Míriam Leitão
Míriam Leitão: A pena de plantão
O que houve no domingo não foi uma crise no Judiciário, mas sim um evento destoante prontamente resolvido no próprio tribunal regional e que nem chegou à última instância. As idas e vindas da ordem de soltura de Lula ficará como ato sem cabimento de um desembargador que tentou usar de forma equivocada o período em que respondeu pelo tribunal como plantonista. A questão do Judiciário é mais grave.
Hoje o temor que existe é de politização das decisões de alguns dos magistrados de instâncias superiores. O sinal mais revelador desse risco foi dado pelo ministro Dias Toffolli, que vai assumir em setembro a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). O que pesa sobre o país é a dúvida sobre a sua primeira lealdade. Se será às leis e à Constituição ou às convicções com as quais foi para o STF. O evento de Porto Alegre é apenas um alerta de como se pode usar de forma errada um poder temporário dado à instituição e não à pessoa que exerce o cargo.
É óbvio para qualquer iniciante em Direito que o assunto da prisão de Lula já estava afeto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esta era a instância. Está também claro de que o argumento que sustentava a tese da urgência da decisão do desembargador Rogério Favreto não fazia sentido. O ex-presidente Lula já se declarou pré-candidato há muito tempo, não é de hoje, portanto não se justifica que o desembargador use a manhã de um domingo, no qual ele respondia pelo tribunal, para desfazer o que fora feito. O TRF-4 julgou Lula, analisou todos os recursos, e o assunto subiu ao STJ.
O evento foi resolvido não sem muito ruído. O juiz Sérgio Moro é de primeira instância e portanto não tem poder para desfazer uma ordem de desembargador, mas o que ele fez foi alertar que o juiz natural teria que ser ouvido, no caso o desembargador João Pedro Gebran Neto, que se pronunciou, sim, a favor da manutenção do preso em custódia. Mais espantoso foi o outro passo de Favreto, de insistir na libertação de Lula. O presidente do TRF-4, Thompson Flores, restabeleceu a ordem em sua jurisdição. O evento poderia se esgotar aí, uma decisão extemporânea de um desembargador, que foi corrigida a tempo pelo presidente do tribunal regional. Porém os fatos recentes alimentam a preocupação com os rumos do Judiciário no Brasil.
Ser juiz de primeira instância é resultado de concurso. Daí para diante, a escolha começa a ficar cada vez mais política. Presidentes escolhem desembargadores e indicam ministros de tribunais superiores. Tudo funciona perfeitamente quando o indicado não acha que deve pagar com a toga o posto a que chegou. A independência do Judiciário é para que o magistrado possa tomar suas decisões, desconsiderando a conjuntura política que sempre será mutante.
O problema, como disse o ministro Carlos Velloso, são os exemplos dados no Supremo Tribunal Federal, em que alguns ministros têm tomado decisões à despeito do que foi decidido pelo plenário. Além disso, há as decisões controversas. É difícil explicar a libertação de Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa, suspeito de ser o operador do PSDB, decidida pelo ministro Gilmar Mendes. É igualmente difícil entender o voto do ministro Dias Toffolli no caso do exministro José Dirceu, condenado duas vezes pelo mesmo crime de corrupção, no Mensalão e na LavaJato, através de um habeas corpus de ofício. O temor do país é que alguns dos ministros do Supremo estejam decidindo de acordo com convicções e lealdades políticas. Isso precisa ser esclarecido porque em pouco mais de dois meses o ministro Dias Toffolli ocupará a presidência do STF em momento de muito conflito político no país.
O país não pode viver no sobressalto da pena de plantão. Tem que confiar na segurança do Estado de Direito. Não pode temer ou ter esperança no desembargador de plantão ou no ministro ao qual caberá a presidência do STF. Todo o poder que têm juízes, desembargadores e ministros não emana de quem os indicou ou do grupo com o qual ele pessoalmente se identifica, mas sim das leis e da Constituição do país. Se isso se perder, o país terá tido um aprofundamento fatal de sua crise. O fundamental é que cada magistrado saiba qual é a sua primeira lealdade.
Míriam Leitão: Aumento de impostos
O próximo governo vai aumentar impostos. A questão é saber quais e de que forma. Alguns candidatos dizem que não vão aumentar, outros fazem ameaças vagas aos mais ricos. Outros dizem que reduzirão benefícios, o que é, na prática, elevar tributos. O tema é tabu no Brasil. O esforço deveria ser, qualquer que fosse a pessoa eleita, tornar o sistema tributário mais justo, menos confuso.
Alguns candidatos estão falando em taxar dividendos. O Brasil em 1995 optou por taxar mais na pessoa jurídica, deixando os dividendos sem tributação. Existem dois impostos sobre o mesmo fato gerador, o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Depois o que sobra é transferido para os acionistas em forma de dividendos, e não há imposto. É justo ou não?
Fontes da Receita explicam que é uma forma de tributar e consideram que se tiver imposto sobre dividendos será preciso talvez reduzir a alíquota das empresas. Nos Estados Unidos, Argentina, entre outros países, houve redução do imposto sobre a empresa em si, mas a pessoa física de alto rendimento é mais taxada. Antes, o IRPJ nos EUA era como no Brasil, em torno de 35%.
— Lá atrás ficou entendido se concentrar o imposto na Pessoa Jurídica e deixar o dividendo isento. O problema é que veio a pejotização com lucro presumido, a ampliação do Simples e isso gerou muita confusão — explica-se na Receita.
Alguns candidatos estão falando em combater a “pejotização”. Ou seja, um profissional liberal que, em vez de ser contratado pela empresa, cria uma firma, paga os tributos da Pessoa Jurídica, distribui para si mesmo os dividendos e sobre eles não recaem impostos.
— A questão é que imposto é a alíquota e a base de cálculo, e o lucro presumido ficou até R$ 78 milhões o que é muito alto — explica um técnico.
O que ele está querendo dizer é que, no formato lucro presumido, as alíquotas do IRPJ e CSLL incidem sobre 35% e não sobre 100% da renda da empresa. Como o limite para usar essa forma de pagar impostos é alto, acaba gerando desigualdades. O ideal, se diz na Receita, seria calibrar os impostos para que haja mais igualdade entre o que paga um trabalhador de IRPF e o que tem empresa e recolhe o IRPJ. Para ser justo, no entanto, será preciso considerar duas coisas: as deduções da Pessoa Física e os outros impostos que as empresas pagam.
