Míriam Leitão

Míriam Leitão: O começo do futuro do Rio  

A economia da produção cultural é, por sua natureza, uma atividade empregadora. E é contemporânea à era do conhecimento, que é agora

É desconcertante o tempo em que tudo dá errado e o pessimismo se realimenta, deixando a impressão de que o futuro está perdido. É o ponto em que estamos no Rio. Mas esse pode ser o momento da inflexão, se as cabeças pensarem juntas e a visão se estender para além do momento presente. O futuro não chega por fatalismo do calendário. É preciso buscá-lo. Do contrário, o tempo passa e ficamos presos no passado.

O Rio é magnético. Ele sempre atrairá a inteligência, a criatividade, o debate, a discordância, as tendências, a cultura, as invenções, a literatura, a festa, a música. Sua beleza natural é ativo, e não apenas paisagem. É a cidade ícone do Brasil, a vitrine mais visível. Muitas cidades, regiões e estados no mundo fizeram novos planos em tempos de crise e construíram o futuro em novas bases tendo menos do que temos para recomeçar. O segredo é descobrir onde está a porta de saída e qual é a vocação evidente.

O Rio é software e não hardware. A indústria pesada, de alta emissão, que enfeia a paisagem, contamina o ar e esgota os recursos não é a vocação natural do estado e muito menos da cidade. Por isso, ele nunca será bom em fazer a máquina, mas sim em construir a inteligência da máquina. A economia da produção cultural é por sua natureza uma atividade empregadora. E é contemporânea à era do conhecimento, que é agora. Aqui há seis universidades que podem ser fortalecidas e mobilizadas na produção do conhecimento.

O Rio é evento e entretenimento, para todos os públicos e nichos. A cidade tem uma rede hoteleira ampla e já instalada, o Centro reformado e uma estrutura esportiva recente, que por ser nova, é facilmente recuperável. A logística da cidade melhorou por causa da Olimpíada. Tudo está preparado para um calendário de grandes eventos musicais do pop à música clássica. A cidade tem salas com acústica perfeita para grandes orquestras, ou música de câmara, em pontos diversos e estratégicos. Tem espaços para grandes shows e espetáculos de todos os tipos.

O Rio é internacional. O calendário das promoções culturais, esportivas, econômicas, de convenções deve mirar também o público de outros países. A estrutura hoteleira comporta e requer que se atraia o público global na economia dos eventos.

O Rio é turismo. Não caberia aqui a lista dos seus ativos turísticos, que teria obrigatoriamente que conter as praias, a maior floresta urbana de replantio, o carnaval mais conhecido do planeta, a paisagem exuberante, o Cristo por bênção, braços abertos sobre a Guanabara.

O Rio é história. Ande pela cidade e você tropeçará na história do Brasil. Por aqui entrou a Corte portuguesa em seu exílio e começou a inventar um país. Por aqui entraram mais de um milhão de africanos escravizados e os marcos dessa chegada, dessa dor e força, estão à flor da terra. As marcas dos fatos espalham-se pelo Centro: Tiradentes em seu sacrifício, a princesa em seu momento áureo, a República em seus rompantes, erros e acertos, Getúlio em seu Catete, a Candelária das mobilizações. O Brasil se fez aqui.

O Rio é literatura. Grandes escritores criaram nesse cenário suas obras e seria longa alista, mas fico com Machado de Assise Carlos Drummond de Andrade. Fonte perene de inspiração de poetas e ficcionistas, o Rio é sede da Academia Brasileira de Letras e endereço de grandes editoras: Record, Rocco, Zahar, Sextante, Intrínseca, para citar algumas. Tem o mais poderoso dos eventos literários do Brasil, a Bienal, que começa agora com números impressionantes e estandes que exibem agarrado mercado editorial.

O Rio precisa saber o que é e o que tem. A crise da segurança é obstáculo a qualquer projeto, mas o estado já viu uma política dar certo, ainda que por tempo breve. Na educação, o estado deu um salto da rabeira para os primeiros lugares, com boa gestão e visão estratégica. O doloroso tempo presente não pode paralisar quem já sabe a trilha do sucesso. Quando se diz que o Rio deve reagir não é apenas para ter um lema motivacional. Há um caminho concreto de busca do futuro.


Miriam Leitão: Fim da recessão 

A recessão ficou para trás. Tecnicamente, é isso que se pode dizer com o segundo trimestre de alta. O dado divulgado encerra 12 trimestres de queda na comparação com o mesmo período anterior. A recuperação é lenta e frágil, porque anda sobre o terreno movediço da crise política, mas os indicadores positivos começam a aparecer com mais frequência, como a queda do desemprego divulgada esta semana.

