Míriam Leitão

Míriam Leitão: Erro argentino

A Argentina cometeu o erro de deixar a inflação voltar e se estabelecer. O governo de Mauricio Macri até tentou, mas a taxa nunca baixou para níveis aceitáveis. Está, este ano, em 24%. Isso se tornou o ponto de fragilidade que a fez viver uma pressão forte no dólar esta semana. O Banco Central reagiu subindo três vezes a taxa de juros até chegar a 40% ao ano, para tentar segurar o câmbio.

Macri corrigiu muito dos erros que encontrou. A inflação mesmo manipulada no governo Cristina Kirchner, só ficou um ano abaixo de 20%, em 2009. A administração Kirchner fez uma intervenção no Indec, criou outro índice e ainda reprimiu tarifas públicas. Quando assumiu, Macri teve que corrigir o erro passado e a taxa chegou a 40%. Depois caiu, mas nunca abaixo de 20%.

Macri conseguiu também elevar as reservas cambiais que tinham sido dilapidadas pela sua antecessora. Ele recebeu o governo com US$ 25 bilhões e em janeiro estava com US$ 63,9 bilhões, mas esse nível baixou nos últimos dias. Com inflação alta e déficit fiscal é difícil enfrentar um momento de estresse internacional.

O dólar subiu quase 9% na quinta-feira, para 22 pesos, o maior nível desde a chegada de Macri à Casa Rosada, no final de 2015. O governo reagiu. Aumentou novamente os juros, a terceira alta em sete dias, desta vez para 40%. Na semana anterior, a taxa básica estava em 27,25%. Se comprometeu a reduzir o gasto público e cortou a meta de déficit fiscal do ano, de 3,2% do PIB para 2,7%. A terceira medida foi reduzir o volume de dólares que os bancos podem manter em reservas para forçá-los a vender a moeda americana.

Foi uma tempestade perfeita, conta à coluna o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. A gota d’água veio das turbulências internacionais, provocadas por Donald Trump. Antes disso, a Argentina já enfrentava uma seca histórica que reduziu a geração de dólares pelo agronegócio. Na tentativa de impedir que a inflação mensal passe dos 2%, o governo vendeu dólares. Torrou US$ 7,3 bi das reservas desde janeiro. Fundos estrangeiros aproveitaram a oferta e aumentaram a demanda pela moeda estrangeira. A atuação vacilante do Banco Central nos últimos dias também contribuiu. Na sexta-feira anterior, havia aumentado os juros para 30,25%, tentando conter a inflação. Na quinta subiu outra vez os juros. Mesmo assim, o dólar disparou e por isso ontem as taxas foram para os 40%. A agência de classificação de rating Fitch piorou a perspectiva da dívida argentina citando a inflação alta e os desequilíbrios fiscais.

— Estou revisando as projeções. O PIB, que cresceria até 2,7% em 2018, deve ficar em 2,3%. A inflação pode fechar o ano em 24%. O governo foi mal na semana passada e teve que corrigir antes que houvesse uma reação. Não vi as pessoas saindo às ruas atrás de dólares. Na verdade, o que tem arranhado a imagem do governo é a inflação alta — conta Dante Sica.

Em 2017, a inflação ficou em 24,6%. O PIB subiu 2,9% e o ritmo estava acelerando, tanto que, no quarto trimestre, a alta anualizada foi de 3,9%. Para nós, esse crescimento foi bom. As exportações para lá saltaram 31% no ano passado, para US$ 17,6 bilhões. A balança foi positiva para o Brasil em US$ 8,1 bi, alta de 88% na comparação com o ano anterior. Em 2018, de janeiro a abril, as exportações cresceram mais 15%. No topo da lista estão automóveis, veículos de carga, tratores e chassis. Uma crise prolongada por lá acabaria por afetar a recuperação das montadoras brasileiras.

Dante Sica diz que o governo Macri é um “equilibrista de pratos”. Ele tenta melhorar os indicadores sem derrubar os outros. Mas o fato é que a Argentina convive há muito tempo com a inflação alta e com déficit fiscal, que no ano passado foi de 3,9% do PIB. Em 2016 havia sido de 4,6%. Além disso, a sociedade argentina busca proteção na moeda americana quando a incerteza aumenta.

Brasil e Argentina sofreram uma devastação inflacionária nas décadas de 1980 e 1990 até estabilizarem suas moedas. O Brasil reage fortemente em cada alta, como aconteceu em 2015, e traz a inflação para baixo. A Argentina aceitou um pouco mais de inflação e agora paga o preço. Este é um inimigo com o qual não se pode conviver.


Míriam Leitão: Cenário econômico

A produção industrial de março caiu 0,1%, quando a expectativa geral era de alta de 0,5%. Isso já virou rotina, os indicadores deste ano têm sido sempre piores do que o esperado. Há diversas razões para isso, mas os economistas ainda acham que a queda da taxa de juros acabará fortalecendo a retomada da economia. A alta do dólar não assusta os especialistas, porque o governo não tem passivo externo, ele é credor.

Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, acha que isso muda totalmente a situação em relação a outros momentos em que, por estresse político, o dólar subia. Ele acha que a volatilidade de agora não se deve à questão interna. O economista José Márcio Camargo, da Opus Investimento, também acha que o dólar ficará instável no segundo semestre pelas eleições, e que agora o movimento se deve à questão internacional. Mas também ele não está preocupado com a alta recente da moeda americana. Acha que é natural porque o real estava valorizado.

Entrevistei os dois ontem na GloboNews sobre a conjuntura econômica. O Bradesco reduziu a previsão de crescimento do PIB de 2,8% para 2,5%. José Márcio tinha uma projeção mais otimista, acreditava num PIB de 3,8%. Agora também acha que será bem menos. Disse que seu cenário otimista partia da hipótese de aprovação da reforma da Previdência. Como não foi aprovada, o grau de incerteza nas contas públicas ficou muito maior.

Em outras eleições em que o dólar subiu em cenários de incerteza econômica, a situação das contas externas era bem pior. Fernando Honorato explica com números.

— A dívida externa das empresas privadas é normal, e elas resolvem isso com hedge. O país como um todo tem dívida externa, mas o governo é credor. Os números são os seguintes: a dívida externa do país hoje é US$ 313 bilhões mais os US$ 235 bilhões de dívida intercompanhias, mas esta não produz estresse porque é uma empresa devendo à sua matriz. De toda essa dívida, apenas US$ 72 bilhões são do governo central, que tem também os US$ 380 bilhões das reservas, por isso é credor — me disse o economista, numa entrevista após o programa.

