Míriam Leitão

Míriam Leitão: Caminho do futuro

Quando o país começa a recuperar a economia, o aumento da demanda pelo transporte rodoviário é maior do que por outros modais. Como os demais estão estagnados, quem consegue responder à demanda é o rodoviário, diz o especialista Maurício Lima. O Brasil já foi um dos países com mais ferrovias e elétricas, conta o ambientalista Roberto Smeraldi. Esta é a hora de o Brasil pensar na sua logística.

A greve levou o país a um ponto tão extremo que é fundamental pensar em alternativas para a logística e para as fontes de energia. Não faltam tendências no mundo e práticas de outros países para mostrar que podemos corrigir a rota. Conversei no meu programa da GloboNews com Maurício Lima, sócio do Instituto Ilos de Logística, e com Roberto Smeraldi sobre esse necessário olhar para o futuro.

— Como a capacidade dos outros modais é limitada, toda a flutuação da economia cai no rodoviário. Uma grande causa da greve foi o fato de que por dez meses consecutivos, de maio de 2017 a fevereiro de 2018, o crescimento, ainda que fraco, elevou a demanda rodoviária. Ela cresceu mais do que a indústria. O transportador e o autônomo ganharam poder de barganha — disse Maurício Lima.

Ele acha que falta investimento em todos os modais e aponta a discrepância entre o Brasil e países de grandes dimensões, onde quando a distância é acima de 500 quilômetros o modal é outro. O transporte rodoviário sempre será importante, mas para as pequenas distâncias, que é a sua vocação.

— O Brasil já foi todo interligado de ferrovias eletrificadas. Era o líder das ferrovias. Entre os anos de 1920 e 1950 havia no país uma malha de 20 grandes ferrovias interligadas, do Paraná ao Piauí. O Brasil naquela época já tinha aposentado a Maria Fumaça e substituído a lenha e o carvão por energia elétrica. Não basta ter ferrovias, elas têm que ser eficientes, as nossas de hoje são a diesel — diz Smeraldi.

Ele acha que há dois problemas a serem destacados. O Brasil subsidia o velho em detrimento do novo, e não faz a conta das externalidades.

— As 70 mil mortes por ano por acidentes nas estradas e os problemas de saúde provocados pela má qualidade do ar são uma guerra da Síria. Estamos pagando esse custo. Não podemos esconder os números reais debaixo do tapete. Temos que pôr o custo total das nossas escolhas — diz Smeraldi

Seja por eficiência econômica, seja por razões humanas ou ambientais, o Brasil tem que olhar de forma mais abrangente para o problema. É preciso desenvolver todas as outras formas mais lógicas de transportes, para que haja uma integração mais eficiente. O Brasil precisa de mais ferrovia, hidrovia, navegação de cabotagem, dutos e também rodovias. Os aeroportos ligados por dutos não tiveram problemas nesta greve, lembra Maurício Lima.

— Se a genter vai subsidiar o petróleo, a gente vai continuar investindo no velho, em vez de investir no novo — diz Lima.

— E 15% do custo de combustível é para levar combustível por rodovia — lembra Smeraldi.

São muitas as nossas irracionalidades. Uma delas é que o Brasil está criando a partir dessa greve um programa de subvenção para um diesel que nem tem padrões de qualidade já atingidos em outros países.

— Veículo elétrico no Brasil é penalizado com uma carga de 43% de IPI e ICMS, é paradoxal. A gente onera a inovação. No diesel é preciso usar o padrão Euro-6 com menos partículas de enxofre e menos composto de nitrogenados — diz Smeraldi

Segundo ele, o Brasil convive com mais que o dobro do recomendado pela OMS de partículas finas do diesel. A poluição do ar causa câncer, doença respiratória e doença cardiovascular. É o que estamos subsidiando.

Há quem diga que tudo nesta área é de longo prazo. Mas se o Brasil começar, um dia vai conseguir mudar sua logística. Na época do início da BR-163, Smeraldi fez parte do grupo que tentou convencer a então ministra Dilma Rousseff a optar por ferrovia. O governo achava que era projeto de longo prazo. Hoje, depois que a rodovia confirmou todos os riscos humanos e ambientais que foram previstos, o governo fala em construir a Ferrogrão naquele mesmo traçado. O futuro chega, mas ele começa a ser feito com as decisões de hoje. E temos tomado as decisões erradas.


Míriam Leitão: Desmonte econômico

A saída de Pedro Parente acentua o desmonte econômico do governo Temer. Henrique Meirelles abandonou a Fazenda para tentar uma candidatura quase impossível à Presidência. Tem 1% das intenções de voto. Maria Silvia Bastos deixou o BNDES por também tentar, como Parente, implementar no banco uma gestão de corte de subsídios. Entre os principais nomes do primeiro escalão, restou o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, que tem conseguido se blindar da interferência política por ter derrubado a inflação e levado a Selic ao menor patamar histórico.

Números de Parente
A tabela abaixo mostra alguns dos principais indicadores da Petrobras na era Pedro Parente. O valor de mercado aumentou 134%, a dívida bruta recuou 24%, e a geração de caixa mais do que triplicou, segundo a Economática. Antes, o setor dava como certa a necessidade de um aporte do Tesouro para socorrer a companhia. Há duas semanas, a Petrobras havia voltado a ser a empresa mais valiosa da América Latina, cotada em R$ 388 bilhões. Ontem, após a saída do executivo, fechou em R$ 231 bi.


Nome marcado
No governo Fernando Henrique, Pedro Parente ficou marcado como o ministro do apagão, por ter coordenado a equipe que enfrentou a crise elétrica. Mas foi ele que implementou a construção das termelétricas, de backup no sistema, que depois ajudou o país em momentos de pouca chuva. Agora, após ter tirado a Petrobras de sua maior crise, é apontado como culpado pela alta dos combustíveis e a paralisação dos caminhoneiros.

