Presidência

Merval Pereira: Novos tempos

Bolsonaro terá que entender que é presidente de todos, e adequar seus pontos de vista a uma realidade diferente

Bolsonaro ganhou com mais de 10 milhões de votos de diferença, a vantagem é grande, mas foi eleito com um índice recorde de rejeição, e não teve a maioria dos votos totais. Nem os votos de Bolsonaro são todos dele, nem os votos de Haddad são do PT.

Nessa eleição tão polarizada em projetos antagônicos, muita gente votou em Bolsonaro contra o PT, e outros tantos votaram em Haddad contra Bolsonaro. Os dois precisam colocar os pés no chão. Nas eleições anteriores, a disputa havia sido muito mais sobre projetos de país semelhantes entre PT e PSDB, de cunho esquerdista, muito baseados na social-democracia.

Mesmo que o PT tenha tentado jogar o PSDB para a direita do espectro político, os tucanos tinham um DNA de esquerda, que foram perdendo pouco a pouco, e só agora caminham para a direita devido à vitória de João Doria em São Paulo.

Esse tsunami que carregou boa parte da velha política e seus hábitos, revelados na Operação Lava-Jato, vai ter consequências. O povo já há muito demonstrava que não gostou do que estava vendo, depois que caiu a máscara de políticos tradicionais.

Esse sentimento foi demonstrado em diversas ocasiões, o establishment não entendeu, ou fingiu que não entendeu, e foi apanhado de surpresa pelo levante através do voto. O PSDB quase certamente deverá sofrer uma cisão que pode vir a ser o embrião de um novo partido, que reunirá outros políticos deslocados em seus partidos pela adesão em massa ao novo governo de direita.

Nesta eleição, a novidade é que houve uma rejeição grande aos dois projetos que os candidatos representavam. Tanto a esquerda quanto Bolsonaro vão ter que ir para o divã. A esquerda tem que fazer com urgência uma autocrítica, como disse o rapper Mano Brown, especialmente o PT: perderam a disputa de ideias na sociedade, abrindo espaço para o conservadorismo, que se tornou eleitoralmente majoritário.

Seria preciso tentar reorganizar o partido em outras bases, mas não parece que o PT esteja disposto a isso, com essa posição de “resistência” a priori ao novo governo. Haddad, que no primeiro momento encarnou o militante petista, no dia seguinte enviou uma mensagem ao novo presidente desejando-lhe boa sorte. Mas provavelmente deve ter provocado a ira da máquina partidária, que não lhe dará espaço.

Bolsonaro vai ter que entender que ele é presidente de todos os brasileiros, e adequar seus pontos de vista a uma realidade diferente da daquele nicho eleitoral que se acostumou a conquistar com uma retórica inflamada, defendendo teses muitas vezes autoritárias, ou mesmo inaceitáveis.

Ele terá que avaliar se seus projetos correspondem ao desejo da maioria. Assim como Trump venceu no Colégio Eleitoral, mas perdeu nos votos gerais, também Bolsonaro não teve a maioria dos votos, o que não os deslegitima. As outras duas vezes em que isso aconteceu foram momentos de divisão do país. Bolsonaro teve 49,85% dos votos totais, somados os dois candidatos, os brancos e os nulos.

Puxados por MG e SP, os votos nulos nesta eleição chegaram a 7,4% do total no segundo turno, aumento de 60% em relação à eleição de 2014. Foram 42 milhões de eleitores que se recusaram a escolher candidato. Os outros dois casos em que isso aconteceu foram com Collor, em 1989, e Dilma, na reeleição, em 2014, como bem lembrou Pedro Dias Leite.

Vai ser um aprendizado democrático. Começamos bem, pois Bolsonaro teve que recuar de algumas propostas e retificar alguns arroubos retóricos, porque perdeu votos no final do segundo turno. Também o PT teve que mudar seu programa três ou quatro vezes durante a campanha, abrindo mão de convocação de Constituinte, por exemplo.

As instituições brasileiras funcionaram muito bem nesta eleição, e estão conseguindo enquadrar o novo presidente numa moldura democrática, mais ampla que o pensamento do indivíduo Bolsonaro. Um conjunto de instituições como o Ministério Público, e o Poder Judiciário, com papel destacado do Supremo Tribunal Federal em episódios marcantes neste segundo turno, é o guardião da Constituição.

A sociedade organizada colocou limites nas tentativas autoritárias dos governos petistas, e certamente os colocará em eventuais movimentos nesse sentido do novo governo.


BBC Brasil: Bolsonaro presidente - A surpreendente trajetória de político do baixo clero ao Planalto

Deputado Federal há 28 anos, Bolsonaro sempre foi do chamado "baixo clero" do Congresso Nacional - não tinha papel de liderança nos partidos políticos a que pertenceu, nunca assumiu cargos no governo federal ou posições de destaque na Câmara dos Deputados.

Mas se tornou nacionalmente conhecido ao longo dos anos por declarações polêmicas, principalmente sobre a comunidade LGBT e a ditadura militar. Até o início campanha, analistas políticos afirmavam que a candidatura do deputado federal poderia se "desidratar", já que ele teria direito a apenas 8 segundos diários de propaganda eleitoral na TV.

No entanto, o capitão reformado cresceu de forma continuada nas pesquisas, se consolidando no primeiro lugar já no primeiro turno. A BBC News Brasil reuniu os principais fatos na trajetória do candidato do PSL rumo ao resultado da eleição deste domingo.

Entre 2015 e 2016 - 'Vou ser candidato a presidente gostem ou não gostem'

Bolsonaro fala publicamente na possibilidade de ser candidato à Presidência da República há cerca de três anos. Em abril de 2015, ele se desfiliou do PP já com a intenção de seguir o "sonho" de ser presidente.

"Foi um pedido verbal, mas oficial. A gente começa aí um processo de separação, que espero que seja amigável. Tenho um sonho para 2018 de disputar o cargo de senador ou presidente da República. No partido onde estou, dificilmente serei candidato sequer para o Senado. O que sinto é que eles querem uma opção diferente para 2018", afirmou, na ocasião.

Bolsonaro cresceu fortemente em intenção de voto na semana que antecedeu à eleição
© MAURO PIMENTEL/AFP Bolsonaro cresceu fortemente em intenção de voto na semana que antecedeu à eleição
Em novembro de 2016, ele reforçou que disputaria a eleição presidencial "quer gostem ou não", ao prestar depoimento na condição de testemunha num processo aberto pelo Conselho de Ética da Câmara para apurar se Jean Wyllys (PSOL-RJ) quebrou o decoro parlamentar ao cuspir em Bolsonaro em 2015.

Na época, o ex-capitão do Exército estava filiado ao Partido Social Cristão (PSC) - sigla conhecida por reunir líderes evangélicos -, e havia divergências dentro do partido sobre uma eventual candidatura dele.

"Há dois anos me preparo para que o partido, se assim entender, (permita minha candidatura) de acordo com minha aceitação popular. Eu estarei pronto para enfrentar uma campanha presidencial, o que não é fácil", disse.

Agosto de 2017- Primeiras pesquisas mostravam Bolsonaro atrás de Lula

Em agosto do ano passado, quando as primeiras pesquisas de intenção de voto começaram a ser divulgadas, Bolsonaro já aparecia em posição competitiva. Na ocasião, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda era tido como o candidato do PT - ele ainda não havia sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em segunda instância, o que acabou ocorrendo em janeiro de 2018.

Uma pesquisa do Datafolha divulgada no dia 30 de agosto de 2017 pelo jornal "Folha de S.Paulo" mostrava Lula em primeiro lugar com 36% das intenções de voto, seguido por Bolsonaro, com 16%, e por Marina Silva (Rede), com 14%.

Março de 2018 - Filiação ao PSL e lançamento da pré-candidatura

Após divergências com o PSC e sem ver espaço para ser candidato por esse partido, Bolsonaro migrou para o Partido Social Liberal (PSL) em 7 de março deste ano.

Ele aproveitou a ocasião para lançar a pré-candidatura à Presidência com um discurso focado em defender a revisão da Lei do Desarmamento. O evento contou com gritos de "mito, mito, mito", orações e Hino Nacional.

Abril de 2018 - Prisão de Lula e tomada da dianteira nas pesquisas por Bolsonaro

Lula foi preso em abril, mas, mesmo assim, o PT registrou a candidatura do ex-presidente no TSE
© MIGUEL SCHINCARIOL/AFP Lula foi preso em abril, mas, mesmo assim, o PT registrou a candidatura do ex-presidente no TSE
Em abril, Lula foi preso, três dias depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) negar habeas corpus da defesa que pedia que ele não pudesse ser detido até uma condenação definitiva - o chamado trânsito em julgado. Apesar da prisão, o PT decidiu insistir na candidatura de Lula até o prazo final dado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a substituição do nome.