Foi o quarto mês seguido de redução do desemprego. A população ocupada aumentou em um milhão e quatrocentas mil pessoas no trimestre de maio a julho, comparado ao trimestre anterior. Com a liberação do FGTS das contas inativas, as famílias reduziram dívidas e elevaram o consumo. Isso evitou o número negativo que se temia que ocorresse no segundo trimestre. O impacto da crise de 17 de maio foi menor do que o esperado, disse a MB Associados, que ontem mesmo revisou de 0,3% para 0,7% o PIB do ano. Pode parecer pouco, mas se ocorrer esse resultado, o país terá saído de uma queda de 3,6% para uma alta de 0,7%. Recuperação de mais de quatro pontos percentuais.

O crescimento no primeiro trimestre foi forte, de 1%, mas concentrado na agricultura. No segundo trimestre, foi menor (0,2%), mas pela força do consumo (1,4%) e pelos serviços (0,6%), que são mais dinâmicos e sustentáveis. A indústria decepcionou, com recuo de 0,5%, depois de subir 0,7% no primeiro tri. Os investimentos caíram pelo quarto trimestre seguido, sinal de que há muita desconfiança dos empresários na recuperação. Nos últimos 15 trimestres, desde o final de 2013, os investimentos tiveram apenas um único número positivo. Isso mostra que não há garantia de crescimento sustentado.

No desemprego, os dados voltaram a seguir a sazonalidade característica do indicador, com altas no início do ano e melhora no segundo trimestre até o Natal e Réveillon. Em 2015 e 2016, isso não aconteceu, a destruição do vagas foi contínua. Este ano, o número de desempregados chegou a 14,17 milhões em março, e agora recuou para 13,32 milhões, segundo o IBGE, no quarto mês seguido de redução. A maioria das vagas é no emprego informal e por conta própria, mas os números do Caged, com carteira assinada, também voltaram ao azul.

A recuperação enfrenta três grandes barreiras. A primeira é a crise fiscal, que depende das medidas de ajuste que o Congresso e o governo Temer ainda não aprovaram. A segunda é o desemprego que, embora caindo, está muito elevado. E a terceira é o próprio ritmo de crescimento do PIB, que nem de longe lembra o vigor da saída da crise de 2008/2009. Na taxa acumulada em 12 meses, só se espera um número positivo no final deste ano, em torno de 0,5%, agora com viés de alta.

Na semana que vem, podem vir outras duas boas notícias. Na quarta-feira, saem os dados da inflação de agosto, e a expectativa do Banco BNP Paribas é de alta de 0,29%, o que levaria a taxa em 12 meses para 2,56%, no patamar mais baixo desde 1999. Isso permitirá a nova redução de um ponto percentual de juros que será anunciada na noite da quarta pelo Banco Central, levando a Selic para 8,25%. O departamento econômico do Itaú ainda projeta mais dois cortes de 0,5% até o final do ano, seguido de outro, de 0,25% no início do ano que vem. Isso quer dizer que o país começará 2018 com juros de 7%, patamar mais baixo da história, e uma inflação bem pequena, que pode ficar abaixo do piso da meta. A queda dos juros agora se justifica pela forte redução da inflação.

O banco UBS, que cravou o dado de crescimento de 0,2%, disse que sua projeção para ano, de 0,5%, está para subir. A percepção é a mesma do economista Fernando Montero, da Tullett Prebon, que aposta em revisões para melhor das projeções do mercado.

“Assumindo um PIB estável no segundo semestre, o ano já teria crescimento garantido de 0,5%. Desta forma, há chance de revisão para cima na nossa estimativa. Para 2018, estimamos alta de 3,1%", escreveram os economistas Tony Volpon e Fábio Ramos em relatório do UBS.

Com dois trimestres seguidos de alta, o país já pode dizer que tecnicamente deixou a recessão para trás. Mas a economia precisa ainda de uma recuperação mais forte que derrube o desemprego.

