Presidência

Alon Feuerwerker: Um pouco de criatividade

Dois elementos têm destaque entre as causas da nossa crônica turbulência institucional. 1) O presidente vitorioso na urna nunca consegue eleger com ele uma maioria partidária na Câmara dos Deputados. E, combinada a isso, 2) a prerrogativa de o Executivo legislar por medida provisória vem se tornando um foco de instabilidade. Para acrescentar, conforme passa o tempo o Judiciário fica progressivamente tentado a se oferecer como poder moderador. Tudo meio fora de lugar.

Vai aqui uma primeira ideia para consertar o primeiro problema: as cadeiras obtidas pelo partido em cada estado para a Câmara deveriam ser calculadas não pela votação dos candidatos a deputado, mas pela votação do candidato a presidente no estado. A mesma lógica valeria para Assembleias e Câmaras Municipais. As coligações para o Legislativo já estão proibidas. Essa medida simples eliminaria as coligações para o Executivo. Se o partido não lançasse candidato a presidente, governador ou prefeito não elegeria deputado federal, estadual ou vereador.

Os votos nos candidatos ao Legislativo continuariam valendo, mas só para definir a ordem de preenchimento das vagas conquistadas pela legenda.

Jair Bolsonaro (então no PSL) e Fernando Haddad (PT) tiveram juntos pouco mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Os dois partidos elegeram somados apenas 21% da Câmara dos Deputados. A diferença é autoexplicativa. Quem hoje está na oposição vai torcer o nariz para um cenário em que Jair Bolsonaro teria maioria sólida na Câmara. Mas fica a pergunta: como lá na frente um governo de quem hoje é oposição conseguirá governar e ter alguma estabilidade mantidas as atuais regras do jogo?

E o segundo problema? Antes, uma recapitulação. A medida provisória, herdeira do decreto-lei usado no regime militar, entrou na Constituição de 1988 também por ser parte da arquitetura planejada para o parlamentarismo. Com uma maioria permanente, o chefe do gabinete governaria por MPs. Se alguma delas caísse, abrir-se-ia a crise de governo. Solucionável ou por rearranjo congressual ou por uma nova eleição. Mas o parlamentarismo não passou nem na Constituinte nem no plebiscito após a revisão da Carta.

Para oferecer uma solução mais abrangente de estabilidade sem despotismo talvez seja adequado dar outro passo e acabar também com as medidas provisórias. Cortar o nó górdio. Hoje elas oferecem a sensação e alguma possibilidade de poder, mas são, a cada dia mais, buracos no casco da autoridade do governante. Ele tenta governar por MPs para contornar seus problemas com o Legislativo, apenas para adiante bater no muro do protagonismo dos presidentes do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

E num modelo em que o presidente eleito elegesse com ele uma maioria parlamentar o fim das MPs atenuaria os impulsos despóticos presidenciais. E sempre haveria a possibilidade, já prevista na Constituição, de o governo propor projetos de lei em regime de urgência.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

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Publicado originalmente na revista Veja 2.693, de 1o. de julho de 2020


Alon Feuerwerker: Os riscos e a prudência

Tentar decifrar o que vai no pensamento alheio é sempre meio estrambótico. Tipo aquelas especulações “o presidente pensou em nomear fulano, mas acabou nomeando sicrano”. Um exemplo de afirmação indesmentível. Quem poderá mesmo garantir que o sujeito pensou em algo, ou deixou de pensar? E assim segue a vida.

Outra excentricidade é imaginar que todas as ações de governos e governantes são previamente pensadas e planejadas para atingir determinados objetivos, e sempre obedecendo a um bem elaborado e pré-estabelecido cenário. Parte do pressuposto, em geral, de que o governante é um gênio.

Esses dois mecanismos mentais derivam em parte da necessidade compulsiva de que tudo tenha uma explicação lógica, necessidade que é irmã siamesa do desejo de acreditar que as decisões de quem nos lidera têm sempre um fundo racional. O paralelismo mais comum, usado à exaustão, é com piloto de avião e comandante de embarcação.

Pululam as teorias sobre a razão da saída de Sérgio Moro. Todas merecem ser jornalisticamente investigadas. Então eu vou participar também com algum “especulol”. E se Jair Bolsonaro forçou a demissão para evitar que um potencial adversário em 2022 continuasse se criando e ganhando musculatura política de dentro do governo?

Perguntei aqui em janeiro: “E se Moro virar o candidato do ‘centro’?”. Sabe-se que 1) a principal oposição ao presidente desde o início do mandato é a busca de um “bolsonarismo sem Bolsonaro”; e 2) até agora os candidatos a liderar esse bloco potencial não demonstram musculatura suficiente, pelo menos nas pesquisas.

A demissão de Moro abre-lhe a possibilidade de disputar o posto agora sem amarras. Mas depende de ele conseguir provocar a amputação do mandato presidencial. Por meio do Congresso ou da Justiça. E depende de um segundo fator: caso Bolsonaro saia, impedir que o vice se consolide na cadeira rumo a 2022.

É um jogo em que tudo tem de dar muito certo. Nada pode dar errado. Uma jogada de alto risco.

Talvez por raciocínio, talvez por intuição, Bolsonaro leva jeito de ter forçado mesmo a demissão de Moro. Poderia eventualmente ter seguido a dança e não feito publicar logo pela manhã no Diário Oficial a exoneração do chefe da Polícia Federal. Imagino que soubesse: ficar nesta circunstância seria humilhante demais para o ex-juiz da celebrada Lava-Jato.

E já que estamos falando em risco, o de Bolsonaro é o impeachment ou alguma outra modalidade legal de afastamento. Neste momento, são bem minoritárias as forças políticas que desejam isso de coração. Exatamente porque não são elas que comerão o bolo se organizarem a festa. Ou vai ser Moro, ou vai ser (Hamilton) Mourão.

A resistência dos políticos nunca é garantia, mais ainda quando a chamada opinião pública entra em modo de campanha para supostamente salvar o Brasil, algo que se dá de tempos em tempos. Entretanto, pensando bem, é um processo que já vinha sendo ensaiado. Então é possível que Bolsonaro tenha decidido limpar a área, mesmo que à beque de fazenda.

Ainda falando em risco, um adicional para Moro é sua onda ser surfada por quem deseja tirar o presidente e depois o ex-ministro ser simplesmente abandonado em favor de quem estará na cadeira com a caneta na mão e isento de culpa na confusão. Sobre isso, cumpre notar que o retrospecto do destino dos heróis dos recentes impeachments recomenda alguma prudência.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Le Monde: O Presidente, os militares e o astrólogo

Grandes Ministérios, serviços de saúde, pesquisa espacial… os militares ocupam posições estratégicas do país depois de eleger Jair Bolsonaro em 2018. Mas, desde então, o chefe de estado, sob a influência de um "Guru", se liberta de sua tutela 

Bruno Meyerfeld - Rio de Janeiro (Brasil) ­ - correspondente
Tradução: Julia Otero

“Nós somos os cadetes do Brasil, com peito viril!”, gritam centenas de futuros oficiais brasileiros, metidos em seus uniformes “azulão”, azuis e brancos, com pluma vermelha. Neste sábado, 17 de agosto de 2019, é dia de festa na academia militar das Agulhas Negras: a cerimônia tradicional a cerimônia do sabre ocorre na presença do Chefe de Estado, Jair Bolsonaro.

No pátio do marechal Mascarenhas de Moraes (conhecido como o pátio “P3M”), no sopé dos picos da Serra da Mantiqueira, 170 quilômetros a noroeste do Rio de Janeiro, cada cadete recebe uma réplica da arma transportada, mais de um século atrás, pelo duque de Caxias, fundador e santo padroeiro do exército brasileiro. "Não há emoção ou honra maior como chefe das forças armadas do que presidir esta cerimônia, diz Bolsonaro na frente dos jovens que lhe dirigiam atenção. Como vocês, em 1974, eu também recebi minha espada neste P3M sagrado."

"Muitos chefes de estado participam dessa cerimônia, mas, com Bolsonaro, naturalmente, estava tocante. Ele se formou a partir daqui e tem um relacionamento especial nesta escola. Nós o recebemos como amigo", lembra o comandante Dutra, diretor da Academia das Agulhas Negras, uma grande academia brasileira de prestígio de 67 km2 que, desde 1944, forma a cada ano cerca de 400 oficiais.

