Míriam Leitão

Míriam Leitão: O inferno são os outros

O senador Aécio Neves pediu dinheiro a um empresário que confessou comprar parlamentares e avisou que a encomenda teria que ser carregada por alguém “que a gente mata antes de fazer delação". É difícil imaginar prova mais clara, e mortal, de obstrução de Justiça. O ex-governador Geraldo Alckmin recebeu em espécie, e não declarou, R$ 10 milhões da Odebrecht, mas responderá apenas na Justiça Eleitoral.

O ex-presidente do PSDB, ex-governador de Minas e ex-senador Eduardo Azeredo está nas raízes do primeiro escândalo de corrupção da nova safra. Ele fez em Minas o rascunho do que viria depois a ser o mensalão. A mesma engenharia financeira, o mesmo Marcos Valério, a mesma SMP&B, o mesmo Banco Rural. Foi condenado a 20 anos e o tempo corre contra a execução da pena. Ele tem abusado da patologia recursal brasileira, e com sucesso.

Aécio Neves está solto e exercendo seu mandato. O Supremo decidiu que o Senado poderia anular a ordem do próprio Supremo de suspensão do mandato. No caso de Alckmin, a decisão da Procuradoria-Geral da República de enviar o caso à Justiça Eleitoral porque há “só” caixa dois, e é “prática comum em caixa dois a entrega do numerário em espécie”, nas palavras do subprocurador-geral, revoga tudo que o país aprendeu com a Lava-Jato. Quase todos os acusados disseram que seus casos eram “só” de caixa dois, mas normalmente isso está conectado a outros delitos. Dinheiro em espécie entregue pela notória Odebrecht é indício de lavagem.

O inferno desse momento que o Brasil atravessa são os outros, para pegar emprestada a frase do filósofo Jean-Paul Sartre. São todos os outros que mostram como é persistente e longa a história de impunidade dos crimes de colarinho branco no Brasil. O mensalão e a Lava-Jato são uma quebra de paradigma. Podem ser o começo de um novo tempo, ou agravar ainda mais a sensação de uma Justiça seletiva.

Os tucanos sempre foram opostos aos petistas na economia, e adversários na arena política. Pois quando a denúncia chegou aos seus, se comportaram de forma idêntica. O PSDB era presidido por Eduardo Azeredo quando estourou o mensalão mineiro e continuou presidindo a legenda até o fim da gestão. Era presidido por Aécio Neves quando veio a público a conversa dele com o empresário Joesley Batista. Permaneceu presidente de fato. O PSDB fingiu afastá-lo, mas ele mostrou sua força no episódio em que forçou a saída do interino Tasso Jereissatti.

Há uma lista de outros, soltos por aí, porque seus inquéritos andam lentamente quando estão em tribunais superiores. O presidente Michel Temer conseguiu barrar duas denúncias contra ele e, diante da pressão contra seus amigos, o Planalto usa a surrada desculpa de que é denúncia “requentada". Como se as suspeitas se dissolvessem por repetição.

A lentidão tem sido o outro nome da impunidade. O símbolo disso é Paulo Maluf. A chegada da Justiça foi tão demorada que o encontra octogenário e, como disse o Hospital Sírio-Libanês, com “confusão mental". Ele faz parte da geração dos políticos que tinham certeza de que nada os alcançaria, se tivessem bons advogados especialistas na quase infinita estrada recursal. Agora a Justiça está se apressando. Mas não para todos.

A defesa do senador Aécio Neves diz que ele foi “vítima de uma situação forjada arquitetada por criminosos confessos que buscavam firmar um acordo de delação premiada fantástico". Há pedaços de verdade aí, mas a tese é falsa. Joesley Batista é criminoso confesso e estava em busca de provas para fazer a delação com um pedido fantástico: o da inimputabilidade. O prêmio foi concedido e depois, felizmente, suspenso. O inferno para o senador é que ninguém o forçou a procurar o empresário, pedir dinheiro e dizer os absurdos que disse, como a ameaça de morte feita ao carregador de malas; seu primo, a propósito.

O líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer, disse que a Justiça não pode fazer “compensação”, querendo dizer que não pode apertar o cerco sobre os tucanos porque prendeu o ex-presidente Lula. Não se trata de compensação, mas de Justiça. Todos os suspeitos precisam ser investigados, todos os condenados precisam cumprir suas penas. É assim em países onde funciona o império da lei.


Míriam Leitão: Rota sem rumo

A indústria automobilística no Brasil recebeu R$ 28 bilhões em subsídios do governo federal de 2006 a 2018, segundo estudo do economista Gabriel de Barros, da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Além de um regime tributário específico, o Inovar-Auto, houve forte redução de IPI, para estimular vendas, e ajuda indireta à instalação de plantas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Mesmo depois de iniciada a crise de penúria dos cofres públicos, os gastos com o setor aumentaram. De 2013 a 2017, o Inovar-Auto representou um custo de R$ 5,2 bilhões para o contribuinte, segundo o IFI. O programa foi condenado pela Organização Mundial do Comércio e não pôde continuar. Neste momento o governo se prepara para renovar a mesma ideia, com outro nome. Será o Rota 2030. Ele permitirá que empresas descontem o custo dos investimentos em pesquisa e tecnologia nos mais diversos impostos. A briga no governo é saber que impostos poderão ser abatidos. A Fazenda quer que seja só no Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. E o Ministério do Desenvolvimento quer que seja em todos os impostos federais para a alegria das montadoras. O custo pode ser de R$ 1,5 bi ao ano. E vai até 2030.

A grande pergunta é: esse dinheiro já concedido fomentou alguma tecnologia inovadora para a indústria brasileira? O que se percebe é o efeito colateral dos subsídios. A redução de IPI no primeiro governo Dilma teve impacto direto na arrecadação e contribuiu para levar o governo à crise fiscal.

As montadoras também foram contempladas pela redução dos juros para o setor, numa época de taxas altas para os outros segmentos. Elas foram reduzidas, os prazos se alongaram, e o resultado foi uma disparada da inadimplência na carteira de veículos. Ainda hoje o setor financeiro estuda os erros que cometeu, e isso atrapalha a queda do spread bancário e a recuperação da economia. Houve ainda programas especiais de financiamento via BNDES para a compra de caminhões com juros muito abaixo dos praticados pelo próprio banco.