 

 


Miriam Leitão: Subsídios condenados pela OMC custam quase o mesmo que as universidades públicas

Era pedra cantada. A OMC iria condenar o Brasil porque os subsídios e incentivos concedidos nos governos Lula e Dilma dentro da política industrial que eles adotaram são condenáveis. Ferem as regras internacionais do comércio e ofendem a lógica. Por que dar a alguns setores industriais um subsídio que custa quase R$ 7 bilhões ao ano? Isso é o valor equivalente ao que é transferido às universidades federais. Quanto custa? Essa é a pergunta central e deve ser feita a cada política pública adotada. Quem tiver por hábito fazer essa pergunta descobrirá por que o Brasil é assim desigual. Daqui até 2019, o país vai gastar com eles R$ 21 bilhões, isso sem falar em subsídios escondidos. Desde 2010, a OMC calcula que R$ 25 bi já foram concedidos aos setores beneficiados. Segundo o Itamaraty, agora sob o comando do PSDB e na presidência de Michel Temer, as políticas adotadas atendem a objetivos sociais, ambientais e de saúde.

Quais mesmo? A indústria automobilística tem que adotar tecnologias menos poluentes e investir em pesquisa e desenvolvimento. Ora, e o contribuinte brasileiro tem que pagar por isso? No mundo inteiro a indústria que fabrica carros está adotando novas tecnologias de menor impacto ao meio ambiente por uma razão de sobrevivência, porque os governos e o consumidor exigem. Se o país tivesse concedendo incentivo para a instalação de nova tecnologia disruptiva, a que vai substituir a dos motores a combustão, poderia até se entender. Mas é ainda a velha tecnologia que os governos passados incentivaram, e o atual ainda defende. Outro conjunto de benefícios é para o setor de informática, que desde os anos 1980 vem sendo protegido e subsidiado no Brasil. Acabou uma lei de informática e começou outra. O governo Temer podia aproveitar a deixa e cortar esses incentivos porque eles são gastos públicos. O Itamaraty prefere recorrer para protelar ao máximo a aplicação da pena. Este é o Brasil. Mudam-se os governos, mas não as alianças que sustentam as transferências para as empresas.

Desde sempre no Brasil se testa a tese de que se houver proteção tarifária e não tarifária, dinheiro público barato, redução ou isenção de impostos, a indústria será pujante. E ela encolhe ano a ano. Os governantes poderiam concluir, por óbvio, que esse caminho não tem dado certo e que é melhor escolher outro. Mas é pedir demais dos governantes que eles consigam dizer “não” aos lobbies.

A condenação na OMC não é uma formalidade. Países serão autorizados a retaliar o Brasil. Em vez de reconhecer o erro, o governo certamente vai procurar uma nova forma de dar uma forcinha para empresas de alguns setores. Em vez de buscar os fatores que realmente aumentam a competitividade, vai continuar usando os recursos do país para defender o que é condenável. E sempre será.

O advogado Marcos André Vinhas Quintão, da Associação Brasileira de Direito Financeiro, disse que as pessoas no país não estão com a noção exata do poder dessa condenação, porque o país tem 90 dias para mudar as políticas ou sofrer retaliação:

— O Brasil pode sofrer retaliação unilateral por parte de todos os países que fazem parte da OMC, e não apenas da União Europeia e do Japão. Para o setor de autopeças o impacto pode ser grande porque o país pode sofrer sanções da Colômbia, Argentina, Peru, Venezuela, Chile, países para os quais o Brasil tradicionalmente exporta esses produtos — diz.

Ele explica que as regras da OMC permitem que se dê incentivos fiscais a quem investir em Pesquisa e Desenvolvimento, mas que não foi isso que a indústria automobilística brasileira fez:

— Para isso a indústria teria que registrar patentes, por exemplo, mostrando que de fato inventou algo de novo para o setor no mundo.

Ele acha que o tipo de incentivo estimula a empresa preguiçosa e dependente e tem esperanças de que o processo na OMC acelere a mudança de mentalidade no Brasil.

Pouco provável. Está aí o Reintegra que não nos deixa mentir. É outro incentivo que pode dar problema e representa um valor dado ao exportador para supostamente tirar os restos de impostos da exportação. Recentemente, o governo decidiu não ampliar o benefício e já começou a choradeira. Vai ser mantido até a próxima condenação.

 


Míriam Leitão: PIB do segundo trimestre deve ficar próximo de zero

O mercado financeiro tem melhorado as projeções do PIB do segundo trimestre, que o IBGE vai divulgar amanhã. Antes, era praticamente consenso um número negativo, e agora as previsões são de resultado em torno de zero ou ligeiramente positivo. Há entre empresários e economistas um certo otimismo para 2018, mas dizem que tudo dependerá das pesquisas de intenção de voto das eleições.

