no almoço” e repetir “arroz com farinha” na janta tem sido a realidade da família dela. “De vez em quando, a gente recebe ovo. Aqui não tem jeito de nem de guardar carne porque falta geladeira”, diz.

O retrato da miséria se estende a outras famílias brasileiras. Estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), divulgado neste mês, mostra que três em cada dez famílias enfrentam insegurança alimentar moderada ou grave no país. 

No total, em todo o país, 33 milhões de brasileiros sofrem com algum nível de insegurança alimentar, que tem três gradações: leve, moderada e grave. Famílias em insegurança alimentar grave passam fome, assunto regular nos discursos dos candidatos à Presidência da República e que mostra a gravidade do cenário brasileiro.

Negacionismo

No Brasil, a fome também é um dos assuntos que mais fazem os adversários cobrar explicações do presidente Jair Bolsonaro nos debates. Ele, porém, vai na linha do ministro da Economia, Paulo Guedes, que diz ser impossível ter 33 milhões de brasileiros passando fome no país.

Além disso, no mês de agosto, Bolsonaro vetou o reajuste de verbas para a merenda escolar aprovado pelo Congresso. Por isso, hoje o repasse para a compra de alimento para cada estudante do ensino fundamental e médio é de apenas R$ 0,36.

Se levar em conta a insegurança leve, de acordo com a pesquisa, o problema fica muito maior. No país, existem 125,2 milhões de pessoas com preocupação sobre a disponibilidade de alimentos, com algum grau de indisponibilidade deles ou passando fome. Equivale a seis em cada dez famílias brasileiras.

De acordo com o levantamento, as populações das regiões Norte e Nordeste são as que mais sofrem, em termos proporcionais, com a insegurança alimentar grave. No Maranhão, estado onde nasceu Graziela, por exemplo, quase dois terços (63,3%) das residências com crianças até dez anos apresentam insegurança alimentar moderada ou grave. 

Em seguida, segundo a pesquisa, aparecem Amapá (60,1%), Alagoas (59,9%), Sergipe (54,6%), Amazonas (54,4%), Pará (53,4%), Ceará (51,6%) e Roraima (49,3%). As famílias com renda inferior a meio salário-mínimo por pessoa estão mais sujeitas à insegurança alimentar moderada e grave. 

"Os resultados refletem as desigualdades regionais e evidenciam diferenças substanciais entre os estados de cada macrorregião do país. Não são espaços homogêneos do ponto de vista das condições de vida. Há diferenças socioeconômicas nas regiões que pedem políticas públicas direcionadas para cada estado que as compõem", diz Renato Maluf, coordenador da Rede Penssan.

Grave retrocesso

O ano de 2022 será lembrado como o marco de um grave retrocesso da segurança alimentar no Brasil com uma quantidade de pessoas passando fome ainda maior do que o registrado 30 anos atrás. O governo, porém, nega.

Se hoje 33 milhões de brasileiros passam fome no país, em 1993, eram 32 milhões de pessoas nessa situação, de acordo com levantamento semelhante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A população brasileira era 27% menor que a de hoje.

O governo alega que o consumo dos mais pobres está garantido com os programas de transferência de renda cujos valores aumentaram no último ano. O negacionismo do governo do presidente Jair Bolsonaro sobre a fome se comprova, inclusive, na falta de programa efetivo de combate ao problema ou de orientação da população relacionada ao consumo adequado de alimentos.

A Organização das Nações Unidas (ONU) orienta que reduzir desperdício de alimentos é a saída para combater a fome e a insegurança alimentar. O órgão estima que 17% de toda a produção global de comida é desperdiçada, a maior parte dentro das casas. Locais que servem comida, como restaurantes, totalizam 5% desse desperdício, e os varejos de alimentar, 2%.

O problema, que atinge principalmente quem vive em favelas ou outras áreas mais pobres do país, tem chamado atenção de líderes mundiais, que vem pedindo esforços contra a crescente insegurança alimentar, agravada pela convergência de crises, pela invasão russa e falta de fertilizantes.

Em declaração conjunta, publicada ao final de uma reunião ministerial à margem da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, neste mês, Estados Unidos, União Europeia, União Africana, Colômbia, Nigéria e Indonésia afirmaram seu "compromisso de agir de forma urgente, global e concertada para responder às extraordinárias necessidades alimentares de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo". 

Graziela, que olhava seus filhos brincarem no terreno de chão batido onde fica seu barracão, diz não ter perspectiva de melhoria. “Está todo mundo falando disso agora como se estivesse preocupado porque é época de eleição, mas viver assim já é algo banalizado. Todo dia a gente ouve o estômago ‘roncar’ de fome em algum momento”, afirma.

“Fome tem solução” 

O diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos no Brasil, Daniel Balaban, diz que o principal desafio no combate à fome no mundo é mobilizar países a criarem medidas que os façam parar de pedir ajuda externa. “Para isso, eles têm que investir em políticas públicas”, afirmou. 

O diretor ressalta que a continuidade de políticas públicas possibilitará à população acesso a direitos básicos, como alimentação nutritiva e saudável. “A fome tem solução, e, para isso, temos que ter vontade política de resolver o problema. Sem esse investimento contínuo, há risco de os países continuarem a enfrentar cenários de insegurança alimentar e desigualdade social”, alertou. 