Há um fator perturbador na conjuntura internacional, que está afetando o mercado de moedas, que é a crise entre EUA e China. José Márcio acha que este ponto é mais grave do que está sendo entendido.

— Acabei de voltar de uma viagem aos Estados Unidos e a percepção geral, não só dentro do governo americano, mas entre economistas e leigos, é que os chineses são desonestos do ponto de vista das relações comerciais com outros países. Trump é uma consequência desse sentimento. Existe uma percepção de que a China está em busca de hegemonia econômica e política no mundo. Esse conflito é mais sério do que uma guerra comercial.

Esse cenário torna o mundo potencialmente mais instável. Fernando Honorato também acha que a política de Trump é a causa hoje da instabilidade do dólar.

— A gente está tentando monitorar de onde vem essa volatilidade. Tem dois aspectos cruciais. Primeiro a política econômica dos EUA. Trump está fazendo uma série de medidas protecionistas, fechando uma economia com pleno emprego, e isso gera inflação. Na frente interna, acho que se deu pouca importância ao diferencial de juros. Diante da nossa incerteza fiscal, o diferencial de juros não paga o risco de manter recursos no Brasil.

Sobre o mercado de trabalho, José Márcio chama a atenção de que a Pnad, por ser uma média móvel, muda mais devagar do que o Caged que é mensal.

— No primeiro trimestre desse ano, pelo Caged foram gerados 200 mil empregos formais, e pela Pnad foram destruídos 400 mil empregos. Tem um problema aí, é que a Pnad carrega o número ruim por mais tempo porque é trimestral.

Fernando Honorato diz que no Departamento Econômico do Bradesco calcula-se que este ano serão criados entre 500 mil e 700 mil empregos formais.

— Ninguém está comemorando esse nível de desemprego. Ele está super elevado e ainda há o fenômeno do desalento.

A Selic e a inflação devem continuar muito baixas, segundo os economistas, e os juros menores vão elevar o ritmo de crescimento a médio prazo. O ritmo dependerá do cenário fiscal do país, que está ligado ao resultado das eleições.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: Protecionismo primitivo

O livre comércio é uma utopia, mas existem formas mais sofisticadas de criar barreiras do que as escolhidas pelo governo Donald Trump. Ele é primitivo também nisso. Ao criar cotas para a exportação brasileira de semi-acabados, está tirando matéria-prima da sua própria indústria, ao barrar o produto brasileiro pode diminuir a exportação do carvão americano. Trump não entendeu o básico.

Amaneira como se encerrou a negociação da indústria brasileira de aço e alumínio exibe a truculência do governo americano. O Brasil estava negociando com argumentos e dados. A tese era a de que nós não ameaçamos a segurança nacional americana com nossas exportações. Até que na quinta-feira à noite, o Brasil foi comunicado de que as condições seriam impostas.

Para o aço, o volume máximo permitido será a média dos últimos três anos. E com um redutor de 30% quando for produto acabado, ou seja, com maior valor agregado. É aceitar ou pagar 25% de sobretaxa. A indústria considerou que esse valor faria o país perder o mercado americano e aceitou as cotas. A exigência de cotas é uma ilegalidade do ponto de vista da Organização Mundial do Comércio, mas tudo o que acontecerá se o governo brasileiro se queixar à OMC é um longo painel, ouvindo as partes, e por fim, o direito de retaliar. No caso do alumínio, o setor aceitou a sobretaxa de 10%.

Há uma integração entre Brasil e Estados Unidos em carvão e aço. O Brasil importa US$ 1 bilhão por ano de carvão dos Estados Unidos. E, do que exporta, 80% são produtos semi-acabados, ou seja, matéria-prima para a siderurgia americana. Se o governo Trump quer que a siderurgia dos Estados Unidos cresça mais, terá que importar o aço não comprado no Brasil, de outro país. Do contrário, a sua indústria ficará com limitação de produção.

O protecionismo, ao barrar as correntes de comércio, reduz a atividade econômica nos países. A ideia de que “importação é prejuízo” e que “exportação é lucro” é uma visão antiga. O Brasil poderia considerar que está tendo um enorme prejuízo com o comércio com os Estados Unidos. O governo calcula que, nos bens e serviços, o país acumulou em 10 anos déficit de US$ 250 bilhões com os americanos. Na balança comercial, o Brasil tinha grandes saldos positivos no início da década passada, mas o desempenho foi minguando no governo Lula até inverter, em 2009. De lá para cá, a balança acumula déficit de US$ 46,3 bi com os EUA, mesmo após o superávit de US$ 2 bi em 2017.

O protecionismo no comércio de aço sempre existiu, e o arsenal tem tarifas, cotas, sobretaxas, salvaguardas. Mas desta vez o governo americano nem fez esforço para dar ares de legalidade ao processo. Em agosto do ano passado, os EUA comunicaram que estavam iniciando uma investigação com base na seção 232 do acordo internacional de comércio, para verificar a existência de dano à indústria local. Daí partiu para dizer que, excluindo-se o Canadá e o México, todos os países teriam barreiras ao comércio. Incluiu o Brasil numa lista de 11 países que estariam fazendo triangulação de produtos da China. O Brasil provou que não está fazendo esse repasse do aço chinês. Foi então colocado na lista dos países como Argentina, Austrália, Coreia do Sul e União Europeia, com os quais eles negociariam. E mostrou que deveria ter um tratamento diferenciado por todos aqueles argumentos, mas na quintafeira os EUA avisaram que estavam encerrando unilateralmente a negociação.

O mundo está com um grande excedente de capacidade de produção, de mais de 600 milhões de toneladas, e para o Brasil manter o nível de ocupação, que está em 68% da capacidade, tem que aceitar a limitação. Até porque os Estados Unidos recebem um terço de tudo o que o Brasil exporta.

Diante da dificuldade, a indústria começou a pedir o que sempre quis, algum subsídio através do programa chamado Reintegra. Essa não é a solução, principalmente num momento de penúria nos cofres públicos e depois da grande alta das transferências de recursos fiscais para empresas. Os exportadores alegam que o Reintegra não é subsídio e sim a devolução de impostos remanescentes na cadeia produtiva. É um grande e ocioso debate. No ano passado, antes de tudo isso acontecer, o setor já pedia um aumento do Reintegra.

Não se combate um mal com outro mal. Um ato explícito de protecionismo não pode ser compensado com uma decisão velha de subsidiar a produção. Ao governo brasileiro resta protestar na OMC. E torcer para que os importadores de produtos brasileiros nos EUA mostrem o quanto estão perdendo.