Bolsonaro passou à dianteira nas pesquisas de intenção de voto nos cenários em que Fernando Haddad aparecia como substituto do ex-presidente na chapa do PT. Pesquisa Ibope divulgada em 20 de junho mostrava o candidato do PSL com 17% das intenções de voto, seguido por Marina Silva (13%), Ciro (8%) e Alckmin (6%). Haddad, até então vice na chapa de Lula, aparecia só com 2%.

14 de agosto de 2018 - Bolsonaro registra a candidatura

Em 14 de agosto, Bolsonaro registrou a sua candidatura no TSE e declarou um patrimônio de R$ 2,3 milhões (todos os candidatos precisam declarar patrimônio à Justiça Eleitoral).

No dia seguinte, o PT registrou a candidatura de Lula, embora o petista estivesse preso e impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa.

6 de setembro - Bolsonaro leva facada em comício em Juiz de Fora (MG)

Um dos episódios mais marcantes de toda a campanha ocorreria no dia 6 de setembro na cidade mineira de Juiz de Fora. Bolsonaro estava nos ombros de apoiadores, durante um comício, quando levou uma facada na barriga.

Bolsonaro após ataque: Bolsonaro sofreu ataque a faca e ficou afastado da campanha
© BBC Bolsonaro sofreu ataque a faca e ficou afastado da campanha
O autor do atentado, Adelio Bispo de Oliveira, 40, foi preso. Bolsonaro chegou a perder 40% do sangue do corpo - cerca de 2,5 litros - e passou por duas cirurgias.

Com o episódio, ele se afastou das campanhas nas ruas mas, ao mesmo tempo, ganhou ampla visibilidade na mídia, inclusive no horário nobre de televisão.

Os adversários dele, por sua vez, decidiram mudar a estratégia de campanha, moderando o tom das críticas ao candidato do PSL nas duas primeiras semanas que se seguiram ao atentado. A lógica era a de que poderia não pegar bem fazer ataques pesados a alguém hospitalizado.

10 de setembro - Substituição de Lula por Haddad como candidato do PT

Após Lula ser barrado pela Justiça Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa, o PT decidiu substituir a candidatura do ex-presidente pelo vice na chapa, Fernando Haddad. Nos dias que se seguiram, começou a ficar mais evidente que a reta final da campanha poderia se centralizar numa disputa entre Bolsonaro e o ex-prefeito de São Paulo.

O candidato do PSL passou a apresentar um crescimento constante nas pesquisas, se consolidando no primeiro lugar em intenções de voto. Haddad também cresceu fortemente, se beneficiando da transferência de votos de Lula e passando a figurar em segundo lugar. Mas os dois também carregavam altas taxas de rejeição - acima de 40%.

A campanha eleitoral assumiu, então, o seu maior grau de polarização, com a possibilidade de uma disputa entre anti-petistas e anti-Bolsonaro num segundo turno.

30 de setembro - Mulheres vão às ruas em campanha #EleNão

Uma semana antes do primeiro turno da eleição, milhões de mulheres tomaram as ruas de 114 cidades do Brasil para protestar contra Bolsonaro, como parte do movimento #EleNão, que se espalhou nas redes sociais.

Conhecido por declarações machistas, como quando disse, em 2016, que não empregaria uma mulher com o mesmo salário que um homem, o candidato do PSL alcançou, ao longo da campanha, patamar de 50% de rejeição entre as eleitoras.

Em reação ao #EleNão, mulheres apoiadoras de Bolsonaro organizaram atos em 16 cidades.

5 de outubro - Bolsonaro 'boicota' debate da TV Globo dando entrevista para a Record

Desde que levou a facada, Bolsonaro precisou passar semanas internado e deixou de participar de debates televisivos.

Para especialistas, o fato de não ter precisado enfrentar perguntas difíceis, no embate ao vivo com os demais candidatos, pode ter beneficiado o candidato do PSL, que passou a se dedicar à divulgação de vídeos nas redes sociais.

No último debate televisivo, marcado para ocorrer dois dias antes do primeiro turno, Bolsonaro já havia sido liberado do hospital e se recuperava em casa. Mas afirmou que não participaria "por recomendação médica".

No entanto, no mesmo dia e horário do debate, quando todos os outros candidatos se dedicavam a responder às perguntas uns dos outros, a TV Record exibiu uma entrevista exclusiva com Bolsonaro, gravada na casa no deputado do PSL.

Nos 30 minutos de vídeo, o candidato atacou seus adversários, especialmente Haddad, a quem chamou de "fantoche de Lula", além de criticar a condução das investigações sobre o atentado que sofreu e dizer que não tem responsabilidade sobre a divulgação de fake news por seus apoiadores.

6 de outubro - A última pesquisa e a chance de vitória em primeiro turno

Na semana que antecedeu o primeiro turno das votações, Bolsonaro cresceu fortemente nas pesquisas a ponto de alcançar 40% dos votos válidos, seguido por Haddad, com 25%, e Ciro, com 15%.

A alta gerou, nas redes sociais, um movimento em prol de "voto útil" do eleitor "antipetista" por uma vitória de Bolsonaro no primeiro turno.

7 de outubro - Bolsonaro vota no Rio de Janeiro

© MAURO PIMENTEL/AFP Bolsonaro votou em colégio militar, no Rio de Janeiro. Ao sair da seção eleitoral disse: 'Acaba hoje'. Bolsonaro votou às 8:55, na Escola Municipal Rosa da Fonseca, dentro da Vila Militar, em Deodoro, na Zona Oeste do Rio. Ao ser perguntado por jornalistas sobre sua expectativa, ele afirmou: "Acaba hoje".À noite, foi anunciado o resultado do primeiro turno: Bolsonaro recebeu 46,03% dos votos e Haddad, 29,28%. Em transmissão ao vivo para o Facebook, o candidato do PSL comemorou o resultado, mas colocou em dúvida as urnas eletrônicas."Vamos junto ao TSE exigir soluções para isso que aconteceu agora, e não foi pouca coisa, foi muita coisa. Tenha certeza: se esses problemas não tivessem ocorrido, e tivéssemos confiança no voto eletrônico, já teríamos o nome do futuro presidente da República decidido hoje."

9 de outubro em diante - Denúncias de agressões no segundo turno

Logo depois do primeiro turno, começaram a proliferar relatos de agressões relacionadas ao discurso eleitoral. Um dos casos mais dramáticos foi registrado em Salvador: o assassinato do mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê, de 63 anos. Ele foi morto a facadas após uma discussão política algumas horas depois da eleição de domingo.

Testemunhas disseram que o desentendimento começou quando o capoeirista revelou apoio ao candidato do PT. O agressor, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, de 36 anos, teria defendido Bolsonaro.

O período eleitoral também foi marcado por casos de agressões a jornalistas. Foram 137 em 2018, segundo estimativas da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) - sendo 75 ataques digitais e 62 físicos, e a maioria deles ligados à cobertura eleitoral.

Moa do Katendê: Mestre de capoeira, compositor e dançarino baiano Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Moa do Katendê, de 63 anos, foi morto a facadas
© BRUNO FIGUEIREDO/ÁREA DE SERVIÇO Mestre de capoeira, compositor e dançarino baiano Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Moa do Katendê, de 63 anos, foi morto a facadas
Ao ser questionado sobre atos de violência nas ruas, Bolsonaro disse que não tem controle sobre seus apoiadores. "O cara lá que tem uma camisa minha e comete um excesso, o que é que eu tenho a ver com isso?", questionou.

"Eu lamento. Peço ao pessoal que não pratique isso, mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam."

No dia 12 de outubro, ele foi mais enfático em condenar as agressões. "Dispensamos voto e qualquer aproximação de quem pratica violência contra eleitores que não votam em mim. A este tipo de gente peço que vote nulo ou na oposição por coerência, e que as autoridades tomem as medidas cabíveis, assim como contra caluniadores que tentam nos prejudicar", afirmou, em sua conta no Twitter.

10 de outubro - Bolsonaro anuncia que não vai participar de debates

Dois dias após o primeiro turno da eleição, Bolsonaro afirmou que não participaria do debate organizado por Folha de S.Paulo, UOL e SBT, marcado para o dia 17 de outubro. Na época, ele alegou que a equipe médica recomendou "mais alguns dias de repouso".