Na Lava-Jato
É sempre bom lembrar que as refinarias da Petrobras estão no centro das denúncias de corrupção da Lava-Jato e foram projetadas nos governos Lula e Dilma. A de Abreu e Lima, em Pernambuco, começou orçada em US$ 2 bilhões e hoje é estimada em US$ 20 bi. A construção levou um calote do governo venezuelano — parceiro no projeto — e a planta precisou ser refeita. No Rio, o Comperj foi reduzido. O que seria um complexo com refinarias e polo petroquímico foi restringido à unidade de gás. A previsão inicial era gastar US$ 6,1 bi. O TCU estimou em 2017 que apenas as perdas da Petrobras chegaram a US$ 12,5 bilhões. As refinarias Premium, uma no Maranhão e outra no Ceará, foram canceladas e provocaram baixa contábil de R$ 2,8 bi à petrolífera. No total, a Petrobras contabilizou perdas de R$ 31 bilhões nos ativos de refino em seu balanço.

Micos na mão
Com a saída de Pedro Parente, ficará mais difícil para a Petrobras se desfazer das refinarias. O projeto de vender o controle de duas plantas do Nordeste, inclusive Abreu e Lima, e de outras duas no Sul do país, foi prontamente engavetado, conta um técnico da companhia. O investidor privado se afastou, com o temor da interferência do governo na política de preços. Se a Petrobras, que tem 15 refinarias, aplicar um preço menor para atender ao interesse do governo, as concorrentes terão que acompanhar. Esse risco, cada vez maior, ninguém quer correr.

PERDAS. A Petrobras perdeu ontem uma Fibria em valor de mercado. Desde o início da greve dos caminhoneiros, um banco Santander.


Míriam Leitão: Balanço da greve

Toda greve tem pelo menos três atores: capital, trabalho e setor público. Na paralisação do transporte de carga, o capital não apareceu. Estava presente, mas escondido atrás do trabalho. O governo exibiu em suas hesitações a enormidade da sua fraqueza. Outros poderes ou bateram cabeça, como o Congresso, ou ficaram em silêncio prolongado. O que se viu foi um assustador vazio de poder.

Houve momentos em que a situação parecia fora de controle. O governo cometeu uma sucessão de erros primários no processo negociador, como o de ceder sem pedir contrapartida, fechar acordos com interlocutores que não representavam exatamente o movimento. Ameaçar prender quem descumpria a lei, para nada fazer no momento seguinte. Com essas ameaças sem consequência esvaía-se o pouco de sua credibilidade.

A estrutura do setor é complexa. Há os autônomos, mas muitos deles prestam serviço continuado a um mesmo cliente, portanto têm vínculos com empresas. Há os que pegam o serviço que aparece. Há milhares de empresas pequenas de dois ou três caminhões que são contratadas das grandes transportadoras, que têm também suas próprias frotas. Se, desde o começo do movimento, as empresas tivessem colocado suas frotas e seus contratados nas estradas, certamente o movimento dos caminhoneiros não teria chegado ao ponto em que chegou. Agora, os empresários dizem que não saíram com seus carros porque não havia segurança, mas o clima de insegurança foi criado com a aquiescência deles. É mais sutil do que o locaute clássico, mas fez o mesmo efeito de fortalecer um protesto que foi estrangulando o país e que causou enormes prejuízos ao setor produtivo. Na pauta de reivindicações havia assuntos do interesse das empresas, como a não oneração da folha salarial do setor. Quem paga salário é empresário e não autônomo. Por isso, esse pedido, atendido, foi a perfeita impressão digital da presença patronal no protesto.

Os manifestantes têm seus direitos, claro, e num país cheio de razões para o mau humor eles mostraram o deles, mas da pior forma. Poderiam ter parado seus caminhões e já provariam sua importância na economia brasileira sobre rodas e movida a diesel, mas eles sequestraram as vias públicas e nestes casos foram muito além do tolerável na democracia.

As Forças Armadas se desdobraram de norte a sul do Brasil tentando fazer fluir as mercadorias, seja nas operações de planejamento ou nas ações táticas. Se alguém confundiu seu papel nesta crise não foram eles. Às vozes que pediram intervenção militar, o general Sérgio Etchegoyen deu a resposta perfeita: “isso é coisa do século passado".

O que é deste século e apareceu no movimento foi a dispersão de lideranças organizadas no mundo digital. Fortalecido pela dependência do país ao transporte rodoviário de carga, o movimento passou a ter inúmeros líderes que organizavam seus grupos através dos aplicativos de mensagem. Um dos ministros com quem conversei nestes dias me disse que o governo não estava preparado para este movimento digital. Os governos, como se sabe, ainda são analógicos.

Por várias razões esta foi a pior das greves do transporte de carga que o país já teve. Houve uma em 1999, à qual o governo Fernando Henrique cedeu no quarto dia, depois de ter subestimado sua força no primeiro dia. Houve duas contra o governo Dilma em momentos de sua fragilidade, em 2013 e 2015. O atual é um governo impopular, nos últimos meses do seu período no Planalto e que demostrou medo dos grevistas. Uma coisa é o diálogo sobre o qual o ministro Eliseu Padilha tanto falou. Ele é bem-vindo na democracia. Outra coisa é a tibieza que o governo mostrou em vários momentos. Nesse ambiente os grevistas cresceram e aumentaram exigências.

Era previsível que aparecessem infiltrações, radicalizações, oportunismo político e enfrentamento violento no final de um movimento tão intenso quanto esse. O governo também deveria ter se preparado para este momento.

Temer no Planalto já é quase passado. Os candidatos apareceram e deram declarações em geral confusas ou superficiais sobre o que estava acontecendo. Esta greve mostrou que o país tem extremas fragilidades. É preciso se preparar para reduzir essa vulnerabilidade.