OS MEMBROS DE UMA GRANDE FAMÍLIA
O presidente não veio sozinho. Na plataforma meia dúzia de seus ministros estão de pé: todos os militares, generais e capitães, todos os “antigos” das Agulhas Negras. Diante dos cadetes, o presidente lista seus nomes, exalta suas qualidades. Como se apresentasse membros de uma grande família, finalmente reunidos no topo do estado.
Desde o final da ditadura em 1985, nunca os militares estiveram presentes no meio do governo. Até o ponto em que a mídia do país hoje evocam uma "esplanada verde-oliva", a cor das forças armadas para descrever o eixo monumental de Brasília, onde estão localizados o palácio presidencial do Planalto e os vários ministérios.

Além do capitão Bolsonaro e general Hamilton Mourão, vice-presidente, os militares chefiam vários departamentos: os da defesa, mineração e energia, infraestrutura, ciência e comunicação, controle geral de contas públicas (CGU). Eles também desempenham as funções de chefes de gabinete de segurança institucional (GSI, responsável pela segurança e
Inteligência) e Casa Civil, diretamente subordinada ao Presidente e aos que ganharam cargos em escritórios ministeriais.

O Exército, as forças armadas, também aumentou sua presença em todos os níveis de poder. Segundo relatos da imprensa, pelo menos 2.500 soldados estão servindo em escritórios ministeriais, como conselheiros ou secretários. O Ministério do Meio Ambiente, que empregava um soldado antes da chegada da extrema direita, em consideração hoje doze. Oficiais também foram nomeados para presidir várias agências públicas, como os Correios, serviços hospitalares ou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, responsável pelo monitoramento do desmatamento na Amazônia).

"A grande âncora do meu governo, são as forças armadas ", assumiu Jair Bolsonaro, cercado por policiais, durante discurso no Clube Naval de Brasília em dezembro de 2019. Nestes tempos de cortes no orçamento, o Ministério da Defesa é privilegiado: seus gastos aumentaram 10,9% em 2019. O exército é chamado em todas as circunstâncias: extinguir incêndios na Amazônia durante a operação de verão "Brasil Verde" em 2019; restaurar a ordem no estado do norte do Ceará, onde o crime explodiu em Fevereiro; apoiar funcionários da segurança social, oprimida pelo afluxo de casos no início do ano. E claro, hoje para combater a pandemia devido ao coronavírus.

"Estamos testemunhando a militarização do estado brasileiro", diz um oficial preocupado, ex-funcionário, que exige anonimato e lembra que "começou antes de Bolsonaro". Presidente Michel Temer (2016-2018) já havia baseado seu poder nas forças armadas confiando pela primeira vez a cadeira da defesa a um general e aumentou o orçamento para este ministério de 21%. No final de seu mandato, ele também ofereceu o comando de segurança no Rio de Janeiro aos militares.

FAZER UM “OBSTÁCULO AO SOCIALISMO”
Quem são esses soldados chamados à frente por Jair Bolsonaro, responsável, nos termos do Presidente, para "obstruir o socialismo"?
Entre os soldados, há todas as forças (terra, ar, mar), todas as fileiras (generais, tenentes, capitães, almirante etc.), todos os status (ativo, reservistas, aposentados), de todas as regiões (cariocas, paulistas, gaúchos do sul, mineiros do interior ...): um verdadeiro "exército mexicano".

Na realidade, o núcleo central é formado por alguns generais de quatro estrelas da terra, na casa dos sessenta e graduados da Agulhas Negras entre 1975 e 1978, como Jair Bolsonaro (turma 1977). Neste "quartél" muito selecionado, encontramos, entre outros, o vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o chefe da Casa Civil (equivalente ao primeiro Ministro) Walter Souza Braga Netto, e ainda Edson Leal Pujol, o discreto comandante-chefe das Forças Armadas.

"Esta é uma geração muito especial", insiste Maud Chirio, historiadora e autora de A política uniformizada. A experiência brasileira, 1960-1980 (PUR, 2016). “Ela foi treinada na academia durante os períodos mais difíceis da ditadura para combater os “vermelhos", travar a guerra contra o comunismo. Seus instrutores eram oficiais que tinham participado da repressão dos primeiros anos de chumbo e da tortura. Mas, saiu das Agulhas Negras e o país se democratizou. Não há mais guerra, mais ninguém para reprimir. Eles têm a sensação ter chegado atrasado para a reunião de história. De ter perdido a ‘“sua” grande guerra.

Frustrados, esses oficiais foram buscar a glória longe do Brasil. No Haiti, precisamente. O Brasil enviou para lá, de 2004 a 2017, a Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti (Minustah), da qual participaram 35.000 soldados. "Esses oficiais que foram para o exterior se consideram uma elite, pacificadores, muito superiores aos "políticos" corruptos e ineficazes. Então quando o Brasil afundou na crise, alguns se perguntam: "Se eu ajudei o Haiti, por que não o país? ", analisa Christoph Harig, pesquisador na Universidade Helmut-Schmidt, em Hamburgo. De fato, cinco dos onze comandantes da “turma” do Haiti ocupam - ou têm ocupado - uma função dentro do poder bolsonarista.

Por que esses generais orgulhosos se juntaram ao "pequeno" capitão Bolsonaro? De fato, este último tem sido desprezado por seus superiores. Atribuído a várias posições de artilharia, depois de paraquedista do Rio, ele teve uma carreira medíocre. O cadete 531 tornou-se capitão, apelidado de Cavalão por seus colegas, melhor ilustrado por sua atuação em pentatlo ou mergulho (3'42 '' em apnéia) do que por seu gênio militar.

"ENCARNAÇÃO DO MAU EXEMPLO"
Em setembro de 1986, ele se tornou "a personificação do mau exemplo", lembra um oficial. Frustrado com a democratização e a perda de privilégios militares, o capitão quebra o protocolo para publicar uma carta aberta na revista Veja. Sob o título "Os salários são (ou estão) baixos" e uma foto em que posa, com uma boina vermelha e um olhar severo, ele protesta contra a diminuição dos salários, provocando a fúria dos generais. O "amotinado" é punido com uma sanção disciplinar de quinze dias de prisão.

A ruptura é consumida um ano depois. Veja, sempre, afirma, em outubro de 1987, que Bolsonaro seria o co-autor de um plano chamado "Beco sem saída", que planejava detonar bombas em vários quartéis e academias. O requerente nega isso, mas é condenado por um tribunal militar. Absolvido um ano depois, ele deixa o ativo para a reserva, evitando a desonra da exclusão.

"Seu caminho é a política", aconselha um coronel, que acerta na mosca. Eleito vereador em 1988, então deputado federal pelo Rio de Janeiro em 1990, o "capitão bomba" se destaca como a voz do militar do "baixo clero": tropas, sargentos e corporais. Ele ganhou popularidade no quartel, mas sofreu aborrecimento e humilhação por parte dos oficiais. Durante anos, ele foi banido de academias, quartéis e até áreas reservadas para oficiais. “Os generais nunca amaram meu pai", um de seus filhos, Carlos, repete regularmente.

Sua reconciliação com a equipe teve que esperar até 2011 pela criação, sob a presidência Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores, PT, esquerda), da Comissão Nacional da Verdade encarregada de investigar os crimes da ditadura. "Para nós, foi uma ruptura, um golpe sério e simbólico. Esta comissão era como uma caça às bruxas, uma "Bolivarização" de exércitos. Destruiu nosso relacionamento com o PT ", lembra o general Sergio Westphalen Etchegoyen, 68, um forte gaúcho do sul e ex-chefe de gabinete do exército. "Então sim, quando tocamos na essência da nossa profissão, nós reagimos”, continua ele.

Bolsonaro, sentindo subir a raiva dos quatro estrelas, se comporta como o líder do grupo da anti-comissão. Multiplicando por dezenas suas intervenções sobre o assunto, ele evoca o "Vinte anos de glória" da ditadura, sob aquela em que o povo "aproveitou ao máximo de liberdade e de direitos humanos ", e não hesita em prestar homenagem ao "herói nacional" da época, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais torturadores do regime.

Em sua ascensão política, o capitão recebe apoio discreto de oficiais de alta patente, mas também do Clube Militar do Rio - uma associação muito conservadora de oficiais. O general Eduardo Villas Bôas, comandante chefe do exército, se opõe, no Twitter, em abril de 2018, para uma possível liberação do ex-chefe de Estado Lula, então encarcerado e principal candidato de Bolsonaro à eleição eleição presidencial seguinte: uma incursão sem precedentes na política por um cargo tão alto, de renome por sua moderação.

