Míriam Leitão

Míriam Leitão: Dois em um

Neste maio o presidente Michel Temer completou dois anos de governo e um ano desde que sua administração perdeu o rumo. Tem sido, desde o começo, um governo com dois lados e dois momentos, partido ao meio. Ele acertou em alguns pontos na economia e errou em várias outras áreas. Em certos casos, uma decisão anulou o benefício de outra e minou o próprio sucesso. Um caso para os psicólogos.

Logo ao assumir, ele suspendeu a construção da hidrelétrica de Tapajós. Parecia ter entendido que as usinas agressivas ao meio ambiente na Amazônia, como Belo Monte, exigem precaução. Em seguida, reduziu a área de proteção da preciosa floresta de Jamanxin. Quis acabar com a Renca. Agora tenta emplacar um ruralista no ICMBio. Não houve naquela primeira decisão sobre Tapajós um pingo de consciência ambiental, era apenas oportunismo político porque a ex-presidente Dilma estava muito vinculada aos polêmicos projetos das hidrelétricas.

Na Petrobras, o centro do escândalo de corrupção, o presidente Temer escolheu um administrador que nenhum headhunter colocaria defeito. Pedro Parente nomeou sua própria diretoria. A estatal tem constituído de forma independente e técnica seu conselho de administração. O resultado positivo disso está em vários indicadores da empresa, que havia sido jogada no fundo do poço. Seu governo aprovou o projeto de nova lei das estatais que impede a nomeação política. Estaria ele querendo modernizar a gestão das estatais? Não. Aí entrou o outro lado de Temer. Ele próprio fez nomeações políticas, que feriam a lei que aprovara, para algumas empresas públicas e órgãos reguladores.

Na economia, Temer escalou um time qualificado e com boa reputação. A resposta apareceu nos indicadores. O PIB estava no mais baixo ponto quando ele assumiu. No segundo trimestre de 2016, a recessão estava no auge. Em quatro trimestres registrava uma contração recorde de 4,8%. A inflação estava em 9,5%. Era o resultado da desastrosa política econômica do primeiro governo Dilma. O país agora cresce pouco, mas saiu da recessão, a inflação foi contida e, por isso, os juros puderam cair ao mais baixo nível da história. Temer permaneceu, contudo, fazendo uma coisa e seu contrário. Defendeu o ajuste fiscal, mas iniciou o governo dando aumentos salariais para os funcionários até 2019. Aprovou o teto de gastos e fez sucessivas concessões de alto custo fiscal aos ruralistas. Ele dá um sinal geral de contenção de gastos, e cria pressão de despesas de má qualidade.

O governo Temer, além de dois lados, tem também dois tempos. A marca divisória ficou registrada no calendário. A partir do dia, há um ano, em que este jornal divulgou a delação de Joesley Batista, Temer passou a agir sem qualquer limite para se manter no cargo. Para derrotar no Congresso as denúncias da Procuradoria-Geral da República, seu governo fez acordos com diversos lobbies e enterrou o plano de ser um mandato reformista.

Defendeu a modernização do mercado de trabalho e disse que isso estaria na proposta de reforma, enquanto por portaria tentava proibir a divulgação da lista dos que praticam trabalho escravo. O novo e o inaceitável estão dentro da mesma reforma: ela permite que trabalhador que se demite possa sacar parte do Fundo de Garantia, e autoriza o trabalho de grávidas em ambiente insalubre. Aprovou uma mudança fundamental no BNDES, a TLP, que reduzirá o enorme custo dos empréstimos subsidiados, ao mesmo tempo em que conspirava na noite do Jaburu com aquele que foi um dos maiores predadores do BNDES nos governos do PT, o grupo JBS.

Temer deixará um balanço ambíguo dos seus 31 meses. Foi ainda pior que Dilma em relação ao meio ambiente, uma tarefa árdua. Liberou R$ 40 bilhões para os donos das contas do INSS e melhorou alguns gastos combatendo fraudes no Bolsa Família e no auxílio-doença. Blindou a Petrobras, deu autonomia ao Banco Central e apoiou uma equipe defensora da austeridade. Afundou o fosso moral no qual o governo brasileiro entrou. Dividido entre os dois lados de si mesmo, e entre os dois tempos políticos, ora médico, ora monstro, Temer viverá seus últimos meses acuado no Palácio, cercado por um mar de impopularidade.


Míriam Leitão: O desalento

No meio das palavras feiosas em que vive imerso o mundo da economia, há uma elegante e profunda: desalento. É bonita, mas batiza um dos fenômenos mais dolorosos do mercado de trabalho, aquele estado em que o trabalhador desiste de lutar. Esta semana foi divulgado o número do desemprego por desalento, são 4,6 milhões de pessoas, um aumento de 195% desde 2014.

Imagine a pessoa por trás dessa estatística. Ela procurou emprego, saiu dias a fio de casa com essa esperança, ficou numa fila de entrevista, mandou currículo e aguardou em vão a resposta, ouviu desculpas polidas e frias informando que poderia ser contatada em caso de necessidade. Foi barrada no escasso mercado de oferta de vagas por ser mulher, por ser preta ou parda, por morar longe ou em área de risco, por ser pobre, por ser considerada velha demais, por ser vista como jovem demais e sem experiência, por ter estudado pouco ou por estar mais qualificada do que o exigido. Ao voltar para casa, nunca tinha boa notícia. Foram dias, meses e anos. Foi desanimando aos poucos, foi perdendo a autoconfiança, um dia desistiu e parou de procurar. Esse é o fenômeno que o indicador pesquisa.

O retrato que o IBGE divulgou esta semana é a mais ampla análise do mercado de trabalho. É como se fosse uma foto que revelasse três camadas superpostas do problema. Acima, na superfície, estão os desempregados. São pessoas que procuraram emprego no último mês e não encontraram. São 13,7 milhões de pessoas na média do trimestre, 487 mil a menos do que no mesmo trimestre do ano passado. É um número imenso, mas essas pessoas ainda lutam. Há um segunda camada e já é uma parte meio submersa do problema. A pessoa conseguiu trabalho, um bico, um quebra-galho, um meio expediente, um serviço temporário, mas quer e pode mais. Trabalha menos do que está disponível. Aceitou o que apareceu. São 6,2 milhões de pessoas. Depois vem a camada mais profunda da desorganização do mercado de trabalho, o desalento. Este é o desemprego realmente oculto. Se a pessoa não procurou trabalho, ela não é considerada desempregada. Saiu da estatística. Está nessa situação uma multidão maior do que as populações de Belo Horizonte e Curitiba somadas.

