Michel Temer
Merval Pereira: O legal e o moral
O Planalto depende de todos os partidos que fazem parte da base aliada porque precisa tentar aprovar a reforma da Previdência, e o PTB tem uma bancada grande. Forma um bloco com o PROS, PSL e PRP com 26 deputados.O governo não tem como fazer o PTB desistir da vaga, muito menos sendo a escolhida a deputada Cristiane Brasil, que é filha do presidente do partido, Roberto Jefferson.
O primeiro indicado, que o ex-presidente Sarney vetou, eles aceitaram muito bem, inclusive porque foi a maneira que Jefferson encontrou de colocar o nome de sua filha no tabuleiro.
Com a confirmação do TRF-2 de não permitir a posse, por questões de moralidade administrativa, a disputa provavelmente vai parar no STF, onde a presidente ministra Carmem Lucia deve decidir solitariamente no recesso. A nomeação de ministro é uma prerrogativa do presidente, e a questão da moralidade administrativa deveria entrar na discussão, mas não está diretamente ligada à nomeação.
Além do mais, o caso de Cristiane Brasil é da esfera privada. É constrangedor ter uma ministra do Trabalho envolvida em disputa na Justiça do Trabalho, acusada de não pagar seus empregados dentro da lei, não assinar a carteira, mas não é um impedimento jurídico, é, sim, moral.
Os casos anteriores de impedimento pelo Supremo de o ex-presidente Lula assumir a chefia do Gabinete Civil da então presidente Dilma Rousseff, ou mesmo do caso recente do assessor de Michel Temer Moreira Franco, acusado de ganhar status de ministro para se blindar contra processo de Primeira instância do Judiciário, foram questões políticas mais elevadas.
No caso de Lula, tratava-se de uma clara obstrução da Justiça, revelada pela polêmica divulgação da gravação de uma conversa da presidente com ele, em que ficava claro que o termo de posse seria assinado com antecedência para Lula poder usar se fosse necessário, isto é, se fosse procurado por autoridades policiais.
Moreira Franco já era ministro na prática, reconhecido tal por todos, e só não foi nomeado na primeira leva porque o presidente Temer anunciou que cortaria vários ministérios. Não conseguiu, por injunções políticas.Na decisão do STF, o ministro Celso de Mello entendeu que a nomeação de alguém para o cargo de ministro de Estado não pode ser encarada como um fato de obstrução da Justiça, e destacou que a prerrogativa de foro privilegiado é uma consequência da nomeação.
“A nomeação de alguém para o cargo de ministro de Estado, desde que preenchidos os requisitos previstos no Artigo 87 da Constituição da República, não configura, por si só, hipótese de desvio de finalidade. Eis que a prerrogativa de foro – que traduz consequência natural e necessária decorrente da investidura no cargo de ministro de Estado não importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal ou de persecução penal”, disse.
O artigo 87 diz apenas que “Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos”. No entanto, na política, nem sempre o que é legal é aceitável eticamente, e o peso da moralidade, previsto no artigo 37 da Constituição de 1988, teria que ser levado em conta quando se trata de um cargo público.
Está escrito lá: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Juntamente com essa questão moral está a consequência de criação de 39 ministérios, o que nos coloca em uma situação que beira a burrice ou a incompetência, para usarmos a definição do empresário Jorge Gerdau, quando era assessor da presidente Dilma e tentava dar uma organizada para melhorar a gestão pública.
De lá para cá muito pouca coisa mudou, e os cargos no ministério são loteados entre os partidos políticos que apoiam o governo em troca de nomeações e benefícios. Por essas flexibilizações das questões de moralidade pública é que acontecem nomeações como as de Cristiane Brasil e suas conseqüências desgastantes para o governo.
Eliane Cantanhêde: O ano da foto
Nenhum poder escapou, mas a marca de 2017 é a foto do apartamento de R$ 51 mi
O ano de 2017 acaba hoje sem choro nem vela, deixando para a história duas denúncias da Procuradoria-Geral contra o presidente da República, o fim da impunidade de décadas do deputado Paulo Maluf, a primeira condenação do ex-presidente mais popular da redemocratização e a inclusão do presidente do PSDB no redemoinho moral. Nada, porém, marca tanto o ano quanto as fotos e vídeos da corrupção. Mais do que a foto do ano, tivemos em 2017 o ano da foto.
Qualquer retrospectiva política de 2017 mostra, forçosamente, as fotos de malas e caixas entupidas de R$ 51 milhões no apartamento do baiano Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Dilma Rousseff e de Michel Temer. E o vídeo da Polícia Federal com a corridinha ridícula do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures carregando uma mala com R$ 500 mil em São Paulo?
Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. Essas duas imagens, de um didatismo impressionante, expõem e chocam mais do que as milhões de páginas das delações premiadas que traçam a trajetória da corrupção desde os palácios da República até os bolsos, malas, contas, apartamentos, paraísos fiscais, joias, obras de arte, mansões, jatinhos, iates e festas.
Quem se esbaldou na festa sabe como funciona e, por isso, os relatos objetivos de Emílio e Marcelo Odebrecht e a carta adjetiva de Antonio Palocci ao seu partido, o PT, extrapolam qualquer ficção. Nessa oficialização pública do rompimento, um aviso prévio sobre o poder demolidor de sua delação premiada, Palocci foi direto ao ponto, ou direto a Lula.
“Um dia, Dilma e Gabrieli (ex-presidente da Petrobrás) dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o País construiu em toda nossa história”, escreveu Palocci, ministro da Fazenda de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma.