Míriam Leitão: Solução temporária

O ministro Eduardo Guardia disse que a solução usada para a queda do preço do diesel é temporária. Ele defende a fórmula encontrada, afirmando que, mesmo sendo um novo subsídio, será compensado com a queda de outro benefício tributário. “Pode-se não gostar da solução que demos, mas está sendo feita de forma transparente, estará no Orçamento e não estamos jogando custo para o próximo governo.”

O ministro da Fazenda ficou no meio de uma polêmica nas últimas horas por ter falado em criação de imposto, o que negou depois. Ele me disse que se referiu a isso ao explicar que essa é uma das possibilidades estabelecidas pela Lei de Responsabilidade fiscal para compensar o corte de um tributo. Outra é elevação de alíquota, e a terceira opção é redução de benefício tributário:

— Nós já tínhamos decidido por redução de benefício e é isso que sempre esteve na nossa cabeça e temos preparado. Nós apenas não anunciamos na entrevista, mas após a aprovação do projeto de reoneração vamos dizer o que será feito.

Ontem, o Senado aprovou a reoneração da folha, e hoje já será possível editar a Medida Provisória e o decreto com o pedido de crédito extraordinário e a criação do programa de subvenção econômica.

Guardia explica que a solução para o diesel teve que ser pensada no meio da emergência, no fim de semana, e admite que por isso só pode ser entendida como uma solução temporária. A preocupação foi evitar fórmulas como controlar preços da Petrobras ou criar um subsídio oculto, como foi feito no passado. A solução foi mover recursos do Orçamento, explicitar os custos da decisão, e cobri-los com redução de outros benefícios:

— O Brasil tem R$ 270 bilhões de gastos tributários, e evidentemente isso precisa diminuir. Mas qual é o ponto. O subsídio ao diesel não é permanente, é temporário e o seu custo está sendo pago de forma clara e não estamos jogando um centavo para o próximo governo. Essa subvenção tem o mérito de não ser escondida. Dado que foi preciso fazer, a melhor é que seja dentro do Orçamento.

A solução definitiva, se o país quiser manter uma tributação diferenciada para o diesel, é criar a possibilidade de ter impostos flexíveis, cujas alíquotas subam ou desçam conforme os preços internacionais: caindo nas altas dos preços, e aumentando nas reduções das cotações. Mais ou menos o que será feito agora com o Imposto de Importação, que é o único tributo que pela Lei de Responsabilidade Fiscal pode ter alíquotas flutuantes. A Cide foi pensada para ser assim, mas ela foi criada depois da LRF que impôs limitações em casos desse tipo. Como a LRF exige, em seu artigo 14, que qualquer redução de imposto seja compensada por uma daquelas três opções — aumento de tributo, elevação de alíquota, ou redução de benefício tributário — o governo fica engessado. Para ter esses tributos flexíveis, ou regulatórios, teria que se mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que não daria para ser proposto agora.

A solução encontrada não é complexa apenas na engenharia fiscal e tributária. Ela é confusa também na parte que trata do preço especificamente dito:

— Quem vai operacionalizar o instrumento de compensação financeira para as empresas será a ANP, num cálculo conforme volumes de comercialização e os preços. Porque a gente fala “preço médio” para simplificar. Na verdade, existem 35 preços base de dois tipos diferentes de diesel. Depende de custos de frete, de proximidade de refinaria e de vários fatores. Então estamos falando de 70 preços.

Guardia também acredita que esse “choque”, como os economistas definem os fatos inesperados, não vai afetar muito o PIB e a inflação. Para ele terão efeito temporário, porque a produção interrompida será retomada, os preços que subiram voltarão a cair. Admite, no entanto, que o pior é a consequência na formação de expectativas.

Quando o novo preço vai chegar à bomba, que é o que os transportadores exigem, é difícil de determinar. Parte da queda já foi praticada pela Petrobras. A outra parte da redução começa a se completar hoje, com os decretos e as MPs, para ser possível praticar o novo preço.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Míriam Leitão: Bomba retardada

O próximo governo assumirá tendo que cortar R$ 30 bilhões e, além disso, terá que aumentar o diesel ou encontrar nova solução. Toda a complexa engenharia para reduzir menos de meio real no preço do litro do diesel não pode ser mantida no ano que vem porque não há espaço para mais este gasto. E para este ano foi preciso inventar inúmeras saídas fiscais e tributárias.

Quem for eleito herdará um aumento de despesas obrigatórias de R$ 74 bilhões, a maior parte disso Previdência e salário do funcionalismo. O problema é que o espaço para elevação de gastos é de R$ 40 bilhões. Por isso, o novo governo terá que abrir os trabalhos cortando outras despesas no valor em torno de R$ 30 bi. Ao lado disso, receberá a bomba do reajuste do diesel, porque o gasto extra de R$ 9,5 bilhões será suficiente apenas para o subsídio ao diesel este ano.

No oitavo dia de greve do setor de transporte de carga, o governo já havia cedido tudo o que fora pedido, ainda havia paralisação e o país vivia os efeitos da desorganização do abastecimento. A esperança ontem cedo era que o setor de inteligência do governo estivesse certo. Eles detectaram uma melhora no tom das lideranças mais radicais a partir da madrugada e avisaram o governo. Durante o dia, no entanto, a situação se manteve tensa, ainda que com alguns pequenos avanços. No fim do dia, a Polícia Rodoviária Federal admitia haver 594 pontos de bloqueios.

Os caminhões-tanque escoltados foram para aeroportos e serviços essenciais, mas segundo uma fonte do governo não conseguiam atender mais do que 5% da necessidade do país. A situação permanece crítica, portanto. E, mesmo quando o movimento acabar, o próprio governo admite que levará dias até que o país esteja normalizado.