No final de 2014, o Brasil tinha 6,5% de desemprego, 6,4 milhões de pessoas. Hoje é mais do que o dobro. A recessão estava começando, mas a máquina de destruir emprego já havia sido ligada e devastaria milhões de vagas a partir de 2015. Mesmo naquela época que parecia ser um bom momento, havia um milhão e meio de pessoas em desalento.

Há muito a fazer para tornar mais dinâmico o mercado de trabalho em um país com maioria de jovens e crianças na era das mudanças radicais do século XXI. Agora o Brasil está diante da terra arrasada provocada pela recessão. Quando o país retomar o crescimento, o problema diminuirá e o alívio pode tirar o tema de pauta. Isso será um erro, porque a busca por maiores possibilidades para os trabalhadores brasileiros pode ser a chance de superação de vários obstáculos. Pode ser o fio condutor para a modernidade.

O investimento em educação de qualidade é a etapa primeira — e incontornável — para enfrentar o problema. A educação preparará os jovens para um mercado de trabalho mais desafiador, em que tarefas repetitivas serão feitas por computadores e robôs. Precisamos do melhor das nossas mentes. Leis trabalhistas mais flexíveis serão parte importante dessa atualização, mas a reforma terá que ser feita realmente de olho no futuro do emprego. O combate à discriminação e ao preconceito é outra tarefa fundamental para um novo mercado de trabalho. Quem olha os números por dentro vê as cicatrizes deixadas por um país que discrimina mulheres e negros. Eles ganham menos, ascendem com mais dificuldade na estrutura corporativa. O preconceito fere pessoas, mas fere também a economia. Ela seria mais dinâmica sem as barreiras artificiais construídas pelo pior dos motivos, aquele que julga as pessoas pelo seu gênero ou por sua cor.

Na luta contra o desemprego o Brasil pode encontrar o caminho do seu próprio resgate. As tarefas que abrirão vagas e oportunidades são civilizatórias. Sem isso é o país que estará em desalento, desistindo de buscar seu futuro.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: O corte certo

O próximo governante terá que fazer um ajuste fiscal de 5% do PIB, segundo o economista Arminio Fraga, para que “o Brasil saia do cheque especial". Ele acha que pode haver um aumento de impostos — desde que não seja a CPMF —, mas antes teria que haver cortes nos gastos e ele sugere um ponto onde começar a reduzir as despesas. “A ‘bolsa empresário’ custa 7% do PIB e os programas não têm avaliação".

Por “cheque especial” ele quer dizer o déficit público brasileiro, que cresceu muito e agora se mantém num nível alto. Com a expressão “bolsa empresário” ele se refere aos inúmeros subsídios e incentivos concedidos no Brasil aos setores empresariais. Em entrevista que concedeu ao meu programa na GloboNews, ele falou das três crises cambiais que enfrentou no governo, em 1991, quando era diretor da área externa, e em 1999 e 2002 quando era presidente do Banco Central, e as comparou com a atual alta do dólar.

— Em 1991 era um sistema de câmbio administrado que tinha ficado defasado. Foi uma minicrise, o câmbio desvalorizou 15%. A de 1999 o país estava saindo de uma âncora cambial e tinha que fazer um ajuste fiscal. A de 2002 foi uma crise de confiança, o medo real e absoluto do que viria depois.

Hoje o país está mais forte do ponto de vista das contas externas do que em todas as anteriores, porque o déficit em transações correntes está praticamente zero e o país continua atraindo investimento estrangeiro. Por outro lado, agora o déficit fiscal está mais alto e a dívida subiu muito nos últimos anos.

— Com isso, a coisa se volta para uma incerteza maior: o que vai ser o futuro do Brasil diante desse desafio fiscal.

Arminio acha que o Banco Central agiu certo, esta semana, ao interromper a queda dos juros, a despeito de a inflação estar baixa.

— O Banco Central já estava vendendo reservas, a ração diária outra vez. A venda direta de US$ 250 milhões por dia. Nesse quadro, uma pausa faz todo o sentido.

Arminio disse que a atual equipe está conseguindo manter o nível de déficit, o que por si só é uma dificuldade no Brasil. Mas tudo o que foi aprovado no atual governo foi o teto de gastos, que ele acha muito difícil cumprir sem outros ajustes. Para ele, a reforma da Previdência não é apenas urgente, ela tem que ser bem mais ampla do que foi proposta pelo governo Temer, e defendeu uma mudança completa no orçamento.

— O governo não conseguiu fazer a reforma da Previdência e o lado fiscal está aí para quem vier. E o que vem é um baita desafio. Estamos falando de uma juste de 5% do PIB, talvez um ponto volte com o país crescendo, mas o ajuste terá que acontecer. A dívida é maior do que era antes desse colapso fiscal. Essa parte ficou para o próximo governo.

Arminio diz que felizmente o país tem câmbio flutuante para absorver as tensões, mas isso significa que se os candidatos apresentarem propostas irresponsáveis, o dólar subirá mais. O economista acredita que o câmbio agora está instável por fatores externos, mas que continuará volátil neste ano por razões locais, da indefinição eleitoral.

Ele acha importante que todos os programas governamentais sejam sempre avaliados para se saber se aquela despesa está valendo a pena. Isso deveria ser a regra para todos, mas principalmente com as transferências tributárias para as empresas e setores empresariais.

— Se olhar, a bolsa empresário chegou a 7% do PIB. Ali tem coisa para fazer. O que falta é ter uma lista de todos esses benefícios para analisar o desempenho de cada programa. Se eu usar toda a água para regar uma plantinha ela pode crescer, mas faltará água para cozinhar. Todas as políticas precisam ser avaliadas. Aliás, elas deveriam ser desenhadas de forma transparente e com objetivos.

Ele explica que uma reforma do Orçamento para rediscutir as vinculações não seria algo autoritário porque será feita por quem o povo elegeu e aprovada por parlamentares também eleitos. Na visão de Arminio, é preciso ter noção da grave situação atual.

— Não dá para brigar hoje contra uma situação extremamente grave. Essa dívida é muito grande. É preciso cortar gastos. Mudar o orçamento também não é apenas desejável, ficará inevitável de um jeito ou de outro.