Em 2017, porém, o PT deixou de navegar sozinho nas revelações sobre os mares fétidos da corrupção que corroeu as finanças e a credibilidade da Petrobrás e se estendeu pelas estatais, fundos de pensão, empréstimo consignado, Estados e municípios. O PMDB, agora na Presidência da República, virou o principal alvo da PGR. O PP foi quase dizimado. E Aécio Neves empurrou o PSDB para o fundo desse poço.
Foi dessa competição em águas turvas que emergiu para as eleições de 2018 a figura controvertida de Jair Bolsonaro, o deputado com vários mandatos na Câmara que diz renegar a política, o militar fora do Exército há um quarto de século por situação beligerante e que se apresenta como militar.
E 2017 termina com Michel Temer errando a mão no indulto de Natal por motivos nada nobres, recuando no projeto do trabalho escravo e prometendo o que, talvez, não consiga entregar: a reforma da Previdência. Mas termina também com o Supremo, que passou o ano sob vaias, recebendo aplausos pela liminar justamente contra o indulto de Temer. (Registro: enquanto os ministros do STF se dividiam ao meio e ao vivo diante das questões essenciais, juízes se estapeavam pelo País para manter privilégios que agridem a Constituição.)
Temos, então, que o PT não está mais sozinho nas profundezas da Lava Jato e seus desdobramentos, nem o Legislativo está mais sozinho como vilão entre as instituições nacionais, agora disputando com o Executivo e o Judiciário. No ano da foto, portanto, houve uma democratização de alvos na maior e mais extensa operação de depuração política, ética e moral da história. Resta saber qual o resultado de tudo isso. As eleições estão aí para isso.
Felicidade, alegria e sobretudo bons votos em 2018!
Míriam Leitão: O tempo do poder
A ministra Cármen Lúcia corrige a coluna dizendo que não existe jurisprudência, nem mesmo o costume, de que ministros se aposentem após concluir o mandato de presidente do Supremo. Os que saíram da Corte o fizeram no tempo que escolheram e por razões específicas, segundo ela. A presidente do STF admite que mandato para ministros é tema que tem sido discutido em cortes constitucionais.
O problema levantado pela coluna existe: a longa permanência, o poder excessivo por tempo prolongado demais dos magistrados que chegam a tribunais superiores. No caso brasileiro, não há mandato, mas dependendo da idade em que foi escolhido, um ministro pode permanecer por 30 anos no cargo.
— Isso não faz bem para a pessoa, para o país e para o tribunal — admite a ministra Cármen Lúcia.
Ela já defendeu, no passado, o estabelecimento de um mandato, que poderia ser de dez anos. Hoje, tem algumas dúvidas diante do caso concreto.
— Os decanos cumprem um papel fundamental na Corte, como acontece com o ministro Celso de Mello — disse Cármen.
Nesse caso, sim, porque o decano atual é pessoa ponderada. Mas os intempestivos também virarão decanos um dia. Trinta anos ou mais para a permanência de alguém com tanto poder na vida brasileira é de fato excessivo e esse é um dos aperfeiçoamentos institucionais que o país deveria fazer. A própria ministra lembra que alguns países estabeleceram mandatos para os ministros das cortes constitucionais. Existem outros, como nos Estados Unidos, em que a vitaliciedade é levada a extremos: o ministro fica até morrer. No Brasil é 75 anos, e até recentemente era 70.
No passado recente, os ministros Nelson Jobim, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa pediram aposentadoria antes de chegar à idade limite. Jobim porque pensava em ser candidato à vice na chapa do ex-presidente Lula, o que acabou não sendo. Ellen deixou o tribunal dois anos depois de ter sido presidente e Joaquim Barbosa nem terminou o mandato de presidente do Supremo. Saiu em julho de 2014, encurtando o período de dois anos no comando da Corte, que terminaria em novembro. O ministro Moreira Alves e Sidney Sanches, nomeados respectivamente pelos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, ficaram até abril de 2003, no início do governo Lula. Antes de 1946, a vitaliciedade era até a morte.
Na Alemanha, os 16 ministros da Corte Constitucional têm mandato de 12 anos, com aposentadoria automática se chegam a 68 anos, e ninguém pode ser reconduzido ao cargo. Na Suprema Corte da Espanha, o mandato é de nove anos, mesmo tempo da corte italiana. Em Portugal são seis anos, sem recondução. Na Argentina, os membros não só ficam até os 75 anos, como podem ser reconduzidos por mais cinco anos. Enfim, cada país tem uma solução.
O Judiciário tem muito a rever e aperfeiçoar, porque a cobrança sobre o Poder tem aumentado até pela presença diária na pauta brasileira. O Brasil enfrentará agora um período eleitoral com uma velha distorção ficando ainda mais perigosa. Hoje a composição do Tribunal Superior Eleitoral inclui dois integrantes que são representantes da classe dos advogados. Eles normalmente estão ainda nas suas bancas. O que significa que podem advogar até às seis da tarde e, às sete, vestem a toga e vão julgar. O potencial conflito de interesses em época turbulenta da vida política brasileira, que será julgada nesses tribunais, é enorme. O mesmo acontece, com risco ainda maior, nos tribunais regionais eleitorais.
É natural que o país olhe para o Judiciário querendo que ele se torne mais eficiente, transparente e sem privilégios. Seus ganhos acima do teto serão sempre um ponto nevrálgico na sua relação com a opinião pública. A situação dramática do Rio Grande do Norte deixa isso mais claro. O estado está falido e atrasando salários de funcionários, mas 218 juízes e desembargadores do Estado conseguiram o direito de receber o auxílio-moradoria retroativo aos últimos seis anos, no valor total de R$ 39,5 milhões. O ministro Marco Aurélio Mello considerou que o valor integra o patrimônio deles. Discutir esses assuntos é uma forma de fortalecer a relação entre o Judiciário e o país.