Segundo o estudo do IFI, o volume total de renúncias fiscais para todos os setores saiu de R$ 77,7 bilhões, ou 3,2% do PIB, em 2006, para cerca de R$ 285 bi em 2017, ou 4,4% do PIB. O aumento aconteceu no governo que se definia como de esquerda e foi o que mais estimulou as transferências para o capital.

Mesmo com o ajuste fiscal, o governo ainda estima, para este ano, um gasto que ficará em 4,1% do PIB, como mostra o gráfico abaixo. Alguns programas são plurianuais. Outros o governo tenta reduzir e a base parlamentar rejeita. Gabriel de Barros não discute o mérito dos subsídios em seu estudo, mas aponta o seu peso dentro do Orçamento. O economista lembra que muitos projetos não têm data definida para acabar ou irão vigorar por décadas, como é o caso da Zona Franca de Manaus, que custa cerca de R$ 25 bilhões por ano e irá se estender até 2073, ou seja, por mais 56 anos.

O projeto de reoneração da Folha foi sendo aos poucos abandonado. Essa renúncia fiscal tinha até uma boa proposta inicial, que era reduzir o peso da contribuição previdenciária de empresas que empregam muita mão de obra. Mas o número de setores beneficiados cresceu e causou um rombo nas contas públicas.

Renúncias fiscais são políticas públicas e, por isso, são escolhas do que fazer com o dinheiro coletivo. Elas devem ter foco em redução das desigualdades e assimetrias da sociedade. A indústria automobilística, ainda baseada no motor a combustão, tem recebido benefícios fiscais desde que se instalou no Brasil há 70 anos. Sem que se saiba qual é o destino dessa rota.

 


Míriam Leitão: O fosso social

A desigualdade de renda é alta, ficou estagnada em 2017, e a verdade pode ser ainda pior do que as estatísticas mostram. O IBGE tem ampliado o escopo de suas pesquisas, mas é difícil captar toda a disparidade de renda no Brasil, por vários tipos de sub-declaração. Pelos dados, o grupo que está no topo, o 1% mais rico do país, recebe em média R$ 27,2 mil reais ao mês. O número parece subestimado.

A pesquisa capta principalmente a renda do trabalho. Segundo a nota técnica do Instituto, a pesquisa, que é amostral, pergunta ao entrevistado os valores de todas as rendas auferidas: salário, participação nos lucros, tíquete refeição e transporte, remuneração de investimentos financeiros, aposentadorias, pensões, programas sociais e aluguéis. Estudos de concentração de renda baseados em dados tributários são difíceis de serem feitos no Brasil, mas recentemente um grupo de especialistas encontrou números mostrando que a distância é ainda maior. Foi feito pelos professores da UnB Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Ávila Castro e comparava os dados de 2006 a 2012. Quando entrevistei Marcelo Medeiros para o meu livro “História do Futuro" ele definiu essa discussão, de pequena alta ou pequena queda da desigualdade, como sendo um “debate de elevador". Chamou a atenção para a necessidade de ter “uma visão mais ampla sobre o processo de concentração de renda no Brasil".

No quesito desigualdade de renda o Brasil é tradicionalmente um dos primeiros da lista de qualquer classificação internacional que se faça. Isso foi de novo ressaltado ontem por Cimar Azeredo do IBGE, responsável pelas pesquisas de trabalho e renda. Há muitas formas pelas quais o país cria distâncias sociais. E o problema se desdobra em todas as outras desigualdades: regionais, de gênero, de cor e de nível de escolaridade. O retrato que o IBGE nos traz, de vez em quando, deveria acordar o país para este debate sobre as raízes mais profundas da nossa disparidade de renda, porque ela é crônica e persistente. E há também as razões conjunturais criadas pelos abalos que atingiram a economia nos anos recentes.

A crise afeta desigualmente a população de um país desigual como é o Brasil. Quando a inflação sobe, os pobres perdem mais capacidade de compra, quando a recessão se aprofunda, ela atinge mais quem tem menos proteção contra ela e é na base que o desemprego é mais vasto. Isso é que explica os dados divulgados ontem pelo IBGE.

No ano passado, apesar da queda da inflação e da saída da recessão, a desigualdade ficou estagnada e chegou a aumentar no Norte e Nordeste. Isso não significa que o recuo do IPCA e a superação do pior momento recessivo não tenham tido efeito positivo. Claro que tiveram, até porque a queda da inflação foi resultado principalmente da redução do custo da cesta de alimentos, justamente o item que mais pesa no orçamento das famílias pobres. Mas o desemprego continuou aumentando e chegou ao ponto máximo ao fim do primeiro trimestre do ano passado. E ele foi devastador entre os mais pobres. Um dado mostra isso: a renda do trabalho caiu 1,36%, a renda do trabalho entre os 50% mais pobres recuou 2,45%.

Um dado parece bom e não é. No Sudeste caiu o índice Gini de 2016 para 2017. Isso significa que a região foi a única onde houve queda da desigualdade. Mas isso foi, explica Cimar Azeredo, pela crise que atingiu os estados do Sudeste, principalmente o Rio, e que reduziu a renda dos mais ricos.

Dizer que a parcela que representa o 1% mais rico da população tem um rendimento 36 vezes maior do que a renda média de 50% da população, que ganha menos, é apenas um número a mais mostrando o tamanho do nosso fosso social. E ele pode estar subestimado. Na verdade, o mais importante é entender que o Brasil, que sonhou que poderia ir melhorando aos poucos esse velho problema, foi atingido por uma crise, desde 2014, que revogou todos esses microavanços. Esse é um debate que ainda está por ser feito no Brasil. E quando for, será possível ver todas as formas pelas quais sai, até dos cofres públicos, mais renda para os que estão no topo da pirâmide.


Míriam Leitão: A visão de Guardia

O novo ministro da Fazenda Eduardo Guardia garantiu que fará tudo para que a privatização da Eletrobras aconteça este ano. Disse também que o orçamento, cuja LDO será entregue nos próximos dias ao Congresso, irá com um pedido de crédito extraordinário para não romper a regra de ouro. Toda a equipe do Ministério, que estava com Meirelles, permanecerá. Foi o que ele me contou ontem logo após a posse.