Há ainda o Simples. Era só para pequenas empresas e ampliou-se o limite. Nos Estados Unidos, o imposto mais leve, tipo Simples, vai até o faturamento de US$ 250 mil. Aqui no Brasil, em torno de US$ 1,5 milhão. Só com o Simples o governo deixa de arrecadar R$ 75 bilhões. Outros R$ 21 bilhões são o custo da Zona Franca. O gasto total da desoneração da folha de pagamentos chegou a R$ 25 bilhões. Se fosse concedido a todas as empresas do país, poderia se reduzir a contribuição previdenciária patronal de 20% para 17,5%, segundo cálculo da Receita.
As renúncias fiscais já estão na casa de 4% do PIB, entre R$ 250 bi e R$ 300 bilhões. Quando o governo deixa de cobrar, está dando para uma empresa, pessoa ou setor um dinheiro que viria para os cofres públicos. Se diminuir o desconto, estará aumentando impostos. Algumas renúncias fiscais são mais injustas do que as outras. Há uma que se chama REIQ, Regime Especial da Indústria Química, que beneficia uma única empresa.
A Receita Federal tem dito que o foco deveria ser essa redução das despesas tributárias. Está certa. Porém, na quinta-feira foi anunciada uma nova despesa tributária para o setor automobilístico, o Rota 2030. Houve intensa discussão dentro do governo, a Fazenda não queria, mas o MDIC comprou o lobby das montadoras. Quando viu que perderia, a Fazenda resolveu reduzir danos. A renúncia fiscal de R$ 1,5 bi ao ano será dada à indústria automobilística, mas ela só poderá descontar no IRPJ e CSLL e não em todos os impostos, como queria. A dúvida que permanece: por que mesmo dar, numa hora destas, mais desconto à indústria que faz carros?
O assunto é complexo, o terreno é árido, mas o debate é incontornável. O governo precisa arrecadar mais e o Brasil precisa ser menos injusto. Algum aumento de imposto haverá no próximo governo. É preciso escolher quem vai pagar mais.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: BC e as eleições
O segundo semestre será de mais volatilidade cambial, e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, afirma que não defenderá uma taxa de câmbio, vai atuar apenas quando houver “disfuncionalidade” ou “pânico” no mercado. Seja na queda ou na alta brusca. Goldfajn, numa entrevista que me concedeu ontem, explicou como atuará nesse período de maior estresse na economia com a proximidade das eleições.
Ilan assumiu o Banco Central com a inflação em 9,5% e ela caiu para menos de 3%. Hoje sobe em parte pelo impacto da greve do transporte de carga, que deve levar a taxa de junho para cerca de 1%. A previsão geral é que ela voltará a cair. O dólar que estava em R$ 3,15 em 25 de janeiro foi a R$ 3,90 no começo de junho, o Banco Central ofereceu US$ 30 bilhões de operações de swaps, o câmbio cedeu um pouco e voltou esta semana ao patamar de R$ 3,90. Os assuntos monetários estão no meio do debate eleitoral, há motivos internos e externos para a instabilidade. O que o Banco Central vai fazer?
— Vamos oferecer para o Brasil o uso dos nossos amortecedores, para gerar mais tranquilidade, sem fixar o câmbio ou outros preços que dependam do que as pessoas acreditam que vai ser o futuro. Vamos oferecer tranquilidade — disse Ilan Goldfajn na entrevista que foi ontem ao ar na Globonews.
Ele disse que toda vez que não houver liquidez, que houver disfuncionalidade, quando não houver condições para a formação de preços, porque um acontecimento não foi ainda inteiramente absorvido, nesses momentos haverá intervenção do Banco Central. Ele deixou claro que não vai defender um teto do dólar. “O câmbio é flutuante”, disse ele, explicando que essa é uma das defesas, junto com o volume de reservas. Aliás, esse volume, segundo ele, é sempre considerado alto quando está tudo calmo, mas é usado nestes momentos de dificuldades.
Disse que não se encontrou com representantes de candidatos, exceto em ocasiões coletivas, mas defendeu insistentemente a tese de que, qualquer que seja a proposta, o importante será a garantia de continuidade do ajuste das contas públicas e das reformas.
A dívida pública está no meio do debate. Há candidatos que criticam o volume pago de juros, há quem defenda um teto para o custo do serviço da dívida. Ele acha que o caminho é pelo fiscal:
— Eu considero essencial é nossa visão futura sobre responsabilidade fiscal, sobre nossa capacidade de colocar as contas públicas em ordem. Isso é que vai dar tranquilidade, e permitirá juros menores. Todos nós somos detentores da dívida pública, nós todos investimos em fundos, em Tesouro Direto. Todos nós nos beneficiaremos de um juro menor ao longo do tempo, mas para isso é preciso fazer reformas, principalmente as fiscais, isso vai dar solidez. Quanto menos sinalização a gente tiver sobre o futuro, mais turbulência a gente vai ter no curto prazo.
Outro ponto da entrevista foi sobre os altos juros bancários. No último Relatório da Economia Bancária, o Banco Central defende, na minha visão, argumentos muito parecidos com os dos bancos para justificar os juros altos em todas as linhas de crédito. Ele discorda dessa minha avaliação sobre o Relatório. Contudo, diz que não é a concentração a responsável pelos juros altos, mas outros problemas da economia brasileira, como a capacidade de recuperar o crédito concedido, que é muito baixa em comparação a outros países. Ele sustenta que a gestão dele tem tomado uma série de providências para estimular a competição, como a portabilidade dos salários, o fortalecimento das fintechs, e o incentivo dos bancos médios onde o custo regulatório é menor. Ele acha que isso tem tido resultados:
— São medidas importantes, tanto que a taxa do rotativo que estava em 15% caiu para 10%. Claro que 10% é alto, mas vamos continuar trabalhando.
Quis saber também se há um cartel do câmbio no Brasil. Grandes empresas exportadoras estão na Justiça acusando os bancos de terem atuado como cartel entre 2007 e 2013. Ele não acredita que haja um cartel:
— Isso foi uma questão específica levada ao Cade, mas acho que não houve maiores influências no câmbio. O Cade vai se pronunciar a respeito.