CONCILIAÇÃO COM AS ALTAS CLASSES
"Os grandes generais do Haiti viram em [Bolsonaro] uma oportunidade de expulsar o PT do poder e salvaguardar seus interesses ", disse um oficial ativo, um conhecedor da elite militar. Nesta grande conciliação, um homem desempenha um papel essencial: General Augusto Heleno, agora um braço O chefe de gabinete de segurança institucional de direita e influente de Bolsonaro, responsável por coordenar as atividades da inteligência. Tem 72 anos, homem de cabelos brancos perfeitamente penteado é uma lenda do exército brasileiro. Esportista emérito, o mais destacado em três escolas emblemáticas do exército, esse general também foi o primeiro comandante da missão da ONU no Haiti. Mais velho e mais radical do que seus colegas no governo, partidário da linha dura repressiva da ditadura jamais escondeu suas convicções de extrema direita. Seu encontro com Bolsonaro remonta à década de 1970, Nas Agulhas Negras, onde ele era um instrutor. Todos os dois “bocas grandes” (falastrões, exibidos, que gostam de ostentar), esportistas e anticomunistas se dão maravilhosamente bem e mantêm um forte vínculo.

O general Heleno é um dos primeiros a quem Bolsonaro confia seus sonhos de ascensão ao poder em um almoço em 2016. "Você acha que eu sou louco?" Ele perguntou ao general, diante de um prato de camarão. Muito pelo contrário: o quatro estrelas se torna seu principal apoio. E montou um "comando" de três generais para apoiá-lo em sua campanha. "A ideia, era estar com pessoas em quem você confia", disse o general Aléssio Ribeiro Souto, 71, ativista de uma escola "anti-socialista" e membro do "comando" que, toda quarta-feira, a partir de janeiro de 2018, reúne-se no piso de um triplex no norte de Brasília. "Foi muito informal. Conversamos até o meio dia, fizemos apresentações ao candidato sobre assuntos de infraestrutura, educação, desenvolvimento, às vezes economia", lembra ele.

Em outubro de 2018, quando Bolsonaro saiu vitorioso da eleição, os generais escolhem os melhores cargos (em francês é utilizada a expressão “cortar, escolher, dividir a parte do leão”- se taille la part du lion - que significa pegar, escolher o maior, o melhor de alguma coisa), coloca seus homens, impõe sua cadência. Reunindo nacionalistas e preocupados com a imagem do país, os militares também trabalharam para moderar seu presidente, aconselhado, por exemplo, a desistir de intervir militarmente na Venezuela, ou para receber uma base militar norte-americana em solo brasileiro.

Eles, no entanto, vão encontrar um forte oponente na pessoa de Olavo de Carvalho. Este ex-astrólogo de 72 anos que vive nos Estados Unidos, que acredita que a Terra é plana e considera os cigarros bons para a saúde, é o mentor da ala ideológica do Governo Bolsonaro, representado, entre outros, pelos filhos do presidente e pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. E ele vomita nos militares.

Entre os "Olivas" e os "Olavistas", a guerra é declarada. Em 2019, no Twitter, o guru zomba o vice-presidente geral Mourão dos "cabelos tingidos e uma voz hipócrita ", da “mentalidade golpista" e da "vaidade monstruosa". Os oficiais não se privam de responder contra isso "Trotsky da direita”. "Os olavistas são um grupo fanático que pensam apenas em criar tumulto: o oposto do pragmatismo militar. São inúteis, fantoches", pragueja Paulo Chagas, general de 70 anos com um elegante bigode, francófilo e louco por cavalaria (ele passou pela escola Saumur), que apoia o presidente.

Bolsonaro vence sua culpa, recusando-se a arbitrar, mas acaba se irritando com a supervisão dos generais. Até o confronto na primavera de 2019: General Carlos Alberto dos Santos Cruz, então poderoso Secretário Nacional de Segurança Pública atraiu a ira de Olavo Carvalho, que o chamou de "merda" e "estrume sugado". Sob o fogo de uma intensa campanha de difamação online lançada pelos filhos do presidente, e libertado por Jair Bolsonaro, o general deixa o governo.

O evento correu mal entre os "Olive", porque Santos Cruz não é um qualquer um. Ele comandou a Minustah do Haiti, mas também a missão da ONU no Congo (Monusco), 23.000 soldados da paz, onde ele perdeu a vida. Depois de sua partida, outros seis soldados renunciaram ao governo ou foram demitidos, como os generais Franklimberg de Freitas, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Maynard Marques de Santa Rosa, da Secretaria de Assuntos Estratégicos.

NEGAÇÃO DA GRAVIDADE DO CORONAVÍRUS
O medo mudou de lado e a hierarquia se inverteu. Bolsonaro, presidente e chefe das forças armadas, "não aceitava mais ser um capitão no meio de generais", explica a jornalista Thais Oyama em seu livro Tormenta (“Tempête”, Companhia das Letras, 2020, não traduzido), escrito no ano de 2019 sobre o poder brasileiro. Contrário às Forças Armadas, ele, por exemplo, aprovou o assassinato, pelo exército General Iraniano Ghassem Soleimani e apoiou o plano de paz para o conflito israelense-palestino de Donald Trump, e continua a negar a gravidade do coronavírus. "Esses policiais esperavam subjugar Bolsonaro e eles falharam. Ele escapa deles. Ele mostrou a eles que não era seu subordinado e que até o mais brilhante dos generais brasileiros pode ser demitido ", acrescenta João Roberto Martins Filho, especialista em exército.

Desde então, os militares obtiveram novas posições do governo como a Casa Civil, em fevereiro, e Bolsonaro permanece muito popular entre a base da instituição. Mas na elite, algo quebrou. "Entre amigos em geral, achamos que ele deveria se controlar, morder a língua antes de falar ", diz o general Paulo Chagas. "Bolsonaro não é soldado há muito tempo. Ele passou dois terços da sua vida na política. É isso o que ele procura, é o poder ", diz seu “camarada" de quatro estrelas, Sergio Etchegoyen.

As forças Armadas poderiam deixar Bolsonaro? Existe, para elas, uma "linha vermelha"? "Os militares começaram a voltar ao poder antes de Bolsonaro. Eles não fizeram tudo isso para sair rapidamente. Se Bolsonaro for longe demais, é ele quem terá que sair”, acredita um oficial, ex-funcionário da presidência, contra a politização do exército. “Pode afetar nosso relacionamento com a população. Perderemos nossa credibilidade, nossa imparcialidade, seremos responsáveis ​​pelo desastre deste governo. A política, não é o nosso terreno”.


O exército brasileiro, do positivismo ao anticomunismo paranóico

Para proteger seus 16.800 km de fronteiras e equipar seus 360.000 soldados, o "gigante" brasileiro gasta apenas 1,5% do seu PIB em defesa - contra 2,1% em média a nível mundial. E, no entanto, por mais de um século que os militares dão o ritmo no país. "Os militares sempre quiseram se intrometer na política e governar. Após a ditadura, sua presença na vida pública foi somente mais discreta ”, destaca João Roberto Martins Filho, especialista militar e professor da Universidade Federal de São Carlos.

Em 15 de novembro de 1889, foram elas quem derrubaram um império sem fôlego e proclamaram a república, dando no país seu primeiro presidente, marechal Deodoro da Fonseca. O brasil foi presidido por dez presidentes do exército, durante trinta e sete anos - mais de um quarto de sua história moderna. O capitão Jair Bolsonaro é qualquer coisa menos uma exceção.

No final do século XIX , o Exército brasileiro é progressista, influenciado pela França e pela filosofia positivista de Auguste Comte. No poder, decreta a separação entre a igreja e o estado, cria o primeiro ministério da educação e proclama o novo lema nacional Ordem e Progresso.

Coluna "vermelha"
O quartel altamente politizado é o cenário de debates fervorosos e revoltas incessantes, muitas vezes para exigir melhores salários. E às vezes em nome de ideais esquerdistas, como, na década de 1920, o movimento Tenentista, liderado pelo capitão Luís Carlos Prestes, o "cavaleiro da esperança", segundo o escritor brasileiro Jorge Amado.

Na cabeça de uma coluna "vermelha" de centenas de soldados amotinados, ele viaja mais de 25.000 quilômetros durante de uma "longa caminhada" através do Brasil, de 1925 a 1927, tentando elevar a população em seu caminho.

Ele levará décadas para profissionalizar essa turbulento tropa. Nesse sentido, a missão militar francesa no Brasil, liderada pelo general Gamelin, no final da Primeira Guerra Mundial, foi decisiva: disciplina reforçada, centralização do comando, treinamento de ponta, desenvolvimento de indústrias essenciais de armamento ... “a nova concepção de defesa abrangeu todos os aspectos relevantes da vida nacional", sublinha o historiador José Murilo de Carvalho em sua obra de referência Forças Armadas e Política no Brasil (Todavia, 2019, não traduzido). A consagração chega durante a segunda guerra mundial. Mais de 25.000 pracinhas são enviados para o front ao lado dos aliados e obter muitas vitórias notáveis nos Apeninos italianos contra Alemanha nazista.

