Michel Temer

Míriam Leitão: Cenário eleitoral

Doador de dinheiro sujo sabe que agora CEO vai para a cadeia. O quadro eleitoral fica mais presente, ainda que não tenha nitidez. A semana terá lançamento de pré-candidaturas e julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula no STJ. Isso depois de uma semana em que Lula deu a entrevista acenando para Michel Temer e o presidente passou a ser investigado em mais um processo, por pedido de sua escolhida Raquel Dodge e decisão do ministro Edson Fachin.

Há vários motivos pelos quais esta será uma eleição diferente das outras. Uma delas é o financiamento. A doação legal das empresas foi proibida, a ilegal está sendo constrangida fortemente. Hoje, as empresas sabem que o CEO vai pra cadeia, que dono e herdeiro de empresa podem passar uma longa temporada na prisão. Estão todos avisados. E isso, no mínimo, terá o poder de dissuadir muita gente que em outros tempos não hesitaria em encher malas de dinheiro e enviá-las para candidatos. Caso nada disso constranja o dinheiro sujo, quem fizer uma campanha cara ficará exposto.

Os dois partidos que têm o maior volume de dinheiro do fundo partidário e do fundo eleitoral são o MDB, com R$ 304,9 milhões, e o PT, com R$ 300,9 milhões, segundo estimativa feita pelo cientista político Jairo Nicolau. Desses, o MDB ainda não disse com que candidato vai. O PT aferra-se à candidatura de Lula, que muito provavelmente será declarado inelegível. Dois candidatos que têm pontuado bem em todas as pesquisas, Jair Bolsonaro e Marina Silva, terão apenas R$ 14,8 milhões (PSL) e R$ 14,6 milhões (Rede), 23º e 24º lugares na distribuição de recursos públicos. O Podemos receberá R$ 41 milhões. Os grandes partidos ficam com a parte do leão. Ao todo serão 35 partidos recebendo o valor de R$ 2,362 bilhões do dinheiro do contribuinte. Pela estranha legislação brasileira de recursos públicos para as eleições, até os muito nanicos ou que acabaram de se formar terão direito a um bom bocado. Os três últimos serão PCO, PMB e Novo, cada um com em torno de R$ 2 milhões. A lei concentra os recursos nas oligarquias partidárias, e distribui um cala-boca para partidos sem qualquer viabilidade eleitoral.

O MDB não tem candidato a presidente desde 1994, quando Orestes Quércia ficou com 4,4% dos votos, atrás de Enéas. Desta vez, o partido tem um poder inédito: o da máquina da Presidência. Além do maior volume de recursos públicos, num tempo de vacas magras de financiamento. Resistirá ao apelo de ter um candidato mesmo que seja Temer e sua terrestre popularidade?

A entrevista de Lula à Monica Bergamo esclareceu muitos pontos. Ele criou a versão fantasiosa de conspiração americana contra a Petrobras porque essa ginástica nos fatos talvez sirva para os palanques. Com um mínimo de honestidade não dá para explicar o ataque do PT e seus aliados aos cofres da Petrobras sobre o qual há evidências acima de qualquer dúvida. Melhor dizer que tudo é culpa da cobiça americana atrás das reservas do pré-sal. O outro delírio também tem um propósito. Quando ele diz que Temer resistiu ao que ele definiu como tentativa de golpe da Globo está evidentemente querendo construir uma ponte para o futuro com seu velho aliado nas últimas campanhas, o partido do Temer.

Na campanha de Jair Bolsonaro, o economista Paulo Guedes deu entrevistas longas para explicar seu pensamento. Continua sem solução o mistério de como as ideias liberais de Guedes serão colocadas na mente intervencionista do candidato. Já nas ideias políticas, parece haver mais harmonia. À “Folha de S. Paulo”, Guedes declarou: “O Ustra disse que não torturou ninguém. Quem está falando a verdade, quem não está?” Mais de quarenta pessoas que passaram pelo Doi-Codi, entre 1970 e 1974, então sob o comando de Ustra, não podem sequer dar suas versões, porque não saíram vivas.