Míriam Leitão: O balanço dos riscos

O cenário externo mudou desde a última reunião do Copom, por isso fez sentido a decisão de antecipar o fim do ciclo de relaxamento monetário. Mas o risco cambial é mais fraco do que em outros momentos em que houve incerteza internacional. Se forem retirados da conta da dívida externa os débitos do governo, os empréstimos entre companhias e o passivo dos bancos cobertos com hedge, a dívida total cai de US$ 548 bilhões para US$ 80 bi.

A situação brasileira neste momento de turbulência internacional foi atenuada com a derrubada da inflação e dos juros nos últimos dois anos. O ajuste monetário feito no atual governo permitiu ao país chegar neste momento preparado para enfrentar o aumento da pressão cambial e inflacionária, com o índice de preços abaixo do piso da meta e uma Selic 775 pontos mais baixa. Isso é um feito.

O dólar mais alto impactará os preços em geral, mas o país passará por este ponto da crise em situação muito mais confortável. Se não tivessse feito o esforço de política econômica e monetária dos últimos dois anos, a situação agora seria bem delicada. Por isso é que a Argentina subiu os juros para o nível mais alto do mundo e o Brasil apenas antecipou o fim da queda das taxas.

O risco cambial existe, mas sua dimensão precisa ser entendida. A conta feita pelos economistas do mercado é a seguinte. A dívida total em dólar, pública e privada, é de US$ 548 bilhões e parece enorme. Mas apenas uma pequena parte, de US$ 76 bilhões, é dívida do governo e ele tem US$ 380 bilhões de reservas, o que quer dizer que ele é credor líquido. A maior parte da conta em dólares no Brasil é dívida intracompanhias, os negócios entre filiais e matrizes, que chega a US$ 235 bilhões. Em outras crises, parte desse dinheiro foi convertido em capital. Outros US$ 127 bi são de bancos, e eles têm hedge. Sobram US$ 110 bilhões, mas os US$ 30 bi de swaps oferecidos pelo Banco Central ajudam a cobrir uma parte. O resto é de US$ 80 bilhões, que se não tiver nenhum seguro pode ter um impacto patrimonial de R$ 44 bilhões com a elevação do dólar de R$ 3,10 para R$ 3,66.

— Mesmo assim, isso não necessariamente impactará o fluxo porque depende do vencimento de cada dívida — explica o economista-chefe do Bradesco Fernando Honorato Barbosa.

O risco real que o país passa neste momento é dado pela extrema fragilidade da questão fiscal. O Brasil está no quinto ano de déficit primário e com dificuldade para fechar o orçamento do sexto ano. Será um novo déficit, mas há bombas novas, como a da dívida rural. Os ruralistas, que pertencem à base do governo Temer, aprovaram para si mesmos um perdão que tem custo fiscal de R$ 17 bilhões. O governo por estar fraco viu sua própria base derrubar os vetos presidenciais às modificações do Refis.

Dado que temos esse enorme calcanhar de Aquiles fiscal, a incerteza eleitoral aumenta a vulnerabilidade. Não se tem uma resposta para a dúvida sobre as propostas dos candidatos para enfrentar esse problema. Por isso a cada pesquisa pode haver esse temor, que apareceu nos últimos dias, de que o próximo governo não se prepare de forma adequada para superar o nó fiscal.

Outro ponto de fragilidade da conjuntura é o ritmo da atividade. Ontem o Banco Central divulgou mais um dado ruim. O IBC-Br de março registrou uma queda de 0,74%. O mercado esperava redução de 0,3%. Todos os números do primeiro trimestre foram piores do que os projetados, e por isso o PIB deve ficar em magros 0,3%, segundo cálculo dos economistas.

Em resumo: atividade fraca e déficit público deixam o Brasil debilitado para enfrentar a crise externa. Porém, a inflação e os juros baixos foram pontos que melhoraram nos últimos dois anos e fortalecem o país. Na área cambial o Brasil tomará os sustos de sempre ao longo do ano com a oscilação da moeda americana, mas não corre os riscos que correu no passado. Em 2002, o país não tinha reservas para enfrentar a crise de confiança; em 2008 o BNDES socorreu empresas como Sadia e Aracruz, que estavam com grande exposição cambial. Desta vez, o Banco Central interrompeu a queda dos juros e vai atuar no mercado para evitar excessos de volatilidade.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: Dólar e juros

Ontem o dólar subiu por razões internas: as dúvidas sobre as eleições. Há uma semana houve o aumento da turbulência internacional. Tudo mantém o clima que favorece a volatilidade do dólar que, como já disse aqui algumas vezes, será a marca deste ano. Hoje o Copom começa a sua reunião e a maior probabilidade é de um novo corte, ainda que pequeno, mas que deve ser o último desta série.

O mercado financeiro cria algumas convicções e as repete em suas análises, mesmo quando elas não conversam com a realidade. Quem olhasse dias atrás as projeções para o dólar no fim do ano de diversas instituições, em torno de R$ 3,20, sabia que isso era fruto de uma visão linear, a estranha aposta de que o futuro seria a continuidade do presente. Era obviamente impossível. Ontem o dólar fechou em R$ 3,62, mesmo com a intervenção do Banco Central, e nos últimos dias esses mesmos bancos correram atrás da realidade, mudando os seus cenários para o fim do ano.

Na política, os analistas médios de mercado fazem um raciocínio binário. Haverá candidatos reformistas. Geraldo Alckmin ou Henrique Meirelles. E candidatos populistas. Todos os outros. Por isso, como Meirelles ainda nem sabe se será candidato e Alckmin continuou patinando na pesquisa de ontem, houve mais uma razão para o dólar subir.

A política não é assim tão simples. Há gradações de propostas, riscos e chances entre os dois modelos extremos desenhados nos cenários do mercado. Os programas econômicos dos candidatos ainda não estão definidos. Se for eleito alguém com um partido pequeno, ele ou ela poderá ser bem-sucedido em organizar uma coalizão. Enfim, os riscos reais são outros. O Brasil enfrenta um dos seus piores quadros fiscais e nenhuma das pessoas que se apresentam para concorrer à presidência tem um programa sobre como superar isso. O país está com uma enorme taxa de desemprego e não há qualquer projeto concatenado para enfrentar o problema. Isso é mais concreto do que a dicotomia estabelecida no mercado entre reformista e populista.