Luiz Carlos Azedo: Hábitos inconfessáveis
Marun trombou com oito governadores do Nordeste, todos escolados na velha cultura de chantagear o governo para obter benesses nos momentos em que o Palácio do Planalto mais precisa de apoio
O “sincericídio” do novo ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), responsável pela articulação política no Congresso, pode ter posto tudo a perder. Certas práticas governistas nos bastidores da política são inconfessáveis, como a pressão sobre os governadores para apoiar a reforma da Previdência utilizando o poder de barganha do Palácio do Planalto na liberação de empréstimos dos bancos oficiais (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES).
Resultado: Marun trombou com oito governadores do Nordeste, quase todos escolados na velha cultura de chantagear o governo para obter benesses nos momentos em que o Palácio do Planalto mais precisa dos aliados. A carta dos governadores ameaçando o novo ministro foi duríssima: “Protestamos publicamente contra essa declaração e contra essa possibilidade, e não hesitaremos em promover a responsabilidade política e jurídica dos agentes públicos envolvidos, caso a ameaça se confirme.”
Com toda razão, os governadores invocaram o pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição, para protestar contra o que caracterizaram como “atos arbitrários para extrair alinhamentos políticos, algo possível somente na vigência de ditaduras cruéis”. Há que se considerar que seis governadores são de oposição, mas os dois do PMDB, Jackson Barreto, de Sergipe, e Renan Filho, de Alagoas, também subscreveram a carta. Somente Robson Faria, do PSD, não participou do piquenique na sombra do ministro.
Em tom de puxão de orelhas, a carta sugere que o presidente Michel Temer “reoriente os seus auxiliares, a fim de coibir práticas inconstitucionais e criminosas”. Há duas leituras subjacentes: a primeira, é o fato de que o Nordeste saiu da esfera de controle do Palácio do Planalto, o que é um péssimo sinal político, uma vez que, tradicionalmente, o eixo da “política de conciliação” é a relação da União com os governadores da região, independentemente de partido; a segunda, de que Marun terá que mudar o estilo trombador que caracterizava sua atuação na Câmara, sob risco de não sobreviver na função.
Uma das mudanças positivas do governo Temer no começo de sua gestão foi tirar as empresas estatais da esfera de barganha dos políticos, dando a elas uma gestão mais profissional e eficiente. Pedro Parente à frente da Petrobras é o melhor exemplo. O executivo tem larga experiência no setor público, faz parte de uma elite de gestores formada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sua atuação serve de paradigma para os outros gestores de estatais. Por isso mesmo, as declarações de Marun também provocaram uma reação contrária, embora surda, nas diretorias dos bancos oficiais.
É evidente, porém, que Marun não é um desmiolado na articulação política. Suas declarações certamente foram escandalosamente inábeis, mas refletiram um reposicionamento do Palácio do Planalto em pleno curso, mas que jamais poderia ter sido revelado. Ou seja, se o novo ministro falou o que disse, é porque a conversa no Palácio do Planalto sobre a utilização dos financiamentos dos bancos oficiais para pressionar os governadores existiu.
Além dos governadores nordestinos, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também criticou Marun. Disse que a declaração foi um equívoco e que o governo “tem a obrigação de trabalhar pela reforma, mas não pode vincular financiamento à votação de deputado”.
Emprego
O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, filiado ao PTB, pediu demissão do cargo ontem, dia em que o governo colheu seu maior revés na economia neste ano: em novembro, foram fechadas 12.292 vagas de trabalho com carteira assinada, segundo números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados pelo Ministério do Trabalho. É a diferença entre as contratações, que somaram 1.111.798, e o de demissões no mês passado, que totalizaram 1.124.090. Será substituído pelo deputado Pedro Fernandes (PTB-MA), também indicado pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, e pelo líder do partido na Câmara dos Deputados, Jovair Arantes (GO).
Não se sabe ainda se a onda de demissões será compensada pela contratação dos trabalhadores de acordo com as novas regras da reforma trabalhista, cujo impacto ainda é pequeno: 3.067 trabalhadores via contrato intermitente e 231 trabalhadores com contrato parcial (a nova lei elevou de 24 horas para até 30 horas semanais os contratos desse tipo).
Diogo castor: O decreto do insulto
O decreto parece ter sido feito sob encomenda para os condenados da Lava-Jato e criminosos da elite
Na última semana, causou polêmica a publicação do tradicional decreto de indulto natalino pelo presidente Temer.
A controvérsia recaiu na generosidade dos requisitos para concessão do indulto para crimes cometidos sem violência. Diferentemente dos textos publicados nos outros anos, que fixavam penas máximas para o condenado fazer jus ao benefício, o atual decreto não fixou pena máxima.
Além disso, também inovando, o perdão da pena pode ser concedido àqueles presos que cumpriram o mísero percentual de 20% da sanção aplicada na sentença, estando dispensados expressamente do pagamento de qualquer condenação pecuniária para obtenção do perdão do resto da condenação.
Segundo o ministro da Justiça, a adoção de uma postura mais liberal nos requisitos do indulto foi uma “decisão política” de Temer, que teria sido alertado que afrouxamento da punição contava com manifestações contrárias do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério Público, da força-tarefa da Lava Jato e até da Transparência Internacional.
O leitor pode pensar que a medida vai contribuir para desafogar o sistema carcerário brasileiro, que, nas últimas informações divulgadas, possui atualmente 726 mil presos para 358.663 vagas disponíveis. Ledo engano. O indulto só beneficia presos já condenados, enquanto 40% dos encarcerados no Brasil são presos provisórios.