Confira, a seguir, galeria de fotos:

Mais de 33 milhões de brasileiros sofrem com algum nível de insegurança alimentar | Foto:  Jorge Hely Veiga/Shutterstock
Em muitos lares brasileiros, há dias em que as panelas e os pratos estão vazios  | Foto: Arquivo/Agência Brasil
Com osso bovino nas mãos simbolizando a fome, mulher protesta contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) | Foto: Thales Antonio/Shutterstock
O ano de 2022 será lembrado como o marco de um grave retrocesso da segurança alimentar no Brasil | Foto: Joa Souza//Shutterstock
Sem dinheiro para comprar carnes, brasileiros aproveitam restos de açougues | Foto:  Thales Antonio/Shutterstock
O número de pedintes e moradores de rua cresceram bruscamente no Brasil | Foto:  Nelson Antoine/Shutterstock
Mais de 33 milhões de brasileiros sofrem com algum nível de insegurança alimentar | Foto: Jorge Hely Veiga/Shutterstock
Em muitos lares brasileiros, há dias em que as panelas e os pratos estão vazios | Foto: Arquivo/Agência Brasil
Com osso bovino nas mãos simbolizando a fome, mulher protesta contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) | Foto: Thales Antonio/Shutterstock
O ano de 2022 será lembrado como o marco de um grave retrocesso da segurança alimentar no Brasil | Foto: Joa Souza//Shutterstock
Sem dinheiro para comprar carnes, brasileiros aproveitam restos de açougues | Foto: Thales Antonio/Shutterstock
O número de pedintes e moradores de rua cresceram bruscamente no Brasil | Foto: Nelson Antoine/Shutterstock
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Mais de 33 milhões de brasileiros sofrem com algum nível de insegurança alimentar | Foto:  Jorge Hely Veiga/Shutterstock
Em muitos lares brasileiros, há dias em que as panelas e os pratos estão vazios  | Foto: Arquivo/Agência Brasil
Com osso bovino nas mãos simbolizando a fome, mulher protesta contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) | Foto: Thales Antonio/Shutterstock
O ano de 2022 será lembrado como o marco de um grave retrocesso da segurança alimentar no Brasil | Foto: Joa Souza//Shutterstock
Sem dinheiro para comprar carnes, brasileiros aproveitam restos de açougues | Foto:  Thales Antonio/Shutterstock
O número de pedintes e moradores de rua cresceram bruscamente no Brasil | Foto:  Nelson Antoine/Shutterstock
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Segundo Balaban, boas práticas de combate à fome devem ser ancoradas em quatro pilares principais: ajuda humanitária, investimento em educação, políticas de auxílio a pequenos produtores rurais e investimento em ciência e tecnologia. A orientação serve, sobretudo, para países que tiveram a situação da fome agravada pela pandemia da covid-19.

Assistente social e mestre em políticas públicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Andreia Lauande ressaltou que a fome não é um problema que surgiu com a pandemia do coronavírus. “Infelizmente, não é só a pandemia responsável por esse processo. Nós passamos por uma crise extremamente complexa que se acentuou com a pandemia”, disse ela.

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Ocupação Terra de Deus, na zona sul de São Paulo, surgiu durante a pandemia de covid-19. Foto divulgação BBC News/ Leandro Machado

Fome e crise estão abrindo 'hiperperiferias' em São Paulo

Leandro Machado | BBC News Brasil

Todo destino é incerto na Terra de Deus. Onde estarão os moradores no próximo mês? Em outra ocupação? Em outra cidade? Na rua? Em breve eles terão de sair, mas a vida errante não dá respostas fáceis. Uma das lideranças explica o nome da comunidade: "Quando a gente ocupou, um cara perguntou que lugar era esse. Respondi: 'só Deus sabe'. Se só Ele sabe, é Terra de Deus."

A ocupação Terra de Deus é exemplo de uma nova fronteira para onde a periferia paulistana está avançando. Ou, segundo alguns urbanistas, uma "hiperperiferia". A área nasceu há dois anos no bairro do Grajaú, extremo da zona sul de São Paulo, distrito mais populoso da cidade, com 360 mil habitantes.

Ela é uma das 516 ocupações de movimentos de habitação monitoradas pela Prefeitura de São Paulo. Em fevereiro de 2020, pouco antes do início da pandemia no Brasil, eram 218 dessas áreas na capital — uma alta de 136% em dois anos e meio.

O cenário do entorno é típico das periferias paulistanas: ruas estreitas, sobrados colados uns aos outros, dezenas de prédios de moradia popular e um comércio efervescente nas avenidas maiores. Na Terra de Deus, contudo, predominam os barracos de madeira e as ruas de terra; não há pontos de ônibus ou comércio. Canos e fios expostos mostram que água e energia elétrica só chegam por meio de gambiarras clandestinas.

O assentamento abriga pessoas em situação de ainda maior vulnerabilidade do que as que habitam as periferias da capital. São os chamados "nômades habitacionais", muitos dos quais em situação de fome, desempregadas e desamparadas, com acesso escasso a políticas e serviços públicos como saúde e transporte.

Aldenira Amarante
Legenda da foto,Aldenira Amarante terá de deixar sua casa ainda neste mês

"Eu amo esse lugar", diz Aldenira Amarante, de 50 anos, que chegou há dois anos com o marido e dois filhos. "Foi onde construí minha casa, meus filhos moram do meu lado", conta, enxugando as lágrimas em frente à casa de alvenaria erguida a duras penas.

Antes da pandemia, a família pagava R$ 800 de aluguel em outro bairro da zona sul. Mas seu companheiro perdeu o emprego de serviços gerais. "Era comer ou pagar o aluguel. Um amigo disse que estavam vendendo um terreno aqui e decidimos tentar comprar", diz.

Como muitos na Terra de Deus, a família pagou pela terra e pela esperança da casa própria — no caso, dinheiro que não tinha.

Aldenira e o marido pegaram um empréstimo no banco e deram R$ 6 mil para um vendedor que circulava pela região. O restante foi usado para erguer a residência, que será demolida nas próxima semanas. Da casa só vai ficar a dívida.

O problema é que o terreno da Terra de Deus era particular e foi recentemente adquirido pela prefeitura para a construção de conjuntos habitacionais (prometidos para 2024) e para o prolongamento de um parque linear ao lado do Córrego Ribeirão-Cocaia.

"Não quero nem olhar quando vierem derrubar. Não sei como vai ser, para onde vamos... É voltar para o aluguel, mas é difícil arrumar casa com R$ 400 por mês do auxílio", diz a dona de casa, que vai receber o auxílio-moradia da prefeitura e entrou na fila da habitação social do município - atualmente com 166 mil pessoas.