Pouco mais de uma semana depois, o presidente em exercício do PSL, Gustavo Bebianno, declarou que Bolsonaro não participaria de nenhum debate televisivo com Haddad no segundo turno e nem viajaria para atos de campanha.

Fernando Haddad: Haddad explorou ausência de Bolsonaro nos debates durante a campanha do segundo turno
© FERNANDO BIZERRA/EPA Haddad explorou ausência de Bolsonaro nos debates durante a campanha do segundo turno
A justificativa dada foi o desconforto causado pela bolsa de colostomia presa ao seu corpo desde que levou a facada, além de questões de segurança. Em entrevista à TV Globo, Bolsonaro afirmou considerar os debates algo "secundário".

"Eu poderia me submeter a uma aventura, mas poderia ter uma consequência péssima para minha saúde. Levando-se em conta a restrição, a minha saúde e a gravidade do que ocorreu, a tendência é eu não participar de debates. Não posso abusar nesse momento. Questão de debate é secundário. Da minha parte, até gostaria porque não teria dificuldade de debater com preposto com um poste do Lula."

18 de outubro - Reportagem diz que empresas pagavam por disparos contra o PT no WhatsApp

Reportagem da Folha de S.Paulo publicada no dia 18 de outubro afirmou que empresas que apoiam Bolsonaro estavam comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp. A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada.

Bolsonaro se pronunciou dizendo que "não tem nada a ver com isso". E passou a criticar fortemente a Folha de S.Paulo, inclusive prometendo cortar, quando eleito, publicidade do governo federal no jornal. "A Folha de S.Paulo é a maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo", disse, em transmissão ao vivo.

A pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a Polícia Federal abriu uma investigação sobre a compra de pacotes de disparos no WhatsApp.

20 de outubro - Filho de Bolsonaro fala em 'fechar o STF'

Eduardo Bolsonaro: Em víde gravado em julho, mas divulgado em outubro, Eduardo Bolsonaro diz que não seria difícil fechar o Supremo
© NELSON ALMEIDA/AFP Em víde gravado em julho, mas divulgado em outubro, Eduardo Bolsonaro diz que não seria difícil fechar o Supremo
Um dos acontecimentos que mais geraram repercussão durante a campanha do segundo turno foi a divulgação de imagens em que Eduardo Bolsonaro, 34 anos, um dos filhos do candidato à Presidência, afirma que bastariam um "cabo e um soldado" para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF).

Em vídeo gravado em julho, disponível na internet, Eduardo, que foi reeleito deputado federal, aparece numa sala de aula de um cursinho para interessados em ingressar na Polícia Federal, em Cascavel (PR).

Ele é perguntado por um aluno sobre o que poderia ser feito caso o STF impugnasse a candidatura ou diplomação do pai dele por fraude eleitoral. Eduardo respondeu, em tom de ameaça, que o tribunal "terá que pagar para ver o que acontece" e argumentou que dificilmente haveria reação popular se um ministro do Supremo fosse preso.

A declaração gerou forte reação entre ministros da Corte. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou que "atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia", enquanto Celso de Mello - decano do Supremo - disse que a fala foi "inconsequente e golpista".

Jair Bolsonaro primeiro afirmou que "qualquer um que fale em fechar o Supremo precisa se consultar com um psiquiatra". Posteriormente, ele disse: "Eu já adverti o garoto, o meu filho, a responsabilidade é dele. Ele já se desculpou".

21 de outubro - Bolsonaro fala em 'faxina' e promete 'banir marginais vermelhos'

Em vídeo ao vivo transmitido durante um comício na Avenina Paulista, em São Paulo, Bolsonaro proferiu um dos discursos mais agressivos da campanha. "A faxina agora será muito mais ampla. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria", afirmou o capitão reformado.

Ele também ameaçou prender o senador Lindbergh Farias e o próprio Haddad, e afirmou que Lula irá "apodrecer na cadeia".

"Seu Lula da Silva, se você estava esperando Haddad vencer para assinar o decreto de indulto, eu vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia. Brevemente você terá Lindbergh Farias para jogar dominó no xadrez. Aguarde, o Haddad vai chegar aí também. Não será para visitá-lo não, será para ficar alguns anos ao seu lado", disse. "Será uma limpeza nunca vista na história", completou.

27 de outubro - Última pesquisa Datafolha aponta vitória de Bolsonaro

No sábado, foi divulgada a última pesquisa de intenção de voto do Datafolha dessas eleições. Bolsonaro aparecia com 55% das intenções de votos válidos, uma vantagem de dez pontos percentuais em relação a Haddad (45%).

Ao longo das semanas que antecederam a eleição, a vantagem de Bolsonaro sobre Haddad, que chegou a ser de 18 pontos percentuais, diminuiu. Mas não o suficiente para que o petista chegasse perto de efetivamente ameaçar a liderança do candidato do PSL.

28 de outubro - Bolsonaro vota no Rio de Janeiro

Bolsonaro votou no Rio de Janeiro, na manhã deste domingo
© ANTONIO LACERDA/EPA Bolsonaro votou no Rio de Janeiro, na manhã deste domingo
Com esquema reforçado de segurança e vestindo um colete a prova de balas, Bolsonaro votou às 9h17, acompanhado da esposa, na Escola Municipal Rosa da Fonseca, na Vila Militar, em Deodoro, na Zona Oeste do Rio.

"Pelo que eu vi nas ruas nos últimos meses, é vitória", disse ele, ao ser questionado sobre a expectativa para o resultado.


Luciano Huck: Estou dentro

 

Escrevo para dizer, mais uma vez, que não sou candidato a presidente. Mas se alguém imaginou que estou saindo de cena, errou na mosca.

Não existe vento bom para uma nau sem rumo. Mas desta vez não vou evocar Ulisses para ilustrar minhas reflexões.

Escrevo aqui, mais uma vez, para dizer que não sou candidato a presidente do Brasil.

Mas, se fosse somente esta a minha motivação, pouparia a todos de um terceiro artigo para defender a mesma tese, o que seria redundante e sem sentido.

Escrevo para organizar e cadenciar as ideias e, mais do que tudo, para compartilhar com quem se interessa pelo que penso minhas crenças, meus sentimentos e aprendizados.

Em novembro deixei claro aqui neste espaço que não seria candidato a nada. O ano começou e meu nome seguiu sendo ventilado no noticiário político e nas pesquisas eleitorais. Gente de todos os lugares, idades e crenças me procurou para depositar em mim suas esperanças, diga-se, já no fim.
E, por mais coerente que eu tente ser, não posso esconder que o coração se encheu de força, a cabeça de ideias e que todas as intempéries e adversidades que os amigos mais queridos apontavam incessantemente, encolheram e ficaram minúsculas por alguns instantes.

A recorrência desta hipótese em torno do meu nome fez ressurgir uma espiral positiva de tamanha força que foi humanamente impossível não me deixar tocar.

Assim, a cabeça e a alma começaram a operar novamente seus ciclos de altos e baixos, trazendo de volta ao meu radar uma decisão avassaladora.

Enquanto isso, a tal espiral novamente atraiu de forma ainda mais potente para perto de mim inteligências brilhantes, cabeças encantadoras, das mais experimentadas às mais novas e cheias de disposição. Gente que me fez voltar a acreditar na palavra servir no tempo e significados corretos. Um encontro de pessoas muito especiais com intenção genuína de sair da letargia e de se unir pelo que é comum.

Foram centenas de conversas, cada uma delas um aprendizado. Ideias se conectando umas às outras e fazendo enorme sentido. No total, foram mais de dez meses de escuta profunda, debates, leituras, reflexão... um tempo de tanta intensidade e qualidade, que provocou uma revolução interna, virando do avesso tudo o que eu acreditava serem meus limites e demolindo os tetos que inconscientemente limitavam o espaço acima da minha cabeça.

E o aprendizado, ainda que nunca termine, já me permitiu algumas conclusões. Desde revelar a amplitude do espaço que preciso e quero percorrer em termos de preparo pessoal e de conhecimento, até a certeza de que a renovação política é só um dos milhares de passos que teremos que dar coletivamente se quisermos mesmo que o Brasil seja um país mais justo, humano e eficaz.

É claro que não tenho, simplesmente porque não existe, um modelo preconcebido de panaceia universal para o Brasil, mas consegui ao longo da minha vida e, muito especialmente, nesses últimos meses, enxergar as grandes linhas de um projeto de país em que acredito.