Para tentar encerrar o movimento dos transportadores de carga, que envolveu os caminhoneiros autônomos e as empresas do setor, o governo fez uma engenharia fiscal e financeira complexa. Uma MP está criando um programa de subvenção. O dinheiro veio de um remanejamento: parte de uma arrecadação extra que houve no ano e outra parte de uma reserva feita para capitalização de estatais, que não ocorrerá. Mas para que esses recursos possam ser usados, é preciso que o Congresso aprove o crédito extraordinário pedido pelo governo. Mesmo assim não é suficiente. Será preciso aprovar o projeto de reoneração. Se e quando for aprovado não será o bastante e por isso o Ministério da Fazenda estava ontem preparando outros cortes.

O governo precisou fazer toda essa ginástica para pôr de pé o subsídio ao diesel. Além disso, criará um imposto de importação flexível, que subirá quando o preço externo cair e será reduzido quando o preço externo estiver subindo. Essa é mais uma das medidas necessárias para manter essa nova política. A preocupação é com a possibilidade de o preço externo cair abaixo do preço fixo no Brasil. Neste caso, o importador independente poderia trazer o produto mais barato e distorcer o mercado. O governo confirmou o que foi publicado aqui na coluna: a compensação financeira será paga à Petrobras e a qualquer importador do diesel. Um quarto do mercado é abastecido com importação.

Por enquanto está preservada a política de preços da Petrobras. Mas para tornar realidade esse desconto será necessário mover mundos e fundos, subverter leis econômicas e abandonar o projeto de reduzir a enorme conta de subsídios e incentivos fiscais. No mercado não se confia no futuro dessa política e é por isso que a ação da Petrobras já caiu 34%, reduzindo em R$ 126 bilhões o valor de mercado da empresa, segundo a Economática.

O Brasil nos últimos anos acentuou sua escolha pelo transporte de carga através de caminhão a diesel. Um erro duplo: caminhão e diesel. Nas outras greves, como a de 2013, na esteira das manifestações contra o governo Dilma, ficou claro o quanto o país é vulnerável. O mundo caminha na direção de reduzir a dependência do petróleo. Recentemente num estudo feito pela OCDE, o Brasil foi aconselhado a aumentar o imposto sobre os combustíveis fósseis. E ele agora está fazendo exatamente o contrário. O sofrimento do país nos últimos dias tem sido imenso. Ele mostra, uma vez mais, como temos sido insensatos nas nossas escolhas coletivas.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Míriam Leitão: O risco do populismo

Durante dias o país sentirá os efeitos da desordem provocada pela paralisação do transporte rodoviário de carga. O movimento que uniu caminhoneiros e transportadoras precisou de pouco tempo para nocautear o país. Ontem não havia gasolina em várias cidades. Permanecem o bloqueio de estradas e o desabastecimento. O que pedem caminhoneiros, patrões, consumidores é controle de preços.

Há uma fórmula simples que resolve esta crise e a raiva da classe média com o preço da gasolina. E ela está errada. Em tempos eleitorais, a solução errada tem sido defendida pelos candidatos. Eles dizem que a Petrobras deve vender todos os seus derivados pelo custo de produção. Parece simples, faria a felicidade dos donos de carros, dos caminhoneiros, das empresas de transporte, das companhias aéreas e reduziria a tarifa de energia. Tem apenas um problema: já foi executada inúmeras vezes e sempre terminou em correção brusca de preços e prejuízo para a empresa estatal.

O professor de economia da PUC-Rio Márcio Garcia disse que essa tem sido a tendência no Brasil:

— Agora, por exemplo, recebi uma mensagem de um amigo dizendo: não vamos abastecer o carro amanhã porque temos que nos bater contra essa política de aumentos. Como se as altas do dólar e do petróleo fossem algo sobre o qual o governo tivesse controle. Ou tivesse obrigação de não deixar passar. A compreensão é a de que o governo tem que intervir e garantir a coisa barata.

O cientista político e professor da UNB Eduardo Viola acha que essa inclinação não é só do Brasil, é de toda a América Latina e explica os grandes ciclos de decadência na região. Sobre um gráfico do PIB per capita da Argentina, em comparação com o dos Estados Unidos, Viola mostrou que as políticas populistas começaram no governo Perón e foram mantidas pelo regime militar:

— Metade da sociedade argentina considera correta a adoção de medidas populistas, o peronismo se divide em três correntes, mas todas elas defendem essas políticas. O eleitorado argentino foi se tornando cada vez mais populista.

O populismo econômico não é de direita, nem de esquerda. No Brasil, quem olha com sinceridade o problema das contas públicas verá o gigantismo do custo dos incentivos e subsídios. Todo setor empresarial quer um subsídio para chamar de seu. E o que se viu na última semana foi isso. Transportadoras, caminhoneiros autônomos e a maioria dos consumidores têm um ponto em comum: querem que o governo lhes garanta preço baixo, independentemente da realidade econômica. Todos os governos, Fernando Henrique, Lula, Dilma e agora Temer, enfrentaram greve do setor de transporte rodoviário de carga e todos eles cederam dando um maior ou menor grau de intervencionismo nos preços.

A greve do governo Fernando Henrique foi no ano da sua maior fragilidade política, em 1999, logo depois da desvalorização cambial. A do governo Dilma foi no meio dos protestos de 2013 contra seu governo. O pior agora é que esse é um governo atingido por denúncias de corrupção e em fim de temporada no Planalto. Mas nosso problema não é este governo cadente, mas sim que tipo de economia a sociedade quer.

Márcio Garcia alerta que a oscilação do dólar vai continuar e vai pegar todos os países mais frágeis.

— O Brasil, se não encaminhar ao menos uma solução para a questão fiscal, será duramente atingido — prevê.

O país, além de não enfrentar o problema fiscal, quer a volta da política de preços de combustíveis baixos. A Argentina de Cristina Kirchner subsidiou tanto o preço da energia que chegou ao ponto de um apartamento de classe média alta em Buenos Aires pagar US$ 2 de conta de luz. Por mais provas que haja na história de que esse caminho é errado, o que se pede nos momentos de crise é que o governo resolva o problema reduzindo os preços.