Hoje, o assentamento tem algumas dezenas de famílias, mas chegou a abrigar 1.200 no auge da pandemia. Quem saiu foi para outras ocupações ou para a rua.

Nos últimos meses, um a um, os barracos e casas de alvenaria estão sendo derrubados pela construtora responsável pelos novos prédios, deixando montes de tijolos, madeira e móveis.

Quem ficou convive com caminhões e tratores avançando com a terraplanagem e as demolições. Segundo a prefeitura, os moradores cadastrados vão receber auxílio-moradia e foram incluídos em programas sociais de transferência de renda e doação de cestas básicas.

Aldenira já viu muitos vizinhos deixarem o terreno. "A pessoa saía para procurar emprego e, quando chegava, a casa dela estava no chão", conta. Agora, ela espera que um dos futuros apartamentos daqui seja destinado à sua família. "Sonho com isso, mas se vai acontecer mesmo, só confiando em Deus."

Nômades habitacionais

Esse cenário de migrações constantes por parte de famílias pobres foi descrito pela urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, como "transitoriedade permanente" no livro Guerra dos Lugares (Editora Boitempo).

"São centenas de milhares de pessoas que são removidas, excluídas e despejadas, seja por incapacidade de pagar o aluguel ou por processos de remoção e reintegração de posse. São pessoas eternamente jogadas para fora, inclusive por políticas públicas", diz Rolnik à BBC News Brasil.

Um dos principais fatores que contribuem para isso são os despejos. Levantamento da campanha Despejo Zero apontou que 125 mil pessoas - entre elas 21,4 mil crianças - foram removidas de suas casas no Brasil entre março de 2020 e maio deste ano.

Em 2020, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu despejos e desocupações na pandemia, embora eles tenham continuado a acontecer. Em agosto, a maioria do plenário do STF prorrogou a suspensão até 31 de outubro - só votaram contra os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

Terra de Deus
Legenda da foto,Ocupação Terra de Deus vai abrigar unidades habitacionais e parque linear

Áreas como a Terra de Deus se tornaram refúgio para o contingente de despejados. Em suma, esses locais ficam em bairros dos extremos do município, como Grajaú e Campo Limpo, ou da região metropolitana, em cidades como Itapecerica da Serra e Carapicuíba.

Podem ocupar áreas com risco de deslizamento, mananciais e pontos de preservação ambiental. Mas, ao contrário da periferia "mais antiga", sofrem mais com a precariedade e falta de serviços públicos, e têm uma população mais vulnerável e com renda mais baixa. Alguns pesquisadores chamam esses lugares de "hiperperiferia".

"A hiperperiferia pode ser caracterizada por aquelas áreas de periferia que, ao lado das características mais típicas destes locais, apresentam condições adicionais de exclusão urbana", escreveram os pesquisadores Haroldo da Gama Torres e Eduardo Cesar Leão em um estudo dos anos 2000.

Para Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as hiperperiferias "são núcleos de ocupação recente, mais distantes e precárias, nas franjas da região metropolitana".

"Elas retomam esse padrão de casas de madeira, rua de terra e sem infraestrutura básica. É como se fosse a periferização da periferia", diz o urbanista.

Expulsão dos pobres

sofá abandonado na Terra de Deus

Para Talita Anzei Gonsales, pesquisadora do Laboratório Justiça Territorial da Universidade Federal do ABC, "as cidades brasileiras se estruturam por meio da expulsão dos mais pobres de bairros valorizados pelo mercado imobiliário" — e isso acontece até em pontos historicamente conhecidos como periféricos.

"Itaquera (zona leste) já foi periferia, mas hoje há um interesse muito grande do mercado para a construção de prédios. Isso aumenta os preços da terra e do aluguel, expulsando as pessoas mais pobres", diz.

Já a pesquisadora Gisele Brito, coordenadora de direito a cidades antirracistas do Instituto de Referência Negra Peregum, explica que "a crise econômica e a falta de políticas públicas de habitação e de desenvolvimento das cidades levam as pessoas para áreas onde elas conseguem pagar".

Ela ressalta que a maior parte dessa população é negra e ainda enfrenta processos de estigmatização quando os lugares onde vivem são classificados pelo poder público como "áreas de risco".

"Do que adianta reconhecimento do risco se não existe alternativa habitacional e oportunidades de aumento da renda? E isso tudo é pior com a população negra, que historicamente enfrentou mecanismos de impedimento de acesso à terra. Dificilmente uma pessoa negra recebe um pedaço de terra de herança", diz.

Umas das críticas de Brito aos programas de habitação, como o Casa Verde e Amarela, lançado pelo presidente Jair Bolsonaro em substituição ao Minha Casa, Minha Vida, é que "eles não priorizam famílias com faixa de renda entre um e dois salários mínimos", dando ênfase à população com um poder aquisitivo maior.

E essa situação pode piorar. No orçamento enviado ao Congresso, o governo Bolsonaro reduziu para apenas R$ 34,1 milhões o montante destinado ao Casa Verde e Amarela em 2023, redução de 95% do valor deste ano.

Já a Prefeitura de São Paulo afirma que, desde 2017, foram entregues mais de 33 mil moradias à população, feitas por programas que envolvem o município e os governos estadual e federal.

'Enganado do começo ao fim'

Na Terra de Deus, o pedreiro Paulo Duarte, 50, é um desses "nômades habitacionais". Morou por quatro anos com a mulher e o filho na periferia do Recife, em Pernambuco, mas faltava trabalho para ele na cidade. Deixou a família e voltou a São Paulo para procurar emprego e enviar o dinheiro à esposa.

"Fui para São Mateus (zona leste) no ano passado, mas não consegui emprego nem casa", conta ele, que se cadastrou no Auxílio Brasil, mas não sabe por que ainda não recebeu o benefício.

A maior parte dos moradores diz receber o auxílio, mas ressalta que, embora ajude na alimentação, ele não garante melhora significativa na renda. Alguns afirmam enfrentar problemas burocráticos para acessar o benefício.