Um episódio fundador
Ideologicamente, positivismo e ideais socialistas foram, depois de muito tempo, abandonados. Ao contrário, segundo Martins Filho, "as forças armadas são marcadas por um anticomunismo paranóico" cujo episódio fundador é a Intentona de 1935. Neste ano, um punhado de militares, principalmente relacionados ao movimento comunista, fomentou um golpe. Dominado rapidamente, este constituirá, no entanto, um trauma que inaugura "a associação de comunismo com o mal, representado como uma doença", diz o historiador Celso Castro em A Invenção do Exército brasileiro (Zahar, 2002, não traduzido). Uma quinta coluna, espreitando nas sombras.

Foi essa "paranóia" que levou militares, escaldados pelo precedente castrista em 1959 em Cuba e com o apoio de Washington, para liderar, em 1964, outro golpe. O presidente de esquerda João Goulart, eleito democraticamente três anos antes, foi derrubado. Os generais, que desejavam o poder mais que tudo, manteve as rédeas do estado por vinte e um anos - a mais longa ditadura militar no subcontinente. A repressão fez oficialmente 434 mortos, em comparação com uma estimativa de 30.000 na Argentina e 3.000 no Chile. O que fez Jair Bolsonaro declarar em 2016 que o erro da ditadura brasileira tinha sido apenas "torturar e não matar".


Leandro Colon: Caso Secom é hora da verdade para Comissão de Ética da Presidência

Se a comissão topar manobra de Wajngarten e aplicar inútil advertência, é melhor deixar de existir

A Comissão de Ética Pública, vinculada à Presidência, deve discutir nesta terça-feira (18) o caso de conflito de interesses, revelado pela Folha, envolvendo o chefe da Secom do Planalto, Fabio Wajngarten.

Investigado pela Polícia Federal sob suspeita de corrupção, peculato e advocacia administrativa, Wajngarten aposta em um salvo-conduto do colegiado para estancar o desgaste que vem sofrendo no cargo.

Criada em 1999, a comissão teve poucos efeitos práticos até agora. É um órgão consultivo, sem poder para demitir servidores que corrompam princípios éticos. No máximo, recomenda a exoneração ou aplica uma advertência. Não pune para valer.

Até hoje, por exemplo, apenas um ministro foi alvo do pedido de demissão: Carlos Lupi, no governo de Dilma Rousseff, em 2011, pelas relações promíscuas de ONGs ligadas ao PDT, seu partido, e a pasta que comandava, o Ministério do Trabalho.

Como mostrou este jornal, Wajngarten, ao assumir a chefia da Secom de Jair Bolsonaro, omitiu da comissão da Presidência que era sócio de uma empresa que mantém contratos há anos com emissoras de televisão e agências de publicidade contratadas pelo governo com verbas destinadas pela própria Secom.

A lei 12.813, do conflito entre interesses público e privado, proíbe o servidor de exercer atividade que implique “a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão dele ou de colegiado do qual participe”.

Se não bastasse a omissão dos negócios fora do Planalto, Wajngarten fez uma proposta estapafúrdia à comissão: transferir à sua mulher a empresa da qual tem 95% das cotas.

Hoje, o chefe da Secom distribui verba do governo para seus clientes. Com a mudança sugerida, mandará dinheiro para clientes da própria mulher. O conflito de interesses continua. Por que Wajngarten não rompe seus contratos privados com as emissoras? Se a comissão topar a manobra e ainda aplicar uma inútil advertência, é melhor deixar de existir.

*Leandro Colon, Diretor da Sucursal de Brasília,


Política Democrática || Alberto Aggio: Bolsonaro, ano 1

O ano de 2019 passou com o presidente Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988, avalia Alberto Aggio

Ele veio como um terremoto, mobilizando as profundezas da sociedade. Assustou, verdadeiramente. E continua a assustar, pois o tremor que se sentiu continua, dia após dia, sob fogo cerrado de um discurso intolerante e de uma linguagem marcada pela confrontação permanente, sem remissão nem acordos. Em meio ao turbilhão que se instalou com a vitória e ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, já é tempo de entender que ele não veio “do nada”. O antipetismo que se formou desde as manifestações de 2013 até o impeachment de Dilma Rousseff foi o que essencialmente o elegeu. Mas há mais do que isso.

É necessário, de saída, reconhecer que Bolsonaro foi eleito dentro dos parâmetros democráticos que nos guiam e, portanto, sua vitória está coberta de legitimidade. Interessa a Bolsonaro ultrapassar a imagem de que seu êxito representou apenas um instante fugaz. Quer conclamar homens e mulheres a segui-lo e refazer o caminho de sua vitória eleitoral, rumo a outra, a de 2022. Mesmo com os olhos mergulhados no passado, busca alterar o tempo histórico. Mais importante do que conquistar posições que lhe garantam trânsito sustentável em direção ao futuro, importa instituir um movimento, em tempo curto, que o leve a mais um mandato.

No já longínquo 2018, o candidato derrotado do PT, Fernando Haddad, balbuciou palavras referentes à “resistência” de uma “outra nação”, mas permaneceu imóvel, como seu partido, esperando a “soltura” de seu guia, que continuaria a vociferar como antes, reiterando que nada mudara em sua visão. Diferentemente de Bolsonaro, Lula movimenta-se no sentido de voltar a ter posições mais favoráveis nas relações de força que compõem o difícil e complexo terreno da política brasileira nos dias que correm. Na linguagem preferida do velho líder: “corre muito, quer o jogo concentrado nele, mas marca poucos gols”!

A consigna de “resistência” a Bolsonaro foi aceita quase que generalizadamente, mas deveria ser traduzida por uma estratégia de construção de uma “oposição democrática” no corpo das instituições, na opinião pública e na sociedade, cuja principal missão deveria ser a de evitar que “as inclinações autoritárias do presidente eleito e do seu entorno” se transformem em “regime político”, como expusemos em Política Democrática Online 2, em novembro de 2018 (pp.18-19). Transcorrido um ano do governo Bolsonaro, não parece que tal objetivo tenha perdido sua validade, muito ao contrário. Atesta-se, por outro lado, a incapacidade do PT em dar corpo e solidez a essa estratégia.

O ano passou com Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988. Fez questão de não evitar e mesmo assegurar suas posições homofóbicas, racistas, antiecológicas, antiparlamentares, anti-institucionais, antidemocratas ou similares. Foi mais corporativo, em defesa dos diversos grupos militares e religiosos que o apoiam, do que reformista. Mesmo quanto à Reforma da Previdência, aprovada em 2019, Bolsonaro não pode proclamar como uma vitória sua, uma vez que pouco ou nada fez para que ela passasse na Câmara e no Senado.

Diante das dificuldades de governança e do declínio em sua popularidade, atestado nas pesquisas, o presidente não se furtou a estimular especulações a respeito da sua sucessão. Sem um projeto claro a perseguir como marca de governo, Bolsonaro passou o ano fazendo com que a questão eleitoral de 2022 fosse o terreno oculto a lhe possibilitar uma contraposição retórica com seus possíveis adversários. O presidente da República não teve dúvidas em instrumentalizar antecipadamente sua sucessão para sondar como andam seus apoios, sem necessitar, mais uma vez, ceder à articulação com o mundo político. Parece convencido de que investir suas fichas nas correias de transmissão que lhe deram a vitória eleitoral, com prevalência para as redes sociais, poderá lhe garantir a vitória novamente. Permanecer com o percentual de apoio que lhe assegure um lugar no segundo turno em 2022 é o objetivo almejado. Bolsonaro subiu a rampa do Planalto, mas imediatamente retornou ao palanque: é um presidente-candidato, como o foi Lula, o tempo todo, embora os estilos sejam notavelmente diferentes.

Ideologicamente, Bolsonaro é, sem dúvida, um político reacionário e regressivo que, para chegar a ser conservador, necessitaria de um programa de governo consonante com o desenvolvimento brasileiro e com os avanços civilizacionais do Ocidente, mas que supusesse um “freada de arrumação”, visando a garantir ou conservar parte do padrão histórico alcançado em ambas dimensões. Entretanto, Bolsonaro (e seu entorno, filhos inclusos) não chega a ser um conservador. Quer retroagir a marcha da história. Menos ainda um liberal, em termos políticos. Inúmeras vezes vociferou indiretamente contra a Constituição, a “Carta das liberdades e dos direitos”, como a ela se referia o liberal Ulisses Guimarães. Bolsonaro rejeita os vetores emancipatórios contidos nas transformações valorativas da modernidade. As metamorfoses atuais do mundo lhes são inadmissíveis. Identifica-se essencialmente com o mundo do pentecostalismo e seu cortejo de falaciosas restrições.