A eleição cuja campanha oficialmente não começou é um tabuleiro em que as pedras se movem a cada dia, mas ainda está muito longe de se saber como será o jogo para valer.

* Em 2017, exceto por uma semana, passei o ano mergulhada no trabalho neste país intenso e esqueci das férias. Por isso, sairei agora por três semanas. Vocês ficarão com o talento dos colunistas Alvaro Gribel e Marcelo Loureiro.

 


Merval Pereira: Cai a blindagem

Ao acatar o pedido da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, de incluir o presidente Michel Temer na investigação sobre o suposto pagamento de R$ 10 milhões em propinas da Odebrecht para o PMDB, acertado em um jantar no Palácio Jaburu quando ainda era vice-presidente, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin confirmou uma jurisprudência que havia sido interrompida na gestão de Rodrigo Janot.
Temer fora excluído do inquérito, que inclui os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha, porque o antecessor de Dodge argumentava que a Constituição proíbe a responsabilização do presidente por crimes cometidos antes do início do mandato.
Dodge é de uma linha diversa, que conta com o apoio de jurisprudência do Supremo segundo a qual o presidente pode ser investigado, mas não denunciado por crimes cometidos fora de seu mandato presidencial.
O ex-ministro Teori Zavascki, relator no Supremo da Lava-Jato na ocasião, concordou com Janot, mas voltou atrás meses depois, admitindo que o entendimento consolidado da Suprema Corte permitiria a abertura de investigação contra a então presidente Dilma Rousseff na Lava-Jato, caso houvesse indícios do envolvimento dela em irregularidades:

“Não se nega que há entendimento desta Suprema Corte no sentido de que a cláusula de exclusão de responsabilidade prevista no parágrafo quarto do artigo 86 da Constituição (o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções) não inviabiliza, se for o caso, a instauração de procedimento meramente investigatório, destinado a formar ou a preservar a base probatória para uma eventual e futura demanda contra o chefe do Poder Executivo.”
A principal proteção é a chamada “relativa e temporária irresponsabilidade” pela prática de atos estranhos ao exercício de suas funções, como está previsto no art. 86, § 4º da Constituição. Essa regra surgiu pela primeira vez no Brasil durante o regime do Estado Novo de Getulio Vargas na Carta Autocrática de 1937. As demais constituições republicanas jamais contemplaram a imunidade penal temporária, de tal modo que, sob todas as outras constituições, o presidente da República poderia ser processado até por fatos estranhos ao desempenho do mandato presidencial.
A Constituição de 1988 trouxe de volta esse dispositivo, que é compatível com a lógica autoritária do Estado Novo. No entanto, outras constituições de Estados democráticos também conferem ao chefe de Estado essa imunidade temporária. Na França, só é permitido que se instaure processo criminal contra o presidente da República na hipótese de crime de traição.
A posição que orienta a jurisprudência é a do decano do Supremo, ministro Celso de Mello, na época em que Fernando Collor era presidente da República, em que dizia que não poderia ser processado, a não ser por atos praticados durante seu mandato, mas ressaltava: [...] De outro lado, impõe-se advertir que, mesmo na esfera penal, a imunidade constitucional em questão [aquela do presidente da República] somente incide sobre os atos inerentes à persecutio criminis in judicio. Não impede, portanto, que, por iniciativa do Ministério Público, sejam ordenadas e praticadas, na fase pré-processual do procedimento investigatório, diligências de caráter instrutório destinadas a ensejar a informatio delicti e a viabilizar, no momento constitucionalmente oportuno, o ajuizamento da ação penal”.
Os que defendem a blindagem completa lembram que uma investigação, que eventualmente aponte crimes contra presidentes, pode gerar uma crise institucional, mesmo que não haja a condenação. Os defensores das investigações alegam que, muitas vezes, a prova se dilui com o passar do tempo, testemunhas morrem, documentos são destruídos, e é preciso preservar a capacidade de a Justiça obter informações no prazo certo, para usá-las mais adiante se for o caso.