Míriam Leitão: O real da economia

O Brasil vai crescer pouco este ano porque o consumo não poderá alavancar a economia, o desemprego está alto, a renda, estagnada e os investimentos, muito baixos. A inflação e os juros caíram e isso deveria ser um estímulo, mas o custo do dinheiro permanece elevado demais, porque poucos bancos dominam o mercado de crédito e isso entope os canais que levam a política monetária à economia. Não há milagre.

Já é boa notícia que o país esteja fora da recessão, na qual foi jogado pelos desatinos de política econômica do governo Dilma. Mas o governo Temer acertou pela metade. Escolheu uma boa equipe e a mantém, aprovou o teto de gastos, o Banco Central tem tido autonomia, e ele impediu o uso político da Petrobras. Por outro lado, concedeu aumentos ao funcionalismo público em época de restrição, aceitou todas as imposições nos refinanciamentos de dívidas tributárias de grupos de lobbies como os ruralistas e desistiu de alguns projetos de ajuste fiscal. Entre os abandonados estão desde os de difícil aprovação, como a reforma da Previdência, até os menos complexos, como a taxação dos fundos exclusivos.

Por isso não se admira que as projeções dos economistas para o PIB do ano estejam minguando a cada semana. O que antes era um PIB de 3% está agora mais perto de 2,5%. As duas incertezas, a externa e a interna, servem como um freio de mão puxado. A economia internacional passa por uma boa fase, como disse o FMI, em seu último relatório, mas vive assombrada por vários riscos. Um deles, Trump. Aqui o desemprego continua alto e o déficit público em março atingiu R$ 25 bilhões.

No Brasil, a incerteza tem várias frentes. A primeira é a eleitoral. O país está a 158 dias das eleições, e tem apenas ideias vagas do que significa, do ponto de vista prático, o pensamento de política econômica de cada candidato. Há dúvidas concretas. Como lidar com o resultado primário que estará no ano que vem no sexto déficit consecutivo, sem perspectivas de equilíbrio a curto prazo? O Banco Central divulgou na segunda-feira que o déficit do setor público consolidado ficou em R$ 25 bilhões em março. Se o desajuste continuar alto, sobe também a dívida pública. Quando a ex-presidente Dilma assumiu, era de 52% do PIB e agora está em 75%. Que reformas serão feitas para reestruturar o gasto público e estabilizar a dívida?

Há melhoras inegáveis na conjuntura. A inflação, que havia chegado a dois dígitos, está abaixo de 3%. Depois da recessão de 3,5% nos anos de 2015 e 2016, a economia ficou quase estável no ano passado, com alta de 1%, e este ano terá um PIB magro, porém positivo. Mas não há projeto nem perspectiva de crescimento forte nos próximos anos que ajudem a resolver o problema mais agudo que nós temos: o desemprego.

A ameaça de guerra comercial entre Estados Unidos e China é apenas uma dos pontos que tornam o cenário internacional mais instável. A política econômica de Trump, de aquecer a economia através da redução de impostos, elevar o déficit público e subir barreiras comerciais pode redundar em mais inflação e elevação dos juros, o que muda toda a rota do fluxo internacional de capitais. O Brasil tem reservas cambiais para enfrentar as oscilações dos fluxos de recursos, mas o déficit público fragiliza a economia.

No ajuste fiscal feito na boca do caixa, o corte sempre recai sobre os investimentos, e por isso eles estão tão baixos. No setor privado, as empresas seguram os planos à espera de uma definição mais clara das eleições. Por todos esses motivos, a retomada da atividade após a recessão 2014-2016 é tão lenta. Na economia não há milagre. Se não há as pré-condições, não acontece o crescimento.

As projeções mais otimistas do começo do ano se baseavam na expectativa de aumento do consumo como fator de retomada, e ele melhoraria pelos estímulos de política monetária. O Banco Central, de fato, reduziu os juros aos níveis mais baixos da história e liberou parte do compulsório dos bancos. Numa economia que funcionasse dentro da normalidade, isso alavancaria o crédito e reduziria fortemente os juros bancários. Isso não ocorreu. Com desemprego, déficit público, dinheiro caro, baixo investimento e incerteza política, seria estranho se o país estivesse embalado.


Míriam Leitão: Inimigo meu

Sempre haverá tensão entre Estados Unidos e China, mas o que está acontecendo é conjuntural e determinado pelo pensamento limitado do presidente Trump. Não é a reedição da Guerra Fria, porque, ao contrário da relação EUA-URSS, as duas potências agora são interdependentes. Ontem a China avisou que não aceitará duas exigências do governo Trump e isso elevou o temor de uma guerra comercial.

Mesmo sendo temporário e conjuntural, preocupa, porque um conflito comercial entre as duas maiores potências reduz o crescimento mundial e não favorece ninguém. Pode ajudar pontualmente o Brasil pela elevação dos preços de algumas commodities ou da demanda por algum produto, mas a tensão entre China e Estados Unidos não estimula a economia global.

O jornal “The New York Times” trouxe ontem a informação de que os chineses pretendem endurecer em dois pontos impostos pelo presidente Donald Trump: a obrigatoriedade de cortar US$ 100 bilhões no déficit comercial entre os dois países, e a redução dos estímulos da política industrial chinesa em favor de novas tecnologias como inteligência artificial, semi-condutores, carros elétricos e aviões. Depois de um seminário de três dias entre autoridades chinesas e consultores, a decisão foi de não aceitar as duas imposições.

Dizer “não” antes de começar uma negociação — a reunião bilateral será esta semana — é um ato de esperteza. Mas de qualquer maneira reduzir o comércio nessa proporção e ainda interromper um projeto local é mesmo difícil.

De acordo com dados do governo americano, nos dois primeiros meses de 2018, o déficit comercial com a China chegou a US$ 65,2 bi, ou 14,5% a mais que no mesmo período de 2017. O ano passado havia fechado com um rombo de US$ 375,2 bi. O que Trump propõe é uma redução mandatória por parte da China desse déficit em US$ 100 bi. Isso o levaria de volta aos níveis de 2010, quando os americanos venderam US$ 91,9 bi e compraram US$ 364,9 bi da China. Em 2017, a corrente de comércio estava em outro patamar. Mais integrados ao parceiro asiático, os EUA exportaram US$ 130,3 bi e importaram US$ 505,5 bi da China.