— Por isso não sou otimista sobre o futuro do Brasil. A mentalidade não muda. Parecia que iria mudar depois do fracasso das políticas de Dilma. Mas não. O discurso dominante é populista — diz Viola.

É mais fácil pedir ao governo um subsídio. Foi isso que empresários do transporte e caminhoneiros exigiram, com maus modos. E ganharam. Será tirado dinheiro do Orçamento para reduzir o preço do diesel.


Míriam Leitão: A realidade do acordo

Governo terá que subsidiar importação de diesel. Não será fácil o governo cumprir na área econômica o que prometeu para tentar controlar a greve do transporte de carga. O Brasil não é autossuficiente em diesel, isso significa que ele passará a subsidiar um produto que é importado e que pode ser trazido ao país pela Petrobras ou outras empresas. Não se pode saber antes o custo desse subsídio. Ainda não está claro de onde sairá o dinheiro.

O governo anunciava como vitória o fato de que havia uma redução de 45% dos bloqueios nas estradas. Mas o Brasil ainda vive uma situação crítica, com hospitais com carências, supermercados sem produtos, pessoas cancelando seus planos de viagem, combustíveis em falta até em alguns aeroportos, como disse o general Etchegoyen. Os ministros que deram entrevista ontem à noite admitiram que a situação ainda não está resolvida, tanto que o grupo da “sala da situação” passará o fim de semana reunido.

Uma das dificuldades do acordo que o governo assinou é o fato de que outros importadores podem trazer o diesel. Afinal, a importação é livre. E aí, o governo compensaria também outras empresas? É o que pergunta o especialista em energia Adriano Pires.

— O governo também vai subsidiar o importador? Se não subsidiar, faltará óleo diesel. A partir de hoje, o estímulo a importação caiu, porque o produto será vendido internamente a um preço mais baixo do que no mercado internacional. Se a Petrobras tiver que importar diesel, ou ela vai ficar com o prejuízo ou o governo irá subsidiar a sua importação. E isso terá que ser estendido às demais empresas do setor. Ficou tudo mais confuso e desorganizado — afirmou.

A importação de diesel em 2017 foi recorde, de 82 milhões de barris de petróleo equivalente (bep), com alta de 63% sobre o ano anterior. O gasto com essa importação chegou a US$ 5,6 bilhões. No primeiro trimestre deste ano, o crescimento foi de 29% sobre o mesmo período do ano passado, segundo dados da ANP. O gráfico mostra como aumentou a importação do combustível.

Outra dúvida é em relação ao cálculo de quanto vai custar. O governo diz que a diferença a compensar à Petrobras pela manutenção do preço fixo a cada 30 dias ficará em R$ 5 bilhões, mas é difícil dizer de antemão. Vai depender dos preços mais imprevisíveis da economia, do petróleo e o do dólar. Este ano será de muita volatilidade do câmbio por causa da eleição. As tensões internacionais podem manter o petróleo alto. Tudo isso pode elevar o custo. Mas principalmente o valor é incerto.

Mesmo se fosse possível estimar exatamente o custo desse subsídio, haveria ainda a dúvida de onde tirar o dinheiro. E se fosse fácil encontrar dinheiro sobrando, num orçamento apertado, num país com déficit tão alto, haveria a seguinte dúvida: por que mesmo subsidiar combustível fóssil? Será essa a melhor destinação do dinheiro? Pode-se argumentar que o diesel é o combustível dos ônibus dos transportes públicos e dos caminhões da distribuição de mercadorias pelo país, e por isso o benefício acaba sendo da população. Ficará apenas o travo amargo de o contribuinte estar subsidiando também o combustíveis dos SUVs dos ricos.

Mesmo se a greve tivesse acabado ontem, a economia teria ficado em situação pior após esse evento. A Petrobras perdeu valor de mercado e parte da confiança na capacidade de manter uma política técnica na formação de preços. A equipe econômica teve que encontrar fórmulas para tornar possível mais um subsídio, num país que deveria estar se esforçando para acabar com os incentivos fiscais que tanto distorcem a economia.


Míriam Leitão: Efeitos imediatos

O acordo que o governo fechou com o setor de transporte de carga significa o seguinte: será tirado dinheiro do Orçamento para compensar a Petrobras pelo subsídio dado ao diesel. O governo cedeu no quarto dia da greve dos caminhoneiros e das empresas de transporte. Será criada uma câmara de compensação que vai ressarcir a Petrobras por reajustar apenas uma vez por mês o preço do combustível.

Que a greve era também dos empresários ficou claro em um dos itens do acordo repetido pelo ministro Eliseu Padilha de não reonerar o setor. Quem paga o imposto sobre a folha é quem tem funcionário. Um autônomo, por definição, não tem. A propósito, greve de empresário, locaute, é proibido por lei. O governo sabe que eles estavam ferindo a lei, mas não teve forças para enfrentá-los. Preferiu tratar o espinhoso tema, diplomaticamente. O governo sabe que está fraco e que o risco que o país corria com essa chantagem era alta demais.

O país viveu ontem um dia de Venezuela, com supermercados racionando a compra de produtos e mercadorias faltando, crianças sem aula, e avisos como a que fez a Cedae no Rio, de que poderia haver falta de água. Essa não foi a primeira greve do setor de transporte de carga no país, mas a economia mudou muito e os efeitos agora são mais imediatos. Durante o dia inteiro o governo negociou com os representantes dos caminhoneiros e da indústria de transporte de carga. Depois que o governo anunciou suas concessões, o Rio anunciou a queda do ICMS. O Rio é que tem a maior alíquota de ICMS sobre combustíveis e tem tido, por outro lado, um grande ganho com o aumento de 70% do pagamento de royalties e participação especial.

Há 19 anos, em 1999, o governo enfrentou uma greve muito parecida com a que está ocorrendo agora. Até o negociador era o mesmo: o ministro Eliseu Padilha. O governo chegou a ameaçar usar o Exército para desbloquear as estradas, mas no quarto dia cedeu e recuou dos reajustes de diesel e dos pedágios. É sempre no quarto dia.