A tal espiral que mencionei antes teve o poder de me aproximar de mentes brilhantes de origens, idades, classes sociais, etnias e crenças diferentes que vem desenhando com maturidade, cautela e inteligência o Brasil absolutamente possível do futuro. E mais uma vez vou repetir algo que falei antes: vou trabalhar por este projeto com toda a força e energia que tiver em mim.

Se alguém imaginou que estou saindo de cena, errou na mosca.

Estou tendo a alegria e o enorme privilégio de ver de perto o nascimento dos novos movimentos cívicos que brotam pelo país afora. Me aproximei dos que enxergam caminhos mais alinhados com aqueles em que acredito, o Agora e o RenovaBR. Mas vejo que não só estes dois, mas todos os movimentos genuínos de renovação, independente da corrente ideológica que representem, poderão formar uma grande plataforma de mudança radical do esfarrapado quadro da política nacional. Todos juntos pela renovação verdadeira.

Reafirmo minha convicção de que há tempos deixei para trás minha zona de conforto num caminho sem volta; vou servir, contribuir com meu tempo, dedicação e ideias para ressignificar a política no Brasil. Mas isso não se dará por geração espontânea. Temos que nos aproximar, colocar a mão na massa. Só a política pode de fato tirar essas ideias e projetos do papel. Não devemos renegá-la, mas sim ocupá-la com uma nova agenda e uma nova forma de exercê-la, ética e altruísta.

Quero concluir sugerindo a todos que não se deixem levar pela sensação de desânimo que o quadro social e político do país tem produzido. Da minha parte, vou dedicar todo o tempo e a energia que estiverem ao meu alcance para ajudar a fazer este Brasil que a gente merece definitivamente acontecer.

Deste projeto, acredite, estou mais dentro do que nunca!

Mas sei que este Brasil do futuro só tem alguma chance, se não depender de mim nem de qualquer indivíduo. Mãos à obra.

* Luciano Huck é apresentador de TV e empresário

 


Paulo Fábio Dantas Neto: Crise, reforma política e as âncoras da democracia brasileira

Se fosse possível escolheria não escrever sobre reforma política. Tenho, na contramão de certo senso comum que se formou no Brasil, a percepção de que no nosso atual sistema político, ancorado na Constituição de 88, há mais a conservar que a reformar. Mas não é possível ignorar um bordão que vive sendo repetido, mesmo que, na maioria dos casos, quem o repete não saiba exatamente o que quer reformar. Todo mundo quer políticos melhores, eu também. Mas penso ser ilusão supor que eles serão achados ao adotarmos sistemas de governo, de partidos e de eleições diferentes. Os problemas que temos estão em softwares, não no hardware. Partindo desse entendimento tentarei tratar do tema evitando caminhos argumentativos que, a meu ver, costumam ser estéreis.

O primeiro caminho a evitar é o de reiterar um diagnóstico áspero, por vezes indignado, sobre patologias da política brasileira. Nesse tom costumam convergir certezas ingênuas de senso comum e normativas nos campos jurídico, sociológico e econômico, bem como na imprensa e em hostes empresariais e do ativismo social. O mantra mais notável desse território argumentativo é o que proclama a reforma política como a “mãe de todas as reformas”. Um estribilho que reverbera em vozes certamente dissonantes se o debate for sobre qualquer outro tema. Ele garante simpatia, o aplauso é provável mas o resultado substantivo é o de não contribuir ao debate. Contribui para torná-lo medíocre, pois não esclarece de qual reforma se fala, cada qual pensa numa, ou em nenhuma.

O segundo caminho a evitar penso que é, na contramão do primeiro, o da defesa acrítica do status quo institucional do sistema político. Até teve sentido esse papel de contraponto cumprido, desde os anos 90, pela ciência política brasileira. Ela nos ofereceu pesquisas que permitiram enfrentar preconceitos frequentes em ambiente social hostil, que tende a estigmatizar a política, e evidenciou a racionalidade do assim chamado presidencialismo de coalizão, cujo fracasso é hoje diagnosticado. É preciso que a ciência política não capitule, por viés político e/ou timidez intelectual, perante esse senso comum, mas também não é sensato aferrar-se a achados pretéritos como se fossem dogmas infensos ao certo derretimento objetivo daquele arranjo institucional. Quem seguir esse caminho “teimoso”, de uma ciência que rejeita os fatos, também não dará contribuição positiva ao debate. O resultado seria contribuir para torná-lo esotérico.

Um terceiro caminho a evitar é o de buscar “culpados” pela necessidade de reforma política. Ele reduz a discussão a um embate de narrativas sob um emaranhado infindo e infinito de polarizações: liberais vs. desenvolvimentistas em economia; ativistas vs. garantistas em direito; conservadores vs. vanguardistas em cultura; direita vs. esquerda, ou governo vs. oposição, no campo estritamente político. Mais insolúveis, por intolerância, são polarizações entre autoproclamados democratas à esquerda e os que eles denunciam como golpistas, neoliberais e fascistas; bem como entre democratas juramentados à direita e os que esses últimos acusam de estatistas, stalinistas, bolivarianos e por aí vai. O preço a ser pago por quem ceder à tentação de visitar esse labirinto será o de, além de não contribuir ao debate, terminar contribuindo para torná-lo banal, ou interditá-lo.

Em fuga, tento manobrar entre esses três territórios minados para fixar, em termos de reforma política, apenas dois entendimentos. O primeiro é o de que a discutimos hoje sob o influxo de um equívoco que fez nascer a ideia de que ela é mãe de todas as reformas. Precisamente em 2013, após massivas manifestações públicas de insatisfações para com a política realmente existente, algum gênio do marketing sacou o bordão da reforma política (no sentido de mudança das regras do sistema político) e encontrou acolhida interessada em atores políticos com algum poder de fala e decisão. A partir daí vendeu-se à sociedade civil a ideia de que era preciso trocar o hardware da política brasileira, ideia que ajudou a esvaziar as ruas.

Até então, o eleitorado — um público mais amplo e menos informado que a sociedade civil — dava de ombros a essa questão, vista como técnica, como em parte realmente é. O que ele sentia na pele e compreendia bem eram os duros efeitos de políticas públicas (softwares) mal implementadas, cujo financiamento tornara-se problemático. Além disso, eleitorado e sociedade civil convergiam no ceticismo em relação ao desempenho da elite política. Através dos partidos ela exibe um padrão de interação política de má qualidade, outro software ruim. Só que o discurso de que mudar o hardware é solução para mazelas criadas pelos atores (do estado e da sociedade civil) ganhou terreno e acabou persuadindo até o eleitorado.

O segundo entendimento que desejo transmitir é sobre a crise que emoldura um discurso reformista forte, em relação ao tema. Vejo-a como crise de aperfeiçoamento e não de colapso da democracia brasileira. Estou longe de ignorar o potencial de risco que ronda o sistema político quando o cidadão comum deseja paz e grupos sociais e políticos organizados disputam um rude e surdo vale-tudo. Mas vejo no interior das nossas instituições as possibilidades de que essa crise seja vencida com uma subida de patamar. A modesta reforma eleitoral aprovada no Congresso Nacional há dois meses (sobre a qual já se falou e debochou fartamente como se fosse mero arranjo corporativo, para dizer o mínimo) sinaliza, a meu ver, uma rota: reformar, a cada momento, o que for praticável, em termos políticos, pois nenhuma convicção doutrinária é válida se não puder ser viabilizada democraticamente, logo, politicamente.

Sim, espero resultados de eleições para deputados em 2018, já com moderada cláusula de barreira e, a seguir, eleições sem coligações, para vereador (2020) e para deputados, em 2022. Após resultados objetivos, que venham análises de corpo presente sobre aquilo que realmente estiver morto. Creio ser essa atitude mais sensata e razoável do que ministrar extrema-unção a quem ainda não apenas respira, mas pode se reformar gradualmente, desde que mantido vivo. Penso — e o digo francamente — ser esse o caso do nosso sistema político.

Outras iniciativas moderadas serão necessárias para, por exemplo, resolver impasses nas regras de financiamento de partidos e campanhas. Sem demagogia, é preciso argumentar que a retirada completa do financiamento de empresas implica aumentar o fundo público destinado a esse fim. Mesmo que se baixem, como convém, os custos das campanhas, não é sensato (nem possível) querer fazê-lo como se as campanhas devessem retroceder ao tempo dos “santinhos” e do “corpo a corpo”. Somos uma democracia eleitoral de massas e, a menos que se queira substituir a democracia por outro regime, é preciso (e desejável) que a sociedade financie a competição política.