Sem esperança ou qualquer centavo, Duarte se mudou para a Terra de Deus na virada do ano.

"Acreditei em uma coisa, mas estou vivendo outra. Não consigo comer direito, peço as sobras dos restaurantes. Perdi 10 quilos. Não tenho dinheiro nem para procurar trabalho", conta ele, que, ao final da entrevista, pede à reportagem algumas moedas para tomar café e comprar um cigarro.

O artesão Janesson Santiago, 42, também enfrenta mudanças constantes desde que saiu de Salvador, na Bahia, há três anos. Desembarcaram na favela de Paraisópolis, mas não conseguiram bancar o aluguel de R$ 600 na comunidade.

Janesson Santiago
Legenda da foto,Janesson Santiago migrou de Paraisópolis para a ocupação Terra de Deus, no Grajaú

"E também tinha conta de água e de luz, que pesam muito. Um mês eu pagava o aluguel, no outro a comida. Até que o dono não aceitou mais, e tivemos que sair. Quisemos tentar algo nosso, porque faz diferença morar naquilo que é seu", conta ele, que cria três crianças com a esposa — ambos estão desempregados.

Santiago soube da venda de lotes na Terra de Deus em um anúncio no Facebook. Pediu dinheiro emprestado a amigos e pagou R$ 20 mil pelo terreno, onde construiu uma casa, que também será demolida em breve.

"Me sinto enganado do começo ao fim. Estamos à deriva, sem futuro. Nem os agentes de saúde entram aqui, nem o Censo quis entrar", diz.

Influências

As hiperperiferias são loteadas de maneira irregular por diversos vendedores — em alguns casos, gente que diz pertencer ao crime organizado, segundo relatos ouvidos pela reportagem em bairros da zona sul.

Em nota, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz ter realizado dezenas de operações para combater ocupações ilegais e crime organizado em áreas de mananciais junto ao Ministério Público e à Polícia Civil.

Por outro lado, o extremo sul tem a influência e serve como reduto eleitoral de vários políticos, como os vereadores petistas Donato e Alfredinho, além de membros da família Tatto, também do PT.

Outro nome influente é o vereador Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal, cujos filhos também atuam na política.

O próprio prefeito, Ricardo Nunes, tinha a região como base eleitoral quando era vereador.

O Grajaú foi uma das poucas zonas eleitorais de São Paulo onde o petista Fernando Haddad ficou à frente de Bolsonaro no pleito de 2018 — teve 57% dos votos, ante 43% do rival.

No último sábado, o bairro foi palco de um comício do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial de domingo.

'Minha vida melhorou aqui'

ocupação Parque União
Legenda da foto,A ocupação Parque União fica às margens do Rodoanel, em Itapecerica da Serra

A hiperperiferia também cresce em cidades da Grande São Paulo.

A ocupação Parque União, em Itapecerica da Serra, avança há dois anos às margens do trecho sul do Rodoanel, complexo viário que interliga as principais rodovias do Estado.

A liderança do assentamento diz abrigar 5 mil pessoas — cerca de 300 crianças. Ele se tornou um pequeno bairro periférico com mais de mil barracos, ligações de água e energia elétrica clandestinas e 11 ruas de terra — a principal tem um 1 km de extensão.

A ocupação fica em uma área de proteção ambiental. Na entrada, uma clareira foi aberta para abrigar uma sede e um futuro ponto de ônibus - a população só consegue sair dali a pé ou de carro, pois não há transporte coletivo próximo.

A prefeitura de Itapecerica afirma que o terreno pertence a uma empresa e que há a previsão de reintegração de posse em breve. Também diz que a população é atendida por "políticas públicas de saúde, educação, assistência social, entre outras".

Segundo uma das lideranças, Luzicléia Jesus, um levantamento mostrou que 80% dos moradores estão desempregado. "Olha aqui esse vídeo", diz, e mostra a imagem de um homem tentando ligar um fogão em um barraco, mas o fogo não acende porque o gás acabou.

barraco na ocupação Parque União
Legenda da foto,Ocupação Parque União tem cerca de 5 mil moradores, segundo liderança

"Todos os dias recebo uns quatro ou cinco desses aqui, gente me pedindo comida, criança com fome. É com isso que tenho de lidar", diz Luzicléia, que faz parte de um movimento de moradia e vive em outra área ocupada recentemente.

Caminhando pelo Parque União, ela promete comida e cobertores aos recém chegados e mostra alguns barracos que já estão virando casas de alvenaria. Em um deles mora Tamili dos Santos, 32, faxineira desempregada, mãe de cinco crianças.

Depois de ter o último filho, há um ano e 9 meses, ela foi despedida do emprego e despejada de Embu das Artes. Ela e o marido só encontraram abrigo no Parque União, onde estão construindo uma casa com o dinheiro arrecadado na venda de produtos para reciclagem.

Tamili dos Santos em seu barraco
Legenda da foto,Tamili dos Santos, mãe de cinco filhos, chegou à ocupação em Itapecerica depois de ser despejadas

"Minha vida melhorou muito aqui. Só de não ter de pagar aluguel, água e luz, já é uma grande coisa. Comida a gente corre atrás... Só peço a Deus uma casinha para criar os filhos", afirma ela, sorridente, comemorando a laqueadura que iria fazer no dia seguinte no SUS.

Na mesma rua, o motorista Alexandre de Morais, 55, reclama do frio na comunidade cercada por uma mata. "Você daria um cobertor para mim?", pede à Luzicléia, que promete um edredom.

Morais foi despejado de uma casa em Cotia. Passou a viver no caminhão onde trabalhava, mas seu patrão vendeu o veículo com ele dentro — chegou à ocupação dois dias antes da reportagem.

No barraco, sofre com as dores de um câncer terminal no estômago. "Parei de me tratar, porque não tenho como ir nas consultas", diz. Ainda não tinha almoçado por volta das 17h. "Não consigo tomar os remédios, porque eles doem com a barriga vazia."