O economista-chefe do banco UBS no Brasil, Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, estima que o PIB do segundo trimestre terá crescimento de 0,2% sobre o primeiro tri. Se acontecer, será o segundo trimestre de resultado positivo, após o país encolher por oito trimestres consecutivos, entre 2015 e 2016. Para o ano que vem, ele prevê alta de 3,1%, uma das maiores estimativas do mercado. Volpon, que assumiu a diretoria internacional do BC no início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, diz que há uma série de efeitos favoráveis “contratados” para a economia no próximo ano. O problema, explica, é que tudo depende da campanha eleitoral. O temor é a vitória de um candidato contrário às reformas econômicas.

— Os juros vão cair para a casa de 7% este ano, a inflação baixa vai ajudar na recuperação da renda. O processo de desalavancagem das famílias e das empresas vai estimular consumo e investimentos, e o cenário externo é favorável. Tudo isso é muito positivo. Mas 2018 vai depender se teremos ou não uma candidatura reformista forte — explicou.

Na opinião dele, a economia tanto pode crescer forte em 2018 quanto voltar à recessão, porque o mercado traz “a valor presente” riscos e oportunidades. Se o cenário for favorável às reformas, o risco-país cai mais, a confiança sobe, e os investimentos saem da gaveta. O contrário, porém, é a disparada do dólar, o encarecimento do crédito e a volta da insegurança. De fato, o país está numa situação delicada na área fiscal e de dívida. Uma administração que amplie os gastos em vez de mudar a estrutura das despesas será um risco.

Na segunda-feira, o Boletim Focus revisou para 7,25% a estimativa do mercado financeiro para a taxa Selic este ano, e Volpon aposta que já na reunião da semana que vem os juros cairão para 8,25%, com um novo corte de um ponto. O barateamento do crédito, em um primeiro momento, vai acelerar a redução do endividamento, com a troca da dívida mais cara por outra mais barata.

— Vários resultados surpreenderam: comércio, serviços, indústria, renda e emprego. O resultado das empresas no segundo trimestre ficou acima do esperado. O PIB não deve crescer tanto quanto no primeiro trimestre, que foi 1%, concentrado na agricultura, mas deve ser mais espalhado — completou Fábio Ramos, economista também do UBS.

O economista-chefe da Truxt Investimentos, André Duarte, explica que a massa salarial real, a soma de todos os salários pagos, aumentou nos últimos meses, com a queda da inflação, e isso ajudou o comércio. Apesar da queda lenta do desemprego, qualquer melhora reduz o endividamento e estimula o consumo. Ele também avalia que 2018 será decidido pelas pesquisas de intenção de voto.

— A partir de abril, quando faltarem seis meses para as eleições, o mercado vai começar a se decidir para que lado vai. Infelizmente, o ano que vem será uma espécie de “vai ou racha” na economia — explicou.

Na economia real, a sensação é de que o pior já passou, mas a retomada ainda é difícil. O presidente da WEG, multinacional brasileira de máquinas e motores, Harry Schmelzer, diz que se sair um resultado positivo no PIB amanhã será importante para a confiança.

— Na WEG, enfrentamos a crise buscando o mercado externo e ampliamos novos negócios, como no setor de energia eólica. Hoje, 57% da nossa receita vêm de fora do Brasil. Aqui, cortamos vagas, na China, contratamos. Para voltar a contratar no Brasil, só em 2019, dependendo do resultado das eleições — afirmou.

Schmelzer elogia a equipe econômica, mas lamenta que o governo ainda não tenha conseguido votar a reforma da Previdência, crucial para reequilibrar as contas públicas. Acha que o combate à corrupção e a agenda de privatizações vão ajudar a diminuir o patrimonialismo, e isso fortalece o capitalismo no país.

As melhoras econômicas que ocorrem na visão de empresários ou economistas dos bancos dependem do rumo da política para continuar.

 


Míriam Leitão: Um governo errático 

O governo teve um surto hiperativo nas últimas horas. Anunciou na segunda-feira a privatização da maior empresa de geração de energia. Na terça, pôs à venda 57 outros ativos. Ontem de manhã, tomou a correta decisão de aumentar o acesso dos trabalhadores ao PIS/Pasep. De tarde, por decreto, impôs ao país o fim de uma reserva ambiental com área do tamanho do Espírito Santo, que fora criada no governo militar.