Dos crimes que ocupam os primeiros lugares nas estatísticas de aprisionamento no Brasil, que são tráfico de drogas (28%), roubo (25%), furto (12%) e homicídio (11%), somente os condenados por furto poderão fazer jus ao benefício. Isso porque tráfico de drogas e homicídio não admitem indulto por serem crimes hediondos, enquanto o roubo não se enquadra nos requisitos camaradas do decreto por ser cometido com violência.
Quais os principais crimes que poderão se enquadrar no decreto? Todos os crimes de colarinho branco, como corrupção e lavagem de dinheiro, que, coincidentemente, são os delitos por que Temer e quase toda a sua trupe estão denunciados ou já condenados.
O referido decreto parece ter sido feito sob encomenda para os condenados da Lava-Jato e criminosos da elite, mais ainda, ao dispensar expressamente a reparação do dano para crimes contra a administração, o que tem sido um obstáculo legal para progressão de regime dos condenados na Lava-Jato.
Ou seja, com uma “canetada”, o presidente da República perdoou 80% das penas de réus de colarinho branco no país.
O decreto de indulto natalino de 2017 viola os princípios da proporcionalidade, da individualização da pena e da moralidade administrativa. Ademais, foi editado por um presidente da República que goza do pior índice da popularidade da história e que é diretamente interessado na norma.
Ao editar o decreto, Temer demonstrou onde é capaz de chegar para aniquilar o combate à corrupção e à impunidade no Brasil. Resta aguardar que STF declare a inconstitucionalidade do autoindulto. Do contrário, a luta contra corrupção no Brasil se tornará um mero registro nos livros de História.
Merval Pereira: A marca do pitbull
Não há nenhuma surpresa na atuação do ministro Carlos Marun na articulação política do governo. Ou alguém esperava que o deputado conhecido como pitbull do governo fosse agir na negociação parlamentar de maneira diferente da que sempre usou e, aliás, foi a responsável pela sua escolha neste momento?
Marun exigir reciprocidade de governadores na votação da reforma da Previdência em troca de financiamentos de bancos públicos, e dizer que isso é uma “ação de governo”, é o reflexo de uma visão política que domina o governo Temer.
Trocar o presidente do Banco do Nordeste, substituindo-o pelo diretor financeiro Romildo Carneiro Rolim, num acerto com o presidente do Senado, Eunício Oliveira, também. Os governadores que reclamam da pressão explícita, que está sendo classificada de chantagem, se surpreendem à toa, pois há muito tempo é assim que a banda toca no governo Temer.
Talvez Marun seja apenas mais explícito na tarefa de angariar votos, e tenha mais poder que o antecessor, o tucano Imbassahy. Toda essa movimentação nos bastidores do governo durante o recesso parlamentar só mostra como ele está empenhado em aprovar a reforma da Previdência, talvez a mais importante das que Temer se propôs a aprovar.
Não apenas pela sua importância em si mesma, mas pela mensagem que enviará aos investidores internacionais. Depende dela a continuidade da retomada econômica, que surpreende não pela intensidade, que ainda é baixa, mas pela expectativa que gera no ano eleitoral. Os números da economia são bons, diante da tragédia que se abateu sobre o país nos últimos dois anos, mas ainda não servem para marcar o governo como um “aliado substancioso”, como sonha o presidente Temer.
Dobrar a popularidade de 3% para 6% chega a tirar risada do próprio, que tem a exata noção de que neste nível não vai a lugar nenhum. Ao contrário, só será rejeitado, mesmo pelos candidatos do próprio campo político.
Com a aprovação da reforma da Previdência, mesmo que seja impopular num primeiro momento para principalmente as corporações, ele tem chance de chegar ao ponto crucial da eleição presidencial como o presidente que comandou uma recuperação sólida da economia, reduzindo especialmente o nível de desemprego.
Dificilmente a melhora será de tal porte que permita ao ministro da Fazenda Henrique Meirelles se tornar um candidato competitivo, mas permitirá que Temer participe da eleição sem ser o alvo principal dos ataques dos adversários, como aconteceu com Sarney em 1989.
O que dificulta o reconhecimento dos avanços econômicos, além da natural lerdeza da repercussão no cotidiano da população, são os métodos adotados para atingir os objetivos. Esse estilo Marun de conduzir negociações políticas deixa um rastro fisiológico que incomoda a classe média e reforça a imagem de degradação da classe política.
Não importa que o objetivo esteja correto, nem que os resultados sejam surpreendentemente bons. Afinal, fechar o ano com uma inflação de 2,5%, na banda inferior da meta, quase exigindo uma explicação do Banco Central por ter ficado abaixo do acordado, não é trivial depois de uma recessão violenta como a que tivemos. E melhora o poder aquisitivo da população.
Mas a popularidade viria mais facilmente se a nuvem negra da corrupção não sobrevoasse o governo em todos os seus atos e gestos. As práticas renovadas do “é dando que se recebe” servem aos adversários, que têm nelas argumento para rebaixar a importância de reformas como a da Previdência, que beneficiará os menos aquinhoados, mas é apontada pelos privilegiados como uma maneira de retirar os direitos dos cidadãos, mesmo que esses supostos direitos sejam os principais responsáveis pela falência do sistema.
Hubert Alquéres: Não foi nenhuma Brastemp, mas...
Para os pessimistas de plantão 2017 foi um ano para se esquecer e nada há para comemorar. Já os otimistas farão sua leitura cor de rosa, caracterizando-o como o ano em que o Brasil deu a volta por cima e saiu da recessão. Um e outro tem razão, ao menos parcialmente.
Quando se olha para o raquítico crescimento da economia e para os mais de 12 milhões de desempregados, a sensação é que de fato o ano em que se encerra já vai tarde, sobretudo porque a agenda da reforma ficou interditada.