El País: Apesar de impopularidade recorde, Temer estuda lançar sua candidatura

Presidente obteve apenas 1% da intenção de votos nas últimas pesquisas, mas o objetivo seria vender o apoio do MDB

Por Afonso Benites, do El País

Nos bastidores, o discurso é de que o presidente Michel Temer (MDB) estuda lançar sua candidatura ao Planalto principalmente para defender o seu “legado”, já que até o momento ninguém se dispôs a fazê-lo. Mas entre os que planejam as eleições no MDB a razão é outra: vender mais caro o apoio em um eventual segundo turno. Afinal, mesmo que haja uma onda de renovação na política, dificilmente a legenda deixará de ser um dos partidos que mais elegem parlamentares. E é esse apoio no Congresso Nacional que os medebistas querem leiloar, conforme relataram ao EL PAÍS, três membros que circulam entre a cúpula da legenda. O alvo favorito seria um dos partidos de centro-direita que pode chegar na segunda etapa eleitoral.

Hoje, o partido possui a maior bancada da Câmara dos Deputados (59) e do Senado (20). Nas últimas cinco eleições tem eleito entre 65 e 84 deputados e de 15 a 24 senadores. Ou seja, possivelmente o MDB, ou parte dele, acabará fazendo parte do futuro Governo federal, é o que tem ocorrido desde a redemocratização do país, em 1988.

O presidente e seu entorno sabem que, mesmo que a intervenção federal na segurança pública no Rio de Janeirotenha sucesso ou que a economia demonstre sinais intensos de recuperação dificilmente conseguiria se reeleger. Temer já alcançou a marca do mandatário mais impopular do Brasil, quando atingiu os 3% de popularidade (hoje tem 6%) e, na última pesquisa Datafolha de janeiro, obteve apenas 1% das intenções de votos.

Os balões de ensaio lançados nos últimos dias pelo marqueteiro de Temer, Elsinho Mouco, e pelo presidente da legenda, Romero Jucá, não foram em vão. Seus objetivos eram medir o nível de apoio que a proposta teria no meio político e esfriar os ânimos de dois pretensos candidatos da base governista, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD).

Os resultados, contudo, não foram como se esperava. A entrevista que Mouco deu ao jornal O Globo, em que dizia que Temer “já era candidato” após a intervenção no Rio gerou dois desmentidos. Um do próprio marqueteiro e outro do porta-voz da Presidência da República, Alexandre Parola. Mouco afirmou que suas falas representavam apenas sua própria vontade, não a de seu chefe. Já Parola disse que o presidente não se pauta na agenda eleitoral para tomar suas decisões. “O governo seguirá sua trajetória sem pautar-se pela busca do aplauso fácil, mas na rota firme das decisões corajosas que buscam enfrentar e resolver os dramas verdadeiros de nossa Nação, sem nenhuma significação eleitoral”.

Falta de nomes e sem Previdência

A busca de uma candidatura própria ao Planalto ganhou força entre os peemedebistas em 2015, ainda quando Dilma Rousseff (PT) se enfraquecia na presidência da República. Naquela ocasião, pré-impeachment, o nome do então vice-presidente Temer era o favorito para disputar o cargo. Quando ele assumiu a presidência, contudo, manteve índices pífios de popularidade e enfrentou resistências de parte do Congresso.

Após aprovar medidas impopulares e polêmicas como a instituição de um teto de gastos públicos e a reforma trabalhista, o governo almejava aprovar a reforma da Previdência por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC). Sem votos para tanto, acabou a enterrando a publicar o decreto de intervenção na segurança do Rio. Enquanto a intervenção persistir, nenhuma alteração na Constituição Federal pode ser votada.

A tendência é que o mercado financeiro reaja mal à não votação da reforma previdenciária. A aliados, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já reclamou do recuo na votação da Previdência. Chegou a dizer que é possível que as agências de classificação de risco reduzam ainda mais o índice de confiança na economia do Brasil. Hoje, Standard & Poor, Fitch e Moody’s, mantém o país abaixo do grau de investimento.