O Copom quando se reunir hoje e amanhã para decidir a taxa de juros vai analisar a incerteza interna e a turbulência externa, a alta do dólar e a subida do petróleo, antes de tomar a decisão. Mesmo assim os juros poderão cair? Em outros momentos, não, mas o que o presidente do Banco Central Ilan Goldfajn disse na semana passada, na entrevista que concedeu ao Jornal das 10 da GloboNews foi que é preciso olhar a inflação e a atividade. Olhando os dois, o que se percebe? Há dez meses o índice de preços está abaixo do piso da meta, portanto nem chegou ainda à faixa de flutuação, e as perspectivas também são boas. A taxa subirá um pouco durante o ano pela pressão do dólar e dos combustíveis, mas ninguém teme qualquer perigo inflacionário no futuro próximo. Já o nível de atividade está mais lento do que se projetava inicialmente. Dado após dado, este ano tem sido decepcionante e por isso, quando o IBGE divulgar no fim deste mês o PIB do primeiro trimestre, ele deve ser um número muito fraco. Neste aspecto, a taxa de inflação permite nova redução dos juros, e o ritmo de atividade requer mais estímulo monetário.

Mesmo assim alguns bancos passaram a considerar que a Selic ficará estável, exatamente por causa dessa elevação da incerteza nos últimos tempos. O aumento das tensões causado pela política externa e política comercial do governo Trump vai continuar provocando a oscilação das moedas em geral e a pressão na cotação do petróleo. A dúvida sobre como o Brasil vai enfrentar suas dificuldades econômicas alimentará a alta do dólar e a política de preços de combustíveis vai repassar as cotações internacionais do petróleo para os preços ao consumidor, pressionando a inflação.

Contudo, há mais razões para uma nova queda dos juros hoje. Depois dessa redução, o Banco Central deve avisar que ficará em compasso de espera. Esse terá sido um longo período de redução da taxa de juros. A Selic estava em 14,25% em outubro de 2016. Se houver o corte amanhã, vai para 6,25%. Uma redução de 800 pontos em um ano e sete meses. O que falta é a chegada dessa queda na ponta final do tomador de crédito.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: O mar da dúvida

A eleição será definida pelos que não indicaram até agora a sua preferência. E é um mar de gente. Entre os pesquisados, 46% não têm candidato, e 21% preferem o voto nulo ou branco. Para onde vão esses dois terços do eleitorado? Os sem candidato podem se distribuir como os que já escolheram ou ir majoritariamente para um dos participantes. O não voto pode se decidir ou crescer.

Estamos a 147 dias das eleições e sabemos muito pouco. Toda a distribuição de preferência se dá nos 33% dos entrevistados que dizem saber em quem vão votar. O líder das pesquisas, Lula, é inelegível. O segundo e o terceiro lugar nessas pesquisas, Bolsonaro e Marina, têm somados 25% das intenções dos que sabem como vão votar, mas apenas 1%, cada um, dos recursos dos fundos partidários. Além disso, terão tempo exíguo de televisão. A maior parte do dinheiro público irá para partidos extremamente envolvidos nas denúncias de corrupção.

Na semana passada, Joaquim Barbosa, um dos pré-candidatos que mais causavam expectativa, saiu da disputa e isso aumentou a bruma que cerca o processo. Essa sensação de espaço vazio ajuda a pensar no que quer o eleitor de 2018. A primeira constatação é a de que o combate à corrupção é, de fato, uma das mais importantes demandas. Joaquim, como juiz do Mensalão, ficou com essa marca. Ele também é, por sua história, a representação viva da inclusão social pela educação. O mesmo atributo de Marina. Portanto, o sinal que dava era de reforço das políticas de inclusão. E esta é outra das demandas do eleitor.

O presidente Temer, em mais uma declaração infeliz para a coleção das suas impropriedades, disse que Joaquim Barbosa não poderia ser o presidente só por ser negro e ter sido pobre. Joaquim poderia ter almejado o cargo pelo conjunto das suas qualidades, várias delas o presidente nem compreende.

Será preciso também que o candidato saiba como fará o ajuste nas contas públicas que permita retomar o crescimento econômico e criar emprego. Os projetos econômicos começam a se esboçar, mas alguns estão falhos ou são voluntariosos. A economia melhorou diante do quadro deixado pelo governo Dilma. Isso não significa que se deve apoiar o governo atual, nem que se possa entrar em alguma aventura que revogue o que foi feito. Os acertos na economia dos últimos dois anos vão balizar o caminho.

Foi possível derrubar a inflação, que está há dez meses abaixo do piso da meta e, por isso, com capacidade de passar confortavelmente pelo período de pressões inflacionárias provocadas pela turbulência internacional. As contas externas em equilíbrio afastam o destino argentino. A recuperação do valor da Petrobras ensina, na prática, a vantagem da gestão profissional e da não indicação política. A empresa voltou a pagar dividendos aos acionistas e aumentou o volume de impostos pagos às três instâncias administrativas.

As contas públicas continuam com um enorme déficit, ainda que o fundo do poço tenha sido no governo passado. A atual equipe econômica conseguiu evitar o aprofundamento da queda, mas não há perspectiva de reversão a curto prazo. O próximo governo herdará contas com um enorme déficit e muitas demandas por gastos. Terá que fazer escolhas duríssimas. Na última semana, o chefe da Receita Federal, Jorge Rachid, disse que o ideal seria reduzir as renúncias fiscais à metade. Renúncia fiscal, ou abatimento nos impostos de setores ou de empresas, aumentaram muito nos últimos anos.

Alguns candidatos, à esquerda e à direita, insinuam projetos que vão estimular setores, isso significa gastar mais com empresários. Como disse Rachid, quando alguém recebe um incentivo, o resto da sociedade paga a conta. Ele diz isso, mas o governo se prepara para aprovar o Rota 2030, de subsídios à indústria automobilística. A força do lobby sempre é forte demais.

Os candidatos podem ser genéricos e superficiais no projeto econômico, mas quem for eleito terá que saber objetivamente o que fazer, porque o déficit e a dívida são tão altos que qualquer aventura precipitará uma crise. Falta pouco para as eleições, e candidatos e eleitores ainda estão mergulhados em um mar de dúvidas.


Míriam Leitão: Os dois mitos de Geisel

Documento derruba o mito de que Geisel foi um ditador melhor que outros. Falta a esquerda abandonar a defesa do seu projeto econômico. Perigosos são os tempos em que um país começa a esquecer seu passado, porque pode ser o primeiro passo para repetir erros fatais. O documento encontrado pelo professor Matias Spektor chega na hora exata para reavivar memórias e ensinar aos que não viram. Não existe a figura do bom ditador. Na democracia, se tem bons e maus governos, mas na ditadura só existe mesmo o pior, sem atenuantes.