Sobre a transição política, ele diz que vai depender “da capacidade de todos nós de oferecer o melhor futuro para os brasileiros”.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Indústria deve se recuperar em junho, mas a confiança foi abalada pela greve
O tombo da produção industrial já era esperado, por causa da greve do setor de transporte de carga. Mas há, nos últimos indicadores, sinais de uma economia em transição. Estava se recuperando e volta a perder vigor. Mais do que o efeito localizado, a greve foi o ponto que levou o país para outro ritmo. Não apenas pelo movimento, mas pela soma de vários problemas em que se destaca a incerteza política.
A produção industrial caiu 10,9% em maio. Uma queda que fez o país recuar anos. Mas, ao mesmo tempo, no acumulado de janeiro a maio, o setor de bens de capital teve alta de 9,5%, o que é sempre indicação de investimento. Os dados da balança comercial de junho mostram uma retração de 7,7% na importação de combustíveis e lubrificantes, em decorrência da dúvida sobre os preços do diesel. Mas as importações gerais cresceram 17%, e as de bens de capital subiram 33,8%.
Há retrato e filme. O retrato é de um país que em maio despencou o nível de atividade e teve um salto nos preços por causa do violento impacto da greve que uniu caminhoneiros e empresários do setor. A inflação de junho deve ficar em 1,1%, dado que será divulgado na sexta-feira. Nos preços, o efeito pode ser mais temporário, mas no nível de atividade, não.
O Itaú Unibanco estima que a indústria voltará a crescer 10,9% em junho, recuperando a perda de maio. Mas não há consenso no mercado. O UBS, por exemplo, estima crescimento de 7%. O banco ressalta que só houve três momentos piores do que a queda de maio: no plano Collor, em 1990, na greve dos petroleiros, em 1995, e na crise financeira de 2008.
São muitos os choques neste ano sobre uma economia já fraca. A volatilidade cambial, o temor de uma guerra comercial entre as grandes economias do mundo e o cenário opaco sobre a economia e a política brasileira. Toda eleição é incerta porque só as urnas dirão quem é o vencedor. Isso é natural.
Mas a nossa eleição é muito mais incerta que todas as outras. O candidato que encabeça as pesquisas está preso e deve ser declarado inelegível. Os outros candidatos, como raras exceções, ainda não deixaram claro suas opções econômicas e políticas. Muitos falam apenas por frases de efeito ou com demonstrações de voluntarismo e tudo isso turva o horizonte.
A economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, conta que dois grandes projetos de investimentos que seriam conduzidos pela gestora de recursos foram adiados por clientes após a greve. O mais grave, explica ela, foi a mensagem de insegurança institucional que o país transmitiu aos investidores pelos efeitos da paralisação.
— Temos clientes que investem em grandes projetos, como construção de shoppings, arenas, ativos ligados a construção. Eles são mais conservadores e preocupados com o longo prazo. Depois da greve, dois clientes grandes adiaram investimentos porque a paralisação expôs a fragilidade institucional do país. Agora, só no ano que vem, dependendo de quem ganhar as eleições — disse.
Pasianotto explica que esse perfil de cliente, ligado a obras e à economia real, exige que a Reag seja mais cautelosa em suas projeções. Por isso, a estimativa de 1,7% para o PIB deste ano já está em viés de baixa. Mas a grande preocupação é se o próximo presidente terá força e vontade para conduzir o ajuste fiscal.
— O desafio é muito grande, e ainda não vemos os candidatos demonstrarem esse nível de urgência com a questão fiscal. O Congresso também parece estar desconectado da gravidade da situação — afirmou.
A greve teve o efeito de ser o catalisador do pessimismo que já vinha reduzindo indicadores desde o começo do ano. Os dados do PIB do primeiro trimestre já vieram abaixo das projeções. E continuou pairando o temor de novo movimento. O governo acabou se comprometendo com novos gastos para interromper a greve e fez promessas que dificilmente conseguirá cumprir, como a tabela do frete. O governo se enfraqueceu ainda mais no Congresso.
Os indicadores mostram esse filme: o país teve uma enorme recessão, saiu dela de forma hesitante, vinha melhorando e agora voltou para um patamar mais fraco. Portanto, essa queda da produção industrial é apenas um evento, mas ajudou a enfraquecer a economia como um todo.
Míriam Leitão: O descaminho
O empresário Eike Batista escolheu ficar em silêncio na maioria das perguntas feitas pelo juiz Marcelo Bretas. Algumas, eles respondia. “Emprestou algum avião a ele?” “Emprestei sim excelência. Na época eu tinha três aviões, e as pessoas sabiam que meus aviões estavam parados e as pessoas têm liberdade de falar me empresta o avião, e é difícil você dizer não a um governador”.
Não foi apenas o avião. O aparelho é um detalhe que mostra, segundo Bretas, a intimidade entre os dois. Como, evidentemente, não eram todas as pessoas que podiam dizer ao poderoso Eike Batista “me empresta seu avião”, essa liberdade que Sérgio Cabral usava decorria do fato de ser governador. Se fosse só isso seria já indecoroso. Mas houve muitos mais, segundo sustentou o juiz em sua sentença. Ele cita por exemplo um dos pagamentos de propina de US$ 16 milhões ao ex-governador. Quem comprovou isso foram os doleiros que fizeram a delação, Marcelo e Renato Chebar. O pagamento foi feito por meio de contrato fictício da empresa Golden Rock Foundation.
Essa empresa, Golden Rock, foi a mesma que pagou a Mônica Moura, mulher de João Santana. Quando foi feita a busca e apreensão na casa de Eike Batista, foi encontrado um documento em que havia a transferência da Golden Rock para a Arcádia e uma anotação “Renato”. Como Renato era um dos irmãos Chebar, Sérgio Cabral chamou o doleiro e disse que o documento havia sido encontrado e “podia dar problema”. Quem contou foi o Renato em sua delação. Nem ele nem seu irmão Marcelo sabiam a origem do dinheiro, mas acham que só pode ser dinheiro sujo já que foram contratados para fazer o “branqueamento” dos recursos.
Por aí vai a história de Eike Batista, ontem condenado a 30 anos de prisão. Um avião emprestado. Aliás, várias vezes. O pagamento indevido ao governador, e usando o canal dos doleiros para lavar o dinheiro. Um contrato cheio de empresas falsas e prestação de consultoria fictícia para justificar o tal depósito na Arcádia. Histórias fantasiosas como uma mina que seria comprada. Como sempre, nestes casos de corrupção, os caminhos são tortuosos, múltiplos e difíceis de serem desvendados.