Em entrevista ao meu programa na GloboNews, Guardia explicou como pretende cumprir a regra de ouro em 2019. — Nós vamos entregar um orçamento compatível com a regra de ouro. Ela diz que não se pode usar operações de crédito para financiar despesas correntes. Há uma prerrogativa na própria Constituição que permite o uso de um crédito extraordinário para não se quebrar a regra. Usaremos esse dispositivo — disse Guardia. O assunto foi tratado com o TCU.

Ele usou a palavra “continuidade” para definir a sua gestão inicialmente prevista para ser curta, de nove meses apenas, e afirma que essa equipe, da qual fazia parte como secretário-executivo, tirou o país da crise da inflação alta, recessão.

— É importante dar continuidade a todas as conquistas que nós já tivemos. Iniciamos com o país em uma situação de extrema gravidade. A maior crise que todos nós já vivenciamos. Economia em retração, inflação alta e taxa de juros alta. Agora, temos expectativa de crescimento de 3%, a inflação está ancorada nas reformas estruturais e os juros caíram.

De fato, a inflação e juros caíram e o país está crescendo, mas lentamente. A previsão do mercado para o PIB do ano está em 2,8%.

Na inflação, há muito a comemorar. Foi a menor taxa para março desde o começo do real. O acumulado de 12 meses ficou em 2,68%, bem abaixo do piso da meta, permitindo nova queda de juros. Neste início do ano, em que o índice ficou em 0,7% na soma dos três meses, a agricultura foi novamente a protagonista. A previsão para a safra de grãos só não é maior que a colheita do ano passado. Na semana passada, eu entrevistei o novo presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, e ele disse que a taxa baixa de inflação, e a consequente baixa de taxa de juros, é o “novo normal da economia”.

O problema continua sendo o fiscal. O desequilíbrio permanece. Na visão de Guardia isso está sendo enfrentado com a lei de teto de gastos.

— A gente ainda tem déficit primário, mas hoje existe a confiança de que o país está no rumo certo.

Houve resistência ao nome de Guardia dentro do MDB porque ele é considerado tucano. Trabalhou em vários postos no Ministério da Fazenda na gestão de Pedro Malan e depois foi secretário de Fazenda do governador Geraldo Alckmin. Perguntei sobre isso a ele, e Guardia respondeu que tem orgulho de ter participado dos governos de FH e Alckmin. Como tem também orgulho de estar no atual governo.

— Nunca tive filiação política, sou um técnico que transita tanto no setor público quanto no privado. Estou aqui com uma equipe de alta qualidade para continuar o trabalho do ministro Meirelles. A minha posição não é partidária, tenho compromisso com o que estamos fazendo porque acho que é o melhor para o país.

O resultado do trabalho da atual equipe, que ele passa a comandar, é de vários sucessos, como a queda da inflação, que permitiu a redução dos juros, e o fim da recessão. Mas o desemprego permanece alto e não há confiança de que o número comece a ser alterado agora. Há várias questões fiscais pendentes. E muitas dúvidas sobre os rumos. Uma delas é em relação à Eletrobras, mas ele garantiu que tudo será feito para que a empresa seja vendida este ano.

— É um compromisso nosso. E é absolutamente necessário e cabe ao governo retomar a discussão com o Congresso e mostrar a importância desse processo.

Este ano a economia pode enfrentar volatilidades pela incerteza eleitoral, mas Guardia disse que tem “experiência em transições políticas". Uma delas foi a passagem do governo FHC para o governo Lula em 2002, quando ele era secretário do Tesouro.

— Períodos de eleição, no Brasil e em outros países, são mais tensos, exigem maior atenção. A melhor resposta que a gente pode dar é a disciplina fiscal.

O problema é que o Congresso tem derrubado propostas de ajustes e criado despesas. Este será, até o fim, um ano difícil na economia.

 


Míriam Leitão: O certo do jeito errado

A autonomia do Banco Central é uma boa ideia que nunca prosperou no Brasil. Agora, o esforço que se faz é para estragar a boa ideia defendendo-a da forma errada. A proposta do senador Romero Jucá tem a oposição de quem sempre a defendeu, a começar do próprio Banco Central. Além de garantir a estabilidade, o órgão também teria que perseguir meta de desemprego baixo.

O Brasil acaba de viver duas experiências didáticas. O BC não teve autonomia no governo Dilma e uma das demandas da presidente era juros bem baixos. Resultado: a inflação ficou sempre alta, com brevíssimas exceções, acabou estourando o teto e chegando aos dois dígitos. Os juros, que haviam sido reduzidos, tiveram que ser elevados para evitar o descontrole. Desde a posse de Ilan Goldfajn o BC teve autonomia e conseguiu fazer seu trabalho de trazer a inflação para níveis baixos e pôde conduzir o mais longo ciclo de redução das taxas de juros. A autonomia entregou o que se pede ao Banco Central, que é a estabilidade de preços. Se ela for consagrada em lei, será mais fácil resistir às investidas de governantes intervencionistas.

E o desemprego? Ele começou a subir quando a política monetária aceitava uma inflação mais alta, no governo Dilma, e permaneceu alto no governo Temer, com uma tendência, em parte sazonal, de queda no final do ano passado. Deve continuar caindo durante este ano. O Banco Central que persegue com autonomia a estabilidade de preços faz mais pelo emprego do que o que aceita taxas mais elevadas.

A proposta apareceu no meio do pacote das quinze medidas que foi fechado às pressas no Planalto para dar a impressão de que o governo sabia o que fazer no momento seguinte em que enterrou a reforma da Previdência. Naquele conjunto de medidas sem um propósito definido foi incluído, no último momento, a ideia de Banco Central autônomo com duplo mandato, que seria apresentada pelo senador Romero Jucá, juntando todos os projetos sobre isso que já tramitam no Congresso, inclusive um do deputado Rodrigo Maia. Nenhum economista defensor da ideia gostou da proposta que também foi criticada pelo Ministério da Fazenda e Banco Central. Maia também não gostou.

A autonomia do Banco Central já enfrentou os abusos de uma campanha eleitoral. Defendida em 2014 pela candidata do PSB-Rede, Marina Silva, foi tema de uma agressiva campanha de ataque comandada pelo notório João Santana. Pratos sumiam das mesas dos pobres, cadernos eram tirados das mãos de estudantes e uma voz cavernosa culpava por toda essa maldade o Banco Central autônomo. E essa manipulação dos fatos, característica do estilo Santana, ainda era financiada com dinheiro sujo.