Parecem coisas distintas, mas a soma dos atos governamentais mostra uma administração errática e perigosa. Ela pode tomar a qualquer momento uma decisão boa ou trágica, bem pensada ou confusa. Nunca se sabe a que lobby o governo vai atender. Na área ambiental, o presidente Michel Temer tem conduzido um retrocesso assustador. Já é o pior na questão ambiental de todos os governos desde a redemocratização. E agora superou até o governo militar ao arrancar do mapa da conservação da Amazônia 47 mil Km2 que haviam sido protegidos há 30 anos no governo do presidente João Figueiredo.

Quanto mais o presidente Temer quer regredir na área ambiental? Que novos crimes ambientais quer cometer? Há 33 anos, em 1984, a ecologia era um tema valorizado apenas por pequenos grupos e a questão climática ainda engatinhava. Só em 1987, três anos depois, foi publicado o Relatório Brundtland “Nosso Futuro Comum”. Só em 1992 ocorreu a Cúpula da Terra no Rio, que inaugurou as negociações globais para um Acordo do Clima. E, mesmo antes de tudo isso, Figueiredo criou essa reserva entre o Pará e o Amapá e proibiu a mineração no local. Desfazer isso hoje, depois de tudo o que se sabe, é um retrocesso inacreditável e que cai sobre o país na forma autoritária de um decreto.

Preparar uma empresa para a venda e definir o modelo são um processo complicado, o que significa que esta administração não tem como fazer tudo no período curto que tem pela frente. Devia escolher em que focar na área da privatização. Tanto é verdade que está falando em vender a Lotex desde que assumiu e já se passaram 15 meses do atual governo. Ontem foi novamente anunciado que ela será vendida.

Antes de comunicar a decisão de vender ações da Eletrobrás o governo já havia começado uma revisão da regulação do setor para corrigir os inúmeros problemas do excessivo intervencionismo da MP 579 do governo Dilma. Foi feita uma consulta pública e agora o Ministério das Minas e Energia está iniciando uma consolidação das propostas para redigir o decreto com as mudanças. Nesse contexto, faz sentido pensar em mudar a governança da Eletrobras. A estatal sempre foi vítima da espoliação política. O PMDB a dividiu em várias sesmarias para que os caciques de cada região dominassem um pedaço. O fim dessa ingerência dos políticos certamente vai aumentar a eficiência da gestão e isso é que foi comemorado pelo mercado no primeiro dia. A queda de ontem das ações era previsível, porque sempre ocorrem esses movimentos de realização após uma grande alta. A mudança de regras do setor elétrico, a negociação de uma saída para os prejuízos causados pela má regulação, a privatização da Eletrobras fazem parte de um conjunto harmônico de decisões.

O que não faz sentido é anunciar no dia seguinte a venda de outros 57 ativos que vão de linhas de transmissão, Casa da Moeda, 15 aeroportos, entre eles o de Congonhas, rodovias, terminais rodoviários, companhias docas. Se fosse capaz de executar todas essas vendas, já teria feito alguma. O governo Temer está desde o seu começo anunciando que vai anunciar a lista de projetos do Programa de Parcerias de Investimento. Tem menos de um ano para realizar todos esses leilões, porque depois o país estará voltado para as eleições. Conseguirá?

Existem momentos de bom senso no atual governo. Raros. Ontem, a boa notícia foi a decisão de reduzir a idade para sacar as cotas do PIS/Pasep. Mulher com 62 anos e homem com 65 anos terão acesso a esse dinheiro que sempre pertenceu ao cotista. A poupança compulsória sub-remunerada do trabalhador é um velho defeito da economia brasileira. A aprovação ontem da TLP em comissão no Senado é mais um passo na direção certa. O problema do governo Temer é que seus acertos são menores do que seus erros. E alguns dos erros podem provocar danos irreversíveis.

 


Miriam Leitão: Energia em choque

O governo anunciou ontem que vai privatizar a Eletrobras, mas, na área de energia, o que deu choque o dia inteiro foi o conflito com Minas Gerais em torno das usinas da Cemig. A pressão política é para que elas sejam devolvidas à estatal mineira, e a empresa quer que o dinheiro saia do BNDES. Essa é apenas uma das várias frentes de batalha entre a economia e a política.