Como uma tentativa de dar uma resposta, de maneira açodada, a gestão Temer lançou um pacote de 15 projetos na área econômica que teriam o aval do Governo. O “vendeu” como se nos próximos dias tudo entraria em votação no Congresso. Faltou combinar com Rodrigo Maia, que se sentiu, mais uma vez, alijado do processo de discussão e afirmou que quem faz a agenda do Legislativo são os congressistas, não o Executivo.

Essa queda de braço deve se intensificar nos próximos meses. Maia, que ainda é aliado de Temer, articula sua candidatura ao Planalto. Nas últimas semanas, guardou algumas mágoas com o governo. A mais recente é por ter sido excluído dos debates prévios sobre a intervenção no Rio, sua base eleitoral.


Eliane Cantanhêde: Nem inferno, nem céu

Michel Temer deu uma cambalhota, mas nem por isso vira santo ou candidato

O presidente Michel Temer deu uma cambalhota. Deixou de ser o presidente mais impopular desde a redemocratização, sem horizonte e carregando nas costas o defunto da reforma da Previdência, para passar a ser o presidente que interveio no Rio de Janeiro, deflagrou uma guerra à violência e passou até, vejam só, a ser considerado candidato a um novo mandato.

Nem ao inferno, nem ao céu. Temer enfrentou uma pedreira desde o impeachment de Dilma, com a pecha de golpista e as denúncias de Rodrigo Janot, e sacou a arma que sabe manejar bem: a negociação com partidos e políticos, chegando a excrescências como nomear, e desnomear, Cristiane Brasil, sob intenso tiroteio da mídia e com o Ministério do Trabalho vago. Nem por isso era o diabo.

Mas também não vai virar santo – ou candidato –, de uma hora para outra, só com a intervenção na segurança. Apenas ganha fôlego, possivelmente alguns pontos nas pesquisas e discurso para enfrentar os áridos meses até a eleição e a passagem de cargo, com os holofotes nos candidatos, não num governo nos seus estertores.

Antes da intervenção, Temer só entrava mal na mídia. Com a intervenção, entra na boa e ganhando colunas, notinhas e análises sobre uma possível candidatura. Na eleição, tende a sair das manchetes, minguar, tendo de fugir de denúncias e dos malfeitos de companheiros do PMDB e de assessores no governo. Portanto, das páginas policiais.

O que dizer do encaminhamento de Gustavo Perrella como futuro ministro dos Esportes? Não é aquele famoso pela apreensão de um helicóptero da família com cocaína no Espírito Santo? Agora, Temer não tem mais a desculpa de ter de ceder tudo, anéis e dedos, por três ou quatro votinhos a mais para a Previdência. Livre, ele pode escolher melhor, certo? Sua própria equipe acreditava nisso.

E Henrique Meirelles? Presidente do Banco Central de Lula, ileso no desastre Dilma e ministro da Fazenda de Temer, ele só deixou o primeiro time do BankBoston e voltou ao Brasil com uma única ideia fixa: ser presidente da República. Faltou combinar com os adversários. E com ele próprio, sua falta de jeito e de talento para a política.

Além disso, Meirelles pode capitalizar os avanços positivos na economia, com previsão de crescimento acima dos 3% em 2018, inflação e juros historicamente baixos e balança comercial animada, mas... a pior herança de Dilma foi a cratera fiscal e isso continua sem solução. E teve azar. Sem ter quem lançá-lo, ele decidiu lançar-se. No mesmo dia, a agência Fitch rebaixou a nota do Brasil pela falta da reforma da Previdência e de perspectivas de sair do atoleiro fiscal.

É assim que o governo que não tinha nenhum candidato passou subitamente a ter dois, mas nenhum deles é capaz de convencer de que tem as condições de decolagem, voo seguro e pouso garantido. Tudo pode mudar, mas a expectativa é de que se gaste muita tinta e gogó com as candidaturas Temer e Meirelles para nada. Assim como se gasta com as de Lula, ficha suja, e Jair Bolsonaro, aquele que faz que vai, mas não vai.