Agora Jucá disse que está pensando em incluir também uma meta de desemprego porque isso tornaria a ideia mais palatável para os políticos. Formatar esse projeto com o objetivo de agradar políticos é a receita certa do fracasso.

O mercado de trabalho neste momento tem desafios específicos de um tempo de mudanças radicais na forma de produzir. A transição para a nova economia com nova tecnologia de produção e o mundo digital têm reduzido o emprego. É um tempo desafiador. Como o Banco Central poderia diferenciar o desemprego causado pelas transformações tecnológicas, do supostamente causado pela política monetária apertada?

O Fed, com seu século de vida, história e serviços prestados à economia americana, tem duplo mandato. É isso que tem sido defendido agora. Como a jornalista Cláudia Safatle lembrou no artigo de ontem do “Valor”, quando precisou escolher o que combater, na gestão Paul Volcker, no começo dos anos 1980, elevou os juros para 21%. Mesmo lá, combater a inflação é o primeiro dos objetivos.

Inflação baixa não é um fim em si mesmo, é um meio que permite outros fins. O Banco Central quando consegue levá-la a um nível baixo está tornando possível a política de estímulo ao crescimento que poderá aumentar a oferta de emprego. Defender a moeda é o papel clássico do Banco Central e é isso que a nossa história prova. Há muitos exemplos de uso do BC para crescimento e baixo emprego que provocaram o efeito oposto. Por isso, se não for por um projeto consistente, a ideia deve ser abandonada.

 


Míriam Leitão: Todas as forças

A crise da segurança pública é tão ampla, tão profunda e perigosa que as autoridades precisam abandonar as partições com que veem suas responsabilidades. Os estados pedem a presença das Forças Armadas, que acham que não é sua função. A União diz que está apenas auxiliando, porque é atribuição constitucional dos estados. Há uma emergência e as disputas de jurisdição aumentam o risco de todos.

Existem brigas e rixas entre polícias e desentendimento entre instâncias administrativas sobre de quem é a responsabilidade em cada evento. As Forças Armadas dizem que não foram preparadas para a atuação dentro das cidades, mas sim para defender a integridade nacional e temem que a presença prolongada no combate aos narcotraficantes contamine a tropa. Os estados, muitas vezes, convocam as Forças Armadas porque querem reduzir os custos, aliviar suas responsabilidades e, na visão federal, estão banalizando esse ato. A Força Nacional virou uma forma de melhorar salários dos policiais e os estados se queixam de que custa caro.

Há, claro, diferentes competências, mas as forças do Estado brasileiro precisam estar unidas, porque o crime criou coalizões. Ninguém sabe hoje a separação entre tráfico de drogas e tráfico de armas. O narcotráfico é o grande cliente das armas ilegais que entram através de fronteiras que estão sob a supervisão das três forças. As facções de criminosos atravessaram divisas estaduais e se tornaram grupos interestaduais, portanto o que antes era enfrentado apenas dentro das unidades federadas passou a ser crime federal, no combate ao qual tem que estar a Polícia Federal também. As drogas e as armas entram pela terra, pelo mar, ou pelo ar, atravessam estradas e rios, cruzam fronteiras estaduais, chegam nas grandes cidades e alimentam o poder de grupos que tiram a soberania do Estado Nacional sobre partes do nosso território urbano. Quem deve nos proteger nessa disseminação do crime? Todas as forças. O cidadão quando paga seus impostos não escolhe a quem destinar o fruto do seu trabalho, se a essa repartição ou àquela.

A crise da segurança pública não é mais algo localizado, virou uma epidemia. Não é um problema segmentado, mas um risco generalizado. A violência está em níveis intoleráveis e números eloquentes mostram isso. O assassinato de jovens atingiu dimensão de país em guerra e não há nada mais ameaçador para uma nação do que a morte da juventude. A educação é atingida por diversas formas, a começar da impossibilidade de as escolas funcionarem em muitos dias, em muitas áreas das grandes cidades. O que os governos gastam para acudir os atingidos pela tragédia da segurança é muito mais do que gastariam se investissem na prevenção, com visão estratégica e a consciência de que esse é um problema de todos os que nos governam.

A Constituição, que dá essa atribuição aos estados, não pode ser biombo para que forças federais se escusem ou que se apresentem como auxiliares voluntários no combate ao crime. A presença do governo federal não pode ser entendida pelos estados como uma terceirização da responsabilidade. É de todas as forças que o Brasil precisa porque o inimigo é grande e ameaça não uma cidade, mas a Nação. As realidades locais são parte de um mesmo mosaico trágico.

Pela sua geografia urbana, o Rio dá ao morador a noção exata de como somos todos alvos da mesma guerra. De várias partes da cidade, é possível ouvir os tiros ecoando nas áreas pobres, onde grupos de criminosos disputam o controle territorial. Os moradores das favelas são avisados com antecedência sobre o momento em que haverá o choque entre os grupos de bandidos. No Rio, não há como não ver e ouvir, não é possível segregar a tragédia como se ela pertencesse a um grupo social. No Rio, desmascara-se a hipocrisia da sociedade desigual que fecha em redomas blindadas os mais ricos e expõe os pobres. A cidade tem que ser vista, não como um caso destoante, mas como o alerta do risco extremo que todos corremos. Há questões e momentos em que é preciso ter noção lúcida da dimensão da ameaça e, desta forma, construir a união entre as forças do Estado. Este é o caso da segurança pública.

 


Miriam Leitão: Os brasileiros que vi

Os brasileiros que têm projetos e sonham. Verônica, 17 anos, é aluna de escola técnica pública em Franca. “Você vai entrevistar só homens, ou vai falar também com mulheres na sua série?", perguntou em tom de desafio. E avisou: “sou feminista". O barco deslizava no Rio Negro e eu quis saber de Roberto, o barqueiro, o que ele fazia antes da atual ocupação. “Era madeireiro, meu pai e meu avô também foram. Hoje trabalho pela sustentabilidade."