Havia duas ilusões sobre o general Ernesto Geisel. A de que ele foi bom na economia pelos planos de desenvolvimento e fortalecimento da empresa nacional. E a de que ele enfrentou a linha dura e teria sido surpreendido por mortes que aconteceram até dentro dos quarteis do Exército durante o seu governo, como a de Vladimir Herzog, e que reagiu a elas demitindo generais.

Sobre o segundo mito, o professor Spektor jogou a última pá de cá. O jornalista Elio Gaspari, em sua colossal obra, já avisara de diálogos estranhos, por isso de certa forma sabíamos o que agora fica inegável. Ernesto Geisel fez parte da linha de comando que matou Herzog e tantos outros durante o seu governo. O Palácio do Planalto abrigou conversas nas quais se decretou a morte de brasileiros. Não havia a turma dos porões e a turma moderada. Havia os porões e todos sabiam e concordavam. A briga com os generais Ednardo D’Ávila e Sylvio Frota foi disputa de poder simplesmente, sem o mérito de proteger vidas ou projetos. O general Figueiredo, que com seus maus modos conduziu a parte final daquele período longo e triste da vida nacional, era diferente de Geisel apenas no estilo, mas os dois foram cúmplices em assassinatos.

Nos tempos de hoje há falas enviesadas de generais, inclusive do comandante do Exército. Os militares, perto da aposentadoria, falam para seus redutos para serem bem recebidos nos clubes da reserva que passarão a frequentar. Do general Eduardo Villas Bôas, que merece meus respeitos pela maneira corajosa como enfrenta uma doença terrível, se esperava neste momento palavras claras de rejeição ao passado das Forças Armadas. No entanto, ele tem falas dúbias que nunca esclarecem o que realmente quer dizer. Essa ambiguidade do comandante do Exército só fortalece os que vendem uma visão positiva dos governos militares. Há um pacto entre os militares da reserva e os comandantes da ativa na defesa da narrativa dos supostos méritos da ditadura. Se existe o pacto é porque dentro das Forças Armadas jamais foi feita autocrítica. Não houve atualização do pensamento dos quarteis, existe uma cadeia de transmissão da versão de que eles salvaram o Brasil, tiveram que endurecer, mas estavam certos. A jovem oficialidade não é diferente dos generais aposentados. A mesma ideologia é repetida, ano após ano, desde os colégios militares.

Existem hoje em dia os que se encantam com o candidato que defende torturadores e que exibe dedos engatilhados vendendo a ideia de que tiros vão matar os problemas do país. A democracia comporta visões diferentes, e por isso nada há de errado em ser de direita. É possível ser conservador e democrático. O problema é que está sendo estimulada a direita que defende a ditadura e seus crimes.

A esquerda brasileira sempre teve a vertente que gosta do projeto econômico dos militares. Nesta visão equivocada, os militares teriam sido nacionalistas e desenvolvimentistas. A esquerda acaba de repetir, no poder, alguns desses erros, como as doações de recursos públicos para empresários, supondo que eles liderariam o desenvolvimento nacional. Foi assim nos governos Médici e Geisel, foi assim nos governos Lula e Dilma. O projeto econômico dos militares deixou um país com dívida externa impagável, inflação acelerada e indexada, empresas que receberam muito dinheiro e quebraram mas enriqueceram seus donos, grandes projetos agressivos ao meio ambiente, e a renda ainda mais concentrada. Do mito econômico a esquerda deveria se livrar rendendo-se aos muitos fatos e dados. O mito de que o general Geisel foi um ditador melhor do que os outros acaba de ruir. Tarda demais o momento de abandonar ilusões autoritárias. Não existem matizes e nuances em um governo ditatorial. Ele nunca é meio bom. Ele é o que é: o pior que pode acontecer a um país.


Míriam Leitão: Petrobras no topo

Empresa petroleira pagou 70% a mais em participações governamentais. A Petrobras voltou ontem a ser a companhia mais valiosa da bolsa brasileira. Para o país ela nunca deixou de ser a primeira empresa, mas o valor de suas ações, sua lucratividade e sua reputação despencaram em queda livre anos atrás. Esta semana ela anunciou o maior lucro em cinco anos e suas ações tiveram altas expressivas. Pedro Parente diz que a empresa virou a página, mas faz alertas.

Entrevistado ontem no meu programa na GloboNews, Pedro Parente falou desse momento da empresa que preside. — A Petrobras virou a página da sua pior crise, sem dúvida nenhuma, o que não quer dizer que a gente possa relaxar. Estamos seguindo um planejamento estratégico com muita disciplina. Por outro lado, temos que reconhecer que tem evidentemente o efeito do petróleo subindo. E como ele sobe, pode descer.

Segundo Parente, todo o esforço na empresa é para fazer todos os ajustes operacionais necessários, a renegociação para mudar o perfil da dívida e as melhoras na área de segurança, porque a Petrobras tem que ser lucrativa com o barril a US$ 35 ou a US$ 75.

— Como o preço do petróleo é cíclico a gente faz bem de seguir a sabedoria, as lições da Bíblia. Sete anos de bonança e depois sete anos de tempestade. Vamos durante a bonança nos preparar para a tempestade, fortalecendo a empresa e trabalhando no menor custo possível — disse Parente.

Um dos pilares desta mudança é a não intervenção política. A Petrobras foi atingida por várias tempestades: a corrupção, os investimentos errados impostos à direção executiva, a manipulação de preços de derivados. Que os próximos governantes aprendam as lições, bíblicas e laicas, sobre por que evitar a interferência na gestão.

Neste momento, a dívida foi reduzida, mas ainda está alta, em US$ 81 bilhões. Parente disse que a mudança é principalmente no perfil do endividamento.

— Tínhamos vencimentos entre 2018 e 2020 de quase US$ 50 bilhões. Hoje, o número é próximo a US$ 22 bi. Nossa dívida tem prazo médio de 10 anos. O caixa permite pagar todo o serviço da dívida nos próximos três anos, além de termos crédito imediatamente disponível de US$ 5 bi.