A diferença entre as outras greves do setor e a atual é que a difusão da tecnologia permitiu que a economia aprofundasse o sistema just in time, ou seja, trabalha-se com pouco estoque e dependendo da entrega diária de produtos. Com isso, em pouco tempo a economia fica desorganizada. O just in time não é apenas na indústria, é em toda a economia. Outra mudança é que naquela época os caminhoneiros tinham uma liderança clara. Hoje há uma dispersão de líderes, e eles não necessariamente refletem as bases que se organiza por WhatsApp.

O que não mudou é que naquela época como agora o apoio das grandes empresas de transporte garantiu o sucesso da greve. Os caminhoneiros decretam a paralisação e realizam os bloqueios nas estradas, mas as empresas que os contratam dão seu aval. O produtor perde sua produção, o consumidor é explorado ao ter que pagar mais caro pelo que encontra, mas o transportador acaba lucrando com as concessões feitas pelo governo, como a que está sendo apresentada agora, de redução de impostos e preços fixos por um tempo.

Há excesso de oferta de transporte de carga, o que deveria dar às grandes empresas do setor poder de barganha para parar o movimento grevista. O governo passado deu um enorme subsídio para a compra de caminhões, mas logo depois o país entrou em recessão e o setor ficou então com capacidade ociosa. Se a economia estivesse funcionando normalmente, seria difícil fazer greve.

Os efeitos se espalharam da feira do bairro às grandes negociações em bolsa. A Petrobras foi ontem a empresa que teve a maior queda de ação na bolsa americana, com uma perda de US$ 12 bilhões, segundo a Economática. O que a indústria de transporte quer, de fato, como resultado final da greve dos caminhoneiros, é a volta da política de preços que vigorou no governo Dilma, quando o governo controlava os preços de combustíveis, a Petrobras ficava com o prejuízo, os maiores beneficiários do subsídio ao diesel eram os donos das empresas de transporte. Ontem encontrou-se uma fórmula de controle disfarçado. O que acontece a partir de agora é que dinheiro diretamente do Orçamento vai subsidiar um combustível fóssil.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Míriam Leitão: O pacto da greve

A greve dos caminhoneiros só pôde chegar ao ponto em que chegou com a conivência dos empresários da indústria de transportes. Tanto é verdade que um dos pedidos feitos é de que não houvesse reoneração da contribuição patronal do setor. Todos os outros serão reonerados. O governo pode ceder, nos impostos ou na política de preços, mas não se livra do fato de que o país está vulnerável a essa chantagem.

Na reunião de ontem no Palácio do Planalto, o representante dos grandes empresários de transportes deixou claro que concorda com o movimento e que o alvo é a mudança da política de preços da Petrobras, o repasse da alta do dólar e do petróleo. No Rio, a Petrobras decidiu com autonomia, sem qualquer ingerência, segundo se garante na empresa, a redução do preço do diesel. Um pouco antes da entrevista, o Planalto recebeu uma ligação da companhia informando o que fora decidido. A ação da estatal caiu. No after market dos Estados Unidos, chegou a desabar 11%, depois atenuou um pouco. O governo está preocupado e mobilizado para resolver o problema, porque sabe o efeito exponencial que pode ter.

Caminhões transportam 64% da carga do país e essa parcela tem se mantido nos últimos anos. O país teve décadas, e inúmeros planos de desenvolvimento, planejamentos estratégicos, Pacs, para começar a reverter o rodoviarismo. Nestes dias ficou claro que, além de ser uma irracionalidade ambiental e econômica, a dependência ao setor pode encurralar o governo, desorganizar a economia e transtornar a vida dos consumidores. O país precisa levar a sério o esforço de investir em outros modais.

Segundo Maurício Lima, sócio diretor do Instituto Ilos, Supply Chain, o transporte de cargas é feito 30% por autônomos. Outros 50% são de pequenas empresas subcontratadas pelas grandes empresas.

— O Brasil tem uma frota de dois milhões de caminhões, sendo 650 mil autônomos, ou cerca de 1/3. Existem 150 mil empresas de transporte. No período de expansão econômica, entre 2004 e 2012, os modais ferroviário e hidroviário não conseguiram crescer na mesma proporção. Por isso o modal rodoviário foi mais exigido e aumentou sua participação no transporte — diz o especialista.

As grandes empresas são apenas uma parte, mas por serem grandes são as que contratam as menores. Um setor tão pulverizado só conseguiria essa paralisação em tantos estados com a complacência da maioria dos grandes contratantes. Como há muita oferta de serviço de autônomos e pequenas empresas, se as grandes empresas não quisessem, eles poderiam romper contratos e só acertar com os que não aceitassem fazer parte da paralisação.

A decisão da Petrobras de reduzir o preço em 10% serve como sinal em momento de crise aguda. É um gesto de boa vontade, como diz o presidente da empresa, Pedro Parente, mas é temporário. O que querem os caminhoneiros? Controle de preços. Sobre a redução de impostos, a carga tributária é de fato alta demais. Representa metade do preço do diesel. Mas faz sentido que outros produtos paguem impostos, e gasolina e diesel, não? Dos tributos, o maior, que representa 30% do preço, é o ICMS, que tem ainda o defeito de fazer parte do problema: quanto mais aumenta o preço, mais se eleva o valor cobrado de imposto e mais sobe o preço. PIS/Cofins e Cide incidem com valor fixo.

Os preços em geral vão subir temporariamente, mas poderão baixar se a greve for interrompida. Por isso, economistas como Luís Otávio Leal e José Márcio Camargo acham que o impacto no PIB e mesmo na inflação será pontual. José Márcio acha que uma solução seria criar uma banda de imposto, que subisse quando o preço internacional caísse, e diminuísse em momentos como o atual.

José Augusto de Castro, da AEB, disse que a greve pode afetar a exportação porque o comprador pode cancelar a compra, em caso de atraso. Vão por rodovia 43% de todas as exportações para a Argentina.