O ano de 2017 foi todo cheio de conversas marcantes. Passei o ano viajando pelo Brasil para gravar uma série para a GloboNews. Os encontros me protegeram contra o pessimismo natural derivado da crise política e econômica. Hoje é o último dia do ano e eu deveria publicar aqui uma coluna sobre o balanço do que houve na economia em 2017. Escrevi o balanço. O leitor poderá encontrá-lo no meu blog. Mas preferi dedicar o espaço para falar de alguns brasileiros que conheci no ano.

O país visto de perto arrebata e emociona. Marivaldo, jovem, negro, violinista, sentado debaixo de uma árvore, falava com entusiasmo e visível sinceridade. Ele perdeu o irmão em um acidente de moto. O pai morreu logo depois. Está no projeto Neojibá desde o início, há dez anos. O projeto protege jovens e crianças na Bahia através da música clássica. Hoje Marivaldo é um multiplicador, porque além de tocar na orquestra, ele ensina nos núcleos de estudantes mais jovens. Perguntei sobre o futuro.

— Só vejo música, multiplicação. Todo mundo tocando junto. Porque na música não tem diferença, todo mundo é igual. A gente pensa num Brasil em que todo mundo é igual, todo mundo buscando o mesmo objetivo que é um país sem diferença.

Foi assim o meu ano. Uma parte de mim acompanhava a conjuntura, outra se deixava levar pelas conversas sempre surpreendentes com brasileiros de todas as regiões, das mais variadas atividades. Conheci muita gente. Walter, trabalhador de Santa Catarina, que aos 95 anos vai entrar agora em janeiro no livro “Guinness” como a pessoa há mais tempo numa mesma empresa. Sua carteira de trabalho mostra a devastação monetária que o Brasil viveu no século XX: há registros em nove moedas.

No Rio Grande do Norte, conheci um produtor rural que gosta de ser chamado de Zé Peneira. Sua renda aumentou desde que as torres de energia eólica começaram a ser instaladas na região. Ele primeiro forneceu matéria-prima, depois arrendou parte da terra para a empresa de energia. O dinheiro foi investido na propriedade e nos estudos dos netos.

— Tinha uma neta minha estudando pra ser médica. Eu já estava para cansar. Com o dinheiro eu ajudei e ela, daqui a dois meses, já está cortando gente.

A neta cirurgiã, e o avô inventando tecnologias para aumentar a produtividade da sua lavoura. Costuma apontar para a cabeça e dizer “tudo saiu daqui" quando vai contar alguma solução engenhosa. Saía da sua fazenda em Parazinho, já com os equipamentos na van para retomar a estrada, quando José Peneira me convidou:

— Se a “incelência” me der o prazer de voltar, vai encontrar tudo “meorado".

No Acre, a jovem Sarah Evellyn criou uma organização social, o Impacta Jovem, para divulgar informações sobre oportunidades de intercâmbio. Em Belo Horizonte, Laura Leal fez parte do Impacta Jovem e depois criou seu próprio movimento, que quer ampliar as chances das meninas nas ciências exatas. Em Roraima, a jovem estudante Ariene Wapixama quer que seu povo e outros indígenas elejam um representante do estado para o Congresso.

O país mergulhado no pessimismo com que atravessou o ano, e seu Zé Peneira tem certeza de que tudo estará melhor no futuro, Marivaldo sonha com um país sem diferença, Roberto, o barqueiro, ensina a importância de manter em pé as árvores que no passado derrubaria, Verônica quer ser advogada e defender a causa feminista.

Entrevistei tanta gente interessante que não cabe neste espaço. Foi o trabalho de transformar o meu livro “História do Futuro” em uma série de dez episódios para a GloboNews. As reportagens foram sobre as possibilidades e tendências do Brasil, mas fiquei marcada pelas conversas com esses e outros brasileiros. Por isso, neste último dia do ano quis trazê-los a este espaço para falar de esperança. Feliz 2018.

 


Míriam Leitão: Duas cabeças

O governo está dividido sobre o que fazer diante da crise do Rio Grande do Norte, mas só existe um caminho: o de cumprir a lei. Não é possível seguir a cabeça dos ministros políticos e do ministro do Planejamento, que estão se esforçando para atender ao pedido do governo estadual. Existe uma lei de recuperação fiscal, que estabelece regras, e só através dela se pode dar ajuda federal.

Foi esse caminho que o Rio de Janeiro seguiu. É doloroso, difícil, mas é isso que está na lei. A própria legislação que estabelece a forma de socorrer estados em crise foi uma concessão. Ela cria uma espécie de monitoramento das contas estaduais pelo governo federal e faz exigência de que o estado, antes de ser ajudado, se enquadre em um programa de recuperação das contas públicas. No Rio, os funcionários ficaram o ano inteiro com seus salários atrasados enquanto o governo tentava aprovar o programa de recuperação que previa cortes de gastos, aumento da contribuição de funcionários e a privatização da Cedae. Há percalços, até judiciais, mas o fato é que o Rio vem tentando conseguir formas de se enquadrar na lei de recuperação. O mesmo acontece com o Rio Grande do Sul.

Se o governo quiser transferir recursos para o Rio Grande do Norte para que o governo estadual pague os salários atrasados, estará desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda este tipo de socorro. É isso que internamente tem dito a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi. Oficialmente, o Ministério da Fazenda vetou a ajuda de R$ 600 milhões, depois que ouviu do Tribunal de Contas que a ajuda seria inconstitucional.

É crime pela LRF transferir recursos aos estados sem que eles se enquadrem em um programa de recuperação. Além disso, é quebra da isonomia federativa. Se ajudar um estado, terá que transferir recursos para todos os outros. No dia em que, neste ponto, vencer a ala gastadora do governo, haverá outros 26 governadores na porta do Palácio do Planalto querendo recursos. E é bom lembrar que este é um governo que enfrenta uma enorme crise fiscal e que está com déficit primário nas suas contas.

Em qualquer governo, há divisão entre os gastadores e os que querem manter, em maior ou menor grau, o controle de gastos. Desta vez, a cisão é ainda pior e parece haver, na prática, dois governos Temer, tal a distância que está se abrindo entre um lado e outro. Um deles tem resultados a mostrar porque controlou o pior da crise econômica, já reduziu fortemente a inflação, e esta semana mesmo mostrou melhora de arrecadação e até um superávit primário nestes tempos difíceis de déficits sequenciais. Há outra parte que repete a fórmula da gastança e do toma-lá-dá-cá que o ministro Carlos Marun explicitou esta semana ao defender o uso político dos recursos da Caixa como se fosse natural e apenas “ações de governo”.