Mas uma criança de repente aparece com um pote de arroz, salada e bife. "Minha mãe mandou para o senhor", diz o menino. "Agradeça a ela, meu filho", responde Morais.

Enquanto come, pede que sua história seja contada nesta reportagem: "Pode colocar meu nome, sim, mostra isso aqui para eles... Sei que estou morrendo, mas queria morrer com dignidade, não desse jeito, magro, longe do meu filho. Essa é a realidade do Brasil que jogam para debaixo do tapete. Morrendo à míngua, no frio e com fome."

Matéria publicada originalmente no portal BBC News Brasil


Pesquisas mostram cenário a dez dias do primeiro turno - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Pesquisa eleitoral para o Senado aponta que PT, PL e PSD devem eleger mais parlamentares

Glauco Faria | Brasil de Fato

Segundo as pesquisas realizadas pelo instituto Ipec no mês de setembro, o PT, PL e PSD são as legendas que devem eleger mais senadores nas vagas em disputa nos 26 estados e no Distrito Federal. Levantamento do Brasil de Fato realizado com as sondagens mais atuais publicadas desde o dia 9 de setembro mostram que as eleições devem modificar o posicionamento das maiores bancadas na Casa.

O PT hoje tem atualmente uma bancada de sete senadores e duas vagas em disputa, contando com quatro candidatos que lideram as disputas além da margem de erro. A situação mais confortável é no Ceará, onde o ex-governador Camilo Santana tem 66%, enquanto a segunda colocada, Kamila Cardoso, tem 13%. No Piauí, o ex-governador Wellington Dias aparece com 46%, enquanto Jair Rodrigues (PP) aparece com 26%, em pesquisa divulgada no dia 12. 

Em Pernambuco, Teresa Leitão tem 32%, à frente dos adversários Gilson Machado (PL), André de Paula (PSD) e Guilherme Coelho (PSDB), todos com 10% cada um. De acordo com o último levantamento do Ipec no Rio Grande do Sul, divulgado na segunda-feira (26), Olívio Dutra (PT) oscilou dois pontos para cima e lidera com 30% de intenções, seguido por Ana Amélia Lemos (PSD), com 24%, e Hamilton Mourão (Republicanos), com 21%.

Outros dois petistas estão em empate técnico na liderança. Ricardo Coutinho (PT) está com 27% na Paraíba, enquanto Efraim Filho (União Brasil) chega a 25%. O embate é ainda mais acirrado no Pará, onde Beto Faro (PT) e Mário Couto (PL) aparecem com 20% cada.

Futuras bancadas no Senado

De acordo com esta projeção, o PT, que tem hoje 7 senadores, passaria a uma bancada entre 9 e 11 parlamentares. Atualmente, o MDB e o PSD têm as bancadas mais numerosas, com 13 e 11 cadeiras respectivamente, mas, segundo o Ipec, a situação deve mudar com a eleição de 2 outubro.

A renovação de um terço da Casa pode fazer com que os emedebistas, que têm quatro vagas em jogo, passem a ter 10 a 11 parlamentares. O único favorito absoluto da legenda é Renan Filho (MDB), que tem 59% em Alagoas, superando Davi Davino Filho (PP), que alcança 21%. No Espírito Santo, Rose de Freitas tem 31% de intenções de voto, ainda empatada com Magno Malta (PL), mas em ascensão segundo os últimos levantamentos, em que ultrapassou numericamente o bolsonarista.

As perspectivas para o PSD são de manter a bancada. Em três estados a legenda lidera: com Raimundo Colombo, em Santa Catarina; Omar Aziz, no Amazonas, e Otto Alencar, na Bahia. Como são três os senadores da legenda que finalizam o mandato agora, os pessedistas ficariam do mesmo tamanho.

O PL, de acordo com as pesquisas do Ipec, deve aumentar sua representação. O partido tem sete senadores, mas duas das suas vagas estão em disputa. Dois candidatos da legenda estão na liderança além da margem de erro e outros cinco estão em situação de empate técnico na liderança. Os favoritos da sigla são Romário, no Rio de Janeiro, e Wellington Fagundes, ambos candidatos à reeleição e com vantagem que supera a casa dos vinte pontos percentuais sobre os segundos colocados.

A legenda tem chances ainda no Distrito Federal, onde Flávia Arruda está empatada numericamente com Damares Alves (Republicanos), cenário similar aos de Pará, Sergipe, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.

:: Datafolha: Lula tem 50% dos votos válidos e pode vencer no primeiro turno; Bolsonaro tem 36% ::

Com oito senadores, o União Brasil tem somente um mandato vencendo no final do ano, o de Davi Alcolumbre, que lidera a corrida pelo Amapá, situação similar à de Alan Rick, no Acre. A legenda ainda pode eleger Professora Dorinha, que está à frente no Tocantins, no limite da margem de erro com Kátia Abreu (PP), numericamente em segundo lugar. Na Paraíba, Efraim Filho também disputa a dianteira.

Como ficariam as bancadas

Segundo as pesquisas do Ipec, as bancadas do Senado em 2023 ficariam:

PSD - 11

MDB - 10 a 11

PL - 7 a 12

PT - 9 a 11

União Brasil - 9 a 11

Podemos - 7

PP - 6 a 7

PSDB - 5

PDT - 2 a 3

PSB - 2 a 3

Republicanos - 2 a 3

Pros - 1

PSC - 1

Cidadania - 1

Rede - 1

Edição: Thalita Pires

Matéria publicada originalmente no portal Brasil de Fato


Foto reprodução DW Brasil: @Mauro Pimentel / AFP Getty Images

Tensão, ofensas e bate-boca marcam último debate

Jean-Philip Struck | DW Brasil

Em desvantagem nas pesquisas e com risco de perder já no primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou nesta quinta-feira (29/09) uma postura de "vale tudo" no terceiro e último debate da campanha presidencial.

Já no primeiro bloco, o presidente se referiu a Luiz Inácio Lula da Silva como "presidiário" e "traidor da pátria", recorreu a teorias conspiratórias e chegou a gritar quando seu microfone estava desligado.