Mesmo com bons números, como o lucro de R$ 6,9 bilhões do primeiro trimestre, e a volta ao pagamento de dividendos, a empresa reduziu investimentos. Ele disse que a gestão está melhorando a eficiência. E lembrou que houve um tempo em que a estatal fez investimentos de centenas de bilhões de dólares e a produção não aumentou.

Perguntei se haveria limite para a nova política de preços, iniciada em 2016, na qual a Petrobras repassa a alta de preços internacionais. Será que, se a cotação disparar, ainda assim a empresa continuará repassando, o governo permitirá tudo isso? O executivo disse que a Petrobras não determina os preços. Eles são o resultado da oscilação da matéria-prima.

— Nunca vi ninguém falar que, quando sobe o preço do trigo, em algum momento alguém vai dizer ao padeiro ‘não suba o pão.’ Não é culpa do padeiro.

Pedro explicou que a Petrobras cobra R$ 1,85 pelo litro da gasolina e se ela chega na bomba por três vezes mais é porque existem outros motivos para a alta. O gás de botijão, contudo, tem um repasse mais lento porque foi adotada uma média móvel do preço internacional em 12 meses. Evita, assim, grandes elevações que sempre ocorrem durante o inverno no Hemisfério Norte.

Sobre o petróleo, disse que não sabe se continuará a subir. A alta ocorre também por tensões geopolíticas que podem se dispersar, se a diplomacia tiver sucesso.

O executivo deu um número impressionante na entrevista, sobre o repasse das participações governamentais por causa das altas na cotação do barril e na produção. Estados e municípios produtores foram beneficiados, e também subiram os impostos pagos à União.

— Aproximado, o percentual de aumento, se não me engano, é de 70% este ano em comparação às participações do ano passado. Eu queria aproveitar o momento e dizer aos parlamentares que olhem para este assunto e vejam o retorno que essa indústria dá.

Parente também disse que pode sair em breve o acordo entre o governo e a empresa sobre como explorar o excedente da cessão onerosa. A Petrobras recebeu esses campos do pré-sal da União, acabou encontrando mais petróleo e a discussão é o que cada lado tem a receber para que esse óleo vá a leilão. Mas ele conta que a solução exige uma nova lei, que teria que passar pelo Congresso. E este é um ano de eleições.


Míriam Leitão: Filmes de época

Crise na Argentina e atos de Trump cabem em filmes de época. A Argentina vive nos últimos dias cenas de um filme de época: congelamento de preços, ida ao FMI, crise cambial, os maiores juros do mundo. Nos Estados Unidos, os atos encenados por Donald Trump, também parecem filme antigo, com surtos de protecionismo e o conflito com o Irã de volta. No Brasil o dólar tem subido. Mas não é filme velho, é uma nova temporada da série.

O dólar está subindo no mundo inteiro em relação a várias moedas. Essa alta tem sido forte no Brasil. Mas, como disse o presidente do Banco Central Ilan Goldfajn, no “Jornal das 10”, da GloboNews, o país está preparado para enfrentar as turbulências internacionais. O fato de Ilan ter demonstrado calma diante da volatilidade deixou alguns analistas nervosos. Achavam que ele deveria ter demonstrado mais preocupação e dado sinais de que vai continuar oferecendo operações de swaps para conter as altas.

No começo de 2016 o dólar valia R$ 4,00. Na época, o Brasil tinha perdido o grau de investimento e havia uma enorme incerteza sobre o governo Dilma. Depois disso, a cotação começou a cair. Agora voltou a subir. O câmbio a R$ 3,6 como estava cotado ontem é bem mais baixo, portanto, do que estava há pouco mais de dois anos. Períodos de altas e quedas são normais no câmbio flutuante. Sempre haverá temporada de elevação, por razões internas ou externas. A grande pergunta é que fragilidades o país tem quando está diante das oscilações de moedas.

A Argentina está com muitos pontos fracos e é por isso que começa a viver as velhas cenas de idas ao FMI, ou altas bruscas das taxas de juros para tentar conter a disparada do dólar. O presidente Mauricio Macri errou quando decidiu pelo ajuste gradual. Não conseguiu vencer a crise que herdou, e os avanços da conjuntura — maiores reservas, menor inflação, correção tarifária — vão se perder exatamente nessa crise na qual o país está vivendo situações que lembram o passado. A Argentina, como o Brasil, enfrentou nos anos 1980, 1990 e começo dos 2000 crises inflacionárias e cambiais. Lá, a alta do dólar tem elementos das crises do passado. Aqui, faz parte do contexto de oscilação cambial que sempre ocorre quando a incerteza no mundo aumenta. São movimentos de natureza diferente.

Nos Estados Unidos, desde a posse do presidente Donald Trump a sensação que se tem é de retrocesso. É como se a gente tivesse que assistir a filmes antigos de má qualidade. Ele tem surtos protecionistas de um primarismo que há muito tempo não se vê. A decisão de sair do acordo do Irã foi, na definição da embaixadora Susan Rice, ex-conselheira de Segurança Nacional, a “mais estúpida” possível, porque o país abdicou do poder de melhorar o acordo e não está claro o que os americanos têm a ganhar. Tudo o que se conseguiu foi dar argumentos para a linha dura iraniana. Os Estados Unidos ficaram isolados, porque a União Europeia tomou a decisão conjunta de permanecer e fortalecer o acordo. Empresas americanas perderão negócios já fechados, como a Boeing.

O problema de Trump não é apenas ele mesmo, mas a turbulência que pode causar no mundo. Sua política de liberar mais estímulos para uma economia já em pleno emprego e ao mesmo tempo elevar barreiras ao comércio contrata inflação, o que terá como consequência juros mais altos. E é esse cenário que o mercado de moedas está antecipando. Além disso, Trump cria pontos de estresse na política internacional.

Para nós, o que interessa é que o mundo está mais incerto e a Argentina, mais frágil. Isso sem dúvida nos afeta. A Argentina é o nosso terceiro maior parceiro comercial e destino de US$ 17 bilhões de exportação. As turbulências americanas, econômicas ou geopolíticas, afetam o mundo inteiro e podem provocar uma queda do crescimento mundial. O Brasil hoje está menos vulnerável que há três anos. No começo de 2015, o déficit em transações correntes era de 4,5% do PIB. Hoje, é de 0,38%. Um ponto fraco, porém, permanece: o enorme déficit das contas públicas.

Quando há velhos filmes em cartaz, o melhor a fazer é não repetir enredos antigos. O BC não tem que ficar nervoso porque o dólar sobe. Deve atuar quando for o caso. E a Fazenda tem que evitar, neste ano eleitoral, a piora das contas públicas.