Penso que não estamos à beira de um precipício, como narrativas simplificadoras, eleitoralmente interessadas, querem nos fazer crer. Mas claro que há perigo na esquina. Há porque competidores preparam-se para eleições na contramão da política, com discursos intolerantes, salvacionistas ou justiceiros; e porque setores da sociedade civil veiculam discursos análogos. Apesar dessa babel — e em contraponto a ela — temos hoje, diferentemente da nossa experiência histórica, uma Constituição que cumpre um papel de agência. O País em que ela nasceu mudou e muda na direção do que ela apontou, isto é, na direção da complexidade das relações sociais e, consequentemente, dos mecanismos políticos que devem regulá-las. Complexidade que precisa ser conservada e não atirada ao lixo para dar passagem a qualquer tipo de solução simples, não política.

A Constituição e um calendário eleitoral são as âncoras que até aqui nos detém ante o precipício e nos prendem a um terreno áspero, mas real, de uma ampla democracia. O tema da reforma política é delicado pois afeta essas duas âncoras. Ideias, palavras e obras sobre ele podem ajudar a fixá-las mais solidamente, ou a fazerem-nas bambear.

* Paulo Fábio Dantas Neto é cientista político e professor da UFBA. Texto originário de exposição em Seminário sobre reforma política no TRE/ Ba, em 23.11.2017, e entregue para publicação no site Outra Bahia, em 08.12.2017.

 


Eugênio Bucci: Todo o poder às celebridades?

Enquanto Luciano Huck avalia o risco, o Brasil sonha com um astro que purifique a política

“O espetáculo é a outra face do dinheiro: o equivalente geral abstrato de todas as mercadorias”
Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo

À medida que se adensam as especulações em torno do nome do apresentador Luciano Huck para eventual candidatura à Presidência da República, as reações de políticos atestam que eles não entenderam nada. O sintoma que mais chamou a atenção foi a declaração do senador Aécio Neves. “Acho que é um pouco da falência da política”, diagnosticou o tucano. “É um pouco do momento de desgaste generalizado pelo qual passa a política.”

Não deixa de ser um alívio saber que o líder mineiro se preocupa de modo tão altruísta com assuntos falimentares e desgastes generalizados, mas sua declaração traduz, ainda que inadvertidamente, um preconceito arrogante. Por que, afinal, as pretensões eleitorais de um ídolo televisivo indicariam que a política “faliu”? Em que ponto a candidatura de um animador de auditório – de resto, muito rico – é pior do que a candidatura de uns e outros que ficaram bilionários com salário de deputado? Um garoto-propaganda de banco não tem o direito de, como dizem nos rincões mineiros, “entrar para a política”? Acaso estaria menos preparado que um fazendeiro, um sindicalista, um pastor evangélico ou ex-governador, como sugere a fala de Aécio?

Houve tempo em que as famílias de respeito – de Belo Horizonte, inclusive – empinavam o queixo e franziam os lábios quando ouviam falar que uma amiga da sobrinha pretendia seguir a profissão de atriz. Era um preconceito arrogante. Agora, desqualificar de antemão a competência de astros vespertinos como se eles não fossem dignos de pedir votos é uma forma de reabilitar o velho preconceito. Numa democracia, todos os cidadãos são elegíveis, incluídos os que ganham a vida diante das câmeras – e estes não são em nada piores do que os que ganham a vida de maneiras ocultas e depois passam longas temporadas fugindo das câmeras.

Muitos políticos de carreira subscrevem o que Aécio declarou sobre Huck. Uns o fazem à boca pequena, com aquele modo característico de cochichar usando a mão para cobrir a boca e, assim, evitar o risco tenebroso da leitura labial. Outros se pronunciam aos berros, do alto de palanques. Não estão nem aí.

Além de não entenderem que todos os cidadãos podem ser candidatos, pois são iguais perante a lei e as urnas, os “de carreira” não entendem que o advento das celebridades e da indústria do entretenimento modificou a política para sempre. A política não é mais o que era no tempo de seus avós.

A incompreensão crônica e inamovível é chocante. Como podem ser tão obtusos? Os políticos profissionais cuidam da aparência como se fossem atrizes na terceira idade: fazem implante de cabelo, buscam a ortodontia estética para calibrar o sorriso, tingem o bigode, usam botox, fazem media training quando vão aparecer na TV. Os de direita, quando querem fazer pose de populares, mastigam sanduíches de mortadela e falam palavrão no tête-à-tête com os eleitores. Os de esquerda, quando precisam parecer confiáveis aos endinheirados, envergam as gravatas caras que ganham de presente dos lobistas – e logo se acostumam. Uns e outros passam as 24 horas do dia empenhados em burilar a própria imagem. Só pensam na imagem. São narcisos a soldo público. Sendo assim, como é que não entenderam nada?

Tudo o que desejam é ser celebridade, mas não sabem bem por quê. Os que pensam ter percebido alguma coisa tentam cooptar candidatos como Tiririca (ou mesmo Huck) para engordar quocientes eleitorais – mas também esses, que se imaginam feiticeiros maquiavélicos da popularidade alheia, são levados de arrasto por um maremoto que nem sequer enxergam.

A gramática do poder foi subsumida pelo espetáculo. Em poucas palavras (palavras andam em desuso), sua gramática se tece mais por imagens do que pelo texto. Seus enunciados são performances midiáticas. Kim Jong-un, com seu penteado boina, é um pop star. Trump saltou diretamente da fama de apresentador de TV para a Casa Branca, passando por uma escala meramente formal por um partido político. Arnold Schwarzenegger governou a Califórnia e Ronald Reagan governou os Estados Unidos da América. Berlusconi fez o que fez na Itália.

Por quê? Pela mesma razão que leva uma estrela de novela a ser ouvida como luminar quando opina sobre câncer de mama, energia nuclear ou o agigantamento das megalópoles. Vocalistas de bandas comerciais opinam para plateias planetárias e deslumbradas sobre ecologia e sustentabilidade. Uma top model pontifica sobre demarcação de terras indígenas. Um ex-jogador de futebol dá apoio a um ditador sul-americano – e esse apoio se confunde com legitimidade autêntica.

Como o dinheiro na economia, o espetáculo realizou a proeza de ser um equivalente geral no mundo da imagem: uma celebridade, venha ela de onde vier, ganha autoridade para ditar regra sobre qualquer tema que atraia o olhar das multidões. O espetáculo acentua o caráter de mercadoria nas candidaturas e infla um quê de sagrado nas mercadorias. De seu lado, as multidões histéricas veneram as celebridades como os gregos antigos veneravam os deuses do Olimpo. As celebridades são o politeísmo de um mundo sem divindades. Que elas postulem cargos eletivos, ora, nada mais lógico, nada mais mítico.

A política reduziu-se a um reality show, no qual até ministros do STF atuam, envaidecidos. Esse reality show atrai as celebridades do show business para depois incinerá-las. Elas chegam, brilham e viram pó. Vide um certo prefeito de metrópole que até outro dia era o “não político” mais estridente do Brasil: até ele, chamuscado, precisou fugir das câmeras.

Enquanto Luciano Huck avalia o risco, o Brasil sonha com um astro que purifique a política, em vez de ser queimado por ela. “Dinheiro na mão é vendaval.” O espetáculo é um apocalipse de fogo e fúria.

Que venha 2018.

* Eugênio Bucci é jornalista, professor da ECA-USP

 


Luiz Carlos Azedo: A reforma na Esplanada

Temer pretende reunir apoios suficientes na Câmara e no Senado para aprovar a reforma da Previdência, o que não será fácil. Mas é vital para o governo adquirir mais musculatura

A composição atual do governo, com 27 ministros, é resultado dos acordos feitos por Michel Temer para aprovar o impeachment de Dilma Rousseff na Câmara e no Senado, o que levou a antiga oposição ao poder, isto é, o PSDB, o DEM, o PPS e o Solidariedade. O primeiro a desembarcar foi o PPS (apesar de o ministro Raul Jungmann permanecer na Defesa, na cota pessoal de Temer); agora foi a vez do PSDB, que prepara a saída de seus ministros até a convenção da legenda, no começo de dezembro. Os demais, a começar pelo PMDB, já estavam no governo Dilma.