Ontem, no terceiro dia de greve, o país já enfrentava o desabastecimento. Esse movimento é maior do que a paralisação de 1999 no governo Fernando Henrique. Mas claramente o que está acontecendo não é uma greve de caminhoneiros. É mais grave e mostra o risco que o país corre sendo tão vulnerável ao transporte rodoviário.


Míriam Leitão: Caminhão desgovernado

Nos primeiros minutos da reunião, na manhã de ontem, sobre o preço dos combustíveis, os ministros Moreira Franco e Eduardo Guardia avisaram que o governo nunca havia pensado em interferir na Petrobras. O dia terminou com Guardia informando que fechara um acordo com os presidentes do Congresso para reonerar a folha salarial e eliminar a Cide. Os caminhoneiros disseram que a greve continua.

Greve de caminhoneiro assusta por razões práticas e memória política. Elas sempre estiveram presentes em momentos de instabilidade de governos na América Latina. O caso emblemático é o do Chile de Salvador Allende. O atual governo brasileiro não poderia desprezar o sinal das estradas. Por erros antigos do nosso rodoviarismo, o Brasil é excessivamente vulnerável a uma paralisação de caminhões. Tudo se transporta por eles. Em países de grandes dimensões, o modal ferroviário há muito tempo foi implantado porque é mais econômico, lógico e sustentável. Por atrasos recentes na adoção de novas energias e novas tecnologias, os caminhões movidos a diesel são dominantes. A consequência prática disso é que combustível fóssil é carregado queimando-se combustível fóssil. E ontem à tarde o risco era de parar do aeroporto de Brasília aos ônibus do Rio.

O governo resistiu à tentação fácil de culpar a Petrobras pelos preços. O que sobra? Os impostos. O problema é que a tendência é mesmo de taxar mais os combustíveis fósseis, neste tempo de combate às emissões de gases de efeito estufa. Uma redução de tributos pura e simples poderia acabar provocando distorções, como já ocorreu no passado, com o produto menos poluente sendo mais taxado do que o fóssil.

De tarde, o deputado Rodrigo Maia anunciou pelo Twitter a solução encontrada com o governo, de que a Cide será zerada. E disse mais: “Eu e o presidente do Senado combinamos com o governo federal: os recursos da reoneração serão todos utilizados para reduzir o impacto do aumento do diesel.” No fim do dia, o ministro Guardia confirmou os detalhes desse acordo. Só será reduzida a Cide do diesel depois que o Congresso votar a reoneração e até 2020 nenhum setor terá o benefício da desoneração.

Parece uma solução engenhosa, mas vamos entendê-la: no governo passado, vários setores foram desonerados, ou seja, passaram a pagar menos de contribuição previdenciária sobre a folha salarial. O governo atual propôs reonerar, ou seja, elevar de novo a contribuição, mas o projeto não andou no Congresso. Agora andará, mas, em vez de o dinheiro pago pelos empregadores ir para a Previdência, vai para subsidiar o uso do diesel.

Pelas contas do economista Fábio Klein, da Tendências Consultoria, a perda de receitas com a Cide seria mais do que compensada pelo aumento de arrecadação provocado pela alta do preço do petróleo. Olhando para estados e municípios, o ganho com royalties poderia chegar a R$ 7 bilhões este ano, com uma perda em torno de R$ 1,2 bilhão de junho a dezembro, com a Cide.

— A Cide arrecada R$ 6 bilhões por ano e um terço disso é de estados e municípios. Se a redução entrar em vigor em junho, a perda será de R$ 3,5 bilhões. O impacto fiscal não é grande. Difícil mesmo seria mexer no PIS/Cofins, que vai todo para a União, e no ICMS, que é inteiramente dos estados — explicou.

Também se discutiu na reunião sobre os combustíveis a distorção criada pelo ICMS. Ao contrário de PIS/Cofins e Cide, que são cobrados em um valor fixo pelo volume de vendas, o ICMS é ad valorem, ou seja, incide sobre o preço final. Como a alíquota chega a superar 30% em alguns estados, como o Rio de Janeiro, o imposto acaba elevando o preço final. Desta forma, ele faz parte do agravamento do problema.

Há pouca chance de o petróleo cair no mercado internacional. A política usada em inúmeros países é de automaticamente repassar a alta da cotação para o preço na bomba. O governo garantiu que não está pensando em intervir na política de preços da Petrobras, por isso só sobraram mesmo os impostos, e dentro eles o olho maior está sobre o ICMS, que é da conta dos estados e não do governo federal. Enfim, o problema continua e não será fácil resolver.


Míriam Leitão: Dilema do combustível

Controlar o preço da gasolina já deu errado muitas vezes no passado. Nos governos do PT, causou prejuízo de US$ 40 bi à Petrobras. No arsenal de medidas contra a alta dos combustíveis não há solução boa. O governo pensa em reduzir impostos, e a reunião do presidente Temer com a Petrobras aumenta o risco de intervenção nas decisões da empresa. No governo Dilma houve as duas coisas: redução de tributos e intervenção na Petrobras. Só à estatal isso custou US$ 40 bilhões. Perdeu-se receita sem que houvesse ganho para o país.

Que o dilema apareceria era previsível. Os preços oscilaram conforme as cotações internacionais enquanto não tinham disparado. Mas agora o barril está acima de US$ 80. Entre o dia primeiro de maio e esta terça-feira, a gasolina foi reajustada pela Petrobras em 15,5% e o diesel subiu 13,6%. Um aumento nessa proporção pesa ainda mais porque a economia está tentando se recuperar de uma longa recessão, e o percentual parece desproporcional para um país que está com inflação abaixo de 3% ao ano. Além disso, a eleição está chegando, e a tentação intervencionista aumenta. Diante disso, fazer o quê? Repetir os erros do passado?