Além deles, João Doria não deu para o gasto, Luciano Huck roeu a corda, ninguém mais fala em Rodrigo Maia, Marina Silva faz campanha escondida, Ciro Gomes ainda não foi assimilado pelo PT, Álvaro Dias é regional. Enquanto o centro e a direita vão de voo de galinha em voo de galinha e a esquerda está imobilizada pelo fator Lula, Geraldo Alckmin vê a Lava Jato avançando pelas searas do PSDB justamente no ano eleitoral. Ele tem as condições objetivas e trabalha com afinco para consolidá-las, aguardando pacientemente o apoio do Planalto. Mas precisa sobreviver e garantir as condições subjetivas: Alckmin precisa alavancar Alckmin.

 


Míriam Leitão: Os dois atos

A criação do Ministério da Segurança não representa coisa alguma, a não ser a transferência de órgãos de um lado para outro da Esplanada, já muito abarrotada de ministérios, e mais cargos para nomeação. Dependendo de quem for escolhido para comandá-lo, pode ser ainda pior do que já está. Por que a Polícia Federal ou a Polícia Rodoviária Federal ficariam melhores saindo da Justiça?

Ao anunciar ontem que vai criar o novo órgão, o presidente Temer reduz a força de sua própria decisão de sexta-feira de decretar a intervenção na segurança do Rio. No primeiro ato, é a tentativa de encontrar uma saída para problema agudo. O segundo é inútil e demonstra falta de foco. A ameaça principal vem do narcotráfico. Ele ficou muito poderoso nos últimos anos. Antes o país tinha uma soma de facções locais, agora mudou. “O crime organizado virou um empreendimento multinacional”, diz uma autoridade. Contra ele, os braços do Estado precisam se unir, com soma de esforços e troca de informações.

A intervenção só terá resultados se houver muito planejamento, inteligência e uso intensivo da tecnologia. Nunca funcionou, e não funcionará agora, o “prender e arrebentar”, apesar de ainda hoje existir quem defenda esse caminho, com aplausos de plateias desavisadas. O crime sofisticou-se e há a complicação territorial. Os moradores das favelas são seus escudos e primeiras vítimas. Uma das muitas dificuldades do novo comando da segurança será saber com que parte da Polícia pode contar e que parte já trabalha para o narcotráfico.

Não há uma crise de segurança exclusiva do Rio. Há uma crise de segurança. Ela atinge vários estados, e o Rio é apenas a ponta mais visível desse iceberg. O combate ao crime exige todos os recursos que o Estado puder mobilizar. Para que funcione, é preciso apostar no que há de mais moderno em tecnologia de vigilância e controle.

Antes de mergulhar na atual confusão, a partir das suas declarações sobre o processo do presidente Temer, o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, foi em visita oficial às agências de segurança dos Estados Unidos. FBI, INL (departamento de combate ao narcotráfico), DSS (setor de segurança do Departamento de Estado), ICE (segurança de imigração). Ouviu propostas de cooperação e ofertas de compartilhamento de tecnologias com a Polícia Federal. Independentemente da crise interna no órgão, essa é uma agenda importante que tem que continuar tendo desdobramentos.

O Brasil carrega ainda a cicatriz do velho trauma do autoritarismo. Por fundadas razões. Por isso, teme a vigilância e o controle como se fossem sinônimos de cerceamento de direitos. Mas nenhum país constrói hoje um bom sistema de combate ao crime organizado sem o uso intensivo de tecnologia. O problema no país é que até o aparato das Forças Armadas lembra outros modos e períodos. O general Sérgio Etchegoyen, respondendo a um jornalista, na sexta-feira, disse que “As Forças Armadas jamais foram ameaça à democracia..." Até esse ponto a frase espantou porque parecia a negação da História, mas ele completou: “desde a redemocratização.” O ministro Raul Jungmann reforçou a ideia, lembrando que as Forças Armadas estão obedecendo a comandos constitucionais. A necessidade de fazer esse esclarecimento mostra como o Brasil ainda tem velhos medos. A intervenção federal com o uso das Forças Armadas foi entendida, por alguns, como intervenção militar, o que evidentemente não foi o que aconteceu.