E o ato de ofício? O que fez o governador Sérgio Cabral em troca do dinheiro e dos favores? Bretas recorre ao que disse o então ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do Collor. Pertence lembrou que pelo artigo 317 do Código Penal basta “a dádiva e a promessa de vantagem” porque elas são feitas “na expectativa de uma conduta própria do ocupante da função pública”. Mas ao longo do seu governo não foram poucos os benefícios obtidos pelo empresário.
Sérgio Cabral tem optado por falar bastante e negar quase tudo. Disse por exemplo que recebeu R$ 29 milhões de Eike Batista mas era só para a campanha eleitoral, pelo caixa 2. “Eu gastei quase a totalidade dos recursos de caixa 2 com campanhas eleitorais”, disse Sérgio Cabral. Isso, segundo o juiz, desafia a lógica, porque o dinheiro foi pago mais de um ano depois das eleições.
A sentença do juiz Marcelo Bretas de ontem foi mais uma das várias que já pesam sobre Sérgio Cabral e seus assessores diretos. Mas é a primeira condenação de Eike Batista. Ele vai recorrer e há um longo caminho antes que vá para a prisão, se a sentença for confirmada.
A grande questão é como usar toda essa enorme infelicidade vivida pelo país — de ter estado exposto às relações tão promíscuas entre autoridades e empresários — para construir barreiras que impeçam a repetição de tudo isso. Eike Batista tinha tudo: dinheiro, talento, tino para os negócios, capacidade empreendedora, ousadia. Sérgio Cabral tinha muito: uma carreira política em ascensão, um eleitorado fiel, capacidade administrativa. Um podia ajudar a modernizar o capitalismo brasileiro, o outro poderia ser um expoente de uma nova geração de políticos. Preferiram se imiscuir em sujeiras, em negociatas, em um mundo de sombras. Hoje, um deles está preso e condenado em vários processos, o outro foi preso e solto, teve seu passaporte apreendido e pode voltar para a cadeia. E, por fim, o que é mais trágico, o Rio ainda paga um alto preço pelo descaminho escolhido pelas suas lideranças.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Vitória do México
Uma vitória indiscutível nas eleições de domingo deu ao México um rumo claro. O novo presidente, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), não apenas ganhou por larga margem, como seu partido, Morena, conquistou a prefeitura da Cidade do México e a maior bancada nas duas casas do Congresso. O país fortaleceu a sua jovem democracia e fez um realinhamento partidário pelo voto.
Durante a campanha o discurso de AMLO foi ambíguo e com toques populistas e nacionalistas. Apesar da oposição de grande parte dos empresários, o mercado financeiro não mostrou especial estresse com a vitória que já era esperada. No seu primeiro pronunciamento, ele foi conciliatório do ponto de vista político e tranquilizador na economia.
O México tem uma história política difícil. Ocorrer uma alternância de poder, sem acusações de fraude, com os derrotados reconhecendo o resultado logo no primeiro momento, com o eleito falando em governar “para todos os mexicanos”, é uma vitória. O México viveu durante 70 anos o regime de partido único. Em 2000, passou a ter três partidos competitivos. Agora terá oito partidos com representação no Senado e nove na Câmara. A vitória de ontem alterou a composição das forças, mas mesmo com sua grande bancada o Morena terá que fazer coalizão para aprovar projetos.
AMLO prometeu atacar a corrupção, a violência e a pobreza. Tarefa superlativa. O México tem alto nível de corrupção, que se entranhou no aparelho de Estado e nas estatais, principalmente na Pemex, durante as décadas em que o PRI governou o país. A corrupção era o pressuposto para essa continuidade. Como López Obrador quer mais e não menos presença do Estado na economia, poderá neste ponto ter o oposto do que busca. A violência é endêmica e derivada do controle territorial dos cartéis do tráfico. A pobreza é outro dos flagelos do México.
A economia vem sofrendo nos últimos anos de baixo crescimento crônico, em torno de 2% ao ano. No ano passado cresceu 2,3%, resultado melhor do que o do Brasil, puxado pelas exportações que aumentaram 9,2% e pelo consumo, 3,27%. O problema também crônico é a dependência dos Estados Unidos. Para lá vão 79,8% das exportações mexicanas e tem sido assim por décadas. Para se ter uma ideia, o segundo parceiro é o Canadá, que compra 2,8%. O governo Trump e sua guerra comercial não pouparam o México nem o Canadá, parceiros do Nafta. Pelo contrário, eles foram atingidos pelas sobretaxas. Além disso, México e Estados Unidos vivem um momento de extrema tensão com a ameaça da construção do muro, as difíceis renegociações do Nafta e a política migratória. Trump escreveu no Twitter que está ansioso para encontrar o novo governante mexicano.
Para chegar à vitória, o novo presidente usou exatamente a estratégia de Lula: o discurso de esquerda, cartas ao mercado financeiro, e uma propaganda para atenuar sua fama de radical. Nem disfarçou estar copiando o Lulinha paz e amor. Era o AMLOve. Ele superou um obstáculo muito maior, porque seu partido foi fundado em 2014 e, mesmo assim, ele o levou a uma vitória maiúscula nos estados, Congresso e prefeituras.
Ele tem experiência como administrador. Foi bom prefeito da Cidade do México, que tem tamanho de país. Como gestor, foi fiscalmente responsável. Promete sê-lo ao administrar o país. Alguns empresários fizeram campanha contra ele e levantaram o fantasma de Hugo Chávez. O caso da Venezuela é específico. Nem a vitória esmagadora que teve nas urnas dará a López Obrador, ainda que quisesse, o poder de desmonte institucional que o chavismo empreendeu na Venezuela. O México sabe o que é ter um partido que se eterniza no poder, com eleições fraudadas. Não cometeria tal erro novamente.
Na economia, a situação fiscal é bem melhor do que a do Brasil. O país teve superávit primário de 2,99% no ano passado e deve ter 1% este ano. Passou por sete anos de déficit primário após a crise de 2008, e a dívida pública saltou de 42% para 52% do PIB. A deterioração no Brasil demorou a acontecer, mas foi muito mais forte. Esse quadro fiscal de recuperação ajudará o presidente López Obrador nos seus projetos.