A visão de Trump é de déficit como prejuízo do país, como se fosse uma empresa. Na verdade o comércio tem inúmeros lados, e a importação de produtos chineses tem toda uma rede de interesses dentro da economia americana. A mais óbvia delas é a inflação baixa mesmo em período de retomada do crescimento.

Os maiores volumes das exportações americanas vêm exatamente de produtos de maior valor agregado e alta tecnologia. OS EUA embarcaram US$ 16,2 bi em aviões e equipamentos aéreos para o parceiro asiático em 2017. A exportação de veículos de passageiros somou US$ 10,5 bi. Fabricantes americanos venderam US$ 6 bi em semicondutores para a China, mais US$ 5,4 bi em máquinas industriais. Entre as commodities, os destaques foram os US$ 12,3 bi em soja e os US$ 4,4 bi em petróleo.

Da China, os EUA compraram US$ 70,3 bi em celulares e outros bens residenciais em 2017. No topo da lista das importações também aparecem os US$ 45,5 bi em computadores e os US$ 31,6 bi em acessórios para computadores. Outros US$ 33,4 bi foram gastos em equipamentos de tecnologia, mais US$ 26,7 bi em brinquedos e produtos esportivos e US$ 24,1 bi em vestuário. Os produtos de aço e ferro são pouco relevantes na lista, somaram US$ 4,9 bi.

O governo chinês argumenta que o desequilíbrio nas contas entre os dois países é provocado pela diferença da taxa de poupança. Os chineses poupam dois quintos da sua renda e os Estados Unidos são uma sociedade consumista. O governo americano diz que o déficit é provocado por práticas desleais de comércio. Provavelmente, os dois têm razão. Os americanos não poupam, e a China subsidia suas exportações, os bancos estatais fornecem empréstimos baratos para as empresas, o custo de mão de obra é baixo. Mas Trump está estimulando ainda mais o consumo, e o consumidor americano se aproveita dos subsídios chineses quando compra produtos com preço baixo. É difícil separar as duas economias porque elas já se misturaram demais ao longo dos anos de intenso comércio bilateral e investimentos chineses nos Estados Unidos.


Míriam Leitão: Nada a comemorar

Nesta semana que antecede o dia do trabalhador as notícias são que o desemprego aumentou e o mercado de trabalho ficou mais complicado, com a queda da Medida Provisória 808. A MP que corrigia pontos da reforma trabalhista caiu porque não teve relator e foi afogada por 967 emendas apresentadas pela oposição exatamente para tumultuar. A crise do emprego começou em 2015, ainda não foi vencida, e o Brasil complica quando tem que simplificar para estimular a criação de vagas.

Começo de ano é sempre um tempo ruim para o emprego, mas os dados vão além da sazonalidade. Entre o trimestre que terminou em dezembro, e o que acabou em março houve uma redução de 1,5 milhão de pessoas ocupadas no Brasil, segundo o IBGE, e diminuiu em mais de 400 mil o contingente com carteira assinada, em qualquer comparação.

A reforma trabalhista não tinha a capacidade de resolver problema tão agudo, mas poderia ter começado a simplificar o cipoal de leis, regras e normas que torna o ambiente hostil para a criação de emprego. Ela foi inicialmente pensada para simplificar. Com a queda da MP, que corrigia alguns erros adquiridos na tramitação, o ordenamento jurídico do trabalho virou uma Torre de Babel.

A oposição quis tumultuar e por isso apresentou quase mil emendas, algumas com o mesmo teor, apenas para bloquear o processo. Por outro lado, o governo deveria ter articulado a discussão e votação, e nada fez. A MP foi enviada dia 16 de novembro, a primeira reunião para instalação aconteceu só no dia 6 de março, o presidente indicado, senador Gladson Cameli (PP-AC) não estava presente e na semana seguinte renunciou. A comissão não se reuniu mais, nem a MP teve relator. Aí o prazo venceu e ela caiu.

O Brasil tem legislação trabalhista velha, pesada e formulada para o início da industrialização. O mundo do trabalho mudou muito e continuará mudando nas próximas décadas. A reforma ideal se anteciparia às mudanças e prepararia o país para um ambiente mais amigável ao emprego e mais flexível para as várias formas da relação entre empresa e trabalhador. O projeto do governo não era o ideal, mas tentava corrigir alguns pontos e criar outras formas de contrato de trabalho.

Há no país, agora, uma diversidade de regimes jurídicos. A lei que vigorava antes, a MP que vigorou por um tempo, e o projeto que foi aprovado. Há juízes que concordam com a lei e outros que acham que ela não pegará. E agora pode haver um decreto presidencial tentando regular alguns pontos. A insegurança jurídica e a complexidade aumentaram em vez de diminuir. E isso num mercado que tem 13,7 milhões de desempregados.

Especialistas dizem que houve avanços, apesar de tudo. Sólon Cunha, sócio do escritório Mattos Filho, conta que os clientes já esperavam a queda da MP. As centenas de emendas apresentadas à reforma indicavam que a discussão seria reaberta.

— Agora, a possibilidade de o Executivo editar as mudanças por decreto é preocupante. O melhor caminho para dar segurança jurídica deve ser discutir esses pontos da reforma no Congresso, no voto.

Nos tribunais, ele conta que a maioria dos juízes já tem aplicado as regras da reforma, mas há magistrados com interpretações diferentes. Um ponto da reforma que ele diz que pegou é o da prevalência do “negociado sobre o legislado”. Grandes empresas, que empregam muito em várias regiões do país, montaram departamentos de Relações Sindicais. Ficou para trás a época em que sindicatos e empresas se reuniam uma vez ao ano. Há companhias, segundo o advogado, que vão fechar mais de 100 acordos coletivos por ano. Isso deu poder ao sindicalismo de base, na opinião dele.

Um ponto que ainda não decolou foi o trabalho intermitente. A regra sofreu muitos pedidos de alterações. A maioria das empresas não sentiu ainda a segurança jurídica para aplicar a norma. Nem os trabalhadores, após a queda da MP.

A questão é que a crise no mercado de trabalho é muito aguda e não será resolvida com remendos. Há os milhões de desempregados, informais, e pessoas que, dentro da estatística dos “por conta própria”, estão subutilizadas e fazendo bicos. Além disso, piorou o emaranhado legal, a partir da queda da MP. E, mais importante: o país não está se preparando para os enormes desafios das transformações do mercado de trabalho.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: Transporte de provas

Decisão da 2ª turma ignora engenharia financeira da corrupção. A ação penal que trata do Instituto Lula está na fase das alegações finais, a do sítio de Atibaia está começando a ouvir as testemunhas e agora, por decisão da 2ª turma do STF, os documentos das delações da Odebrecht sobre isso serão enviados para São Paulo. É só o transporte de provas, ou é o começo de algo muito maior que levaria os processos do ex-presidente Lula para longe de Curitiba?