No plano internacional, Bolsonaro aposta na sua capacidade de anular a dinâmica e os efeitos da globalização entre nós e, por isso, se posiciona claramente contra o globalismo, sustentando um nacionalismo manchado de anacronismo. Diante do irredutível “conflito econômico mundial”, que se expressa de forma global, Bolsonaro não contempla uma perspectiva de cooperação entre os países, isto é, uma política de interdependência que favoreça a convivência entre diferentes e a busca de um destino comum para a humanidade. Sua postura extremista nos tem levado a uma posição subalterna ao atual governo norte-americano, além de vincular o país ao que há de mais reacionário na política europeia.

O “ano 1” projetou um líder que se recusou a formar uma base política no Parlamento, rifou o partido pelo qual se elegeu e busca construir um “novo partido” (Aliança pelo Brasil), de perfil personalista, seguindo as orientações de Olavo de Carvalho, um ideólogo saturado de nostalgia e extremismo. A construção desse partido seria então a resposta do presidente ao isolar-se do mainstream político e procurar consolidar, na sociedade, um movimento que possa lhe dar sustentação e lhe ser estritamente fiel.

Na dimensão reconhecidamente mais exitosa deste “ano 1”, os parcos resultados alcançados na economia são avaliados em meio a fortes suspeitas sobre sua sustentabilidade. A reforma da Previdência acionou, como afirma Luiz Carlos Mendonça de Barros, “a força de uma recuperação cíclica tradicional, que já existia desde o governo Temer (e que) começou a ganhar tração ao longo dos últimos meses. Mas a lentidão desta recuperação, principalmente na questão do desemprego, criou um ambiente de ceticismo entre os analistas e mesmo junto à sociedade” (Valor, 16.12.2019). Em síntese, a economia deu sinais de que está saindo da recessão provocada pelos disparates efetuados no governo de Dilma Rousseff (PT), mas não tem como avançar senão lentamente, mesmo com o rebaixamento dos juros a um nível jamais visto na história recente.

Em um ambiente político mais apropriado à “guerra de posições”, Bolsonaro preferiu a “guerra de movimento”, como o comandante de um “exército” embrionário identificado no “bolsonarismo”. Entretanto, à diferença dos seus pares internacionais, o iliberalismo de Bolsonaro não demonstrou, neste “ano 1”, força real para impor derrotas à democracia, como sistema político. Embora haja uma sensação de ameaça permanente, não há posições conquistadas no sentido de destruir a democracia da Carta de 1988 em seus fundamentos. As oposições resistem institucionalmente, mas não demonstram capacidade de enfrentar a “guerra de movimento” do bolsonarismo.

O “ano 1” de Bolsonaro está focado no segundo mandato. Ele precisa desesperadamente de sua reeleição. Para isso, quer nos manter estacionados politicamente em 2018.


Alon Feuerwerker: Exigir que o poder mande os mais fiéis para a degola a troco de nada é um passaporte para a desgraça

As escaramuças (por enquanto são só isso) em torno do presidente da República (e com a participação dele) têm sido retratadas como disputa entre um núcleo fundamentalista imaturo e outros núcleos maduros e, portanto, carregados de razão.

O primeiro reuniria antes de tudo os filhos, em primeiro lugar o do meio. Na periferia, alguns ministros da esfera de influência do chamado olavismo. Já os segundos congregariam a equipe econômica e os militares.

Desconfie das simplificações. Elas são como a Física do ensino médio: úteis para fins didáticos mas inúteis quando precisam explicar o fenômeno na essência. Dizer que “o problema de Jair Bolsonaro são os filhos” explica tudo e ao mesmo tempo não explica nada.

Duvida? Faça o teste. Tente responder a esta pergunta que deriva da afirmação acima: “Se o presidente precisar afastar do entorno os filhos, especialmente Carlos, com quem exatamente poderá contar?”

Hoje em dia, a lista mais comprida da área que reúne a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios é a de candidatos a tutelar o presidente da República. É consequência, esperada, do projeto “vamos eleger o Bolsonaro para derrotar o PT e depois a gente vê o que faz”.

O então candidato do PSL aceitou jogar esse jogo, cuidando de reduzir a incerteza na política econômica. Mas nunca deu qualquer sinal de que, no poder, faria um governo de paulos guedes.

Presidentes muito fracos são levados a engolir a tutela, e isso não costuma ser suficiente. Fernando Collor, acuado, montou um ministério dito ético, vertebrado pelo PFL, e mesmo assim caiu. Dilma Rousseff entregou a articulação política a Michel Temer, e o resultado é sabido.

Nos dois casos, o que era para ser ampliação da base de governo acabou virando o centro ou parte da conspiração para derrubar o governo. Bolsonaro tem muitos defeitos, mas não nasceu ontem.

Há exceções? Uma que confirma a regra foi Itamar Franco. No começo achou que governaria. Foi trucidado pela imprensa do Sudeste (nessas horas Minas Gerais não faz parte do Sudeste). Teve de entregar a presidência de fato ao ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.

Só sobreviveu porque abriu mão de qualquer poder, ou perspectiva de poder imediato. Caiu sem cair, esperando voltar em quatro anos. Mas FHC aprovou a reeleição e deixou Itamar na mão.

Bolsonaro, ao contrário de Collor, Dilma e Itamar, não está fraco. O núcleo da sua base social continua mobilizado pela agenda maximalista de endurecimento penal, valores conservadores e alinhamento com Donald Trump.

E o empresariado só quer saber da reforma da previdência, remédio do momento para curar a economia atacada pela estagnação. E na hora “h” o mercado vai apertar o torniquete no pescoço do Congresso até este entregar a mercadoria.

O que pode dar errado? Alguém das internas reunir massa crítica e começar a drenar poder. O vice dá seus passinhos mas, notem, Bolsonaro nunca passa recibo. O vice tem estabilidade no emprego.

Então, a bazuca presidencial volta-se contra quem ensaia apresentar-se como moderado, confiável e racional. É por aí que o poder começa a cortar cabeças. O que fica mais fácil quando o alvo potencial comete um erro.

E o erro número zero em palácio é o sujeito achar que há espaço para fazer uma política própria diferente da do chefe. Ainda mais quando o chefe está forte e cercado por fiéis.

Exigir que o poder mande os mais fiéis para a degola a troco de nada é um passaporte para a desgraça.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 

 


Claudia Safatle: Governo familiar não tem como dar certo

Bebianno não foi demitido nem vai pedir demissão

Governar é algo bem mais complexo do que parece supor o presidente Jair Bolsonaro. Não há modelo bem-sucedido de um governo em que o filho do presidente da República chama um ministro de Estado de "mentiroso" pelo Twitter. E, mais grave, com o aval do pai, que, algumas horas depois, replicou o tweet do filho sem a menor atenção aos ritos do cargo para o qual ele foi eleito, e não a sua família.

O caso, que envolveu o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, demandou ação dos ministros militares, que, ontem, não escondiam a preocupação com os rumos de um governo que, recém empossado, já está criando suas próprias crises ao tratar a Presidência da República como extensão da sua casa.

Na área econômica também havia inquietação, ontem pela manhã, com os possíveis efeitos desse episódio no ambiente político do Congresso, que, no dia 20, receberá a proposta da reforma da Previdência. A base de apoio do governo não está tão sólida que não possa, de repente, ruir.

"Esta é uma situação desagradável que precisa ser resolvida. Tem muitas coisas importantes e a atenção deve ser focada em itens relevantes e produtivos", disse um ministro com gabinete no Palácio do Planalto.

Ontem esse mesmo ministro, assim como o vice-presidente Hamilton Mourão, dentre outros, pretendiam conversar com Bolsonaro sobre as sérias implicações que esse modelo de gestão familiar pode trazer para o país. Na noite de quarta feira o presidente recebeu a visita, no Palácio da Alvorada, dos ministros do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

As relações de Bolsonaro com Bebianno, alvo do filho vereador no Twitter, não estão boas desde o governo de transição. O ministro, que conduziu o PSL (partido do presidente da República) durante a campanha eleitoral está, agora, no centro de uma denúncia de desvio de R$ 400 mil do fundo partidário para candidatura "laranja" do partido.

Na quarta-feira, questionado por um jornalista sobre eventual mal-estar no governo frente à denuncia, Bebianno respondeu que não havia mal-estar algum, tanto que ele tinha conversado três vezes com Bolsonaro.

Pela rede social, Carlos chamou o ministro de "mentiroso" e negou que o pai, ainda internado no hospital Albert Einstein, tivesse atendido as suas ligações.

À noite Bolsonaro declarou em um programa de televisão que, se o ministro da Secretaria de Governo estiver envolvido no laranjal de falsas candidaturas, ele voltará "às suas origens". O caso já está sob investigação da Polícia Federal.