Míriam Leitão: Em tempo de eleição
Em ano eleitoral, país tem que debater seus problemas crônicos
O Brasil tem imensos problemas e nenhum momento é melhor do que o ano eleitoral para pensar neles. A população carcerária aumentou 707% em 26 anos e a segurança piorou. Mais da metade do esgoto do país não é tratado. Na educação, 55% das crianças com oito anos são analfabetas. A concentração de renda no Brasil é maior do que se pensava. Esses são apenas quatro dos temas principais.
Escolhi esses assuntos para dedicar os programas de junho na Globonews. Deles saíram dados tão interessantes que quis dividir aqui com os leitores da coluna. O sociólogo Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, mostrou que em 1990 a população carcerária era de 90 mil brasileiros, em 2016 havia saltado para 726 mil. E quem são os presos? Jovens de 25 a 29 anos são 25%. Pretos e pardos são 64%.
— Precisamos oferecer proteção para os mais vulneráveis para que isso resulte na proteção da sociedade como um todo. Precisamos ir às áreas onde o conflito é mais intenso — diz Adorno.
No programa com ele estava o jornalista Edu Carvalho, de 20 anos, do site Favela da Rocinha. Diante desses dados e dos que mostram que jovens negros da periferia, como ele, são as principais vítimas de homicídio, Edu fez a seguinte reflexão:
— Diferentemente de uma pessoa que estuda esses dados e tem um certo distanciamento, eu me defronto com eles e tenho medo. A pergunta que me faço é em que curva eu “errei” para conseguir fugir da estatística?
A concentração de renda no Brasil é maior do que tem sido medida. Os novos estudos cruzam as pesquisas do IBGE com dados do Imposto de Renda dos mais ricos. Um dos pesquisadores é o jovem Pedro Ferreira de Souza, do Ipea. A conclusão dele é que o 1% mais rico no Brasil detém 23% da renda. Na França é 11%. Na maioria dos países é 15%. Katia Maia, da Oxfam, uma Ong inglesa que está no Brasil há 60 anos, disse que se for mantido o ritmo da diminuição da desigualdade de salários entre brancos e negros dos últimos 20 anos a paridade salarial ocorrerá em 2089. Como resolver isso? Os dois acham que é preciso ir nos impostos e ver de onde vêm os recursos públicos e para onde vão.
— O Brasil tem muito imposto sobre consumo, tributo indireto e pouco imposto sobre a renda e o patrimônio. E é preciso acabar com as exceções, os regimes especiais de tributação — sugere Pedro Ferreira.
— O Brasil estabeleceu um teto de gastos que vai comprimir despesas sociais e permanece com benefícios, isenções para quem está no topo — diz Katia Maia.
Naércio Menezes, coordenador do Núcleo de Políticas Públicas do Insper, e Priscila Cruz, do Todos pela Educação, foram entrevistados sobre educação e mostraram a conexão entre os temas.
— O Brasil ficou para trás no século XX, enquanto outros países avançaram, e isso resultou em desigualdade e criminalidade — diz Naércio.
Pedi à Priscila que dissesse por onde começar a atacar o problema. Ela apontou duas frentes: primeira infância e valorização do professor.
Há dados bons: em 1990, apenas 25% dos jovens chegavam ao ensino médio, agora de 75% a 80% chegam. De 2005 a 2014 triplicou o gasto por aluno no ensino médio. Há também muitos casos de sucesso que podem ser multiplicados. E há dados terríveis.
— A maior vergonha do Brasil é que 55% dos alunos de 8 anos são analfabetos — disse Priscila.
No último dos quatro programas entrevistei Paulo Barrocas, da Fiocruz, e Paulo Canedo, da Coppe, sobre saneamento básico. Mais da metade do esgoto brasileiro não é tratado e isso equivale a 5.556 piscinas olímpicas por dia de rejeitos, de acordo com o Trata Brasil. Os números são ruins e mostram desigualdade: 70% de esgoto tratado no Sudeste, de 10% a 20% no Norte. Mas o que os professores disseram é que pode ser pior. Mesmo quando há rede em toda a cidade, nem todas as casas e prédios estão ligados a ela. E dos que estão ligados nem sempre o esgoto vai para uma estação de tratamento.
Em segurança, desigualdade, educação e saneamento há muito fazer. Em época de eleição temos que discutir solução para esses e outros problemas brasileiros. Que nos próximos meses o país aproveite as eleições para se debruçar sobre tudo o que tem impedido o nosso desenvolvimento.
Míriam Leitão: O enigma JBS
A maior fonte de faturamento do grupo JBS vem das receitas em dólar e, neste momento, a alta do câmbio o favorece. A empresa só se internacionalizou com a ajuda dos recursos oferecidos pelo Estado. Sua delação mostrou que essa ajuda foi irrigada por dinheiro dado pelo grupo, a maioria de forma ilegal, para as campanhas políticas, principalmente do PT. A dúvida é: valeu a pena?
Joesley Batista costumava dizer que sem ele e o irmão Wesley no comando as empresas da holding J&F entrariam em crise. Não foi o que aconteceu. O mercado viu com bons olhos o resultado trimestral. O grupo vendeu alguns ativos, como Alpargatas e Eldorado, para fazer caixa, e se focou no negócio principal, tentando superar a crise que a atingiu a partir do momento em que os irmãos Joesley e Wesley e outros executivos do grupo fizeram suas delações.
O economista Rafael Passos, da Guide Investimentos, confirma essa avaliação positiva do mercado sobre a empresa neste começo de ano, em grande parte porque o grupo tem se beneficiado das operações nos Estados Unidos, de onde vêm 80% da sua receita.
— A gestão do grupo foi na direção correta após a crise. Eles venderam ativos, concentraram no setor de carne, fizeram caixa e conseguiram manter aberta as portas dos bancos — diz, ressaltando que a alavancagem (dívida) caiu de 4,2 vezes o fluxo de caixa para 3,2, um valor aceitável pelo mercado financeiro.
A grande questão quando se analisam os dados do grupo JBS é a dúvida: qual foi o custo-benefício da corrupção? A série estatística da receita do grupo mostra um estonteante crescimento exatamente nos anos em que o Brasil foi governo pelo PT. Joesley passou a ter acesso direto aos governantes e aos recursos do BNDES. Em 2004, as receitas foram de R$ 3,5 bilhões, em 2016 haviam saltado para R$ 163 bilhões, multiplicando-se por 46. Já era um grupo grande e bem sucedido, mas virou um gigante mundial graças ao dinheiro público.