Pode ser muito mais, pode ser apenas um detalhe confuso criado por ministros do Supremo no processo da Lava-Jato. Não será a primeira vez que isso ocorre. Procuradores da Força Tarefa anexaram, ontem, declaração nos processos em que afirmam que não houve discussão sobre a competência, como o próprio ministro Dias Toffoli disse. No voto, ele registrou que não firmaria “em definitivo a competência do juízo". A porta está aberta. O único que se sabe é que isso não afeta, obviamente, o caso do triplex, que já está julgado. Mas dos outros não há certeza.

É curioso o argumento do voto do ministro Toffoli, acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovsky, de que não há ligação entre esses casos investigados nas duas ações penais e as propinas pagas nos negócios escusos com a Petrobras.

É preciso ter estado em Marte nos últimos anos para desconhecer que as empresas corruptas trabalhavam com uma espécie de "caixa geral da propina". Alguns delatores chegaram a usar essa expressão em suas delações. A Odebrecht tinha um departamento secreto no qual estruturava o pagamento de suborno e a distribuição de vantagens. Não havia propinas em compartimentos estanques que, por algum tipo de compliance, não pudessem ser usadas em outra ponta do mesmo negócio de comprar benefícios no setor público. É preciso também ser estrangeiro aos fatos para desconhecer que esses casos começaram a ser investigados em Curitiba e, portanto, pegar alguns papeis e enviá-los para São Paulo, por qualquer minudência jurídica, é uma forma de confundir.

No voto, o ministo Dias Toffoli disse que o empresário Emílio Odebrecht falou em hidrelétricas do Rio Madeira como parte dos benefícios a Lula. Alexandrino Alencar falou em gastos no sítio de Atibaia feitos “como contrapartida pela influência política exercida pelo ex-presidente", e Marcelo Odebrecht disse que os valores para a compra do Instituto Lula sairiam da conta “amigo”, onde foram provisionados R$ 35 milhões, em 2010, “para suportar gastos e despesas do então presidente Lula”.

Diante disso, o ministro concluiu: “não diviso, ao menos por ora, nenhuma imbricação específica dos fatos descritos nos termos de colaboração com desvios de valores operados no âmbito da Petrobras". Como não se pode acusar o ministro, e os que o acompanharam, de ingenuidade, a conclusão é de que eles se esqueceram da forma imbricada como a engenharia financeira da corrupção sempre funcionou. Tirou-se dinheiro de vários negócios com o governo, mas a Petrobras sempre foi ordenhada para financiar o esquema.

Várias investigações de corrupção no passado foram sepultadas por detalhes levantados pelos advogados para se requerer a nulidade das provas. Inúmeras manobras deram certo. O Brasil poderia estar bem mais adiantado na luta contra a corrupção, se os tribunais superiores não tivessem derrubado os processos por questiúnculas.

O ex-senador Demóstenes está livre para se candidatar por uma dessas. O ministro Dias Toffoli suspendeu a inelegibilidade porque houve a nulidade da prova do processo contra ele. A prova foi considerada nula porque um juiz de primeira instância não poderia determinar uma escuta telefônica envolvendo um senador da República, já que ele tem foro privilegiado. Com esse argumento foram invalidadas as interceptações telefônicas das operações Vegas e Monte Carlo. O problema é que ninguém na primeira instância havia autorizado ouvir o senador. Os telefones que estavam sendo gravados eram os de Carlinhos Cachoeira e outros integrantes da quadrilha. O então senador é que tinha relação com eles e só por isso foi ouvido. Mas por este detalhe, as provas obtidas com o esforço de sempre dos investigadores foram anuladas, e o ex-senador poderá limpar sua ficha e se candidatar.

O risco nessa decisão da 2ª turma não é esse transporte de provas, é o que pode vir em consequência disso.


Míriam Leitão: Erros ou crimes

Aécio diz ver “versões engolirem fatos”.

O senador Aécio Neves argumenta que o apartamento da sua mãe, que estava posto à venda, havia sido avaliado pela Sotheby's em R$ 36 milhões e que fora negociado por empresa especializada e oferecido por ele ou sua irmã a outros compradores também, além de Joesley Batista. Garante que, na defesa, apresentou comprovação de contato com outros possíveis compradores, visitados pela irmã dele.

Aécio Neves enviou longa correspondência eletrônica em resposta à coluna de sábado, em que sustentei que as versões dos acusados de corrupção são em geral inverossímeis. Por exemplo, a maneira como, pelo que se ouviu naquela conhecida gravação, ele negociava um empréstimo supostamente baseado em transação na qual Joesley Batista poderia comprar o imóvel, que sequer havia visitado.

O que o senador garante é que o imóvel não estava sendo vendido “de forma improvisada”. Quem ouve o diálogo gravado fica com essa impressão, até pelo palavreado nada comercial, nem convencional, da conversa entre o senador e o empresário, agora réu confesso do crime de corrupção. Vamos ver o que a Justiça conclui após a avaliação de todos esses documentos que ele diz ter entregue.

O imóvel, que estava sendo oferecido por R$ 40 milhões, é assim valioso mesmo, segundo o senador.

— O banqueiro Gilberto Faria, marido de minha mãe, construiu o prédio e o casal passou a morar na cobertura. É uma cobertura de dois andares, com mais de 1 mil metros de área construída e com direito à construção de um terceiro. Trata-se de um imóvel diferenciado de alto padrão — escreveu o senador.

De qualquer maneira, o que está em questão não é o pretenso valor do imóvel, mas sim o empréstimo, aquele diálogo, o dinheiro vivo, em malas, entregues a alguém “que a gente mata antes de fazer delação”. O senador terá muito a explicar à Justiça.

Andrea, irmã dele, teria feito visitas a vários empresários, segundo explicou.

— A todos indagou se havia interesse em adquirir o imóvel no Rio de Janeiro e fez o convite para que, se desejassem, visitassem o apartamento, ponto de partida de qualquer negociação.

Certamente a nenhum deles foi pedido um empréstimo antes desse “ponto de partida”. O senador diz que prestava esses esclarecimentos, “mesmo impotente, vendo versões engolirem os fatos”.

— Esclareço ainda que em toda a minha vida pública não existe um único ato em favor do grupo J&F, o que foi inclusive, reconhecido pelos delatores em suas delações. Nós sabemos quem são os verdadeiros parceiros que curiosamente não são citados nas delações feitas — diz o senador.