Agora o país vive outra história, e as Forças Armadas reclamam internamente do uso excessivo de suas tropas em ações para as quais não foram treinadas nem destinadas. Reclamam, mas cumprem as ordens. Nada há de errado em usar as Forças Armadas sob o comando constitucional.

Há muito a aprender com o que deu certo no passado. Na Operação Suporte, da Polícia Federal, na época sob o comando do diretor Paulo Lacerda, foi construída a tecnologia de cruzamento de dados e informações que levou à criação futura das UPPs. Nessa operação trabalhava José Mariano Beltrame, que depois assumiu a secretaria de Segurança do Rio. Existem experiências que podem ser estudadas. A luta não é perdida, mas é muito difícil. O trabalho será demorado e intenso, mas desistir dele seria desistir do país.

 


Luiz Carlos Azedo: Não morreram em vão

O comandante militar do Leste, general Braga Netto, é o novo xerife do Rio. Tem a tarefa de restabelecer a paz e a ordem. É a primeira intervenção federal depois da Constituição de 1988

Quando a Itália entrou na I Guerra Mundial, em 1915, ao lado da “Entente” (aliança entre França, Inglaterra e Rússia), os políticos italianos acreditavam que aquela seria uma oportunidade de libertar Trento e Trieste do jugo estrangeiro e declararam guerra ao Império Austro-Húngaro. Centenas de milhares de jovens foram recrutados e lançados à batalha. No primeiro confronto, porém, o exército inimigo manteve as suas linhas de defesa de Izonso e o ataque foi contido. Morreram 15 mil italianos.

Na segunda batalha, foram 40 mil mortos; na terceira, 60 mil. Os italianos lutaram “por Trento e por Trieste” em mais oito batalhas, até que, em Caporreto, na décima-segunda, foram derrotados fragorosamente e empurrados pelas forças austro-húngaras às portas de Veneza. O episódio, citado no livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari (Companhia das Letras), ficou conhecido como a síndrome “Nossos rapazes não morreram em vão”, porque foram contabilizados 700 mil italianos mortos e mais de 1 milhão de feridos ao final da guerra.

Depois de perder a primeira batalha de Izonzo, os políticos italianos tinham duas opções. A primeira era admitir o erro e assinar um tratado de paz, que seria aceito pelo Império Austro-Húngaro, que enfrentava outros três exércitos poderosos. Prevaleceu a segunda, porque a primeira tinha o ônus de ter que explicar para os pais, as viúvas e os filhos dos 15 mil mortos de Izonso por que eles morreram em vão. Era mais fácil exacerbar o nacionalismo e continuar a guerra.

Entretanto, Harari adverte que não se pode culpar apenas os políticos. O povo também continuou apoiando o envio de tropas para o front. E quando a guerra terminou e os territórios não foram recuperados, mesmo com o fim do Império Austro-Húngaro, os políticos e o povo entregaram o poder a Mussolini e seus fascistas, que prometerem conseguir para a Itália uma compensação compatível com os sacrifícios feitos.

Nem de longe Trento e Trieste se parecem com a Rocinha e o Complexo do Alemão, muito menos as Forças Armadas tiveram baixas até agora no Rio de Janeiro, mas já dá para perceber aonde é que podemos chegar com a decretação da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. É a repetição de uma solução que não teve resultados satisfatórios: o emprego das Forças Armadas para combater o tráfico de drogas e fazer o patrulhamento ostensivo nos logradouros importantes da cidade.

Há um pacto entre o governo federal e o governo estadual nessa questão da segurança e outras políticas públicas que entraram em colapso no estado. Porque estão sob controle de correligionários, o presidente Michel Temer e o governador Luiz Fernando Pezão, que ontem tirou por menos a situação e disse que pretende deixar como legado de seu governo a presença do Exército, Marinha e Aeronáutica na segurança do estado. Ambos são do MDB. E, agora, empunham a bandeira da ordem.