Agregue-se ainda que a incipiente recuperação da economia dos últimos 12 meses pode ser interrompida tanto pela fraqueza política do governo, como pelas incertezas da batalha presidencial. Não se pode omitir que em 2017 a crise chegou ao PMDB e ao PSDB, atingidos pelos torpedos da Odebrecht e JBS.
Ao contrário dos dois anos anteriores quando multidões vestidas de amarelo foram às ruas nas jornadas do impeachment, neste ano a sociedade entrou em estado estupefação. A crise de segurança nos grandes centros urbanos e a banalização da impunidade fez surgir uma onda conservadora e regressista, que se expressa nos dois extremos que lideram as pesquisas eleitorais.
2017 não foi uma Brastemp, mas também não é para se jogar a criança fora com a água suja da banheira. Há muitas tonalidades cinzas nesse breu. A começar pela economia. E aqui há que se cotejar seus números com os anos de terra arrasada do governo de Dilma Rousseff, responsável por uma queda do PIB de 8,6% em dois anos, pelo desemprego de 14 milhões de brasileiros e inflação na casa de dois dígitos.
A simples reversão desse quadro já é um feito. Esse mérito o governo de Michel Temer tem, gostemos ou não. Não é irrelevante o fato de a inflação estar abaixo do centro da meta, afastando o fantasma inflacionário que tanto atormentou a vida dos brasileiros num passado não muito distante.
Tampouco é de menor importância a redução da taxa de juros básicos para a casa de 7%, trazendo os juros reais para padrões civilizados. Depois de canibalizada pela ação predatória e corrupta do lulopetismo, a Petrobrás voltou a ter lucro e retoma sua capacidade de investimentos. A mudança do marco regulatório do petróleo também é outro feito nada desprezível que dá espaço para a atração de investimentos privados na área de óleo e gás.
Projeta-se um crescimento econômico de 3% a 3,5% para 2018. Mas como a economia não opera em ambiente neutro e se alimenta de expectativas, a consolidação dos avanços obtidos em 2017 dependem da superação das incertezas e vulnerabilidades do cenário político.
Pode-se dividir 2017 em antes e depois da delação da JBS. Até então Temer contava com uma forte base parlamentar – quase 80% do Congresso Nacional - e seu governo tinha como núcleo principal o PMDB e PSDB.
Os tucanos emprestavam credibilidade ao presidente e este pintava que concluiria seu mandato como um presidente reformista que levou a bom termo a travessia de uma economia e um estado desorganizados para um país em condições de avançar na direção do crescimento sustentado.
A revelação das gravações de Joesley Batista descontruiu essa arquitetura. Atingido pelas denúncias, o PSDB também entrou em barafunda, sem saber como se comportar diante do passivo ético de Aécio Neves. Passou a viver o drama shakespeariano de ser ou não ser governo.
A crise existencial e política dos tucanos deixou não só o governo sem referencial, mas também o centro democrático sem um polo aglutinador.
A maior desestruturação veio na relação de Temer com sua base parlamentar. Às voltas com duas denúncias, o presidente tornou-se refém do Centrão.
No final de maio já era perfeitamente previsível que o governo perderia seu ímpeto reformista e que teria como principal objetivo estratégico livrar-se das denúncias, mesmo que tivesse de vender a alma ao diabo. A fatura do diabo veio agora, com sua base fisiológica dando-lhe um verdadeiro presente de grego às vésperas natalinas, com a postergação da aprovação da reforma da Previdência para a rubrica do Deus sabe quando.
O presente natalino da Justiça Federal para Lula não foi nada bom. Com a decisão da 8ª turma da 4ª Região de realizar seu julgamento em 24 de janeiro, complicou-se a estratégica lulista do fato consumado. Condenado e esgotado os recursos cabíveis, estará fora da urna eletrônica. O resto será agitação política ou aventura que aliado algum vai encarar.
São os imponderáveis da votação da reforma e do julgamento de Lula que estendem 2017 até os dois primeiros meses do ano. Mas como se diz que no Brasil tudo começa após o carnaval, vamos esperar.
Até lá, o jeito é curtir o que houve de bom no ano que se encerra, apesar de não ter sido nenhuma Brastemp.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP).
Merval Pereira: Reação ao indulto
A revolta dos procuradores de Curitiba com a ampliação do indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer mostra bem o que entendem estar por trás dela: a tentativa de influir no andamento das investigações da Lava- Jato e de outras operações que desvendam atos de corrupção. A medida é vista como um compromisso governamental de livrar da cadeia os condenados, neutralizando uma das mais importantes armas da investigação, a delação premiada. Além da reação retórica, que tem atingido tons muito acima do normal, especialmente por parte dos procuradores de Curitiba, caberia ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), ou pode acontecer de juízes de execução penal, caso a caso, deixar de aplicá-la se entenderem que é inconstitucional.
Alguns advogados consideram que é uma argumentação provável. A maioria consultada considera possível, porém difícil. Existem casos de juízes negarem indulto por falta de reparação do dano decorrente de corrupção. Como a lei para progressão da pena exige a reparação, a mesma lógica poderia ser aplicada ao indulto. Não é argumento incontroverso.
Com a perspectiva de receber o indulto depois de cumprir apenas 1/5 da pena, quem vai fazer delação, pergunta o procurador-chefe da Lava-Jato, Deltan Dallagnol. Ele ressalta que, na “colaboração premiada”, o réu entrega informações e provas sobre crimes e criminosos, assim como devolve o dinheiro desviado, em troca de uma diminuição da pena. Essas informações e provas são usadas para expandir as apurações e maximizar a responsabilização de criminosos e o ressarcimento aos cofres públicos. O réu só faz um acordo quando corre o risco de ser condenado a penas sérias, ressalta Dallagnol, sem se incomodar com a acusação de que a Lava-Jato se utiliza das prisões prolongadas para conseguir delações.