O Congresso depôs a presidente Dilma exatamente por não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e por usar politicamente os recursos dos bancos públicos. Se cada disputa interna continuar sendo vencida pela ala que acha que os limites legais são meros detalhes que podem ser contornados, o perigo é enorme. Não para o governo, mas para o país, que tem uma situação fiscal desastrosa e vive uma recuperação econômica frágil.

O Rio Grande do Norte está em uma crise social e de segurança de grandes proporções, com os policiais e os bombeiros aquartelados e em greve há uma semana. No Espírito Santo, houve um motim da PM, deflagrado apesar de os salários não terem atrasado. O governo capixaba enfrentou o problema e ele foi resolvido sem a ajuda financeira do governo federal. Não há outra saída a não ser avisar ao governador potiguar que ele tem que propor um programa de ajustes dentro da Lei de Recuperação Fiscal e só depois disso começará a ser discutida a ajuda federal.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que foi rigoroso com o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, não pode se ausentar nesta discussão. E neste assunto ele tem que pensar com a cabeça de ministro das finanças e não como possível futuro candidato. O governo federal tem que ter a cabeça na lei que aprovou e sancionou, e não em interesses políticos momentâneos.

 


Míriam Leitão: Depois da tempestade

Eletrobras se ajusta, e ação sobe 173%. A Eletrobras está mudando. A dívida líquida caiu, o número de funcionários foi reduzido, a administração foi reorganizada, e a ação já se valorizou em 173% até agosto. Estão sendo vendidas 77 SPEs no valor de R$ 4,6 bi. A devastação causada pela ex-presidente Dilma Rousseff impressiona: a Eletrobras perdeu de 2011 a 2015 quase a metade do patrimônio líquido e acumulou prejuízo de R$ 31 bi.

“Acompanhia tem 55 anos. Em quatro anos, só quatro, ela perdeu 40% do seu patrimônio líquido. Quase metade do patrimônio esfacelado em um prazo muito pequeno. Ao mesmo tempo ela aumentou muito a dívida para fazer frente a isso e aos planos enormes de investimento. Esse era o tamanho do problema 14 meses atrás” conclui Wilson Ferreira, olhando para os gráficos da companhia que preside.

Essa destruição de valor na Eletrobras aconteceu pelo mesmo motivo que houve um mar de prejuízos em todas as empresas do setor: a Medida Provisória 579. Dívidas e brigas judiciais ainda se acumulam entre os diversos segmentos do mercado por causa da MP. Com ela, a ex-presidente Dilma achou que estava reinventando a roda. Deu errado. Entre outras razões porque ela reduziu na marra o preço pago às geradoras, diminuindo em 20% a receita da Eletrobras. Mas a seca se agravou, tornando o valor pago ainda mais irreal.

A dívida comparada à sua geração operacional de caixa em um ano, a medida mais importante de endividamento — dívida líquida/Ebitda — era 8,8 vezes em setembro de 2016. Agora está em 4,1 e a meta é terminar este ano com 3,3, chegando a 2,4 em 2018.

— A empresa aumentou o endividamento e o país perdeu o grau de investimento. Uma combinação diabólica porque o banco te cobra mais caro e encurta a dívida. A Eletrobras chegou a tomar dinheiro a 16%, a 19%. O serviço da dívida aumentou 60% — explica Wilson Ferreira.

O ajuste pelo qual a estatal está passando mexe com tudo. Para se ter uma ideia, além de todas as controladas, ela tinha também 178 Sociedades de Propósito Específico. Para cada novo negócio que o governo decidia que a Eletrobras iria entrar, criava-se uma SPE, que tinha que ter uma estrutura administrativa. A nova gestão decidiu vender 77, ao valor de R$ 4,6 bi. Outras foram encerradas e algumas incorporadas ao negócio porque não havia razão para não fazerem parte da estrutura. Com o plano de aposentadoria incentivada, a companhia reduziu em 2.100 o número de funcionários, e diminuiu em R$ 900 milhões o custo. Além disso, restringiu níveis administrativos, cortou 600 cargos de gerente, e eliminou 60% dos cargos de assessor. O plano de demissão incentivada deve despedir 2.300 funcionários até o ano que vem.

— Não faz sentido ter quatro níveis hierárquicos numa holding, ou ter 2.200 caras gerenciando 15.000. Parece muito cacique.

Tudo está sendo mexido na Eletrobras, que se prepara para a privatização. Mas esta palavra Wilson Ferreira não fala.

— Haverá uma democratização do capital, e com regras para evitar que haja concentração das ações, no modelo de grandes empresas do mundo.

Ferreira não acha um mau negócio a estatal ficar com as dívidas das seis distribuidoras que controla, e vendê-las por um preço mínimo. São as companhias do Amazonas, Roraima, Acre, Rondônia, Alagoas e Piauí. A de Goiás já foi vendida.

— A Eletrobras perde muito dinheiro com essas distribuidoras. Nos últimos 10 anos foram R$ 20 bilhões. Só no ano passado foram R$ 6 bilhões de prejuízo. Ao vender, de largada, vamos reduzir em R$ 2,4 bilhões o custo de pessoal, material e serviços de terceiros.

A dívida de R$ 11 bilhões dessas companhias será transferida para a Eletrobras para tornar viável a venda das distribuidoras. Mas Wilson Ferreira diz que tudo já foi provisionado. A companhia tem apenas que usar o dinheiro, ou reverter a provisão. Por isso, ele acha que o impacto será “zero", e que o maior ganho é sair de um negócio que a estatal nunca dominou.

Para vender parte do capital da Eletrobras será preciso aprovar o projeto de lei no Congresso, e resistir à pressão dos grupos políticos em torno de cada uma das controladas. Mas, se conseguir, o maior ganho será proteger a companhia do enorme prejuízo que tem sido a persistente interferência dos políticos que sempre controlaram a estatal.