Confronto
A medida tomada tem certa funcionalidade, porque a situação havia realmente saído do controle durante o carnaval, com o colapso da segurança pública. Mas não será uma resolução efetiva para o problema, que demanda um esforço de longo prazo e uma mudança de liderança política, pois a atual foi desmoralizada pelas crises fiscal e ética. É mais uma jogada política e de marketing, que pode ter o efeito contrário se fracassar. O tempo dirá.

Muitos acham que a intervenção esvaziaria o discurso do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que prega uma espécie de “terror de Estado” nas comunidades controladas pelo tráfico. Em evento promovido pelo banco Pactual BTG, em 6 de fevereiro, para mais de mil executivos do setor financeiro, Bolsonaro declarou que mandaria um helicóptero derramar milhares de folhetos sobre a favela da Rocinha, avisando que daria um prazo de seis horas para os bandidos se entregarem. Encerrado o tempo, se eles continuassem escondidos, metralharia a Rocinha. Foi aplaudido de pé.

Essa é a primeira intervenção federal feita com base na Constituição de 1988 e inverte a situação das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) realizadas até agora, seja para garantir a realização das Olimpíadas e da Copa do Mundo, seja para combater o tráfico de drogas e garantir as vias de acesso à capital fluminense. O comandante militar do Leste, general Walter Souza Braga Netto, de 60 anos, porém, é o novo xerife do Rio de Janeiro. Tem a tarefa de restabelecer a paz e a ordem.

Antes, a missão das Forças Armadas era apoiar as polícias civil e militar; agora, o general vai comandá-las. Além disso, uma mudança de legislação garante aos soldados e oficiais das Forças Armadas o foro privilegiado da Justiça Militar em casos de confronto. Mesmo assim, a situação é dramática, porque uma parte das forças de segurança estaduais está comprometida com o crime organizado e a outra, desmoralizada e desmotivada, além de fragilizada por constantes execuções de policiais militares. O problema do Rio não é só a segurança pública. Faltam competência e honestidade.


Alon Feuerwerker: A mega UPP de Temer no Rio e seus efeitos no que interessa na política: a disputa eleitoral

É zero a probabilidade de a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro produzir uma solução estrutural e aplicável aos demais estados. Na prática, trata-se de uma mega UPP, a ocupação do território por forças da ordem ainda prestigiadas (as Forças Armadas) para pacificar uma situação de conflito que produz desgaste para as autoridades.

Mas não se deve subestimar o efeito político positivo de uma momentânea descompressão. Será inteligente por parte do crime organizado um recuo, recomendado quando na guerra assimétrica a correlação de forças é decisivamente desfavorável. Uma maneira de produzir paz é exibir músculos suficientes para provocar o esperado efeito-dissuasão. Está nos manuais.

Além disso, as autoridades não precisam de estratégias que perdurem para todo o sempre, precisam apenas de algo que reduza a turbulência daqui até a eleição. A intervenção na segurança do Rio é uma espécie de "Plano Cruzado" da segurança. Se mudar algo para melhor no curto e no médio prazos, terá cumprido os objetivos. As primeiras coisas primeiro, diz o ditado.

Mas talvez o aspecto mais interessante da iniciativa seja a mudança de ambiente para as narrativas. Se a inabilitação eleitoral (só) de Lula mais o baixo crescimento da economia mais a reforma da previdência mais a impopularidade presidencial vinham sendo um meio quase ideal para a esquerda, a inoculação da segurança no centro da pauta dá um gás e tanto para a direita.

Todas as pesquisas mostram que a maioria do eleitorado concorda com a esquerda nos assuntos da economia, do tamanho do estado e na maneira de buscar a melhora dos serviços públicos. E a maioria do eleitorado concorda com a direita nos temas do enfrentamento da criminalidade e das políticas de segurança pública, e nas medidas para proteger o cidadão comum contra os bandidos.

Até porque é histórica a incapacidade de a esquerda enfrentar o debate da segurança. A tese "mais justiça social significa automaticamente menos crime" não resiste à realidade. Nos governos do PT o Nordeste cresceu e distribuiu renda como nunca. E nos governos do PT a criminalidade no Nordeste cresceu como nunca, com exceções que apenas confirmam a regra.