Sobre esse ponto, em que ele assegura nada ter feito em favor da empresa, também tratei na minha coluna de sábado. E o importante a reter nesse momento de luta tão difícil contra a corrupção é que toda a relação de um empresário, que tenha interesses no setor público, e um político tem o pressuposto da reciprocidade.

O que Joesley pretendia comprar, nos milionários dispêndios em doações aos políticos, era a influência, era a reserva para ser usada em caso de necessidade. No entendimento de cortes americanas, basta que o agente público entenda, mesmo que não explicitado, o que dele é esperado quando surgirem as oportunidades. É isso que o corrupto está comprando: uma espécie de boa vontade futura.

Portanto, o agente público não pode receber vantagens, mesmo que nada dê em troca no momento. Às vezes há transações claras, como ocorreu na Petrobras, sob o argumento de que essa era a regra do jogo, mas às vezes é mais genérico.

O senador Aécio diz que Joesley se esforça para que não seja invalidada a sua delação. Por isso tem mudado de versões para acusá-lo. Que, há um ano, Joesley disse à PGR que havia doado à campanha partidária o valor que agora alega que foi dado a ele, Aécio.

— Nesta última semana ele trata os recursos doados à campanha do PSDB, e devidamente registrados, somados a outros doados a outros 12 partidos, como se fosse um benefício pessoal a mim. Não mereceu atenção de ninguém, os valores muito superiores que ele doou à coligação adversária.

Diz ainda que o contrato com a rádio da sua família, à qual J&F fez pagamentos mensais, era regular e os comerciais foram veiculados. Ele repete ao fim da mensagem que cometeu apenas erros e não crimes.


Míriam Leitão: As incertezas de 2018

Nos últimos 20 anos, ou cinco eleições, o principal embate foi entre PT e PSDB. Neste ano, os dois partidos mais competitivos do país nas eleições presidenciais, nessas duas décadas, estão feridos pelas investigações de corrupção. A incerteza será a marca desse processo e ela pode persistir até a boca da urna, os cenários eleitorais estão em aberto.

O cientista político Jairo Nicolau tem sustentado que é errado comparar a atual eleição com a de 1989 como costumeiramente tem sido feito. Argumenta, com gráficos que tem postado em suas contas nas mídias sociais, que o ex-presidente Fernando Collor liderou as intenções de votos durante a campanha. Ele começa seu gráfico faltando 165 dias para a eleições. Hoje faltam 168 e não há um favorito claro. O ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas, será, provavelmente, declarado inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Em 1989, a disputa que houve foi em torno do segundo lugar. Collor estava com 43% das intenções de voto em junho. Caiu, após o início do horário eleitoral, mas foi para o segundo turno com 28,5% dos votos. Lula estava com 8% e Brizola com 15%. Lula cresceu, com o programa eleitoral e, no final, com 16,08%, ultrapassou Brizola. A grande incerteza, portanto, era quem disputaria com Collor. “O quadro de 2018 é de uma imprevisibilidade nunca vista em nenhuma eleição brasileira", disse Jairo Nicolau no Twitter.

De fato, visto por esse ângulo, 1989 não parece tão incerto. Mas houve mudanças e momentos dramáticos. Em março, Collor estava com 9%, Lula com 16% e Brizola, com 19%, segundo o livro “A Era Collor”, de Rodrigo de Carvalho. No segundo turno, houve um momento de empate nas intenções de voto. Faltavam três dias para as eleições, quando o Datafolha registrou 46% para Collor e 45% para Lula. A votação foi no dia 17 de dezembro. Ou seja, a eleição de 1989 foi suficientemente incerta. O que Nicolau está dizendo é que esta será ainda mais. De igual entre 1989 e 2018 o que há é a alta rejeição do presidente em exercício. Na véspera das eleições, 65% consideravam o governo Sarney ruim ou péssimo, segundo o Datafolha. Hoje, 70% têm essa avaliação de Temer.

O combate à corrupção será um fator relevante na formação do voto este ano. Hoje, parece haver uma dissonância entre os 84% que apoiam a Lava-Jato e o bom índice nas pesquisas do ex-presidente Lula, preso e condenado por corrupção. Como o processo anticorrupção não está restrito a um partido, ele deve afetar o desempenho eleitoral das grandes siglas, principalmente o PT, PSDB e PMDB. Isso aumenta a chance de candidaturas com pequenas estruturas partidárias, ou que apareçam diante do eleitor como uma novidade. E eleva o grau de incerteza eleitoral.

A economia sempre jogou um papel importante. Em 1989, a demanda era por quem tivesse uma solução rápida contra a inflação. Collor convenceu parte do eleitorado com sua promessa vã de abater a inflação com “um tiro”. Os outros candidatos não tinham propostas claras. Brizola falava nas “perdas internacionais” e Lula falava em acordos de preços e salários e não pagamento da dívida.

A eleição de 1994 foi o caso mais forte de casamento entre o voto e a economia. O resultado foi determinado pelo Plano Real e por isso o grande beneficiário foi o ministro da Fazenda, Fernando Henrique, que conduziu o plano na sua etapa preparatória e apareceu como o seu formulador. Mas aquela eleição foi única e sua dinâmica não pode ser reproduzida.

A economia está melhorando e saindo da crise extrema que viveu, quando foi jogada na recessão e inflação alta, no governo Dilma. Em 1986, a inflação começou o ano em 10,7% e o PIB teve queda de 3,5%. Este ano o país vai crescer em torno de 2,5% e a inflação está abaixo de 3%. Mas há uma dissonância entre os indicadores e a sensação de conforto econômico. Além disso, como mostrei na coluna de quinta-feira, há várias temperaturas na economia. Em Santa Catarina a produção industrial cresce 5%, e em Pernambuco encolhe 1,8%. Produtos de maior valor têm avanço nas vendas, enquanto bens de menor valor patinam. Em março, 70 mil empregos formais foram criados no Sul, Sudeste e Centro-Oeste e 13 mil foram fechados no Norte e Nordeste. O reflexo da economia nesta campanha não será de compreensão trivial. Por tudo isso, a eleição de 2018 pode vir a ficar com o título da mais incerta da nossa história.

(COM MARCELO LOUREIRO)


Míriam Leitão: O freio dos juros

O Banco Central reduziu a Selic e liberou o depósito compulsório, o que em mercados dinâmicos ajudaria a aumentar o acesso ao crédito, baratear os financiamentos e impulsionar a atividade. Os dados do sistema financeiro, no entanto, mostram uma realidade distinta. A concessão de crédito às empresas ficou quase estável nos últimos 12 meses, com alta de 0,4%. Até rolar dívidas está difícil.