Míriam Leitão: Motivo da ação

O Conselho Nacional do Ministério Público vai decidir na terça-feira sobre o destino de um processo disciplinar contra o procurador da Lava-Jato Carlos Fernando dos Santos Lima. A tramitação foi no mínimo estranha. A reclamação feita pelo ex-presidente Lula foi arquivada, e depois desarquivada para iniciar-se a ação contra o procurador, mas por outro motivo: pelo que ele disse sobre o presidente Temer.

Se o processo for aceito pelo CNMP, terá repercussão que vai além do caso. O que se busca, como fica claro na leitura das idas e vindas da ação, é evitar que procuradores falem. O autor da reclamação, Lula, teve sua queixa arquivada. Mas a corregedoria incluiu uma admoestação. Que o procurador “evite a emissão de juízos de valor, por meio das redes sociais, e da esfera privada em relação a políticos ou partidos políticos investigados". Ao contrário dos juízes que têm limitações de falar sobre o que vão julgar, o Ministério Público é parte do processo. Portanto, é natural que fale. Uma regra assim geral como pode ser interpretada? Qual é o limite do que pode ou não ser dito e em que circunstâncias? Essa zona cinza é que preocupa.

Lula recorreu e o corregedor Orlando Rochadel Moreira decidiu desarquivar o processo. Só que, curiosamente, continuou considerando que o que o procurador falara sobre Lula — que o ex-presidente estava no ápice de uma organização criminosa — era livre manifestação de pensamento. Um dos argumentos de Lula, no entanto, o de que o presidente Michel Temer também fora criticado pelo procurador Luiz Fernando em postagem no Facebook, foi usado para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar. Sobre Temer, o procurador escreveu no Facebook o seguinte: “Temer foi leviano, inconsequente, calunioso, ao insinuar recebimento de valores por parte do PGR. Já vi muitas vezes a tática de ‘acusar o acusador’. Lula faz isso direto conosco. Entretanto, nunca vi falta de coragem tamanha, usando de subterfúgios para dizer que não queria dizer o que quis dizer efetivamente". Termina dizendo que Temer não estava qualificado para o cargo.

Não há dúvida que ele usou adjetivos fortes, mas se Carlos Fernando for punido qual será o próximo passo? Estabelecer-se um grupo de adjetivos que não podem ser usados? Fazer uma lista de pessoas que não podem ser criticadas? Lula pode, Temer não pode. Com Lula, foi uma argumentação “técnica" e exercício da “liberdade de expressão”; com Temer foi ofensa à dignidade da Presidência da República.

O Processo Administrativo Disciplinar foi distribuído para o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, que está no conselho por indicação do Senado. Ele estava fora do Brasil, mais precisamente em Portugal, na época em que reabriu o processo para fazer aditamentos incluindo um artigo que o procurador escreveu na “Folha de S. Paulo” e outra postagem no Facebook.

Parte importante do sucesso da Lava-Jato tem sido a comunicação aberta e transparente dos processos. Os procuradores são criticados, mas também explicam seus pontos de vista. É parte da estratégia para que a sociedade conheça todos os detalhes da bem-sucedida operação de combate à corrupção.

A acusação é de quebra de decoro. Da maneira como está, e nos termos que vem sendo colocada, é uma tentativa de pôr uma mordaça em procuradores ou, no mínimo, criar um clima de autocensura. É mais uma, e não será a última, tentativa de pressão contra a Lava-Jato. O CNMP é órgão externo, está para o MP como o CNJ para o Judiciário e não tem o poder de punir, mas obviamente tem peso. Como a decisão de iniciar o PAD foi tomada pelo corregedor “ad-referendum” do conselho, terá que ser confirmada pelo plenário. Se o for, o procurador vai responder a um processo por quebra de decoro por ter criticado Temer e terá ainda que seguir instrução de nunca manifestar juízo de valor sobre autoridades, políticos, partidos. Como tudo na Lava-Jato, há muito mais envolvido neste caso do que se pensa. Não é um procurador sendo ameaçado de ação disciplinar por eventualmente ter escrito algo em tom inadequado, é uma forma de criar barreiras à atuação dos procuradores de forma geral.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: O fator petróleo

Nos cenários até bem pouco tempo atrás não constava o petróleo a US$ 75 como o Brent estava sendo cotado ontem. Petróleo é sempre surpreendente em suas altas e quedas. É uma soma de fatores que o faz oscilar. Desta vez tem o acordo com o Irã, a piora da Venezuela, os cortes de produção da Arábia Saudita e, sobretudo, o fator Trump. O preço vai continuar oscilando, com todos os seus efeitos sobre a economia.

O maior impacto da alta do petróleo é na inflação, mas o Brasil está na confortável situação de ter a taxa abaixo do piso da meta. Só que agora há vários pontos de pressão: a tarifa de energia está em alta e pode se elevar um pouco mais com a subida do petróleo, os combustíveis aumentaram ontem porque eles acompanham as cotações internacionais, e o dólar também está subindo. Na semana que vem o Banco Central vai se reunir para discutir se haverá mais um corte na taxa Selic, mas muito provavelmente será a última redução, porque agora há pressões inflacionárias.

O Brasil prepara dois leilões do pré-sal, um para junho e outro para setembro. É possível que a cotação esteja alta quando eles acontecerem. Mas isso não necessariamente vai inflar as ofertas que as empresas farão, conta Antonio Guimarães, secretário-executivo do Instituto Brasileiro do Petróleo. Embora o preço mais elevado aumente a geração de caixa das empresas que disputarão o leilão, a decisão de um investimento de longo prazo passa por outras variáveis. Na hora de dar o lance, as petroleiras focam no break even, o preço de equilíbrio para viabilizar o campo de petróleo, o quanto custa investir e operar e ainda pagar impostos. No pré-sal brasileiro, esse indicador está em torno de US$ 35 o barril. Nesses níveis, o pré-sal despertou interesse das maiores empresas do mundo nos últimos leilões.