Esse salto foi conseguido com a compra de ativos no exterior e no Brasil. Pelos dados oficiais do BNDES, somente entre 2007 e 2011 foram R$ 8,1 bilhões investidos no grupo principalmente através de debêntures. Para se ter uma ideia de como funcionava: a compra da Pilgrim's Pride, um dos maiores produtores de frango dos Estados Unidos, foi integralmente realizada com o dinheiro do banco. Do total do capital necessário, 99,9% foram fornecidos pelo banco na modalidade de debêntures conversíveis em ação. Houve outras operações para compra de outros ativos. O TCU e a Polícia Federal já mostraram irregularidades em algumas delas. Além disso, o banco favoreceu e financiou a concentração do setor dentro do Brasil, como no caso da compra da Bertin, onde o BNDES acabara de pôr R$ 2,5 bilhões em empréstimo.
A empresa cresceria de qualquer maneira, mas com o acesso aos fundos públicos foi muito mais rápido. A construção da empresa de celulose Eldorado recebeu também recursos do FI-FGTS, exatamente daquelas operações que estão sendo investigadas por terem sido facilitadas por Cleto Falcão e Lúcio Funaro.
Segundo levantamento feito para a coluna pela Economática, hoje o grupo tem R$ 8,8 bilhões a menos de valor de mercado. Era R$ 34,4 bilhões em 2015 e hoje é R$ 25,6 bilhões, mas, em compensação, reduziu o endividamento.
Nesta semana, Joesley virou réu numa das ações contra ele, o que derruba o que ele tentou, quando fez a delação, que era ficar inimputável. Se desse certo, o balanço do custo-benefício da corrupção seria totalmente favorável. Ele não teria custos e ficaria com o enorme benefício de ter se tornado um player global com faturamento em dólar. Antes de fazer a delação, o grupo tentou transferir a sede para a Irlanda. O BNDES, na gestão de Maria Silvia, impediu. Se ele tivesse conseguido seria o crime perfeito. Teria crescido com a ajuda do Estado, através da sociedade com o BNDES, depois transferiria seus negócios e sede fiscal para fora. Aí negociaria a delação pedindo para não ser responsabilizado criminalmente por nada.
A empresa é grande, fatura em dólar, tem conseguido superar a crise vendendo ativos, alguns financiados pelo Estado, mas seus donos já estiveram presos e enfrentam a Justiça. Ela teria crescido sem corrupção. A ganância foi maior do que o medo.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Parte da crise
STF está deixando de ser solução para virar parte do problema. O STF ficou mais difícil de entender. Ou mais fácil. O ex-ministro José Dirceu é reincidente específico. Já foi condenado pelo mesmo crime no Mensalão e na Lava-Jato. O que leva o ministro Dias Toffoli a soltá-lo em um habeas corpus não pedido pela defesa? O ministro Ricardo Lewandowski interferiu numa área de competência do Executivo às vésperas do recesso, repetindo manobra já usada.
No dia 18 de dezembro de 2017, Lewandowski suspendeu a MP que adiava os aumentos do funcionalismo. O argumento do ministro não poderia ser menos jurídico: “Não se mostra razoável suspender um reajuste de vencimentos que, até cerca de um ano atrás, foi enfaticamente defendido por dois ministros e o presidente da República.” Ele é livre para não gostar de uma mudança de opinião do governo, mas isso não é base para a liminar. Como tomou a decisão um pouco antes do recesso, o governo teve que dar o aumento e a liminar virou decisão definitiva. Agora, em nova interferência em área do Executivo, proibiu a venda de qualquer estatal.
Na terça-feira, na 2ª Turma do STF, o ministro Dias Toffoli não poderia simplesmente acolher o argumento da defesa do ex-ministro José Dirceu porque ela confrontava a condenação em segunda instância. Toffolli, então, deu o que a defesa não pedira: habeas corpus de ofício, afirmando que havia “plausibilidade” no recurso sobre a dosimetria da pena. Ou seja, como pode ser que o STJ considere a pena alta, apesar de ele ter sido condenado em dois escândalos pelo mesmo crime, ficará em casa.
Quando Toffoli foi nomeado houve um debate entre especialistas sobre se ele estava ou não impedido de julgar o Mensalão. Pareciam mais convincentes os argumentos dos que consideravam que sim. Afinal, fora advogado do PT nas campanhas eleitorais de 1998, 2002 e 2006, depois trabalhara diretamente com José Dirceu, que como chefe da Casa Civil fazia a articulação política. O ex-ministro estava sendo julgado, e o que se discutia era exatamente caixa 2 nas campanhas do partido e a compra de apoio político no Congresso. Toffoli não se declarou impedido.
Na terça-feira, ele conduziu o voto dele na sessão da 2ª Turma que libertou José Dirceu. Votou também a favor do relator Gilmar Mendes no trancamento da ação contra o deputado tucano Fernando Capez. Alguém pode considerar que isso mostra isenção já que trata petistas e tucanos com a mesma régua. O problema é que um dos seus auxiliares até recentemente era o irmão de Capez.
Ele não é o único a não entender as regras de impedimento. O ministro Gilmar Mendes já foi várias vezes criticado pelo mesmo motivo. Talvez só saiamos desse impasse importando do futebol a estratégia de bandeirinhas. O que diriam os bandeiras das constantes reuniões do ministro Gilmar Mendes com integrantes do governo e parlamentares investigados da Lava-Jato? Impedimento.
Há quem diga, inclusive no STF, que tudo é culpa da presidente Cármen Lúcia porque ela não pautou as ações diretas de inconstitucionalidades (ADI) que estão nas mãos do ministro Marco Aurélio e poderiam definir o mérito da prisão após condenação em 2ª instância. Recapitulando: de 1941 até 2009 vigorou o entendimento da prisão após a confirmação da sentença por órgão colegiado. Em 2009, o STF reformou essa decisão num voto do ministro Eros Grau. Em 2016, ela foi discutida três vezes no Supremo — em um habeas corpus, em uma negativa de cautelar, e em um recurso extraordinário, relatado pelo ministro Teori Zavascki. Sempre foi a favor da prisão. Essa última tinha repercussão geral, ou seja, era vinculante. Os derrotados querem que o assunto seja votado até que um dia vençam. Em setembro, a ministra Cármen Lúcia sai da presidência e virá exatamente Dias Toffoli. Os condenados por corrupção têm esperança de dias melhores.