A venda de ações da Eletrobras, que pode render R$ 20 bilhões e vai diluir a participação da União na estatal, vai no caminho oposto ao que se discutiu o dia inteiro em torno da Cemig. O caso foi criado pela MP 579, de Dilma Rousseff, que impôs às geradoras a renovação antecipada das concessões ou o seu fim na data contratual. O estado era governado pelo PSDB e não aceitou a imposição. Agora, na hora de cumprir o que foi determinado, Minas Gerais é governada pelo PT, partido autor da proposta que agora se contesta. Neste momento, contudo, que a Cemig está para perder as usinas, formou-se uma coalizão em favor da estatal mineira que tem integrantes de diversos partidos. Esse grupo tem pressionado para que não seja feito o leilão que está marcado para o dia 27 de setembro e no qual o governo espera arrecadar R$ 11 bi. O governo conta com os recursos desse leilão para atingir a meta de R$ 159 bilhões de déficit este ano.

A bancada mineira propõe que a Cemig pague pela renovação das concessões de quatro hidrelétricas — São Simão, Miranda, Jaguara e Volta Grande — mas a equipe econômica acha que a estatal mineira não tem as garantias suficientes para fazer frente a um valor tão alto. A empresa não consegue apresentar uma proposta estruturada e tem pedido que o BNDES lidere um pool de bancos para emprestar à Cemig.

Existem outras frentes de problemas entre a política e a economia. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) se indispôs com o governo após o veto a várias emendas feitas à Proposta de Lei Orçamentária. O ministro Dyogo Oliveira vai hoje à CMO explicar as razões dos vetos, muitos causados pelo fato de as propostas dos parlamentares terem sido sobre atribuições do executivo. O governo tenta também negociar o salvamento da proposta do Refis, oferecendo o adiamento do prazo de adesão e tentando a reformulação da proposta para evitar o relatório que transformou a renegociação de dívida num perdão dos devedores. Há, além disso, as divisões internas que agravam potenciais conflitos, como no caso da MP 777, que muda a taxa de juros de longo prazo, cobrada pelo BNDES.

O governo está fragilizado politicamente e os parlamentares que votaram para derrotar o pedido de investigação sabem que o presidente depende deles, principalmente diante da potencial ameaça de um novo pedido de investigação. A crise fiscal aumenta a dependência do governo de medidas que passam pelo Congresso. A maioria absoluta das propostas precisa da aprovação dos parlamentares. O governo tem que aprovar a nova meta para 2017, enviar o Orçamento de 2018, depende da aprovação de um projeto do Refis que signifique arrecadação e não doação de recursos a devedores, conta com os recursos do leilão das hidrelétricas mineiras para a meta de 2017. Tudo isso gera atrito entre a equipe econômica do governo e os políticos da base partidária.

Esses conflitos em torno de medidas específicas, e projetos que precisam apenas de maioria simples, servirão de testes para se saber se haverá chance de votação da reforma da Previdência. O risco é votar uma reforma desfigurada. Mas agora o perigo mais imediato é que nessas escaramuças na área fiscal seja difícil atingir-se a meta deste ano. Se o governo Temer ceder à bancada mineira no leilão das usinas, que eram da Cemig, a meta correrá perigo de não ser atingida. Além disso, aumentará a contradição com a decisão anunciada ontem sobre a Eletrobras. Diante de um problema parecido, de perda de ativos da Eletrobras, o governo vai fazer uma oferta primária de ações ao mercado, perdendo o controle da estatal, para que a empresa tenha recursos para pagar ao Tesouro e assim ter de volta as usinas. Não pode fazer o oposto e ajudar a Cemig a manter seus ativos à custa de recursos emprestados por bancos públicos.

 

 


Miriam Leitão: Temer deu a senha para desidratar a reforma da Previdência

O próprio presidente da República disse, em entrevista a "O Estado de S. Paulo", que aceita uma versão minimalista da reforma da Previdência. Está aberta, assim, a temporada de reduções no projeto.

Michel Temer chamou de “atualização”. Ou seja, começa a abandonar a palavra “reforma”. O presidente jogou a toalha, praticamente. Isso enfraquece o projeto. Vai tocar a reforma para dizer que fez. A senha foi dada. Os grupos de interesse pressionarão para que nada mude. Temer saiu enfraquecido da votação da denúncia, na semana passada. Ele está vulnerável a esse tipo de pressão.

A própria proposta da idade mínima, mesmo se for mantida, terá uma aplicação lenta. A regra começa com 54 anos e só chegará aos 65 para homens e 62 para mulheres após uma prolongada transição. Se aprovada dessa forma, seria uma reforma pra inglês ver.

Quem está certo é o presidente da Câmara dos Deputados, que delimitou a discussão. Ele diz que o único ponto de discordância é a regra de transição para quem entrou no setor público antes de 2003, quando Lula fez a reforma para novos servidores. E Maia diz que é preciso votar o projeto em setembro. Mas Temer agora avisou que aceita a versão reduzida do projeto.