O estrategista-chefe da XP, Celson Plácido, admite que o petróleo em alta é uma surpresa porque muitos especialistas achavam que a recuperação dos preços, que mergulhou para US$ 28 em 2016, não ocorreria tão rapidamente. Ele diz que parte das surpresas vieram da economia real. Nos Estados Unidos, o governo Barack Obama deixou o país crescendo e o desemprego caindo. Isso se acelerou e o desemprego chegou a 3,9% em abril. Os estoques de combustíveis nos Estados Unidos caem a cada semana e estão nos níveis mais baixos dos últimos cinco anos. O consumo na Europa no último inverno foi intenso. Na Ásia, a venda de automóveis está em ritmo acelerado. Junte-se a este aumento de demanda o fator Donald Trump, que está estimulando mais a economia e criando pontos de incerteza na conjuntura.

— Estados Unidos, Europa e Ásia crescem mais do que se imaginava. As incertezas aumentaram com a ameaça de guerra comercial, os conflitos na Síria, e o jeito pouco diplomático do presidente americano — diz Plácido.

O governo dos EUA vai decidir hoje se sairá ou não do acordo nuclear com o Irã. Se sair, serão refeitas as sanções contra o país. Isso poderá tirar um milhão de barris do mercado. A Venezuela já reduziu à metade a sua produção nos últimos anos, para 1,5 milhão de barris. No próximo dia 20, o governo de Caracas fará mais uma de suas eleições manipuladas e desta vez a Casa Branca pode vir a adotar novas sanções contra a Venezuela, que ficaria sem seu maior mercado. Os EUA compram um terço do que a Venezuela extrai. A Arábia Saudita quer continuar cortando a produção e a decisão final será na reunião da OPEP em junho. Por tudo isso, Plácido acha difícil prever uma queda a curto prazo, e lembra que a cada 10% de aumento do preço da gasolina, o índice de inflação no Brasil sobe 0,3%.

O professor Eloi Fernández, da PUC-Rio, acredita que o “shale gas” deve ajudar a limitar os preços do barril no médio prazo. A produção do gás não convencional foi reduzida com a queda dos preços e pode voltar a subir, porque a cotação mais alta torna atrativa a exploração dessa fonte em alguns campos nos EUA.

Aumentou a incerteza mundial um pouco mais. Com o petróleo em alta, inflação sendo estimulada pelo governo Trump, tensões em série no mercado e corte de produção, o risco maior é afetar o crescimento internacional. Em ambiente de crise fica mais difícil para o Brasil corrigir os problemas da economia.


Míriam Leitão: Candidato do agronegócio

Agronegócio precisa de nova agenda e não de defensores do atraso. Políticos desfilaram pela Agrishow em Ribeirão Preto na esperança de serem vistos como candidatos do agronegócio. Nenhum alcançou o posto pelo que se pôde ver das reações comedidas dos organizadores do evento. O ideal seria que o setor se fixasse não em pessoas, mas em propostas, e que os projetos fossem voltados para o futuro e não para a defesa do atraso.

O agronegócio brasileiro vive um meio do caminho que o faz ser de ponta em alguns momentos e lugares, e atrasado na pauta que os seus representantes defendem. Quem vê a lista dos projetos da bancada ruralista no Congresso não vê o coração das mudanças que ocorrem dentro do setor.

As empresas deveriam mirar o futuro do campo, que terá que ser com mais tecnologia, mais rastreabilidade, mais pacificação com o meio ambiente. Quem se dispõe a ser o defensor do agronegócio, pode achar que o bom é propor limitações ao processo de licenciamentos ambientais, restrições à divulgação da lista suja do trabalho escravo, anistia a quem ocupou terra pública e, agora, a ideia de armar os produtores rurais.

A encruzilhada em que o campo brasileiro está tem muitos dilemas. O que parece ser o interesse do agronegócio, o prenderá no passado. O Brasil sempre será um grande produtor de alimentos, tem um forte mercado interno, é e continuará sendo um importante fornecedor de carnes e grãos para o mundo. O campo brasileiro tem que olhar as tendências dos tempos de hoje, ser mais rigoroso com a qualidade, prestar contas de como cada item é produzido e sobre o que acontece na cadeia produtiva. A atitude do consumidor interno e externo hoje é a de ser mais exigente com a qualidade e o processo de produção. A tecnologia põe cada vez mais ferramentas nas mãos de quem quer o consumo consciente. Não adianta reclamar de protecionismo, é preciso agir para cumprir as exigências do consumidor.

A entrevista de Pedro de Camargo Neto no “Valor” de sexta-feira tocou num ponto essencial. O governo brasileiro quer discutir na OMC a imposição de barreiras sanitárias às exportações de frango. Isso será um desastre, diz o expresidente da Sociedade Rural Brasileira. O empresário criticou a operação da Polícia Federal na época, mas hoje, apesar de manter a ideia de que houve exageros, admite os erros do setor. “Existia um jeitinho brasileiro de operar o sistema de inspeção sanitária e a Carne Fraca acabou com ele". O que precisa se combater é o mau comportamento de grandes frigoríficos que aceitaram esse sistema flagrado na operação. Fiscais que recebiam favores de fiscalizados, Ministério da Agricultura que não via o que estava acontecendo, grandes empresas exportadoras achando que era normal pagar a fiscalização, ou mascarar problemas na qualidade do produto.

Em vez de brigar com a União Europeia, dar ao consumidor da carne brasileira a garantia de que o sistema de fiscalização está sendo aperfeiçoado, corrigir os defeitos encontrados, aumentar a qualidade da certificação. Enfrentar o problema e não brigar com os seus efeitos.

Há pressões protecionistas contra o Brasil e sempre vai haver, mas o que o país não pode é dar motivo. Se a pauta da agricultura brasileira no terceiro milênio for a redução do combate ao trabalho escravo, a flexibilidade na fiscalização ambiental e o agravamento do conflito armado no campo, esquece. Estaremos fora da competição internacional.

De 1975 a 2017, a área plantada brasileira aumentou 82%, e a produção subiu 512%. O crescimento da produtividade fala por si. O Brasil é bom porque é competitivo, porque usou novas tecnologias de uso de solo e de produção, porque tem as condições naturais e somou-as às condições adquiridas pela busca da agropecuária de precisão. É esta facção que é a vencedora. Não é a que grila, mata, desmata e corrompe.

Que futuro quer o campo brasileiro? Esta é a pergunta que deve ser feita. Talvez nenhum dos candidatos preencha as expectativas, por isso o mais importante é o compromisso com uma agenda modernizadora. Coloque-se uma arma de fogo na mão de cada capataz, em cada fazenda, e vamos direto para o passado do campo bandoleiro. Invista-se em novas tecnologias de produção e teremos espaço garantido no futuro. Esta é a encruzilhada.