Parece justo evitar a alta dos preços da gasolina, dado que esse não é o custo da Petrobras, e sim o valor da cotação externa. Esse raciocínio sempre aparece nas campanhas eleitorais na boca dos candidatos. O problema é que na economia se trabalha com o conceito de custo de oportunidade. Se a Petrobras exportar terá esse ganho. Se vender aqui mais baixo — por imposição governamental — terá prejuízo. A empresa passa, então, a ser usada pelos governantes para fazer política de preços. Esse tipo de intervenção na estatal prejudica principalmente o seu maior acionista, o Tesouro.

Fazer populismo com o preço dos combustíveis é um caminho sem volta. Nos governos do PT isso prejudicou os cofres públicos e a empresa. Primeiro, a Cide passou a ser reduzida até ser zerada, depois outros impostos foram diminuídos, a empresa passou a absorver o custo. Chegou a importar mais caro do que vendia. Criou-se um círculo vicioso. O subsídio aumentava, isso estimulava o consumo, o que elevava o prejuízo da Petrobras e piorava a perda tributária. O subsídio aos combustíveis fósseis durou anos, não evitou a inflação, o preço represado um dia teve que ser corrigido, e o setor de etanol entrou em crise.

O governo Temer discutiu ontem a possibilidade de reduzir tributo para que a alta dos combustíveis não seja tão alta. O problema é de onde tirar. Quase metade do preço da gasolina é imposto, 45%, sendo que desse percentual os estados ficam com 29 pontos através do ICMS, e 16 pontos percentuais são PIS/Cofins e Cide, segundo a Petrobras.

O consultor e especialista em energia Adriano Pires acha que o menos prejudicial seria se a base sobre a qual incide o ICMS fosse fixada em um preço como R$ 4,00. Eles teriam a sua arrecadação e não mexeriam na alíquota que é de 25% em São Paulo e de 34% no Rio. Mas acha que os estados não vão aceitar. Ele lembra que se o governo diminuir imposto sobre combustível fóssil terá também que diminuir o tributo sobre o etanol.

— Na verdade, a melhor forma de fazer essa mitigação das oscilações cíclicas dos preços de petróleo seria ter uma Cide alta quando a cotação caísse, e baixa quando o preço internacional subisse — disse Pires.

A Cide foi pensada para funcionar dessa forma, com uma alíquota flexível. O que houve é que o governo passado zerou o imposto e quando ele voltou foi com um valor muito baixo. O governo Temer preferiu aumentar o PIS e o Cofins.

A Petrobras argumenta que tem controle apenas sobre um pedaço da cadeia de custos, que é o preço da gasolina nas refinarias. Segundo a empresa, isso representa 32% do valor final nos postos de gasolina. Sobre todo o resto, o preço do etanol que é misturado, os impostos, as margens da distribuição e revenda, ela não tem ingerência. Para evitar a confusão, passou a divulgar o preço na refinaria.

— O petróleo é preço cíclico. Agora está subindo por causa da Síria, acordo com Irã, Venezuela. Além disso, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita quer fazer um IPO da Saudi Aramco e está forçando o preço com corte de produção — conta Adriano.

O custo é de fato influenciado por fatores geopolíticos, mas o Brasil já tentou diversas vezes controlar o preço do combustível e só criou distorções na economia. O risco é repetir os erros do passado.


Míriam Leitão: Venezuela, a radiografia da fraude e do voto tutelado

Dessa vez ficou clara a dinâmica usada pelo regime chavista para fraudar o processo eleitoral. Os enviados brasileiros foram muito felizes em descrever a rotina da fraude, que vai além da manipulação da contagem dos votos. Para o conselho eleitoral da Venezuela, o presidente Nicolás Maduro foi reeleito no domingo.

Há muito tempo se sabe que o chavismo frauda as eleições, manipula as instituições, controla o conselho que fiscalização a eleição. Agora, a cobertura dos correspondentes lá na Venezuela descreve as cenas. O eleitor que depende dos programas sociais tinha que votar e se apresentar a um posto da milícia bolivariana para comprovar que votou. Assim, além de garantir a permanência no programa, ganhava o equivalente a US$ 8, o que é muito dinheiro por lá. É a compra de voto oficial. Há ainda o voto assistido. O eleitor é acompanhado por um miliciano que indica como ele deve votar. Os venezuelanos contaram à reportagem que não podem correr o risco de perder a “Carteira da Pátria”. O voto por lá é absolutamente controlado.

Outro fato importante nesta eleição foi o grau de abstenção. Até o CNE, o conselho eleitoral controlado pelo chavismo, admitiu que a maioria dos venezuelanos, 54%, não foi votar, apesar de toda essa tutela do governo.

O concorrente de Nicolás Maduro, Henri Falcón, não reconheceu o resultado. Ele é um dissidente chavista que decidiu concorrer contra Maduro, enquanto a oposição boicotou o processo. Ele, que de certa foram legitimou o processo, diz agora que a eleição é uma fraude.

A Venezuela vive uma devastação. A situação é cada vez mais dramática, com a inflação chegando a 14.000% neste ano, pela estimativa do FMI. O país se desintegra. A hiperinflação desorganiza o setor produtivo. Com o drama do desabastecimento agudo, o venezuelano troca o voto por um dinheiro a mais para ter acesso à comida. Claro, se comida houver nas prateleiras.

O que chama a atenção é quanto o venezuelano tolera a destruição da pátria. Agora a situação piorou ainda mais. As fraudes devem provocar novas sanções internacionais, especialmente dos EUA. A condição econômica deve piorar nos próximos meses.

Na fronteira, o Brasil recebe o resultado mais dramático do problema. Os mais ricos se programaram e deixaram a Venezuela há tempos. Os mais pobres agora estão em fuga para os países vizinhos. Os refugiados contam que vieram ao Brasil pela necessidade. Contam situações em que não havia comida para todos da família, que chegaram ao ponto de ter que escolher qual dos filhos iria comer em determinado dia.