Lula, por sua vez, em contraste com seu desempenho discreto no primeiro debate, em 28 de agosto, reagiu e devolveu os ataques, mencionando as "rachadinhas" e as dezenas de compras suspeitas de imóveis pelo clã Bolsonaro, além dos escândalos na compra de vacinas e distribuição de verbas do Ministério da Educação.

Na saraivada inicial de ataques lançadas por Bolsonaro, até mesmo a TV Globo, organizadora do debate, foi alvo. "Eu acabei com a mamata da Rede Globo", disse o presidente, que chegou acompanhado ao debate com seu filho Carlos, que é apontado como o cérebro do "gabinete do ódio" bolsonarista.

Boa parte da troca de farpas entre o presidente de extrema direita e o social-democrata Lula ocorreu ainda no início do debate.

Curiosamente, Bolsonaro e Lula nunca se enfrentaram cara a cara. Todas os ataques e críticas ocorreram em direitos de resposta ou perguntas e respostas a outros candidatos. Pelo sorteio, apenas Bolsonaro teve a chance de dirigir uma pergunta a Lula, mas o presidente, em vez disso, escolheu questionar o nanico Felipe D’Avila (Novo). Já o petista não foi sorteado para dirigir perguntas a Bolsonaro.

O presidente também voltou a repetir mentiras de debates anteriores, como a afirmação de que não tem relação ou responsabilidade pelo "Orçamento Secreto" ou de que seu governo não atrasou a compra de vacinas.

O debate ocorreu poucas horas depois da divulgação de mais uma pesquisa Datafolha, que mostrou Lula com 14 pontos de vantagem sobre Bolsonaro e com o petista mantendo suas chances de vencer no primeiro turno.

Nas últimas semanas, Bolsonaro tem ameaçado não respeitar o resultado das urnas e reforçado ataques ao sistema eleitoral. No entanto, a postura golpista do presidente em relação ao processo democrático praticamente não foi abordada por seus rivais. Apenas a candidata Soraya Thronicke (União Brasil) questionou se o presidente pretende liderar um golpe caso seja derrotado, mas Bolsonaro se esquivou e a senadora não voltou a insistir no tema.

Ao longo do debate, os sete candidatos presentes também raramente seguiram os temas sorteados. Perguntas que deveriam ser, por exemplo, sobre segurança pública, viraram troca de acusações sobre distribuição de cargos no governo federal.

Interrupções e gritos também foram frequentes, com o mediador William Bonner não escondendo sua frustração com o comportamento de alguns presidenciáveis, especialmente o candidato nanico "Padre" Kelmon (PTB), que agiu como provocador e sistematicamente desrespeitou as regras no seu papel de "linha auxiliar" de Bolsonaro ao longo do debate.

Lula também chegou a perder a paciência com Kelmon e chamou o candidato do PTB de "fariseu" e "candidato laranja".

Ao longo do debate, foram pedidos 19 direitos de resposta – quase o dobro do embate anterior. Dez foram concedidos – quatro favoráveis a Lula, quatro a Bolsonaro, um a Soraya e um a Kelmon.

Houve tensão até mesmo entre os candidatos nanicos, que registram 1% ou nem pontuam nas pesquisas. Soraya e Kelmon protagonizaram outra briga da noite, com a senadora chamando o candidato do PTB de "padre de festa junina".

Simone Tebet (MDB), a exemplo do que havia ocorrido nos dois debates anteriores, direcionou críticas a Bolsonaro. Apagado ao longo do embate, Ciro Gomes (PDT) apostou mais uma vez em distribuir críticas tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Felipe D'Avila (Novo), outro candidato nanico, preferiu direcionar ataques a Lula, mostrando convergência com Bolsonaro em diversas oportunidades.

Foram mais de três horas de debate. A tensão só começou a esfriar no quarto bloco, quando o debate já entrava na madrugada. Nessa etapa, Bolsonaro aproveitou para pedir votos a aliados e outros candidatos trocaram apenas perguntas burocráticas.

Bolsonaro ataca, Lula reage

"Nós não podemos continuar no país da roubalheira", disse Bolsonaro em uma pergunta dirigida ao aliado Kelmon, na primeira dobradinha da noite com o autoproclamado padre. O presidente também disse que o petista montou uma "quadrilha".

Lula reagiu. Ao ter um pedido de resposta atendido, Lula mencionou uma série de suspeitas que pairam sobre Bolsonaro, incluindo as acusações de roubo de salários de assessores que envolvem seu clã político e as dezenas de compras suspeitas de imóveis desde os anos 1990. "O presidente quando aparecer aqui, por favor, minta menos", disse Lula.

"Num debate entre pessoas que querem ser Presidente da República, o atual presidente tivesse um mínimo de honestidade. O mínimo de seriedade. Ele falar que eu montei quadrilha? Com a quadrilha da rachadinha dele que ele decretou sigilo de cem anos, com a rachadinha da família, sabe, do Ministério da Educação? Com barras de ouro? Ele falar de quadrilha comigo? Ele precisava se olhar no espelho e saber o que está acontecendo no governo dele", disse Lula.

"Mentiroso, ex-presidiário, traidor da pátria", rebateu Bolsonaro ao obter outro direito de resposta. "Que rachadinha? Rachadinha é os teus filhos roubando milhões. Tome vergonha na cara, Lula". Bolsonaro ainda afirmou que faz "um governo limpo, sem corrupção", embora sua administração tenha registrado diversos escândalos, como a "farra dos pastores" no MEC e acusações de propina da compra de vacinas.

Na sequência, foi a vez de Lula mencionar a série de sigilos de um século que o governo Bolsonaro decretou nos últimos quatro anos. "É uma insanidade um presidente da República vir aqui e dizer o que ele fala com a maior desfaçatez. É por isso que no dia 2 de outubro o povo vai te mandar para casa. E eu vou fazer um decreto acabando com o seu sigilo de 100 anos para saber o que tanto você quer esconder", disse Lula.