As relações de Bebianno com os parlamentares que primeiro apoiaram a candidatura de Bolsonaro à Presidência também não estavam nada bem. Durante a campanha eleitoral, o ministro tratou de afastar os assessores e os deputados mais próximos do candidato. Vencido o pleito, as reações e queixas contra ele não tardaram a aparecer.

Do comando do PSL, Bebianno pretendia ser alçado a ministro da Justiça. Não foi. Ele demorou a ser oficializado como chefe da Secretaria de Governo, posto que ficou sem atribuições por que dele foram retirados a gestão do PPI (Projetos Prioritários de Investimentos) assim como a área de comunicação de governo, responsável pelas verbas publicitárias.

Foi exatamente nessa área que ocorreu o primeiro atrito público entre o Carlos e Bebianno, quando o presidente eleito pensou em colocar o filho no controle da comunicação do governo.

O ministro também tem seus defensores, como o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem ele é interlocutor no Palácio do Planalto. "Bebianno é um cara muito correto", disse o parlamentar.

Ontem o ministro não foi trabalhar. Sua aguardada demissão não aconteceu e, pelo que disse à revista "Crusoé", ele também não vai pedir demissão. Quanto ao motivo de ele estar sob ataques, respondeu: "O presidente deve estar com medo de receber algum respingo" das investigações sobre desvio de recursos do fundo partidário com uso de falsos candidatos.

Na entrevista que concedeu à uma rede de TV, que foi ao ar na noite de quarta-feira, o presidente disse: "Querem me colocar contra os meus filhos".

O receio de que a forma de administrar o país envolvendo a família não dê certo e possa produzir mais ruídos do que acertos nem de longe significa querer colocar Bolsonaro contra os seus filhos.

Pretende, sim, que seu governo respeite a liturgia do cargo, que não confere aos filhos o direito de governar.

Estatais
As 18 empresas estatais dependentes de recursos do Tesouro Nacional demandam cerca de R$ 14 bilhões por ano e empregam 75 mil funcionários. Essa é uma lista de companhias que está na mira do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando ele menciona a possibilidade de extinção de estatais.

Mas nem tudo é liquidável e esse é um conjunto de estatais que tem que ser visto com cuidado. Há empresas dependentes do Tesouro que não devem desaparecer do mapa.

Um exemplo é a Embrapa. Com 97% do seu orçamento vindo de recursos da União, ela é uma empresa de pesquisa de importância inquestionável na área agropecuária.

Na mesma lista das dependentes do Tesouro Nacional tem, também, a Valec Engenharia e Construção de Ferrovias S/A. Criada nos anos 1970, ela foi redimensionada e ampliada pelo governo do PT em setembro de 2008, para aumentar os investimentos em ferrovias.

Além da construção da quarentona Norte-Sul que já era da sua alçada, a Valec tornou-se mais recentemente sócia da Transnordestina e responsável pela construção da Oeste-Leste, outro investimento multibilionário que, ao lado da Transnordestina, hoje está entregue às baratas. Essa é, portanto, uma forte candidata à extinção.


Miguel Reale Júnior: Ambivalência

Dois pesos e duas medidas, essa é até agora a marca do governo Bolsonaro

O primeiro mês da gestão de Jair Bolsonaro indica as imensas dificuldades vividas pela nova equipe governamental. Essa conclusão não é novidade para quem analisou a carreira do capitão deputado federal, figura irrelevante da Câmara ao longo de 28 anos.

Tratado por mito, Bolsonaro não precisou, ainda mais como vítima de atentado à faca, dizer a que vinha, ausente de todos os debates e limitando-se às poucas palavras cabíveis em mensagens por WhatsApp. Defensor da violência policial, e até mesmo da tortura, era sua marca fazer gestos de revólver ou espingarda, figurando-se como inimigo incansável do crime.

Dois fatos importantes, ligados ao seu campo de preferência, ou seja, ao uso de armas, merecem destaque neste mês: a ligação de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, com o ex-capitão da PM do Rio de Janeiro Aureliano Nóbrega, chefe de perigosa milícia da zona oeste da cidade; e o decreto que ampliou em muito o direito de posse de revólver ou espingarda pelos brasileiros de todo o País.

O vínculo do senador Flávio Bolsonaro com o ex-capitão Aureliano da Nóbrega, líder da milícia Escritório do Crime, constitui dado grave, pois, mesmo preso preventivamente sob acusação de homicídio, Aureliano recebeu, graças a Flávio, então deputado estadual, elevada comenda do Legislativo fluminense, a Medalha Tiradentes, igualmente outorgada ao major Ronald Pereira, outro líder da milícia. A mulher e a mãe de Aureliano trabalharam por anos, até novembro passado, no gabinete de Flávio Bolsonaro. O próprio presidente Bolsonaro na Câmara dos Deputados fez a defesa de Aureliano e exaltou as milícias.

Esses fatos levaram à tergiversação, pois em entrevista à TV a cabo Bloomberg o presidente disse: “Se por acaso Flávio errou e isso ficar provado, eu lamento como pai. Se Flávio errou, ele terá de pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar”. Essa manifestação provocou elogios pela imparcialidade ante o erro, a ser punido mesmo que praticado por seu filho.

No entanto, logo em seguida, entrevistado pela TV Record, o presidente claudicou e no pior paternalismo disse sobre o filho: “Ele tem explicado tudo o que acontece com ele nessas acusações infundadas. Não é justo atingir um garoto para tentar me atingir... A pressão enorme em cima dele é para tentar me atingir. Ele esteve com o seu sigilo quebrado, fizeram uma arbitrariedade em cima dele”.

O senador transmuda-se em garoto, menino perseguido para atingir o pai, sofrendo “acusações infundadas”, a mostrar que era apenas breve jogo de cena a correta e digna exigência de sancionar o erro do filho, se constatada sua falta. Próprio da ambivalência do governo durante este mês, passou o presidente de postura corajosa de imparcialidade para mais do que mera defesa do filho, ao adotar o “coitadismo”, desenhando o senador como um garoto envolvido em rede de arbitrariedades e acusações infundadas.

A “luta contra o crime” já serviu para justificar homenagens aos criminosos chefes de milícia. Servirá agora como desculpa para não se investigar o novel senador da República?

No âmbito de pretensa defesa contra o crime, surgiu o decreto presidencial que ampliou a posse de armas, podendo cada brasileiro sem antecedentes deter até quatro armas, constando como condição para aquisição de revólver que o cidadão resida em unidade da Federação cujo índice de violência apresente mais de dez homicídios por 100 mil habitantes no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018.

Valeram-se o presidente e sua equipe do Atlas da Violência produzido pela Ipea, mas se ignorou esse mesmo atlas no tocante ao capítulo relativo ao uso de armas, que enfatiza o papel central exercido pelo controle responsável de armas de fogo para a segurança de todos. Tanto é assim que destaca o atlas o aumento vertiginoso do número de homicídios nas Regiões Norte e Nordeste, tendo por uma das causas a não aplicação do Estatuto do Desarmamento.

Em 2016, manifesto de 57 especialistas, dentre os quais se pode lembrar Alba Zaluar, Cláudio Beato e Daniel Cerqueira, Sérgio Adorno, assevera: “Estudos levam à conclusão inequívoca de que uma maior quantidade de armas em circulação está associada a uma maior incidência de homicídios cometidos com armas de fogo. E fazem um alerta: a miséria da política de segurança no Brasil nasce quando leis são formuladas sem levar em conta o conhecimento científico acumulado em anos de pesquisa”.

Valiosa síntese dos mais importantes estudos sobre a posse de armas como indutora de crimes, e não como redutora da violência, é apresentada por Thomas Conti: “A literatura empírica disponível é amplamente favorável à conclusão que a quantidade de armas tem efeito positivo sobre os homicídios, sobre a violência letal e sobre alguns outros tipos de crime”. Examina Conti trabalho de Donohue e outros, reputado como a mais relevante pesquisa sobre posse de armas nos Estados Unidos, cuja conclusão é de que a liberação do uso de armas está associada a maiores taxas de crimes violentos.

Em momento constrangedor, o ministro da Justiça, Sergio Moro, ao ser entrevistado na GloboNews, disse serem não confiáveis as pesquisas indicativas do risco da posse de armas. O estudo do Ipea serviu como base para autorizar a posse de armas para brasileiros de todos os Estados, mas nega-se valor a esse mesmo estudo na parte relativa ao efeito da posse de armas.
Dois pesos e duas medidas: primeiro, o senador, se errado, deve ser punido; depois, o senador passa a ser um garoto perseguido. O Atlas de Violência dá o critério para posse de armas; depois é inconsistente ao destacar o malefício da posse de armas. Ambivalência: por ora, a marca do governo.