Para a pessoa física tem havido mais flexibilidade. As concessões saltaram 10,3% em 12 meses. Nesse mesmo período, o estoque de créditos corporativos caiu 6,7%. O BC se esforça para esquentar a economia, mas os bancos não têm cumprido o papel que lhes cabe nessa retomada.

O descolamento entre os juros cobrados pelos bancos e a Selic é evidente. Na contramão do BC, os bancos vêm aumentando desde dezembro a taxa cobrada no crédito livre, que chegou a 42,2% ao ano em fevereiro. Esse padrão é visto há muito tempo. De outubro de 2016, quando a Selic estava em 14,25%, até aqui o BC cortou a taxa a menos da metade, para os atuais 6,5%. Ou seja, o recuo foi de 54%. A queda da taxa do crédito livre, no entanto, foi, na média, de 21%.

Em modalidades com risco mais baixo, a taxa praticada não faz sentido. No crédito consignado, por exemplo, cujo pagamento é o desconto automático na folha de pagamentos ou no benefício previdenciário, os juros médios ao ano chegaram a 26,3% em fevereiro, o terceiro mês seguido de alta. Em 12 meses, mesmo com a forte queda da Selic, a taxa média do consignado recuou apenas 3,2 pontos.

Em alguns segmentos do mercado e para certos tipos de crédito, há queda do custo do dinheiro. Um empresário do setor de autopeças conta que sentiu isso, na oferta feita pela instituição financeira. Apesar disso, a empresa não tomou todos os recursos oferecidos. Prefere se endividar pouco, o que, no país dos juros altos, parece prudente.

— É sempre assim. Quando a empresa não precisa de financiamento, o banco bate à porta e oferece dinheiro mais barato. Quando é a empresa que está precisando, a taxa é bem mais alta. Nos momentos em que eu preciso de financiamento para comprar uma máquina, negocio com o fornecedor. Eu pago em parcelas e ele entrega em etapas, por exemplo — diz o empresário.

Nessa crise, muitas empresas pequenas e médias têm buscado as cooperativas de crédito. É uma opção com um custo menor. Em 2017, enquanto os bancos reduziram as liberações, as cooperativas emprestaram 15% a mais. Algumas tiveram resultados melhores que a média. Na Sicredi, por exemplo, a carteira de crédito saltou 21% no ano passado. Muito identificadas com o agronegócio, as cooperativas se expandem agora para as cidades. A Sicoob do Espírito Santo destacou em 2017 esse avanço no crédito comercial, após os anos de seca no campo.

Cobrando caro dos clientes, os bancos aumentam inclusive o risco do próprio negócio. A recuperação da economia não acelera e o tomador fica espremido entre as margens mais modestas do negócio e as taxas ainda altas dos empréstimos.

No financiamento de veículos, que movimenta um setor que gera bastante emprego, a taxa média em fevereiro estava em 22,5%, pouco abaixo dos 25% do final de 2016. Outro setor que emprega muita gente é o da construção. Os juros do crédito imobiliário, na modalidade “taxas de mercado”, tampouco acompanharam a intensidade com a qual caiu a Selic. Na média, a redução no período foi de apenas um ponto percentual, a taxa saiu de 12,98% em outubro de 2016 para 11,94%. No PIB, a construção civil encolheu 5% no ano passado e acumula resultados negativos desde 2014.

Uma parte da explicação dos juros altos está na concentração bancária. Caixa, BB, Itaú e Bradesco eram responsáveis por 78,5% das operações de crédito ao final de 2017. Esse é o mesmo nível de 2016. Mas 10 anos antes, em 2007, a participação do quarteto era bem inferior, de 59,3%, pelos dados do BC.

Os bancos dizem que nem só de Selic é feita a taxa de juros e, portanto, não faz sentido querer que a queda dos juros bancários seja na mesma proporção. É verdade. Mas mesmo quando se tenta entender a composição do spread, os juros brasileiros parecem ser o que são: anormais. E desta forma o sistema bancário acaba sendo um freio à retomada, até num período de relaxamento monetário.


Míriam Leitão: Tons da economia

Os bens de valor mais alto têm tido crescimento maior de vendas e de produção do que os mais baratos. Santa Catarina está acelerando, enquanto Pernambuco encolhe. A exportação aumenta mais em produtos manufaturados do que nas commodities agrícolas. A retomada da economia, depois da recessão de 2014-2016, tem ocorrido com inesperados e algumas desigualdades.

Oque tirou a economia da recessão foi a agricultura e a exportação, como se sabe. Mas o bom momento da balança comercial, que acumula superávit de US$ 66,5 bilhões em um ano até março, não se deve apenas aos grãos. No primeiro trimestre, enquanto as exportações em geral cresceram 7,7% na comparação com 2017, os produtos manufaturados tiveram alta bem mais forte, de 19%. No caso dos bens de capital, as máquinas e equipamentos usados na confecção de outros produtos, o salto foi impressionante: de 98,9% nesse primeiro trimestre, com as vendas atingindo US$ 3,4 bi. Aqui dentro, a situação também melhorou. No ano até fevereiro, em comparação com 2017, a produção de máquinas e equipamentos subiu 8%. Em 12 meses, o avanço é de 3,3%.

— Parece estranho porque não está havendo projeto novo de investimento. O caso é que a empresa ficou alguns anos sem trocar a máquina. Agora a economia começou a andar e não houve outro jeito a não ser comprar um equipamento novo — explica o economista José Roberto Mendonça de Barros.

Outra exportação que chama a atenção é a de veículos leves: foram 771,8 mil unidades em um ano até março, mais do que o dobro do que se vendeu em 2014, quando a crise começou. Com grande capacidade instalada, as fabricantes buscaram outros mercados depois que a demanda interna minguou. Em março, um a cada quatro veículos montado no Brasil foi enviado ao exterior. Em 2015, a proporção era de pouco mais de um a cada 10.

A exportação de máquinas agrícolas atingiu US$ 192,8 milhões de janeiro a março, pelos dados da Secretaria de Comércio Exterior, ou 30,6% a mais que um ano antes. A Caterpillar é uma das protagonistas desse movimento. A empresa tem fábricas em Piracicaba, no interior de São Paulo, e em Campo Largo, próximo a Curitiba, e viu o mercado interno murchar de 35 mil unidades por ano, em 2014, para somente 7 mil vendas em 2016.