A reforma ministerial anunciada ontem pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RJ), que levará à troca de 17 ministros, estava prevista para abril (prazo para a desincompatibilização dos ministros que pretendem disputar eleições). O desembarque do PSDB precipitou a reforma, que já era cobrada pelos aliados do chamado centrão (cujo núcleo principal é formado pela aliança PP, PR e PSD). Os demais partidos da aliança, como o DEM, o PTB e o Solidariedade, continuarão no governo, cuja cara dependerá dos objetivos de Temer.

Na composição original, o objetivo era afastar Dilma Rousseff e compor um governo de transição que enfrentasse a recessão, com um ajuste fiscal e reformas na economia que recolocassem o governo nos trilhos, já que o da petista havia descarrilado. Isso foi alcançado. No meio do caminho, porém, o presidente da República se viu arrastado para o olho do furacão da Operação Lava-Jato, com duas denúncias do então procurador-geral Rodrigo Janot contra ele, em razão da gravação de conversa comprometedora com o empresário Joesley Batista, dono da JBS. Entretanto, em nenhum momento Temer correu o risco de um impeachment, porque contou com a solidariedade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Entretanto, saiu da refrega enfraquecido. Na segunda denúncia, pela primeira vez, Temer se viu em minoria na Câmara. A denúncia foi rejeitada, porque precisava de dois terços de aprovação, mas os mesmos aliados que enfrentaram a opinião pública para barrá-la sentiram o cheiro de animal ferido na floresta. Foram para cima dos partidos que não deram o apoio esperado a Temer, principalmente o PSDB, exigindo seus ministérios. O mais cobiçado era o das Cidades, por causa dos programas habitacionais e de saneamento. Não foi à toa que o deputado tucano Bruno Araújo (PE), seu titular, pegou o boné antes de ser defenestrado do ministério.

Os partidos aliados pressionam Temer a passar o rodo nos infiéis e fazer logo a reforma ministerial; em contrapartida, prometem aprovar a reforma da Previdência. Segundo Jucá, a saída de Bruno precipitou essa mudança, que será “para aprovar e agilizar a votação das matérias que existem na Câmara”. Esse é o busílis da reforma ministerial. Assim como costurou uma maioria para aprovar o impeachment, Temer pretende reunir apoios suficientes na Câmara e no Senado para aprovar a reforma da Previdência, o que não será fácil. Mas é vital para o governo adquirir mais musculatura no próximo ano, evitando sua desagregação precoce.

Fricção
Com base em avaliações do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com a reforma da Previdência o governo poderá ter um desempenho econômico muito melhor no próximo ano, aumentando seu cacife eleitoral. Temer sonha com isso para aumentar sua popularidade, embora tudo indique que a desaprovação do seu governo seja provocada pela crise ética, que atingiu em cheio o Palácio do Planalto. Ao contrário de outros presidentes, Temer não pode jogar carga ao mar, ou seja, afastar do governo ministros denunciados na Operação Lava-Jato.

Mas há um problema a ser resolvido para aprovar a reforma da Previdência, a posição de distanciamento relativo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que reflete uma postura de maior autonomia do seu partido. O contencioso entre Temer e Maia tem a ver com as articulações do DEM para ampliar seu cacife parlamentar e eleitoral. O presidente da Câmara não engoliu as manobras para evitar a migração de parlamentares para seu partido patrocinadas pela cúpula do PMDB.

Esse contencioso vem se expressando na apreciação das matérias de interesse do governo. Ontem, por exemplo, surgiu mais uma fricção, com a medida provisória assinada por Temer que modifica a reforma trabalhista. O presidente atendeu um pedido do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-RJ), fruto de um acordo da bancada de senadores do PMDB com as centrais sindicais. Maia era contra a medida provisória, queria que fosse enviado um projeto de lei, com argumento de que não havia participado da negociação.


O Estado de S.Paulo: Cristovam Buarque anuncia licença para iniciar campanha como pré-candidato à Presidência

Senador diz, porém, que existe possibilidade real de Luciano Huck ser o nome do PPS para concorrer ao Planalto; com sua saída da Casa, quem assume é o petista Wilmar Lacerda

Julia Lindner

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) anunciou nesta segunda-feira, 13, que vai tirar uma licença de quatro meses para iniciar a sua campanha como pré-candidato do PPS à Presidência da República em 2018. Para isso, ele pretende "viajar" e "convencer" os militantes do partido.

Com a saída, quem assume como suplente é o petista Wilmar Lacerda, ex-secretário do governo Agnelo Queiroz no Distrito Federal e citado no caso do mensalão. Segundo Cristovam, existe uma possibilidade real do apresentador Luciano Huck ser o candidato do PPS na próxima eleição presidencial.

"Não é boato, é verdade, e acho que seria muito positivo se ele entrasse no partido. Vou disputar com ele", declarou ao Broadcast Político. Buarque disse ainda que seria "muito importante" se o ministro Raul Jungmann (Defesa) também pleiteasse a vaga - a convenção nacional da sigla para definir o candidato está prevista para março do ano que vem.

"Eu creio que eu tenho condições - e os outros candidatos também devem ter - de dizer como é que eu penso se o meu Partido me escolher, que o Brasil pode fazer para retomar a coesão e definir um rumo para o seu futuro. Mas, para isso, eu vou precisar convencer os militantes do meu partido e ouvir o povo", explicou. Ele ponderou que, se houvesse apoio unânime ao seu nome na sigla, ele não precisaria se afastar por quatro meses do Senado neste momento.

Apesar das pretensões de Buarque, aliados de Lacerda afirmam que ele vinha cobrando o afastamento do senador desde o início do ano. Os dois teriam firmado um acordo ainda no período da campanha eleitoral, em 2010, para dividir parte do mandato de oito anos. Na época, Cristovam era mais próximo do Partido dos Trabalhadores.

Hoje, no entanto, Cristovam negou que tenha feito um acordo político para se licenciar. "Se houvesse pressão, seria para eu renunciar ao mandato, e não para me afastar por apenas quatro meses, isso não faz sentido. Eu sempre digo que acho importante senadores se licenciarem por um período, pois oito anos de mandato é muito tempo", rebateu.

Mais cedo, no plenário, Cristovam afirmou que mantém "grande relação pessoal" com Lacerda. "Meu suplente não financiou campanha, meu suplente não é daqueles que chegam só para ajudar, é um velho militante do Partido dos Trabalhadores, que não é o meu Partido, mas é o suplente que eu tenho. E eu estou tranquilo de deixar nas mãos dele, senadores", defendeu.

Lacerda ocupa atualmente um cargo na liderança do PT no Senado. Ele foi secretário de Administração Pública do governo de Agnelo Queiroz, que comandou o Distrito Federal entre 2011 e 2014. Após o fim do mandato, foi condenado junto do ex-governador por improbidade administrativa, mas acabou absolvido após entrar com recurso. Ex-presidente do PT no DF, ele também foi envolvido na CPI do Mensalão por ter sacado dinheiro depositado pelo publicitário Marcos Valério na conta do partido.

 


Mario Rosa: Temer ‘falou’ como nunca em sua foto oficial no Planalto

A semiótica é uma ciência que procura desvendar os símbolos e o que eles tentam ou tentaram traduzir. Como semiólogo, certamente sou um desastre. Mas convido o leitor a um passeio a uma semiologia de segunda classe, a bordo da nova foto oficial do presidente Temer.

Fotos oficiais –sobretudo presidenciais– são tudo, menos obras do acaso. Tudo ali está a serviço de um código, de um significado para ser transmitido para seu tempo e para essa substância difusa e etérea, essa abstração maluca que chamamos de “História”.

O presidente Temer “falou” como nunca em seu retrato. Há muitos elementos simbólicos ali. Note-se que a imagem é o primeiro feito depois da sua confirmação definitiva como presidente, após a dupla tentativa de afastamento que ele, hábil e engenhosamente, aniquilou com sua articulação parlamentar.

E o que retrata o retrato do presidente? Primeiro uma novidade na história da República: um enquadramento totalmente diferente de todos os antecessores. Ou seja, ao menos fotograficamente, Temer quer ser visto de uma maneira diferente de todos os demais. Fotograficamente, uma grande ambição. Será a tradução de uma ambição histórica também?

E qual é essa diferença: Temer é o primeiro presidente que aparece ereto, de corpo inteiro. Os demais mostravam o busto, um plano mais aberto vá lá, mas quase o corpo todo é novidade. O que isso pode dizer? Que ele ocupa na plenitude o espaço do poder presidencial? Bem, a nomeação do novo chefe da Polícia Federal confirma essa hipótese: sim, Temer é um presidente que “usa a pista toda”.