 


Míriam Leitão: O fundo do poço

O Brasil piorou onde não pode, de maneira alguma, piorar: na educação. Retrocedeu em matemática, não cumpriu a meta, não melhora há quatro anos. Os resultados divulgados ontem tiram todo o país da zona de conforto, se é que alguém estava confortável nesse tema. “No ensino médio, chegamos ao fundo do poço”, diz o educador Mozart Neves Ramos, do Instituto Ayrton Senna.

A recessão é grave, a crise fiscal é grave, o conflito político é grave. Nada é tão perigoso quanto o risco de continuar perdendo na educação e deixar escapar uma geração inteira. Mozart, que foi secretário de Educação de Pernambuco, um dos destaques positivos no ensino médio, dá números a essa tragédia: — Por ano, 700 mil alunos abandonam o ensino médio. Como o custo por aluno é R$ 5,5 mil por ano, o Brasil está perdendo R$ 3,7 bilhões por ano, mas o pior é perder uma geração. Nosso bônus demográfico está acabando e se não educarmos esses jovens vamos perder a batalha. Espero que esses dados deem ao Brasil o senso de urgência.

O país tem exemplos de que as medidas certas têm resultados em pouco tempo. No Rio de Janeiro, o ex-secretário Wilson Risolia conseguiu em quatro anos levar o estado do 26º lugar para 4º no Ideb. Ontem, foi para o 5º lugar, mas a nota não melhorou, e o estado não atingiu a meta. O Rio tem que analisar o que andou perdendo depois do grande salto recente. Minas Gerais, que tem tido bom resultado, teve queda da nota.

No Sudeste, os únicos a melhorar foram Espírito Santo e São Paulo: — A notícia é muito ruim, três ciclos seguidos com resultados negativos. Quando os dados são abertos, há surpresas boas. Política consistente leva a avanços. Mas o que os números contam é que nos primeiros anos do fundamental o país tem tido bons resultados. O desempenho piora nos últimos anos do fundamental. No ensino médio, a situação fica terrível. É uma seleção adversa, os alunos vão se perdendo. À medida que crescem, o resultado cai — diz Wilson Risolia, hoje no Instituto Falconi. Os casos de sucesso mostram que há um caminho se o país decidir replicar as experiências bem sucedidas.

Pernambuco se saiu muito bem atingindo sua meta e ficando em primeiro lugar junto com São Paulo. E isso porque o estado tem feito investimento constante em educação, ampliando a instalação de escolas de regime integral. — Em Pernambuco, em 2004, começamos a migrar para escola em tempo integral. Hoje elas são metade das escolas. Por 40% a mais de custo, se consegue um resultado extraordinário — diz Mozart.

Um consenso entre especialistas é que o Brasil precisa de mais do que apenas quatro horas em sala de aula. Como ainda tem que descontar tempo de atraso, recreio, esse horário escolar é insuficiente para as necessidades do tempo atual. O ponto que recebe críticas quase unânimes é a grade escolar do ensino médio com 13 disciplinas obrigatórias. Todo ensino é necessário, mas estamos recuando em português e matemática que são a base de todo o conhecimento. Portanto, essas têm que ser as prioridades. — É fundamental passar para o horário integral e precisamos de uma grade mais concentrada em algumas disciplinas.

Além disso, o ensino médio precisa ser interessante. Se a escola não fizer sentido para o aluno, ele sai — diz Wilson Risolia. Há dados assustadores de retrocesso nos últimos anos. A matrícula está caindo em todos os níveis. Em alguns estados, aumentou o percentual de analfabetos. Piorou até um indicador que não é educacional, mas tem relação: a Pnad mostrou recentemente que em 2014 aumentou o trabalho infantil. Os bons exemplos, mesmo localizados, mostram que é preciso encontrar o caminho e persistir nele.