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça.


El País: “Temos que ter todas as correntes partidárias aqui, do PT ao PSL”, diz Maia

Deputado do DEM foi reeleito presidente da Câmara com 334 votos, 77 a mais que o necessário

Fazia alguns anos que a eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados não ocorria de forma tão suave. Após o furacão Eduardo Cunha, em 2015, da atribulada primeira eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) em meio a um processo de impeachment, em 2016, e da tumultuada reeleição em 2017, Maia se manteve seu cargo mais uma vez, agora com 334 votos. A folgada margem de 77 votos acima dos 257 necessários é prova da tranquilidade com que o democrata se reelegeu como presidente da Câmara — em sua primeira eleição, ele tinha recebido 285 votos, que foram ampliados para 293 em 2017.

"Teremos muitos desafios", disse em seu discurso de vitória. "A Câmara, que é a Casa do povo, precisa de modernização, modernização e modernização na nossa relação com a sociedade, nossos instrumentos de trabalho: as novas ferramentas de comunicação". Maia disse que é preciso simplificar as leis e compactuar as reformas com governadores e prefeitos. “Nada vai avançar neste país se não trouxermos para o debate aqueles que estão governando e estão sofrendo pela inviabilização do Estado brasileiro como um todo. Por isso que nós temos que ter todos aqui, de todas as correntes partidárias, do PT ao PSL”, discursou após a eleição.

O presidente Jair Bolsonaro parabenizou Maia publicamente por meio de seu perfil no Twitter. "Parabenizo o Deputado Rodrigo Maia pelo resultado obtido na eleição da presidência da Câmara, fato que caracteriza o respeito à democracia e a independência dos poderes. Este cargo é de extrema responsabilidade para conduzir a votação dos projetos que o brasileiro tanto almeja", escreveu o presidente. "Os Deputados eleitos escolheram hoje o novo Presidente da Câmara Federal. Desejo-lhe sucesso e sabedoria, para que a população brasileira seja a voz soberana e que seus anseios prevaleçam dentro do parlamento, em prol do nosso Brasil e de nossa democracia", disse Bolsonaro em outra postagem.

Jair M. Bolsonaro

@jairbolsonaro
Parabenizo o Deputado Rodrigo Maia pelo resultado obtido na eleição da presidência da Câmara, fato que caracteriza o respeito à democracia e a independência dos poderes. Este cargo é de extrema responsabilidade para conduzir a votação dos projetos que o brasileiro tanto almeja.

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22:11 - 1 de fev de 2019
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O segundo colocado na eleição foi Fábio Ramalho (MDB-MG), com distantes 66 votos. Marcelo Freixo (Psol-RJ) ficou em terceiro, com 50 votos, seguido por JHC (PSB-AL), com 30 votos, Marcel Van Hattem (Novo-RS), com 23 votos, Ricardo Barros (PP-PR), com 4, e General Peternelli (PSL-SP), com 2.

A 1ª Vice-Presidência da Câmara será ocupada pelo deputado Marcos Pereira (PRB-SP), que foi eleito com 398 votos. A 2ª Vice-Presidência foi definida em segundo turno entre dois candidatos do PSL: Luciano Bivar (PSL-PE) bateu Charlles Evangelista (PSL-MG), por 198 votos a 184. A 1ª Secretaria ficou com a deputada Soraya Santos (PR-RJ), eleita com 315 votos. Já a 2ª Secretaria será responsabilidade do deputado Mário Heringer (PDT-MG), eleito com 408 votos. A 3ª Secretaria será do deputado Fábio Faria (PSD-RN), eleito com 416 votos. Na 4ª Secretaria, fica o deputado André Fufuca (PP-MA), eleito com 408 votos.


Alon Feuerwerker: Fazer o simples. O arroz com feijão do governo Bolsonaro no curto prazo. E o da oposição

Se você fosse chamado a opinar sobre os passos mais óbvios do governo e da oposição no curto prazo diria o quê? Eu diria que o governo:

1) Não pode se dar ao luxo de aparecer como derrotado na disputa das presidências da Câmara e do Senado. O presidente tem potencial maioria em cada uma das casas. Se a coisa desandar, antes de ser trágico será ridículo. O custo político de passar reformas vai subir exponencialmente. E será só o começo.

2) No que estiver ao alcance dele, o presidente precisa cuidar de se recuperar da nova cirurgia. A montagem do governo reuniu gente muito sedenta de protagonismo. Se com o presidente na ativa já se nota propensão centrífuga, sem ele por muito tempo seria forte o estímulo para exacerbar a confusão.

3) O governo precisa apresentar uma reforma da previdência que atenda o mercado e tenha viabilidade política. É possível no começo do governo aprovar alguma reforma da previdência crível ao mercado, mesmo sem distribuir cargos pelos partidos ou liberar verbas orçamentárias para as bases dos parlamentares. Lula fez isso em 2003.

4) Precisa mostrar alguma coordenação na comunicação. A comunicação oficial tem sido boa para manter a base social coesa e mobilizada, mas é também uma usina de pautas negativas. Não chega a ser problema maior no curto prazo, mas sempre cobra uma conta depois de certo tempo. Assim como no boxe, apanhar o tempo todo costuma ter consequências.

5) Precisa minimizar o ruído internacional. O governo brasileiro fala duro e parece subestimar o trabalho de explicar ao mundo por que sua política seria boa para o mundo. Segue a linha Trump. Vladimir Putin adotou a política do “big stick”. Xi Jinping apresenta os interesses da China como se fossem os do universo.

Já a oposição:

1) Não pode se deixar esmagar na composição das mesas da Câmara e do Senado. A repetição de 2015, que deu Eduardo Cunha e a exclusão do PT da mesa da Câmara, será um desastre. Também desastroso será a esquerda dar a impressão de estar associada ao bolsonarismo. O melhor para a oposição seriam composições institucionais nas duas casas.

2) Não pode se dispersar e perder a identidade na disputa das mesas do Congresso. Uma sucessão institucional permitiria à esquerda participar das mesas sem aparentar linha auxiliar do governo. Isso talvez não interesse ao governo. Mas os principais candidatos na Câmara e no Senado podem ter interesse nessa saída. Aliás, se o governo raciocinar talvez conclua que é bom para ele também.

3) Precisa ter proposta ou propostas alternativas para a reforma da previdência, com foco em setores privilegiados do Estado. A esquerda tem governadores desesperados por uma reforma da previdência que ajude a evitar a falência de seus estados. O governo vai explorar isso, então é preciso entrar no debate com alternativas.

4) Precisa elaborar crítica consistente e propor ações que se oponham à política externa e à política educacional do governo. Até agora a crítica a essas duas políticas resume-se ao “nossa, que absurdo”. Na educação, é preciso mostrar os caminhos para o ensino, especialmente o fundamental, melhorar muito e rapidamente.

5) Precisa de ideias sobre como enfrentar a crise da segurança pública. A atual doutrina de enfrentamento do crime desmoralizou-se porque não está funcionando. O governo elegeu-se também por ter ideias para resolver o problema. Quais são as ideias da oposição, além de continuar aplicando o que não está funcionando?

É como no futebol. Na dúvida, uma saída é tentar fazer o simples.

E você, acha o quê?

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Ascânio Seleme: Nossa democracia é sólida

Hoje, apesar do discurso eleitoral do novo presidente, a democracia brasileira continua viva

Recebi uma mensagem de boas festas do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) em que, além de saúde e paz, ele desejava um 2019 “sem retrocessos na nossa frágil democracia”. Com a cortesia habitual, Chico expressava um sentimento bastante comum entre quadros da esquerda nacional, o temor de que o governo Bolsonaro possa causar ruptura constitucional que represente dano à democracia brasileira. Com todo respeito que o deputado merece, preciso discordar dele. Nossa democracia é sólida e já comprovou sua força inúmeras vezes.

A primeira grande prova de estresse da democracia nacional foi vencida logo no primeiro minuto após o seu renascimento, antes mesmo do último general-presidente deixar o Palácio do Planalto. A internação do primeiro presidente civil depois da ditadura na véspera da sua posse resultou numa madrugada tensa, que foi ultrapassada de acordo com o estabelecido pela Constituição. O vice tomou posse. Em seguida, pouco mais de um mês depois, o presidente internado morreria, e o vice assumiria de vez o poder. Justamente o vice que traíra os generais, saindo do partido que apoiava a ditadura e ajudando a derrotá-la. Mesmo assim, nenhum passo atrás foi dado.