João Claudio Genu, do PP, é um reincidente específico também. Condenado no Mensalão e na LavaJato. Só na Lava-Jato ele já foi condenado 11 vezes. Foi solto. Talvez por seu caso ter sido julgado no mesmo dia de Dirceu, argumenta um especialista tentando achar alguma coerência no Supremo.
O país vive uma crise grave e múltipla. O Supremo com seus votos, suas contradições, com a agenda de alguns dos ministros, está virando parte da crise, em vez de ser solução.
Míriam Leitão: Saídas do labirinto
A boa notícia é que os economistas ligados a quatro candidatos concordam que será preciso fazer um ajuste fiscal no próximo governo. Mudar a Previdência e ter um limite para os gastos ainda que não seja o atual teto estão no radar de todos. Algumas propostas são boas, outras é preciso explicar melhor, há sugestões vagas, convergências e divergências, mas pelo menos é um início de conversa.
No debate feito pelo “Valor”, o economista Fernando Haddad, do PT, disse que não existe dicotomia entre esquerda antirreformista e direita reformista, e acrescentou que todos os governos fizeram reformas, quando o Congresso deixou. É verdade que tanto Lula quanto Dilma fizeram propostas de mudanças na Previdência, a de Lula era mais profunda e atingiu o funcionalismo público. A demora na implementação e o fato de só se dirigir ao futuro muito remoto reduziu a vantagem da mudança. A grande contradição do Partido dos Trabalhadores é ter votado sempre contra qualquer reforma proposta por outro partido e ter recentemente abraçado a tese distorcida de que não existe déficit.
Segundo Mauro Benevides, assessor de Ciro Gomes, será apresentado pelo candidato, no dia 15 de julho, uma proposta concreta de reforma da Previdência com a adoção de capitalização com contas individuais. Pérsio Arida, economista do candidato Geraldo Alckmin, duvidou. A questão é que nesse regime é preciso fazer uma grande capitalização em um fundo que garanta a transição. Hoje funciona o modelo de repartição, em que os da ativa contribuem para garantir os inativos. Já está com déficit quando o Brasil ainda tem menos de 13% de população acima de 60 anos. No de capitalização, a contribuição de cada pessoa iria para uma conta individual. Como fazer com quem já está no mercado e suas contribuições foram usadas para pagar os atuais inativos? O governo teria que “devolver” a eles, através de um fundo. Pérsio alertou que o Chile conseguiu isso, porém tinha um superávit primário de 6% do PIB. Nós temos déficit de 3%. No debate eleitoral talvez a proposta se esclareça.
Marco Bonomo, que trabalha com Marina Silva, defende que nos gastos públicos o importante é estabilizar a dívida/PIB. De fato esse é uma espécie de indicador/resumo. Só se estabiliza se gastos forem cortados e as receitas aumentarem. Ele disse que “o importante é ter um plano crível para isso” e afirmou que sua candidata sempre defendeu controle de despesas e tem noção de que é necessário controlar o Orçamento. Essa ideia de Bonomo já foi explicada também pelos economistas André Lara Resende e Eduardo Giannetti em entrevista recente. Afirmam com razão que não é necessário o fim imediato do déficit, mas sim um plano para redução que leve no futuro à estabilização da dívida.
Arida fez proposta ousada para se chegar ao equilíbrio das contas: tirar da Constituição várias questões que hoje tornam difícil a gestão pública. Disse que em 30 anos foram feitas 99 emendas à Constituição, a maioria sobre taxas e tributos. Ele quer levar para o nível infraconstitucional decisões sobre “impostos, teto de gastos, regra de ouro”, porque, na visão dele, tudo se refere à gestão econômica, que precisa ter flexibilidade. Realizar isso é que seria uma enorme dificuldade. Arida mesmo define sua proposta como “nova e ousada”.
Benevides diz que Ciro, se eleito, no primeiro dia vai reduzir em 15% todas as desonerações. Poderia começar explicando como fazer isso na Zona Franca de Manaus. Todos defendem o Imposto sobre Valor Agregado que os governos nunca conseguiram fazer. Em parte porque mexeria com o ICMS, um imposto estadual, e é preciso negociar com toda a federação. Haddad defendeu a transparência do gasto público. Poderia começar criticando as pedaladas e as excessivas desonerações feitas pelo PT que reduziram a transparência do gasto público. O retorno da tributação de dividendos foi consensual, mas cada um tem a sua ideia.
A partir do mês que vem os debates ficarão mais intensos, as propostas mais explícitas. Nesse encontro, o economista do candidato Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, não compareceu. No detalhamento das ideias quem sabe o país encontre saídas para os seus labirintos.
Míriam Leitão: Tentativa de Meirelles
O ex-ministro e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles tem muito a dizer na economia, o candidato Henrique Meirelles dá os primeiros passos num partido cheio de divisões e que nega, na sua essência, parte do seu discurso. Ele diz que a primeira pessoa que quis que ele fosse candidato foi o senador Romero Jucá, e em seguida diz que defende a Lava-Jato.
Jucá disse que a Lava-Jato era uma sangria que precisava ser estancada. Portanto, essa é uma contradição insanável do entorno político de Meirelles. E não é a única. Na entrevista que concedeu ao “Valor”, ele foi perguntado sobre como seria seu apoio no Rio. A resposta foi: “Eu trato com o governador Pezão e com o deputado Leonardo Picciani”. Com essas companhias, fica estranha a frase: “Acho importante fortalecer e solidificar a Lava-Jato. É importante que o país conclua essa fase de fortalecimento das instituições.” O MDB é apenas um dos vários partidos envolvidos nas investigações da Lava-Jato, mas a resposta soa estranha dentro do partido de um presidente investigado.
Seu maior risco é permanecer com 1% das intenções de voto. Na entrevista se vê que ele ainda está tentando convencer o interlocutor de que é mesmo candidato. Na economia, ele tem a dizer que quando foi para o governo Lula ajudou a afastar o medo que se tinha de uma política populista que colocasse a perder o Plano Real. E que agora, ao voltar ao governo, fez parte do trabalho que reduziu drasticamente a inflação. Quando fala de economia, ele se sai bem, mas mostra, nas outras perguntas, a falta de traquejo político.