 

 


 Míriam Leitão: Os pontos positivos que sustentam o crescimento da economia

Há vários pontos na economia que sustentam a recuperação este ano e no próximo. Porém, não há garantia de que é o início da retomada sustentada do crescimento depois da grande queda. Mas os bons indicadores alimentam o otimismo que se refletiu no recorde histórico do Ibovespa ontem, apesar da continuação da crise política e da enorme incerteza sobre o que vai acontecer no Brasil depois de 2018.

O economista José Roberto Mendonça faz uma lista do que pode sustentar o crescimento no ano que vem. A MB Associados está com uma das previsões mais altas do mercado para o PIB: de 0,7% este ano e de 3% em 2018. Mas ele também tem uma lista de pontos obscuros na conjuntura.

Ele liga, por exemplo, a delação da JBS com a piora fiscal que levou à revisão da meta. O escândalo em que o presidente se envolveu o enfraqueceu politicamente e isso foi cobrado em gasto público.

— A delação enfraqueceu o governo, o centrão entrou em cena e mudou vários projetos que tinham receitas previstas. O Refis tinha a proposta de pagamento de 20% à vista. A mudança no Congresso eliminou isso, e a receita prevista de R$ 13 bilhões desapareceu. O STF decidiu que os produtores rurais tinham que pagar o Funrural, o que significava a entrada de R$ 5 bilhões. Mas o governo aceitou uma proposta que pode fazer desaparecer essa receita. Tudo é decorrente da crise após a delação do JBS — disse o economista.

A dívida dos produtores ao Funrural é muito antiga e vem da decisão de cobrar a contribuição patronal do empresário rural como parte da receita líquida. A mecanização reduziu o número de trabalhadores nas empresas e eles quiseram pagar sobre a folha, entraram na Justiça e pararam de pagar. O STF decidiu que eles deveriam pagar os últimos cinco anos e como percentual da receita. Isso dá uns R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões e os maiores devedores são exatamente a JBS e a Marfrig. A JBS, mais de R$ 1 bilhão. Mas tramita no Congresso um projeto para reduzir esse pagamento e a concessão do governo foi feita exatamente no início do debate sobre a aceitação ou não da primeira denúncia.

— Só com esses dois casos, o do Refis e o do Funrural, o governo está tendo uma frustração de receita não recorrente de quase o tamanho do aumento da meta, R$ 20 bilhões — disse José Roberto.

A deterioração fiscal e a incerteza sobre 2018 mostram que nenhum otimismo em relação à situação econômica tem um horizonte amplo. Bate nestes dois pontos. Por outro lado, há nos indicadores atuais muitas razões para crer que o país sai da recessão este ano e cresce no ano que vem.

Entre as razões, José Roberto relaciona a queda da inflação e seu efeito na melhoria da capacidade de compra do consumidor:

— Em agosto do ano passado, o custo da alimentação havia subido 14% nos 12 meses anteriores. Em julho deste ano, há uma queda de 2% nos últimos 12 meses. Isso permitiu a recuperação da renda das famílias. E por isso o rendimento real começou a subir forte. Os salários não aumentam, mas melhorou o poder de compra e por isso o rendimento real está com alta de quase 3% de julho a julho — diz o economista.

Essa melhoria da capacidade de compra, apesar do desemprego, é ajudada pelos dados que mostram a queda do endividamento das famílias. O Banco Central mede isso de duas formas: o total da dívida pelo rendimento anual das famílias, que caiu de 46% para 42%, e o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas mensais, que caiu de 23% para 21%. Além disso, a inadimplência da pessoa física caiu de 6,3% para 5,7%. Isso está elevando a concessão de crédito:

— O desemprego está alto, mas no último dado a queda foi maior do que todos esperavam. E um milhão quatrocentos e trinta e nove mil pessoas passaram a ter alguma renda do trabalho.

Ele acha que todas essas razões levarão o consumo das famílias a aumentar este ano. Além disso, as projeções mostram inflação estável. As previsões da MB Associados são de que o saldo comercial este ano será de US$ 71 bilhões, mais do que a média do mercado prevê. Ou seja, na visão de Mendonça de Barros, o país não terá o problema que sempre ampliou as crises: a falta de dólar. O otimismo existe, mas é de curto prazo.

 


Míriam Leitão: Recuperação gradual  

O setor de petróleo ainda vai esperar a superação da crise política antes de recuperar o nível de investimentos no Brasil. É o que mostra pesquisa da Accenture Strategy em parceria com a FGV Energia. No curto prazo, a agenda ainda é de austeridade, mas a partir de 2019 a expectativa é de retorno gradual dos projetos. Para 2026, no melhor cenário, os investimentos podem chegar a US$ 50 bilhões, contra US$ 16 bi de 2016.

O Brasil perdeu o melhor momento do setor para investir. Quando os preços estavam acima de US$ 100, o país ficou discutindo a mudança no marco regulatório, no final do governo Lula e início do governo Dilma. Foram cinco anos sem rodadas de licitação, e o bilhete premiado do pré-sal se transformou em uma conta bilionária de desvios revelados pela Operação Lava-Jato. Nesse período, outros campos de petróleo foram descobertos pelo mundo, e os Estados Unidos começaram a produzir fortemente o petróleo por exploração não convencional (shale gas). Hoje, os preços estão rodando a casa de US$ 50, e as petrolíferas estão mais seletivas na hora de investir.

O impacto da interferência política no setor de petróleo fica evidente quando se olha para os investimentos. Em 2013, eles chegaram a US$ 33 bilhões, mas despencaram para US$ 16 bi no ano passado. A estimativa da Accenture e da FGV Energia é que esse número só começará a subir de forma mais consistente no próximo governo.

— Os anos de 2017 e 2018 ainda serão de reestruturação. Os leilões vão voltar este ano, mas levará tempo até que os investimentos saiam do papel. O que a pesquisa mostrou foi que a partir de 2019 deve ocorrer um retorno gradual dos investimentos, depois que ficar para trás a instabilidade política — explicou Daniel Rocha, diretor-executivo e líder da indústria de Energia da Accenture Strategy.

Desde junho do ano passado, após a troca de governo, o setor passou por uma série de mudanças regulatórias. A Petrobras deixou de ser a operadora única do pré-sal; as rodadas de licitação voltaram a ser agendadas; as regras de conteúdo nacional foram flexibilizadas. Ainda assim, a visão do setor é de que há fortes barreiras ao investimento. Entre os 74 executivos entrevistados pela Accenture, 51% deles citaram a crise política como entrave e 57% reclamaram da carga tributária elevada. O pré-sal também deixou de ser unanimidade.