Já reparou que entre tantos fundos da biblioteca o presidente foi posar justamente no que tem livros levemente avermelhados? Pode ser uma pequena ironia dizer que os vermelhos ficaram no fundo da cena?

Foto: Beto Barata\PR

Temer sem faixa presidencial
Outro detalhe: ele não enverga a faixa presidencial. Todos os outros presidentes da nova República, à exceção de Itamar, usaram o adorno verde amarelo cruzando o peito. O cenário da foto também fala: é uma foto interna. É um presidente de gabinete, intramuros. Somente os dois presidentes petistas, Lula e Dilma, tiveram fotos presidenciais ao ar livre. Coerentes com líderes que tinham o discurso de virem das ruas, das massas.

Muitos presidentes tinham nada –isso mesmo– nada como fundo de suas fotos. Eles eram a única informação, o centro de tudo. Nada competia na cena para desviar a atenção deles. No caso de Temer, constitucionalista, o cenário é o mesmo de seu conterrâneo de política Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e intelectual: a biblioteca do Palácio da Alvorada. Temer procura transmitir ilustração.

A bandeira nacional aparece ligeiramente no fundo, mas o grande detalhe da foto presidencial de Temer é sua mão esquerda apoiada sobre a mesa. A mensagem é dúbia, mas o sentido é o mesmo: o presidente está ereto, reto, mas precisa de um calço. E o calço é a mesa presidencial, onde está alojada a sua caneta.

O presidente “diz”: “Estou de pé porque me apoio no Poder presidencial. Não tenho voto do povo, apoio da mídia, aplausos (ainda), mas tenho a caneta. E me apoio nela. E ela me pôs de pé. Não preciso de me jactar de ser presidente, de vestir faixas presidenciais. Minha vaidade não é a de mostrar que sou presidente. É exercer a Presidência na plenitude do poder presidencial”.

Se a foto falasse, poderia ser algo assim.

(Ah, sim: a mão no bolso direito diz que o presidente está se sentindo muito bem na foto…).

 

* Mario Rosa, 53 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Pede que em sua biografia seja incluído o fato de ter sido jurado de miss Brasil e ter beijado o manto verde-rosa da Estação Primeira de Mangueira. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista, consultor e escreveu vários livros. O mais recente, “Entre a Glória e a Vergonha” (pela Geração Editorial), foi lançando também em formato digital pelo Poder360 e pelo UOL.


Murillo de Aragão: O acaso sorri para Doria

Imaginem que um deputado federal que se manteve mudo em boa parte de seu único mandato na Câmara seja escolhido para ser ministro da Fazenda por conta das injunções políticas.

Depois, esse ministro se elege governador de seu estado, vira candidato a presidente da República, é derrotado, lidera um golpe de Estado e se transforma em ditador. Tudo em pouco mais de quatro anos.

Essa é a trajetória de Getúlio Vargas contada magistralmente por Lira Neto em sua trilogia.

Imaginem agora a trajetória do prefeito João Doria (PSDB).

De celebridade do mundo dos negócios termina candidato a prefeito de São Paulo por conta da insistência do seu governador, Geraldo Alckmin (PSDB). Eleito prefeito, faz valer três características importantes hoje: uma imensa capacidade de trabalho, o uso intenso e eficiente das redes sociais e uma narrativa poderosa contra o ex-presidente Lula.

O sucesso dessas características o alavanca para uma situação de pré-candidato presidencial e a criatura ameaça engolir o criador.

Não é a primeira vez que tal fenômeno acontece em política nem será a última.

Em 1994, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), não era o preferido de seu partido para disputar a Presidência, nem era o preferido do presidente da República, Itamar Franco (PMDB).

O senador Mário Covas (PSDB) queria ser candidato novamente, mas Itamar Franco pensava em seu ex-ministro Antônio Britto (PMDB). O Plano Real impôs FHC como candidato.

O acaso e as circunstâncias colocaram Fernando Henrique no lugar certo e na hora certa e com as virtudes certas para enfrentar o momento.

Até hoje a fortuna e as virtudes de Doria têm trabalhando a seu favor. Já mencionei suas virtudes. Falo agora da sua fortuna.

Geraldo Alckmin, seu patrono e competidor, é um candidato “analógico” que não empolga nem tem uma trajetória de sucesso inquestionável. Como governador do maior estado do país, centro financeiro, industrial e cultural do Brasil, teria a possibilidade de fazer um governo espetacular. Não o faz. Ponto para Doria.

No episódio da denúncia encaminhada ao Supremo pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, o PSDB – como sempre – ficou dividido, nervoso e fragilizado. Aliás, o PSDB foi uma das vítimas da denúncia. Enquanto os caciques do partido se debatiam, Doria passou ao largo do problema a ponto de manter abertos seus canais de comunicação com Temer e o governo. Doria sabe que o apoio do governo federal, em uma eleição curta e sem recursos privados como será a de 2018, será decisivo na campanha. Mais um ponto para Doria.

Além disso, Doria não sofre significativa rejeição pela população, não é considerado um “político velho” e, melhor dos mundos, nada tem a ver com a Operação Lava-Jato. Pontos para Doria.

Mesmo tendo convivido de perto com a política e os políticos, nunca se envolveu em nada que possa comprometer sua imagem. Mais um ponto.

Ainda que estejamos longe das próximas eleições, o acaso – até agora – tem trabalhado a favor de Doria, que pode sair candidato pelo PSDB ou por uma coligação de partidos. No momento, temos partidos demais e candidatos fortes de menos.

Por suas virtudes e pelas circunstâncias, Doria poderá ser um candidato muito forte no ano que vem. Em especial, se o acaso continuar sorrindo para ele e sua narrativa prosseguir eficiente.

* Murillo de Aragão é cientista político

 


Alon Feuerwerker: As perguntas, respostas e probabilidades para projetar o essencial do futuro próximo do Brasil

1) Michel Temer terminará o mandato em 31 de dezembro de 2018 ou antes?

A chance de Rodrigo Maia decidir desencadear o impedimento do presidente da República por crime de responsabilidade é baixa neste momento. Em torno de 10%. As acusações derivadas da delação dos colaboradores da J&F não são facilmente caracterizáveis como tal. E a recente turbulência na colaboração deles dá mais motivos de prudência ao presidente da Câmara.

A probabilidade de a Câmara dos Deputados autorizar um processo contra o presidente por crime comum é ascendente, mas continua baixa (20%). Há muita especulação sobre o conteúdo da colaboração de Lúcio Funaro, assim como em torno de eventuais colaborações de Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, mas elas precisariam trazer o assim chamado smoking gun contra Temer.

O presidente continua beneficiando-se da agenda. Quem elege presidente é o povo, mas quem derruba é a elite. Esta não tem motivo de queixa contra Temer. A economia ensaia alguma recuperação e o Planalto impulsiona agressivamente as privatizações e concessões. Se o #ForaTemer da esquerda é apenas ritual, do outro lado do campo ele desperta entusiasmo zero.

Problema para um fragilizado Temer é a dúvida sobre sua força para continuar a avançar reformas liberais. Mas não há certeza de que um temerismo sem ele, eventualmente liderado por Maia, possa acelerar ou trazer musculatura para, por exemplo, a reforma da Previdência. Nenhuma ruptura está 100% garantida contra a instabilidade subsequente.

2) Se Temer sair, qual é o risco para a agenda da sua coalizão?

Muito baixo. Só não é zero porque a política cultiva o imponderável. Mas, se a probabilidade de Temer não concluir o mantado é de 30%, a chance de a agenda, sem ele, ser substituída por alguma modalidade de nacional-estatal-desenvolvimentismo está em torno de 5%. Ou seja, tende a zero. Até por não haver no momento alternativa, sequer em construção.

3) Lula conseguirá ser candidato a presidente?

Cada vez menos provável. Hoje o número está em torno de 30%. A bateria de denúncias do MPF e a maciça propagação jornalística vão criando um ambiente de condenação política antecipada. A inércia empurra Lula para a inelegibilidade, até por não haver um movimento musculoso em contraposição. A iniciativa está com os adversários.

4) Qual é o espaço real para um outsider em 2018?

O aparente estancamento da piora econômica e, principalmente, a baixa inflação ajudam a manter em estado potencial a aversão aos políticos. Continuam relativas as chances dos outsiders autênticos (em torno de 20%). Mas elas podem crescer num cenário de terra arrasada.

Principalmente se Lula não puder mesmo se candidatar. Não há nenhum personagem relevante suficientemente desembaraçado de problemas para poder decolar com leveza. O que melhor caracteriza o grid para 2018 são as âncoras dos atuais pré-concorrentes.