— A solução foi exportar. Comparado ao começo de 2016, os embarques cresceram 145% neste ano. Foi o que garantiu a manutenção dos empregos. Ano passado, a Caterpillar voltou a contratar e abriu 1.100 vagas. Hoje, estamos com 3,9 mil empregados no país — conta Odair Renosto, presidente da operação brasileira.

A empresa exporta para mais de 120 países, principalmente para os EUA e os vizinhos sul-americanos, máquinas que custam entre R$ 200 mil e R$ 1,5 milhão. O aumento das exportações gerou créditos de ICMS para a Caterpillar, mas ela não tem conseguido descontar porque as vendas no Brasil estão quase paradas.

O desemprego alto é uma das maiores barreiras à recuperação, mas o economista José Roberto Mendonça de Barros acha que está voltando a confiança.

— O país tem 13,1 milhões de desempregados, mas tem 89 milhões de pessoas trabalhando. Acho que está havendo uma redução do medo de demissão. Isso é que explica, por exemplo, que a venda de produtos mais caros, que dependem do crédito, estarem aumentando mais do que a de produtos mais baratos.

De fato, a produção de bens de consumo duráveis saltou 14,2% nos 12 meses até março. São exatamente aqueles produtos mais caros, como televisão e carros, que as famílias tinham adiado a troca. O número de veículos feitos no Brasil no primeiro trimestre foi 40% maior do que no mesmo período de 2016. Já o mercado de vestuário, por exemplo, está bem mais fraco.

Há também uma disparidade entre regiões. Enquanto a indústria de Santa Catarina arrancou para uma alta de 5,1% em um ano, a produção em Pernambuco amarga queda de 1,8%. Na Bahia houve uma ligeira alta, de 0,5%, e a região Nordeste ficou estável no período. Pelas contas do IBGE, a indústria está 15,1% abaixo do seu pico histórico, de maio de 2011, mas o Ceará está a 21,5% do seu recorde de produção, em janeiro de 2010. Essa retomada em ritmos desiguais pode se traduzir em diferentes humores eleitorais, dependendo da região e do setor da economia.


Míriam Leitão: Incertezas até o voto

Faltam 173 dias para as eleições, e ainda não se sabe quem estará na urna. Mesmo assim a pesquisa do fim de semana do Datafolha mostra alguns pontos importantes. Geraldo Alckmin tem um baixo nível de intenção de votos para quem já governou por quatro vezes o maior colégio eleitoral do país. O ex-ministro Joaquim Barbosa teve boa pontuação para quem nunca concorreu e ainda nem definiu sua candidatura.

O ex-presidente Lula continua o favorito em qualquer cenário em que esteja, mesmo caindo de 37% para 31%. No meio, entre uma e outra pesquisa, ele foi preso e subiu o número dos que acham que ele não será candidato. Dentro do PT, havia quem tivesse expectativa de que ele crescesse ao ser preso, por uma reação da população. Lula transformou a exposição, que seria só negativa, em comício e mobilização. Caiu na pesquisa, mas permanece líder de qualquer cenário em que esteja.

O que é difícil de medir é o seu potencial de transferência de votos. Dos entrevistados, 30% dizem que com certeza votariam numa pessoa apoiada por Lula e 16% dizem que talvez votassem. Entre seus apoiadores, o índice dos que seguem a sua indicação chega aos dois terços. Mesmo assim, tanto Jaques Wagner quanto Fernando Haddad, que podem ser esse candidato, têm um percentual mínimo, de 2% a 3%, de intenção de voto. Nenhum dos dois é visto como o candidato que pode vir a ter o apoio de Lula. No comício antes de ir para a prisão, Lula falou pouco de Fernando Haddad, não citou o ausente Jaques Wagner, e destacou Manoela D’Ávila e Guilherme Boulos. Mas para o eleitorado consultado ele ainda não tem herdeiro. Quem de fato cresce na perspectiva de Lula não ser candidato, em todos os cenários, é Marina, seguida de Ciro.

Jair Bolsonaro teve um ligeiro aumento na pesquisa espontânea, para 11%, o que é um excelente número para espontânea, porém nas simulações de segundo turno ele não lidera cenário algum. Perderia de Lula e de Marina e aparece empatado com Ciro e Alckmin.
A campanha oficialmente não começou, mas alguns candidatos a fazem ruidosamente e nas barbas de uma Justiça Eleitoral inerte. Os dois que mais fizeram campanha, como se não houvesse impedimento legal, foram exatamente Lula e Jair Bolsonaro. Lula tratou a campanha como parte da sua estratégia de defesa.

Marina tem estado consistentemente com boa pontuação nas pesquisas apesar de ter tido anos de pouca exposição. Ciro Gomes também esteve por muito tempo longe dos holofotes. Mesmo assim tem pontuação igual à de Alckmin que esteve até dias atrás à frente do governo de São Paulo, endereço de 22% do eleitorado.

O presidente Michel Temer e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles não saem do 1%, apesar da força da máquina e do que apresentam como legado a defender. Eles apostam na ideia de que a economia poderá carregar o candidato governista. Há vários problemas com essa ideia. A economia de fato melhorou. O país estava numa queda de 3,5%, e agora o que se discute é se estamos num ritmo de 2,5% ou de 3% de crescimento.

A inflação que chegou a dois dígitos no governo Dilma, está há nove meses abaixo do piso da meta. São vitórias, sem dúvida. O problema é que o desemprego é alto, a recuperação é lenta, a renda está estagnada, a inadimplência ainda aperta as famílias. Quem jogou o país nessa crise foi o governo do PT, e quem está tirando é a equipe de Temer. O problema é que não há ainda a sensação de bem-estar econômico que poderia render voto. O PT aproveitará o tempo que passou desde a queda da ex-presidente Dilma para jogar toda a culpa da crise no atual governo.

O tempo até a eleição é de menos de seis meses, mas a sensação é de que ela ainda está distante pela enorme indefinição que ainda existe sobre quem estará na lista oficial de candidatos. Isso sem falar no fato de que há uma Copa no meio do caminho. A campanha será curta, o dinheiro à disposição dos candidatos, bem menor, pela proibição da doação empresarial e da repressão ao caixa 2. Isso autoriza a esperança de que os truques e os efeitos especiais dos marqueteiros serão menos intensos e, portanto, o grau de manipulação seja menor. Os acontecimentos políticos do país são voláteis, o que eleva ainda mais a incerteza em torno do que acontecerá até o dia do voto.