No ano passado, o indulto previa que só poderiam ser beneficiados os sentenciados a no máximo 12 anos, que tivessem cumprido um quarto da pena, se não reincidentes. Agora, o tempo de cumprimento cai para um quinto, independentemente do total da punição estabelecida na condenação.
A ampliação do indulto seria uma medida entre tantas que tentam aprovar, em diversas esferas de poder, para esvaziar a Lava-Jato. Antevendo essa possibilidade, a força-tarefa de Curitiba havia solicitado ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal que fossem feitas mudanças no indulto de Natal, para que os condenados por crime de corrupção não fossem beneficiados.
O presidente não aceitou as ponderações de órgãos consultores e, segundo o ministro Torquato Jardim (Justiça), tomou uma “decisão política” de ampliar os efeitos do indulto. O presidente, disse o ministro, “(…), entendeu que era o momento político adequado para se mudar a visão, ter uma visão mais liberal da questão do indulto no direito penal”.
O juiz Sergio Moro está também em campanha para que outra medida não venha a ser tomada, desta vez pelo STF: a interdição da prisão depois de uma condenação em segunda instância. Seria outro golpe mortal nas investigações, também na linha de reduzir o estímulo às delações premiadas.
Sem a ameaça de prisão em condenação de segunda instância, o réu poderia continuar tentando alargar o tempo dos recursos, como acontecia antes da decisão do Supremo que está prestes a ser revogada. O julgamento que permitiu a antecipação da prisão, antes do trânsito em julgado, terminou com o placar de 6 a 5, mas o ministro Gilmar Mendes já anunciou que reverá a posição quando o assunto voltar a julgamento.
Mesmo que o ministro Alexandre de Moraes confirme o voto a favor dado por seu antecessor, Teori Zavascki, como se comprometeu na sabatina do Senado, o resultado será invertido.
O empresário Marcelo Odebrecht, por exemplo, só se decidiu a fazer a delação premiada depois que o STF tomou tal decisão. Para Dallagnol, “a grande verdade é que grandes líderes partidários estão na mesma berlinda e que as investigações estão em expansão e que o que ele (Temer) está conseguindo é uma saída para todo mundo.” De acordo com a Lava-Jato, 37 corruptos condenados por Sergio Moro poderão ser beneficiados pelo indulto de Temer.
A afirmação do ministro da Justiça de que a ampliação do indulto foi “uma decisão política” de Temer, que considerou esta ser a hora apropriada para uma visão mais “liberal” desse poder concedido ao presidente da República, mostra bem como Temer encara o combate à corrupção no país. O que mais indica que essa decisão é benefício inestimável aos futuros condenados por corrupção é que ela está tendo o apoio de amplos grupos políticos, dentro e fora de sua base aliada, demonstrando que as ações da Lava Jato não têm objetivo partidário específico, como são acusadas.
Murillo de Aragão: Melhor que a encomenda
Termina 2017 melhor do que a encomenda e as expectativas mais prudentes. Avançamos significativamente na modernização das relações trabalhistas graças à proposta do Executivo acatada pelo Congresso, que também aprovou outras medidas relevantes para alentar a economia.
Entre elas estão: a PEC destinada a conter os gastos públicos, a nova lei de exploração do pré-sal (quebra da exclusividade Petrobras com participação de um terço dos investimentos) e mudança da taxa de juros do BNDES, agora referenciada no que o governo paga para se financiar no mercado, entre outros projetos voltados para o equilíbrio fiscal e o retorno à estabilidade.
O leitor já conhece uma série de estatísticas que demonstram as conquistas do programa de reformas que o governo pôs em prática como meta a alcançar. Mas alguns números funcionam como selo de validade dessa nova fase.
Entre janeiro e outubro, segundo dados que o presidente Temer mencionou – e sofreram depois pequeno ajuste – em artigo publicado no Estado de S. Paulo, o superávit da balança comercial atingiu a US$ 58,47 bilhões, com evolução de 51,8%. Até dezembro (segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), esse valor vai a US$ 64,3 bilhões. Depois de longo período estagnada, a produção industrial cresceu 1,6%.
Sinal dessa virada, as exportações de veículos escalaram 55,7%, superando as 560 mil unidades nas contas do acumulado de 2017. A venda de veículos novos no mercado interno aumentou 9,28% em relação a igual período do ano anterior.
Ou seja: recuperamos o dinamismo econômico e vamos crescer mais de 1% depois da tragédia dilmista. A operação Lava-Jato também avançou e continuou a promover alterações sistêmicas no cenário político. As ações do judiciário, especialmente do Supremo e do TSE, apesar de seu ativismo, colaboraram com os ventos modernizadores encampados pela sociedade.
Não prosperamos mais por conta das ações atabalhoadas da PGR de Janot que, no afã de impedir Raquel Dodge, tumultuou a cena polícia com denúncias do tipo meio barro meio tijolo. O saldo foi um desgaste injustificado para o país que custou meio ponto no PIB. Entre maio e agosto, o Brasl ficou em compasso de espera.
A reforma Previdenciária poderia ter sido aprovada e consolidado melhores expectativas. Venceu, nesse ponto, o corporativismo e o obscurantismo.
Pelo menos, o debate da reforma Previdenciária ganhou consistência, mesmo sendo sabotado pelo discurso pseudo-progressista de setores da oposição. Os brasileiros não devem se enganar. A Previdência pública consome bilhões para sustentar poucos. E o modelo é insustentável.
Assim, entre mortos e feridos, o Brasil se salvou e poderá ter um 2018 um pouco melhor.