Sua tese é a de que o país saiu da recessão e que portanto não é candidato para propor “uma fase de sangue e lágrimas”. Essa fase já acabou, segundo ele. “O problema era atravessar a recessão que a Dilma criou. Só que já saímos dela. O ponto é não voltarmos para ela.” Meirelles contava desde o início com o cenário de que durante o ano o país iria acelerar o crescimento e que isso daria conforto econômico às pessoas. Mas não é isso que está posto como futuro próximo. O Brasil patina. A última previsão de crescimento pelo Focus é de 1,55%. O desemprego permanece alto e não há qualquer esperança de que ele caia fortemente. De fato o Brasil está melhor agora do que na recessão iniciada no governo Dilma e que consumiu 11 trimestres de 2014 a 2016. Mas essa é uma saída claudicante.
O Banco Central na Ata do Copom divulgada ontem disse que a perda do ritmo de recuperação é temporária e que no segundo semestre a economia pode voltar a ter indicadores melhores, como teve em abril. Pode ser que o pior tenha ficado em maio e junho, meses atingidos em cheio pela greve do setor de transporte de carga. Mas houve também, por outros motivos além da greve, uma queda de confiança do consumidor e do empresário e uma redução de investimentos. Isso levou à redução geral das previsões de crescimento do ano.
Meirelles tem algumas boas respostas para perguntas difíceis, como, por exemplo, como ele fará para não ser confundido com o presidente Michel Temer. “Me orgulho do que eu fiz no governo Temer, como me orgulho muito do que eu fiz no governo Lula. Eu nunca temi ser confundido com o governo Lula nem com o Temer.”
Ele defende que se o país eleger um governo populista, que não tenha compromissos com a reforma, enfrentará uma crise de elevação da dívida. Concentra suas críticas no governo Dilma, e não no governo Lula do qual participou, e quer se vincular aos bons períodos da economia. “Eu fui presidente do Banco Central por oito anos e o Brasil cresceu, gerou renda, gerou capacidade de consumo. Saí do governo, entramos em recessão. Voltei para o governo, o Brasil saiu da recessão.”
O problema desse discurso é que a boa fase de crescimento não é atribuída a ele. E a saída da recessão agora é muito fraca e lenta e num ambiente de forte desemprego. A campanha está só começando e Meirelles ainda precisa convencer o seu próprio partido de que tudo isso valerá a pena. A última vez que o PMDB teve candidato foi em 1994. Nas últimas cinco eleições preferiu aderir a alguma candidatura.
Míriam Leitão: Enigma energético
O setor energético está para viver mais uma confusão. O governo colocou a leilão seis distribuidoras de energia da Eletrobras, mas a Câmara não aprovou o PL que daria segurança jurídica à venda. Com isso, elas podem ser liquidadas, o que é mais fácil falar do que fazer. Como seria deixar dois estados do Nordeste e quatro do Norte sem uma empresa de energia? Ninguém sabe porque nunca aconteceu.
O governo tentou aprovar a urgência no projeto que facilitaria a privatização dessas concessionárias, mas não conseguiu. As concessões já venceram e foram renovadas até 31 de julho. Durante o debate do assunto, o governo disse que ou venderia ou simplesmente as liquidaria. E agora?
— Ninguém sabe ao certo porque é uma situação inédita. Nunca aconteceu no Brasil de uma concessionária que presta serviço público ser liquidada — diz Edvaldo Santana, presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace).
Essas concessionárias provocam prejuízo de R$ 220 milhões por mês, R$ 2,4 bilhões por ano. São as dos estados de Sergipe e Alagoas, Amazonas, Acre, Rondônia, Piauí e Roraima. De todas, a que tem o maior rombo é a Amazonas Energia. O governo pensou em privatizálas por um preço simbólico com o compromisso, pelo comprador, de investir. No caso da liquidação, a Eletrobras tem que lançar a prejuízo R$ 20 bilhões, mas o mais importante é o que acontece depois.
— Liquidar é o governo pegar de volta a concessão e deixar a empresa sem receita — diz Santana.
Parece completamente inviável. O governo deixaria um terço do território, 13 milhões de brasileiros sem uma empresa responsável pelo fornecimento de luz? A melhor opção talvez seja baixar outro decreto cobrindo este custo anual e deixar isso ser resolvido pelo próximo governo. Aprovar o projeto no Congresso da privatização dessas concessionárias era o primeiro passo para privatizar a própria Eletrobras.
O projeto que está no Congresso, e que não foi votado, nem conseguiu a aprovação de urgência, permitiria resolver inúmeras pendências complexas, como compatibilizar o prazo de concessão, com o prazo de outorga das usinas termelétricas, e do gasoduto Urucu-Coari-Manaus. A maior das dificuldades é a Amazonas Energia que, em qualquer cenário, vai obrigar a Eletrobras a assumir uma parte do passivo.
O setor de energia no Brasil é uma sucessão inacreditável de confusões, prejuízos, regulação errada, má gestão e ocupação política de cargos. O que animou o mercado, quando se falou na venda de ações que faria o Estado perder o controle da Eletrobras, foi a esperança de acabar com décadas de nomeação política e má gestão na estatal de energia.
A Eletrobras chegou a valer R$ 46 bilhões em 2010. Durante o governo Dilma, a perda foi progressiva, mas ela desabou mesmo após a aprovação da MP 579, de setembro de 2012, que mudou o marco regulatório do setor e obrigou a Eletrobras a aceitar contratos que eram lesivos aos interesses da empresa. No ano seguinte, chegou a valer apenas R$ 7 bilhões. A partir de 2016, com a perspectiva do impeachment, e, depois, com nova gestão, ela foi recuperando valor e chegou a R$ 35,6 bilhões. Nos últimos meses, com a possibilidade de aprovação ficando mais remota, ela voltou a cair na bolsa e hoje vale R$ 18 bi, segundo a Economática.
O que fazer com as distribuidoras é só um dos vários problemas que ainda aguardam solução. O próximo governo terá que começar a consertar erros que ficaram de gestões passadas e procurar caminhos para tornar a regulação mais simples e o setor mais eficiente.