Alguns anos mais tarde, o Brasil produziria uma nova Constituição, rompendo com todos os dogmas e preceitos militares impostos na Carta anterior, que tinha sido escrita em gabinete a pedido e orientada pelos militares que detinham o poder. Ao promulgá-la, o presidente da Constituinte a batizaria de Constituição Cidadã e diria ter ódio, ódio e nojo, da ditadura que se encerrara apenas três anos antes. Outra vez, nenhum recuo, nenhuma ameaça. A democracia que se reinstalara recentemente no Brasil seguia seu roteiro e perseverava. Os novos generais que comandavam as Forças Armadas respeitavam e participavam da nova vida nacional.

O Brasil provaria outras vezes que era um novo país. O segundo presidente civil, e o primeiro eleito pelo voto popular, tomaria o poder confiscando a poupança nacional e em seguida se enredaria num mar de lama que só seria visto de maneira igual anos depois, na era petista. Foi abandonado pelos poucos parlamentares que o apoiavam e acabou sendo afastado do seu cargo pelo impeachment, um instrumento constitucional usado pela primeira vez na História do país. E não ocorreu retrocesso.

Ao longo dos anos, os governos empacotaram inúmeras propostas de controle da inflação sem sucesso. Alguns, como o do confisco das poupanças, causaram enormes danos à economia nacional, outros geraram esperança antes de resultarem em enorme frustração popular. Todos os brasileiros perderam inúmeras vezes por estes pacotes mal amarrados, os pobres perderam mais. Os muitos cenários de caos econômicos que se sucederam não foram suficientes para causar solução de continuidade na vida democrática.

Mais adiante, na eleição do primeiro presidente operário do país, a transição foi tão democrática quanto festiva. O país dava um passo importante na consolidação de suas instituições, tinha balizas bem definidas pela Constituição que nem mesmo um presidente de esquerda poderia ultrapassar. E esse presidente nem tentou avançar o sinal. Fez um governo social democrata com foco magnificado na distribuição de renda. Seu êxito quase se perdeu pelo escândalo do mensalão. Mas o país ultrapassou mais este revés e a democracia seguiu sólida adiante.

E ainda haveria um outro megaescândalo seguido de novo impeachment que geraram uma divisão jamais vista entre os brasileiros. Mas nenhum passo atrás foi dado. Hoje, apesar do discurso eleitoral do novo presidente, a democracia brasileira continua viva. Tanto aquele discurso do então candidato a presidente quanto o temor agora manifestado pelo campo derrotado na eleição refletem apenas retórica. No primeiro caso, para mostrar distância do PT. No segundo, para manter a esquerda unida em torno de um inimigo comum.

A democracia brasileira é forte e vencerá outra etapa. A vida nacional seguirá seu rumo. Se o presidente tiver êxito, poderá ser eleito para um segundo mandato ou fazer seu sucessor. Se fracassar, perderá a próxima eleição. Se atentar contra a Constituição, será afastado, como outros já foram, e o vice ocupará o cargo. Se o vice cair, o presidente da Câmara assumirá o poder e convocará novas eleições. É isso o que prevê a Constituição. E será assim que o país seguirá construindo a sua História.


Fernando Henrique Cardoso: Novo ano, novos desafios

Espero que o novo governo ache rumos melhores do que alguns membros apontam

Ao iniciar o ano, as pessoas estão cheias de esperança, querendo o melhor para si e para o País. É também o que eu desejo para os leitores e para todos os brasileiros. Contudo os desejos não substituem os fatos, e estes podem impedir que aqueles se realizem em 2019. Certamente torço para que o Brasil encontre um rumo melhor. Mas um olhar realista se impõe.

Comecemos olhando para o mundo. Desde o fim da guerra fria e, especificamente, desde que, no início da década de 1970, Henry Kissinger convenceu o então presidente Richard Nixon a visitar a China e a normalizar as relações com aquele país, vivemos um período de relativa tranquilidade no sistema internacional. O entendimento sino-americano visou de início a isolar a União Soviética, rival da China no mundo comunista. À medida que aquela foi declinando, dissolvendo-se em 1991, o mundo assistiu à crescente complementaridade econômica entre a maior potência mundial, os Estados Unidos, e a potência em ascensão, a China.

Com a Pax americana, coadjuvada pela China, os conflitos se tornaram localizados. A ambição que motivou a formação das Nações Unidas, a de pôr um ponto final nas grandes guerras mundiais, ficou ainda mais próxima da realidade com o colapso do mundo soviético, iniciado com a simbólica queda do Muro de Berlim, em 1989.

Sob a liderança de Deng Xiaoping, ao final dos anos 1970, os chineses compreenderam que seu país precisaria reformar-se e abrir-se ao mundo para prosperar. De Deng Xiaoping até o atual líder chinês, Xi Jinping, todos sustentaram uma política externa orientada para evitar a chamada "armadilha de Tucídides": a colisão e ao final a guerra entre a potência hegemônica e a emergente. As lideranças chinesas falavam de uma ascensão pacífica e de um "socialismo harmonioso", juntando o regime de partido único e o Estado socialista com a integração financeira e produtiva ao mundo capitalista. A China abriu-se às multinacionais que quisessem disputar seu mercado ou exportar, desde que aceitassem as regras do poder. E mais: tornou-se a maior detentora de papéis do Tesouro americano.

Há sinais, contudo, de que a Pax global começa a ser ameaçada não propriamente pela guerra convencional ou atômica, permanecendo um cenário remoto, mas por uma crescente disputa pela liderança tecnológica, da qual a guerra comercial ora em fase de escaramuças é o aspecto mais visível. A disposição de Trump de desmantelar a ordem liberal vigente visa a impedir que a China assuma a dianteira na corrida tecnológica nas áreas de inteligência artificial e computação quântica. Sob Xi Jinping os chineses já não escondem suas ambições na corrida tecnológica, mesmo no campo militar disputam o controle de parte do Pacífico. Mais do que na interferência online nos processos políticos dos Estados Unidos e da Europa, como os russos, a China aposta na sua capacidade no terreno tecnológico para o sucesso econômico e bélico. Ainda não conhecemos os desdobramentos dessa disputa, mas parece que a ordem liberal pós-guerra fria está ficando para trás, com riscos para a paz mundial.

O Brasil tem um novo governo. Fala-se muito que o País, na esteira da onda conservadora no mundo, virou à direita. Será esse o sinal enviado pelo eleitorado, que em sua maioria votou por repúdio ao PT, à falta de segurança pública e à podridão política, sem, entretanto, algum conteúdo ideológico definido? Se o novo governo deslizar para a direita, será menos porque o eleitorado assim decidiu e mais porque os vencedores assim pensam.

Pensam? Depende: na economia o governo é liberal, nos costumes, reacionário e, quanto à visão do mundo, basicamente anacrônico, a julgar pelo que disseram alguns de seus membros. Dos militares pouco ou nada se ouviu a respeito. Subscreverão as teses do futuro chanceler? Ou a norma de que sem objetivos e sem preparação não há guerra a ser ganha?

Para concluir, diante do quadro internacional, quais devem ser os objetivos básicos de um país como o Brasil, grande, populoso, diverso e excêntrico, isto é, distante dos polos do conflito? Acelerar o crescimento da economia, em bases socioambientais sustentáveis, para dar melhores condições de vida ao povo, preservar o acervo de boas relações que o País construiu ao longo do tempo, afirmar (e praticar internamente) valores que nos são caros, a começar pela democracia. Para isso, por que tomar partido diante de um eventual choque de interesses entre a China e os Estados Unidos ou de quem quer que seja? Por que tomar partido nas disputas que dividem os Estados Unidos e a Europa? Melhor será, penso, cuidar de manter nossa influência na América do Sul, região a que pertencemos, e, sem entrar em briga graúda, participar mais amplamente dos fluxos globais de comércio, informação, criatividade e desenvolvimento, para obter a melhor inserção possível no mundo.

É, no mínimo, anacrônico pensar que a disputa por poder e influência no sistema internacional se dê entre gladiadores comunistas e capitalistas, cruzados da fé cristã contra cosmopolitas sem fé e sem pátria. A luta real é por mais ciência e tecnologia, para melhorar a qualidade dos empregos e da vida em sociedades que não devem nem podem mais se encerrar em si mesmas nem se agarrar dogmaticamente a identidades étnicas, religiosas, etc., fechadas e excludentes. A ideologia que se insinua é tão distante dos interesses permanentes de um país como o Brasil quanto o foi a que ela pretende substituir.

Por isso espero que o novo governo encontre rumos melhores do que os que, com estridência, apontam alguns de seus membros. À oposição cabe criticar impulsos ideológicos, alertar para os riscos de alinhamentos automáticos e contribuir para que os interesses reais do Brasil e de sua gente prevaleçam na definição e implementação das políticas, externa e interna.

*Sociólogo, foi presidente da República