* Murillo de Aragão é cientista político
Míriam Leitão: Aperto no cinto
O adiamento da reforma da Previdência e de outras medidas do ajuste fiscal vai levar o governo a apertar ainda mais o cinto em 2018. A aprovação da reforma traria uma economia em torno de R$ 5 bilhões no ano que vem, o mesmo valor estimado para o adiamento do reajuste dos servidores. Como o governo precisa cumprir o teto de gastos, isso quer dizer que R$ 10 bilhões de outras despesas terão que ser cortados.
A avaliação de uma fonte da equipe econômica é de que ainda há grande chance de aprovação da reforma em fevereiro. Apesar da volatilidade na bolsa e no câmbio, a visão é que o mercado financeiro segue dando um voto de confiança ao governo. A bolsa e o dólar caíram menos de 1%, e o risco-país ainda permanece muito abaixo dos piores momentos da crise (veja o gráfico).
Um dos argumentos usados pelo governo para tentar convencer a base aliada a aprovar a reforma é que o cenário de rejeição do texto será de enorme estresse na economia em pleno ano eleitoral. Ou seja, se aprovar a mudança nas aposentadorias pode ser impopular, um quadro de piora na recuperação também terá efeito adverso sobre as urnas. Muito além do impacto no mercado financeiro, o aumento do contingenciamento irá paralisar obras, adiar investimentos, e prejudicar o funcionamento de diversos órgãos que prestam serviços diretos à população, como a Receita e a Polícia Federal, que faz a emissão de passaportes.
— O ano eleitoral já não será de aumento de gastos públicos, como tradicionalmente acontece no Brasil. O Orçamento de 2018 prevê uma queda na despesa primária do governo, de 19,9% do PIB para 19,1%. Sem a aprovação da reforma da Previdência, haverá estresse forte, que vai afetar a recuperação da economia — afirmou.
Uma boa notícia é que os sinais são de recuperação da arrecadação neste segundo semestre. Se de janeiro a julho só não houve frustração de receitas em um único mês, desde agosto está acontecendo o contrário, com crescimento real em torno de 3% a 4% sobre o ano anterior, acima do esperado.
Mesmo assim, a preocupação continua grande entre especialistas em contas públicas. Fábio Klein, da Tendências Consultoria, teme que o governo não consiga cumprir a regra do teto no ano que vem, por causa do adiamento das medidas de ajuste. Se isso acontecer, o Orçamento de 2019 sofrerá uma série de restrições, que vão praticamente paralisar o início do novo governo eleito.
Voto de confiança
Apesar das incertezas, o risco-país não sofreu grandes oscilações. O CDS de cinco anos, espécie de seguro contra maus pagadores, estava ontem em 167,4 pontos, pouco acima do menor nível no ano, os 162 pontos registrados semana passada. Nos piores momentos de 2015, o CDS chegou a 533 pontos.
No meio do caminho
Um dos temores do economista Fábio Giambiagi, especialista em contas públicas, é que a reforma seja aprovada apenas em uma das duas Casas do Congresso no ano que vem. “O calendário é apertado para passar na Câmara e no Senado. Em fevereiro há carnaval, em março, haverá muita troca de partidos com a janela partidária e a reforma como está apresentada não vai resolver os problemas da Previdência. Então, em 2019, um novo governo eleito poderia apenas concluir esta votação, e o desequilíbrio continuaria”, explicou.
ACELERADO. Giambiagi diz que o número de mulheres que se aposentam por tempo de contribuição tem crescido 6% ao ano. Acha inevitável igualar as regras. “Em 1994, eram 300 mil. Hoje, há 1,8 milhão de mulheres aposentadas por contribuição”, disse.
Rubens Bueno: Chances desperdiçadas
Sabe aquela história do cavalo encilhado? Pois em 2017 ele passou mais de uma vez e os poderes da República abriram mão de cavalgar na direção de um Brasil mais justo, desenvolvido e decente.
O governo de Michel Temer, que na sua formação se mostrava compromissado com as reformas que são tão necessárias para a retomada de nosso crescimento, sucumbiu as práticas da velha política. Loteou ministérios entre investigados na Lava Jato e denunciados por corrupção para garantir o apoio de partidos.
O presidente se enredou, pessoalmente, em tramas para atrapalhar a apuração de casos de corrupção e jogou o país novamente em uma crise política a ponto de ter sido denunciado pelo Ministério Público por corrupção e organização criminosa.
Diante disso, a Câmara dos Deputados jogou fora a chance histórica de dar um de seus maiores exemplos e permitir que fosse adiante a denúncia contra o presidente. De costas para a sociedade, preferiu barrá-la, frustrando toda uma sociedade que tinha a esperança de que finalmente teríamos um país onde ninguém está acima da lei ou a salvo de investigações.
No Legislativo, outras chances foram jogadas fora. Mais uma vez a aprovação do fim do foro privilegiado foi adiada. A reforma tributária também não apareceu. A da Previdência, tão necessária para o país, de tantas idas e vindas pode caminhar na direção da aposentaria.
Governo e Parlamento deram prioridade a medidas pontuais para ajudar esse ou aquele setor, uma e outra categoria. Em plena crise, o país abriu mão de bilhões ao aprovar novos refinanciamentos de dívidas e outra penca de incentivos fiscais.
De acordo com o Banco Mundial, os gastos com políticas e programas de apoio ao setor privado pularam, entre 2006 e 2015, de 3% para 4,5% do PIB. Ou seja, durante os governos passados esses gastos aumentaram 50%, consumindo quase R$ 200 bilhões da receita somente em 2015. E isso em um governo do PT, o partido que diz representar os trabalhadores.