5) Qual é a margem de segurança destas projeções?

É mais provável que elas estejam certas (70%). Mas não é desprezível (30%) a probabilidade de um terremoto político. Os sismógrafos precisam estar ligados e monitorados. Nunca na história brasileira a autoridade do poder esteve tão debilitada. A impressão é que só não há uma ruptura por não haver candidatos com massa crítica para liderá-la. Por enquanto.

Até a semana que vem. Ou a qualquer momento, se o fato novo decisivo, ou algo que dê essa impressão, resolver finalmente dar as caras.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


Pedro Doria: As redes manipuladas

Robôs e publicidade política na web farão parte do cenário de 2018. Sem dinheiro, acirrar divisões é a maneira mais barata de fazer campanha eleitoral

Na quarta-feira, Alex Stamos, responsável pela segurança do Facebook, publicou um longo post tratando do que a companhia descobriu a respeito da interferência russa nas eleições americanas usando sua plataforma. Os insights contidos ali são uma aula e um alerta sobre manipulação política em qualquer parte. No ano que vem, o Brasil realizará uma campanha eleitoral tensa, na qual os políticos terão pouco dinheiro. É inevitável que corram para uma estratégia nas redes sociais. E isto pode ser um perigo.

Entre junho de 2015 e maio deste ano, 470 contas falsas distintas do Facebook, todas operadas da Rússia, gastaram aproximadamente US$ 100 mil para comprar publicidade na rede. O Facebook acredita que as contas eram todas controladas pela Internet Research Agency, uma empresa russa que, apesar do nome assim sisudo, funciona, em essência, como um grupo de terrorismo on-line. Não mata, mas suas táticas são voltadas para disseminar mentiras, incitar desconfiança e gerar pânico.

A maior parte dos cem mil gastos nos EUA não eram pró-Trump ou anti-Hillary. Seu maior foco foi em questões do debate político. Temas como direitos LGBT, imigração, direito ao porte de armas e questões raciais. Pelo menos um quarto das propagandas eram dirigidas a regiões geográficas específicas. Seu propósito, muito claro: provocar discórdia. Aumentar o fosso entre bolhas de opinião. Dividir.

O tempo, no mundo, já é de uma política polarizada. As pessoas não mais discordam. On-line, odeiam-se, desconfiam umas das outras com base na opinião que têm a respeito dos destinos dos países. Tornam certos políticos heróis e, outros, vilões.

Agora, em 2017, outros US$ 50 mil foram gastos em publicidade política, também focada nas questões que mais dividem o eleitorado americano. Este dinheiro torrado no Facebook não veio de contas russas, mas de contas operadas por endereços baseados nos EUA. Uma característica chama a atenção, porém: embora aparentemente americanas, todas rodam o Facebook com a língua padrão configurada para russo.

Ou seja: no total, falamos de pelo menos US$ 150 mil gastos para ampliar as divisões entre americanos num cenário em que os grupos mais radicais já põem o pescoço para fora.

Essa discussão já tem a ver com o Brasil. Um estudo do DAPP, da Fundação Getulio Vargas, detectou que, nos grandes debates políticos que ocorrem por aqui via Twitter, a presença de robôs é enorme. Ou seja, software que se faz passar por inúmeros usuários para interferir nas discussões, fazer com que determinados tópicos subam para destaque, e pender um debate para determinado lado.

Nas eleições de 2014, robôs representaram até 10% do debate. Na greve geral de abril último, 20% das interações no Twitter foram forjadas.

É possível, para uma instituição tecnicamente capaz como a FGV, analisar de fora o Twitter. O Facebook, onde ocorre grande parte do debate, não permite acesso aos seus dados neste nível. Não temos como saber, portanto, o quanto das divisões políticas brasileiras são forçadas por máquinas políticas.

Não temos o problema americano, de interferência estrangeira. Mas, na falta de dinheiro, acirrar divisões via redes sociais é a maneira mais barata de fazer campanha política. Brasileiros já têm experiência com isso.

Em 2018, nós sequer saberemos. Sairá pouco nos jornais. E, salvo aumento de transparência das empresas desta nossa internet social, não vamos perceber. Mas aquilo que discutiremos on-line não tem nada de utopia democrática digital. Vai ter muita gente tentando manipular. Alguns conseguirão.

 


Miriam Leitão: Privatizar é bom ou ruim?

Na Infraero, foi assinado um acordo coletivo que impede demissão até 2020. Só que a empresa está diminuindo pelas vendas de aeroportos ou de participações. Há quatro mil funcionários excedentes. Isso ao custo de R$ 1 bilhão por ano. O que faz essa irracionalidade é um velho defeito das estatais ao qual os dois governos passados cederam: o corporativismo.

Os funcionários das estatais têm sido eficientes em apresentar seus interesses como sendo o interesse coletivo. E mesmo o economista mais preocupado com as contas públicas, se trabalhar numa das empresas do governo, vai defender o próprio bolso quando a mudança o afetar. Há casos recentes disso. As estatais são empresas de propriedade coletiva, mas, na prática, seus donos têm sido os trabalhadores e os políticos. O poder nas empresas é distribuído aos políticos como se fosse o butim a que eles têm direito porque venceram a guerra eleitoral.

Não se pode privatizar pelos defeitos que o Brasil acumulou dentro da parcela estatal da economia e é melhor não se iludir sobre o caráter das empresas privadas. É velho — e velhaco — o patrimonialismo brasileiro. Muitas empresas privadas continuam a ordenhar o Estado. O capitalismo não é uma ideia vencedora no Brasil. Direita e esquerda, ao governarem, impuseram mais Estado e mais proteção e subsídio às empresas que se definem como nacionais.

O ideal é que não se privatize por ideologia, nem para cobrir o rombo do ano, mas com uma ideia do que se quer naquele setor. Na telefonia, deu certo. Eu sei que quem me lê já quis jogar um celular na cabeça de qualquer uma das operadoras que atuam no país. Eu mesma tenho ímpetos diários. Mas foi pela privatização que o brasileiro passou a ter telefone. Graham Bell registrou a patente da sua invenção em 1876. Noventa e seis anos depois foi criada a Telebrás. Até ser privatizada, em 1998, não havia conseguido, em quase 30 anos, universalizar o telefone. Mais de metade dos brasileiros não tinha acesso à invenção de Graham Bell, no final do século XX. O que deu certo nessa área foi o setor privado e a regulação. Nos últimos anos, o órgão regulador piorou.

A pergunta que está no ar agora é se será bom privatizar a Eletrobras. O modelo que o governo rascunhou parece interessante. Ele não privatiza, aceita ser diluído. Isso permite que a Eletrobras venha a ter o controle pulverizado. Se der certo, ela terá milhares de donos, será uma empresa pública, do público. Há inúmeras companhias assim pelo mundo afora. Mas nem isso é garantia de que dê certo.

É preciso boa governança para que uma empresa aberta e de capital diluído seja eficiente. E sempre será indispensável boa regulação. O governo começou a mudar as regras do setor elétrico, de um modelo intervencionista para um pró-mercado. A famosa MP 579 foi a intervenção que já custou muito caro ao país e ao mercado. Agora, se quer expurgar os efeitos dessa regulação do governo Dilma.

O setor elétrico é de uma complexidade espinhosa. É um mercado de múltiplos interesses e de equilíbrio frágil. As novas regras ainda não foram escritas. Apenas houve uma nota técnica de para onde se quer ir e uma consulta pública que recolheu boas sugestões. Os técnicos começariam a redigir a MP quando veio a decisão de privatizar a Eletrobras. Qual MP escrever primeiro? Esse é o dilema. Se as regras vierem depois da venda, pode haver zonas de confusão. Se forem escritas antes, pode atrasar a venda.

Durante a grande guerra provocada pela 579, a MP intervencionista, as empresas do setor perderam o medo de entrar na Justiça. Judicializaram tudo. Agora, ameaçam de novo, quando se fala em mudar as regras, mesmo que seja para melhor. A Justiça existe exatamente para definir contenciosos, mas uma nova temporada da discórdia judicial eleva a incerteza regulatória.

É bom privatizar, mas não é trivial. No caso da Infraero, a venda de Congonhas, aeroporto rentável, vai piorar o passivo trabalhista da estatal. O governo diz que vai exigir que o comprador financie parte de um plano de demissão voluntária e vai capitalizar a empresa com a venda das participações em aeroportos privatizados. Vamos ver. O diabo tem residência conhecida. Mora nos detalhes.

 


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