Fugindo de questionar Lula diretamente na escolha de adversários, Bolsonaro tentou usar outros candidatos para lançar ataques ao petista. Um deles foi Felipe D'Avila, do Novo. Bolsonaro questionou o liberal sobre se ele ficaria preocupado "se o governo cair na mão da esquerda". D'Avila prontamente aceitou fazer tabelinha com o presidente, criticando Lula e o PT.

O presidente tentou repetir a tática com Simone Tebet, trazendo o tema Celso Daniel para o debate. O assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) em 2002 é um tema que costuma ser explorado em círculos conspiracionistas de direita, que 20 anos depois ainda promovem acusações de que a cúpula do PT teve relação com o crime – algo descartado nas investigações.

Tebet, no entanto, não mordeu a isca lançada por Bolsonaro, e lançou uma provocação: "Falta ao senhor coragem para perguntar isso ao candidato do PT, que, segundo você, está envolvido no caso. Ele está aqui. Por que não pergunta a ele?".

A fala de Bolsonaro levou a um novo pedido de resposta de Lula. "Não é possível conviver com alguém com a cara de pau", disse o ex-presidente. "O Celso Daniel era meu amigo e foi o melhor gestor público que esse país já teve. A Polícia Civil e o MP já deram por encerrado [o caso], decidiram que é crime comum. Eu procurei o Fernando Henrique Cardoso e pedi para ele procurar a Polícia Federal, e você vem culpar o Lula pela morte de Celso Daniel? Seja responsável. Você tem uma filha de dez anos vendo o programa que você está fazendo, pare de mentir, o povo não suporta mais".

"Padre de festa junina" tumultua debate e irrita candidatos

Substituto do ex-deputado de extrema direita Roberto Jefferson, que teve sua candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, "padre" Kelmon tumultuou o debate em diversas oportunidades, evitando sistematicamente seguir as regras e lançando provocações para outros presidenciáveis.

Descrevendo todos os adversários de Bolsonaro como membros da "esquerda" – inclusive o liberal D'Avila –, Kelmon explicitou sua dobradinha com o presidente ao repetir, a exemplo do debate anterior, que o encontro consistia um "cinco contra dois".

Kelmon protagonizou dois bate-bocas: com o ex-presidente Lula e com a senadora Soraya. A candidata do União Brasil chamou Kelmon – que se apresenta e se veste como sacerdote ortodoxo mesmo não pertencendo a nenhuma igreja de comunhão ortodoxa no Brasil – de "padre de festa junina" e de "cabo eleitoral de Bolsonaro". Ela ainda perguntou se ele "não tem medo de ir para o inferno".

"O senhor está parecendo mais o seu candidato, que é nem-nem: Nem estuda e nem trabalha. O senhor não estudou. E dizer mais, não deu extrema-unção (para vítimas da pandemia) porque o senhor é um padre de festa junina. Não sabe nem o que é direita ou esquerda. Não sabe!", afirmou Soraya. Sem esconder seu desprezo pelo candidato do PTB que insistia em provocações, Soraya errou diversas vezes o nome de Kelmon, chamando-o de "Kelvin" e "Kelson".

Em outro momento, Kelmon protagonizou um bate-boca com Lula, com o petista se irritando com o candidato do PTB.  "O senhor é um descondenado. Não deveria nem estar aqui como candidato", disse o candidato do PTB ao petista.

Os microfones chegaram a ser cortados e as câmeras evitaram mostrar a discussão, mas era possível ouvir Lula ao fundo dirigindo críticas ríspidas ao adversário.

"Não dá para debater com uma pessoa que tem um comportamento de um fariseu e se veste de padre. Não dá. Ou você aprende a respeitar e fecha a boca quando alguém estiver falando", disse Lula, ao recuperar o microfone. Ele também chamou Kelmon de "candidato laranja" e de "impostor". O mediador do debate, o jornalista William Bonner, demonstrou exasperação com o comportamento do "padre", pedindo que ele se calasse e apontando que ele deveria se ater às regras do debate. "Candidato Kelmon, não consigo entender. O senhor compreendeu que tem regras o debate?", disse o jornalista.

Nas redes sociais, usuários criticaram a participação de Kelmon, questionando por que a legislação eleitoral permite que um candidato substituto que registra traço nas pesquisas possa participar dos debates.

Embates secundários

Ciro, que ficou apagado ao longo dos diversos embates ao longo do encontro, chegou a ter um momento com ares de acerto de contas com Lula no início do debate. Em uma pergunta dirigida ao petista, Ciro perguntou sobre o endividamento das famílias durante o governo do ex-presidente. "Ciro, estou achando você nervoso", provocou Lula na resposta. "Você saiu do governo porque quis ser candidato federal contra minha vontade. Eu queria que você fosse para o BNDES. Você viveu no período do meu governo no momento de maior conquista social desse país", disse Lula na resposta.

"O mais grave é que parece que o presidente Lula não quis aprender nada com as amargas lições que tomou. Não dá para aceitar esse tipo de nonsense de que não aconteceu nada [fazendo referência à corrupção]. Não dá para fazer de conta que não aconteceu. Esse paraíso que ele descreve quando vem aqui resultou na tragédia do Bolsonaro", rebateu Ciro, que nas últimas semanas tem multiplicado ataques a Lula e ao PT e feito acenos para o eleitorado de direita.

Nos ataques de Ciro ao PT, sobrou até mesmo para o cantor Caetano Veloso, que recentemente declarou que havia desistido de votar no pedetista e que passaria a apoiar Lula. "Se nós pegarmos artistas, cientistas, e tal, todo mundo passando pano, e juntando Caetano com Geddel para ficar em dois baianos, esse país está mergulhado num conchavo absolutamente mortal", disse Ciro, colocando na mesma cesta o cantor com o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que foi flagrado escondendo R$ 51 milhões em espécie no caso do "bunker da propina" durante o governo Michel Temer.