Estamos gastando por ano com programas de incentivo às empresas praticamente o que gastamos em 1 década com o Programa Bolsa Família. A quem interessa esse tipo de estrutura de gastos do Governo Federal? Certamente isso não é de interesse do conjunto da sociedade.
Só não foi um ano perdido porque conseguimos aprovar algumas medidas importantes para o nosso desenvolvimento, como é o caso da reforma trabalhista, que apesar de algumas imperfeições, colocará o Brasil mais perto da realidade das relações de trabalho no mundo atual.
O Judiciário, em muitos casos, ficou olhando o cavalo passar. Não deu agilidade a apreciação das diversas denúncias contra políticos relacionadas a operação Lava Jato. Adiou, mais uma vez, a conclusão final do julgamento sobre a restrição do foro privilegiado.
Com relação a mordomias e privilégios, faltou o exemplo. Continua pendente de análise final pelo plenário da Casa a liminar, concedida pelo ministro Luiz Fux, que estendeu o pagamento de auxílio moradia para juízes, promotores e procuradores de todo o país.
O valor despendido para esses gastos no Judiciário Federal saltou de R$ 3.068.070 em 2009 para R$ 307.652.772 em 2016, o que representa um aumento de indecentes 10 mil por cento. Já no Ministério Público da União os repasses para o auxílio moradia saltaram de R$ 2.906.700 para R$ 105.392.91 no mesmo período. Um crescimento de incríveis 3,6 mil por cento.
Esse tema faz parte de uma nova missão que assumi como relator do projeto (PL 6726/16) que regulamenta o teto salarial dos servidores públicos e visa impedir o pagamento dos chamados supersalários. A ideia é reduzir drasticamente benefícios criados nos três poderes para que um servidor possa receber vencimentos acima do teto constitucional estabelecido pela Constituição.
Nossa intenção era ter concluído o relatório em novembro para que a matéria fosse analisada pelo plenário da Câmara ainda em 2017. Infelizmente, por atraso no envio de dados por parte do Poder Judiciário, só poderemos votar a proposta em 2018.
Esperamos que no próximo ano, quando teremos eleições essenciais para o futuro do país, os poderes da República reajam e os eleitores, na frente da urna, também não deixem o cavalo passar.
* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná
Merval Pereira: Argumento eleitoral
Providencialmente para o governo Temer, a reforma da Previdência se transformou no tema central da campanha presidencial que já começou, mesmo que indiretamente. Depois de tempos patinando sem encontrar argumentos políticos convincentes de mobilização de sua base para a aprovação do projeto, o governo ganhou inesperadamente o argumento que faltava: PT e PSDB, cada qual à sua maneira, se colocam contra a reforma, aquele escancaradamente, este subrepticiamente, porque receiam que a reforma alavanque a economia, levando água para o moinho governista.
Essas atitudes partidárias de potenciais adversários estão convencendo a base governista na Câmara de que talvez o risco imediato de desagradar eleitores se transforme em trunfo de médio prazo, fazendo com que governistas disputem a eleição em condições econômicas favoráveis, com desemprego em baixa e investimentos em alta.
O discurso do combate aos privilégios está ganhando apoio na opinião pública, informam pesquisas internas, e as corporações de servidores públicos que se colocam contrárias à reforma não são, em sua maioria, eleitores dos partidos do centrão, e sim do PT, que deu continuidade à reforma previdenciária iniciada no governo de Fernando Henrique e engavetou-a para não trombar com os sindicatos.
O PSDB, que tem historicamente compromisso com as reformas e as privatizações, está correndo o risco de cometer o mesmo erro de 2006, quando o então candidato presidencial Geraldo Alckmin se abraçou às estatais para se livrar da pecha de privatista lançada pelo PT.
Agora, parte do partido já não representa um setor modernizador homogêneo da sociedade, contra os privilégios, mas busca o apoio desses mesmos privilegiados, numa equivocada ânsia de votos onde não é bem visto, pelas suas virtudes, das quais abre mão para cultivar defeitos.
Verdade seja dita, o governador Geraldo Alckmin mantém o discurso a favor da reforma da Previdência. Só não tem força para fechar questão, diante da reação de um grupo minoritário. Dependendo do tamanho dessa dissidência, pode ser que o partido se reencontre com seus valores.
O governo, enfim, encontrou uma linguagem efetiva para reunificar sua base partidária, colocando na mente de seus apoiadores a dúvida cruel: se não aprovarem a reforma, quem ganhará é o PT, que a combate, e não necessariamente os governistas. E a conseqüência será a piora da economia, fazendo com que a oposição chegue à eleição reforçada.
O governo terá que apertar o cinto mais fortemente para compensar a repercussão negativa da derrota. Se a reforma da Previdência for aprovada, e a economia pegar ritmo de crescimento, os beneficiados serão os governistas. Não votar, portanto, não é uma opção para quem está no barco do governo, incluindo nesses até mesmo os que votaram a favor da continuação das investigações contra Temer.
Tratados em conseqüência como inimigos a serem destruídos, estão sendo aceitos de volta ao ninho governista, mesmo que com ressalvas.Voltaram a receber benesses, mesmo que em medida menor que os fiéis. Neste fim de semana está sendo decidido se é possível votar a reforma na semana de 18, ou se a dificuldade persistente obrigará a adiar o esforço.
Nesse caso, a decisão é marcar a votação para o dia 2 de fevereiro, na volta do recesso. Assim o governo teria mais de um mês para trabalhar as dissidências que ainda resistem. A volta do recesso pode ser benéfica, se o deputado constatar na sua base que o bicho não é tão feio quanto parece. Mas há o risco de muitos desistirem, se sentirem de perto a rejeição à reforma da Previdência.