Há sempre um padrão nos estados que têm melhora: boa gestão, o foco em desempenho, educação como prioridade de governo. Em Pernambuco, o grande esforço foi feito no ensino médio. Ele é o primeiro no ensino médio, mas é o 19º na 5ª série. O Ceará vai muito bem e tem cidades que são referência, como Sobral, mas o desempenho cai no ensino médio. É preciso ter uma política para todos os níveis do ensino básico. Os dados do Ideb divulgados ontem, do ano de 2015, mostram que o Brasil é uma pátria que não está educando. (O Globo – 09/09/2016)


Fonte: pps.org.br


Míriam Leitão: Dilma e as elites

A presidente Dilma disse que as elites econômicas querem derrubá-la, porque sua eleição feriu seus interesses. Entre 2014 e 2015, o governo deu pelo menos R$ 94 bilhões só em redução de impostos às empresas, além de subsídios através do BB e do BNDES. Na sua defesa, ontem, atuaram Kátia Abreu e Armando Monteiro, que lideraram os donos de terra e a indústria.

Dilma citou várias vezes esse inimigo: “as elites econômicas e políticas”. O mesmo bordão do ex-presidente Lula. Sempre foi falso, mas agora soa ainda mais estranho diante dos fatos e números. Segundo Kátia Abreu, a presidente foi a que mais ajudou o agronegócio e a CNA. A entidade reúne os grandes proprietários rurais e entre outras ações, nos últimos anos, tentou suspender a divulgação pelo Ministério do Trabalho da lista suja das empresas flagradas com trabalho escravo.

A política econômica do PT beneficiou os grandes empresários através das desonerações, dos subsídios, de barreiras comerciais, de decisões que favoreciam as empreiteiras contra o meio ambiente. O Tesouro elevou a dívida pública em 8% do PIB, R$ 500 bilhões, para transferir para o BNDES e, assim, o banco emprestar para empresas com subsídio. Foram muitas as políticas que favoreceram os empresários. Os pontos do processo viraram motivo para um diálogo de surdos. Cada lado sustenta a sua convicção.

Sobre o uso do Banco do Brasil, a presidente Dilma repetiu, até cansar os ouvidos alheios, que a lei é de 1992 e que os outros presidentes também deram “subvenções” ao Plano Safra. O problema não é o Plano Safra, mas o fato de que o Tesouro não pagou o que devia ao Banco do Brasil e isso se transformou em uma operação de crédito bilionária. Os bancos privados receberam em dia; os públicos, só depois de muita pressão. A presidente Dilma foi bem no discurso lido, em que o ponto alto foi a luta da sua juventude.

Acertou também ao mostrar a contradição do governo Michel Temer: o Brasil elegeu uma mulher e assumiu um grupo sem mulher alguma entre os ministros. Ao dizer — nove vezes no discurso lido — que o processo no Congresso é um golpe, ela mostrou que não estava ali para conquistar votos e preferia o confronto. Até nos pequenos detalhes. Um senador levantou uma questão, e ela respondeu que ele estava mal informado. Outro reclamou da falta de diálogo e nem recebeu resposta. Senadores faziam discursos políticos, e ela respondia com respostas técnicas nas quais frequentemente se perdia.

Dilma se atrapalhou em datas e teses e deu respostas que pareceram contraditórias aos especialistas e incompreensíveis a quem não acompanha a economia. Que sentido faz falar em “tapering”? (A propósito: redução dos estímulos monetários americanos) Dilma tem razão ao dizer que no programa que a elegeu não havia a proposta — apresentada agora pelo presidente Michel Temer — de teto para os gastos públicos por 20 anos. Não havia também a proposta de um tarifaço de energia que elevaria a inflação a dois dígitos.

Pelo contrário, como lembrou ontem o senador Aécio Neves, no último debate antes das eleições, Dilma afirmou que a inflação era zero e que só os pessimistas diziam o contrário. A presidente culpou a crise internacional pela queda de 3,8% do PIB no ano passado. Os fatos: dos 191 países cuja economia é acompanhada pelo FMI, 180 tiveram desempenho melhor do que o do Brasil.

Nos dez que tiveram quedas maiores estão Líbia, em guerra, e Venezuela, em caos econômico e político. Durante o governo de Dilma algumas questões sociais avançaram como a participação da mulher e dos negros na estrutura do governo. O meio ambiente foi desprezado em favor dos interesses das grandes empreiteiras. A política energética sofreu uma desastrada intervenção. Mas o governo está caindo por ter desrespeitado a lei que o PT não assinou, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e por ter jogado o país na mais profunda recessão de que se tem notícia.

As pedaladas não foram apenas no Plano Safra, foi a prática comum nos anos Dilma. As estatísticas fiscais foram fraudadas com truques que inventavam receita, escondiam despesas, e usavam bancos públicos como se fossem uma extensão do caixa do Tesouro. Foi sistemático, foi uma política de governo. (O Globo – 30/08/2016)


Fonte: pps.org.br