— O mais importante para o governo é manter a regularidade nos leilões, e, além disso, das áreas que sejam mais atrativas. Isso é fundamental neste momento de maior incerteza — disse.

Rocha destaca o trabalho que vem sendo feito pela atual gestão da Petrobras. Explica que o endividamento da companhia, em relação à geração de caixa, já caiu de 5,3 para 3,2 anos. A petrolífera conseguiu cumprir o seu plano de desinvestimento em 2016, apesar das dificuldades que enfrentou na Justiça para colocar à venda alguns projetos. A pesquisa também mostrou que para 75% dos executivos entrevistados a venda de ativos da Petrobras vai estimular novos investimentos no país. Isso porque haverá um ambiente de maior competitividade, com mais empresas tocando os projetos.

No final deste mês, já acontecerá a 14º rodada de licitação, e a expectativa é positiva. Para 93% dos executivos ouvidos pela pesquisa, haverá boas oportunidades de negócio e para 76% o leilão pode significar um marco para a retomada do setor.

Ontem, o ministro Henrique Meirelles disse que a economia poderá crescer em um ritmo de 3% em 2018. Destravar o setor de óleo e gás será importante para impulsionar a economia e para conter a crise fiscal em estados produtores, como o Rio. _

O Ibovespa caiu 0,45% e frustrou expectativa de quebrar o recorde histórico atingido em maio de 2008.

Dólar caiu a R$ 3,08 e também atingiu a menor cotação em 33 meses contra uma cesta de moedas, segundo o “Financial Times”.

Levantamento da consultoria Sabe mostra que o lucro dos 24 maiores bancos do país subiu 7% no primeiro semestre.

 


Míriam Leitão: Conversa sórdida revelou quem é o empresário que se sente acima da lei

Nojo. É o que se sente ao ouvir o empresário Joesley Batista discorrer na intimidade e em conversa regada a bebida sobre o Brasil, o MP e o STF, e até sobre a própria advogada. É uma conversa sórdida. Mas, para além da repulsa, há ainda o fato de que ele se sente inatingível. Joesley é o delator a quem foi dada a imunidade penal. Ele se sente inimputável e por isso garante que não será preso e salvará a empresa.

O que vazou é uma conversa desqualificada sobre ministros e ministras do Supremo, comentários machistas até sobre a própria advogada que os defende. O que existe de mais sólido envolve o procurador Marcelo Miller. O resto é o lixo de um homem sem limites e sem parâmetros que fala com deboche até sobre pessoas de sua intimidade.

É o momento mais delicado da Lava-Jato porque a tentativa dos adversários do combate à corrupção será a de aproveitar a situação, desmoralizar o processo de investigação e de delação premiada. A situação toda é tão irregular que os áudios já estavam circulando, e o ministro Edson Fachin ainda não os havia recebido. O protocolo do STF abriu às 11h30m, depois os áudios foram oficialmente encaminhados ao STF.

Mas, na verdade, essa é a grande chance de a PGR se livrar do peso de ter concedido o inaceitável aos irmãos Joesley e Wesley e aos executivos da JBS. A certeza da impunidade que Joesley e Ricardo Saud demonstram não convive bem com os pilares da democracia. A concessão de tão grande benefício foi o momento mais fraco do procurador-geral. Ele poderia ter aproveitado o medo que os empresários e executivos tinham da chegada dos “capa preta”, como Joesley diz, e obter todas as informações que teve oferecendo em troca uma punição branda porém aceitável.

Ficou claro durante todo o processo da Lava-Jato que a delação premiada tem a vantagem de trazer as informações que revelaram o que o Brasil sabe hoje sobre o poder político e as empresas. Agora ficou claro também que ela tem mecanismos contra os erros eventualmente cometidos. As cláusulas do acordo cobriam a possibilidade que acabou se confirmando, de que Joesley tinha escondido parte das informações. Mas qual parte? A parte que se volta contra o próprio Janot. Ele trabalhou três anos ao lado de pessoa que acabou virando um agente duplo. Marcelo Miller colaborava com os delatores estando ainda no Ministério Público e ninguém percebeu.

O mercado financeiro, que tem uma forma muito torta de pensar, comemorou pela manhã. A bolsa subiu e o dólar caiu porque os investidores concluíram que tudo isso mantém o presidente Michel Temer no cargo e, portanto, o cronograma das reformas. Na verdade, ninguém se fortalece com situação tão confusa, esse emaranhado institucional. À noite, o Ibovespa devolveu os ganhos e fechou estável. Ontem foi um dia particularmente horroroso. Malas de dinheiro encontradas na Bahia, operação internacional para apurar se houve corrupção na escolha do Rio como sede das Olimpíadas, os áudios dessa conversa repulsiva e denúncia contra o PT, incluindo, pela primeira vez, a ex-presidente Dilma. O Brasil nas edições online era o retrato de um país devastado.

O procurador-geral tem o poder de decidir o destino dessa delação. Ele abriu o procedimento para reavaliar o acordo de colaboração. Pode anular, rescindir ou apenas rever os termos do acordo retirando benefícios concedidos. Depois que tomar a decisão, ela será levada ao ministro relator.

O ministro decidiu ontem que não caberia atender ao pedido do procurador-geral de manter em sigilo as fitas que levaram ao procedimento de reabertura do acordo. Pode ter tomado a decisão apenas pela constatação de que não adiantava decretar o sigilo de algo que já estava na rua. Mas Fachin foi além e argumentou em favor da publicidade do processo, informando que ele deve ter precedência até sobre o direito da intimidade. Portanto, o episódio confirma a tendência de adotar o sigilo apenas em raros casos, porque deve prevalecer o interesse público.

O curioso desse lance inesperado é que ele revela que Joesley passara a grampear tanto que chegou até a se gravar inadvertidamente. E mais, entregou o material à PGR sem sequer ouvir as fitas. Seu afã era de arrebanhar provas e indícios contra seus interlocutores para ser aquele que dá o último tiro e um dia poder dizer à mulher: “querida, sabe aqueles nossos amigos...”

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)