Outro embate ocorreu entre Bolsonaro e a senadora Soraya. A candidata do União Brasil foi a única que questionou o presidente se ele pretende respeitar o resultado eleitoral caso seja derrotado. Bolsonaro evitou responder. A senadora ainda questionou o presidente se ele se vacinou. "Se o senhor se vacinou, qual foi a vacina e quantas doses?", perguntou a senadora.

Bolsonaro se esquivou novamente da pergunta e aproveitou para lançar ataques contra a senadora, lançando a acusação de que ela estaria insatisfeita com o governo por não ter conseguido emplacar aliados em cargos. "A senhora seria muito dócil comigo se eu tivesse atendido a senhora em todos os cargos que a senhora pediu para mim por ofício: Iphan, Ibama. O negócio da senhora gosta de cargos, deitar e rolar. Como não conseguiu, basicamente virou uma inimiga nossa", disse Bolsonaro.

Soraya reagiu e afirmou que seus indicados não foram efetivados porque não aceitaram ceder parte de seus salários, numa referência ao escândalo das rachadinhas que assombra a família Bolsonaro. "Dentro de apenas três cargos que eu pedi ajudar o meu Estado, consegui dois, mas eles (os indicados) não aceitaram fazer rachadinha", disse. Bolsonaro também acusou Soraya de ser uma "candidata laranja".

"Não sou candidata laranja, o senhor me respeite. Nem respondeu se tomou a vacina ou não, seu governo não é transparente. Saímos do seu governo porque o senhor não cumpriu as bandeiras que te elegeram", rebateu a senadora.

Matéria publicada originalmente no portal DW Brasil


Nas entrelinhas: Há duas hipóteses (e não quatro) para Lula e Bolsonaro no primeiro turno

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A pesquisa DataFolha divulgada ontem pôs fogo no debate entre presidenciáveis da TV Globo, como vocês verão nas páginas do Correio Braziliense e do Estado de Minas de hoje. Com 50% dos votos válidos, como no levantamento anterior, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está com a bola na marca do pênalti para voltar ao poder, porém, pode chutá-la na trave e ter que encarar um segundo turno. O presidente Jair Bolsonaro (PL), com 36% de intenções de votos, subiu um ponto nas pesquisas. Com 6%, Ciro Gomes (PDT) caiu um ponto por causa da campanha do voto útil, e Simone Tebet (MDB), com 5%, manteve-se na mesma posição que estava. Soraya Thronicke (União Brasil) também manteve-se no 1%.

Esses resultados expurgam votos nulos, brancos e abstenções, como determina a lei eleitoral na hora de proclamar o vencedor. A pesquisa estimulada aponta Lula com 48%, um ponto a mais do que na semana passada; Bolsonaro com 34%, um a mais também. Ciro Gomes com 6%, um a menos; Simone, com os 5% da pesquisa anterior; e Soraya Thronicke (União Brasil), com 1%. Felipe d’Avila (Novo), Sofia Manzano (PCB), Vera Lúcia (PSTU), Léo Péricles, Constituinte Eymael (DC) e Padre Kelmon (PTB) não pontuaram. Votos branco/nulo/nenhum somam 3%, um a menos em relação à pesquisa anterior. Não sabe manteve 2%. Na simulação de segundo turno, Lula derrotaria Bolsonaro por 54% a 39% dos votos, sendo que o presidente da República cresceu um ponto e o ex-presidente parece que bateu no teto. A aprovação do governo caiu 1%, estando em 31%; esse ponto se deslocou para os que consideram o governo regular, que são 24%. A reprovação do governo manteve-se em 44%.

As duas hipóteses (e não, quatro) lembram a famosa teoria do humorista Barão de Itararé. Apparício Torelly era um otimista inveterado, para quem tudo acabaria bem quando a situação parecia a pior possível. O escritor Graciliano Ramos relata essa teoria em Memórias do Cárcere (Record). A tese fundamental era a seguinte: todo fato gera duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. O relato do autor de Vidas Secas, que foi prefeito de Palmeira dos Índios, em Alagoas, serve como uma luva para os paranoicos que temem ser presos num golpe de Estado, caso Bolsonaro perca as eleições:

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findaria aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela”.

Segundo turno

Por que as duas hipóteses e não quatro? Porque as pesquisas estão mostrando que não há possibilidade de Bolsonaro passar Lula no primeiro turno, muito menos vencer as eleições já no domingo. Neném Prancha, Antonio Franco de Oliveira, falecido em 1976, que foi roupeiro, massagista, olheiro e técnico do Botafogo, era um filósofo do futebol, segundo o jornalista Armando Nogueira, um botafoguense doente. Dizia que o futebol era um jogo muito simples: “Quem tem a bola ataca; e quem não tem, defende”. Foi o que fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas duas últimas semanas, ao mobilizar apoios de intelectuais, economistas, artistas, empresários e juristas, com o objetivo de levar de roldão a eleição, já no primeiro turno. Com 50% dos votos válidos, essa seria a hipótese mais provável, não houvesse o imponderável nos três dias que antecedem o pleito. Não se pode descartar a hipótese do segundo turno.

Por quê? Primeiro, porque o debate na TV Globo de ontem à noite terá impacto no cenário eleitoral, dependendo do desempenho de cada candidato. Segundo, em razão das abstenções, que podem ter causas espontâneas, como os insatisfeitos e desesperançosos com o fracasso da chamada terceira via viajarem no fim de semana, sem a preocupação de voltar a tempo de votar, ou induzidas, por medidas com o objetivo de dificultar o acesso dos eleitores aos locais de votação, reduzindo a circulação ou coibindo o acesso gratuito aos transportes coletivos. Terceiro, a resiliência eleitoral de Ciro, Tebet e Soraya. Quarto, a defasagem da base de dados do IBGE utilizada na montagem do modelo das pesquisas. E se houver segundo turno? Nesse caso, é melhor deixar acontecer para analisar.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ha-duas-hipoteses-e-nao-quatro-para-lula-e-bolsonaro-no-primeiro-turno/