Eis por que a intervenção no Rio seja possivelmente a primeira chacoalhada num cenário antes coagulado. Lula e a esquerda vinham defendendo bem seu mercado eleitoral colocando no centro da agenda temas em que a população pende para a esquerda. Mas como a esquerda e o PT atravessariam uma campanha eleitoral em que a segurança pública estivesse no foco?

É previsível que a oposição denuncie a incapacidade de essas medidas enfrentarem e resolverem estruturalmente os desafios na segurança. Mas essa é uma colheita para o futuro. Se esse futuro chegar antes da eleição, por a intervenção ter falhado redondamente, o cenário será um. Se, assim como no Cruzado, a coisa sobreviver até a urna, o cenário será outro.

*

As Forças Armadas acabam de ser convidadas para uma dança que não desejavam mas não têm como recusar. É emblemático que o general responsável pela intervenção no Rio vá se reportar diretamente ao presidente da República. A esta altura os fardados devem estar quebrando a cabeça em busca de uma estratégia de saída.

Militar não entra na guerra sem alguma ideia de como sair dela. A vitória total, com a eliminação do crime dentro das fronteiras do Rio, é uma impossibilidade. Por isso, o desejável será conseguir sair em ordem em algum momento e devolver o abacaxi ao poder civil. A eleição, num cenário otimista, pode facilitar por trazer um novo personagem, zerado.

Até porque, convenhamos, criar um ambiente em que as Forças Armadas possam lá na frente recuar em ordem interessa a todos os atores que contam no teatro de operações. Todos sem exceção.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


O Globo: Medida impede votação da Previdência mas cria 'nova agenda'

Constituição veta aprovação de PEC durante intervenção. Mais popular, Segurança Pública ganha espaço nas prioridades de Temer

Por Flávia Barbosa, de O Globo

RIO - Com a decisão do presidente Michel Temer de decretar uma intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, a reforma da Previdência, cuja apreciação em plenário estava prevista para começar na próxima terça-feira, não poderá ser votada pelo Congresso Nacional. Isso sugere que o cálculo político do Palácio do Planalto pode ter mudado, de uma agenda impopular e que não consegue apoio parlamentar para um tema que mobiliza a população brasileira.

Caso os parlamentares aprovem a intervenção, o Congresso fica impedido, pela Constituição Federal, de aprovar quaisquer propostas de emendas constitucionais (PEC) enquanto a medida excepcional vigorar. A reforma da Previdência é uma PEC.

A única saída jurídica para votar a reforma, segundo comenta-se nos bastidores do governo, seria suspender a vigência do decreto por breve período de tempo, apreciar a matéria na Câmara e no Senado, e então editar novo decreto e submetê-lo ao Congresso novamente, renovando o mandato de comando federal sobre as polícias civil e militar e o Corpo de Bombeiros.

Não está clara qual a estratégia que o governo adotará, muito menos se abandonou a reforma. Os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, vinham negociando modificações no texto para tentar aprovar a PEC mesmo que desidratada. Ambos foram chamados ontem à noite ao Palácio do Jaburu para serem comunicados da decisão de Temer de ceder ao apelo de Pezão pela intervenção.

Segundo reportagem publicada nesta sexta-feita pelo GLOBO, estava decidido, até então, que o governo aceitaria uma emenda ao texto da reforma para criar uma regra de transição mais generosa para os servidores que ingressaram na administração federal antes de 2003 e a possibilidade de acumulação de benefícios (pensão e aposentadoria) até o teto do INSS (R$ 5.645).

A mexida na Previdência é o ponto central da agenda de reformas apresentada pelo governo Temer e cobrada pelos agentes econômicos. Ela é considerada essencial para reequilibrar as contas públicas do país e mobiliza a atenção de investidores, empresários e agências de classificação de risco. Na avaliação de especialistas, sem a reforma previdenciária o déficit público explodirá e o Brasil caminhará para uma espiral de endividamento e insolvência.

No entanto, a medida é altamente impopular, e os parlamentares resistem a abraçá-la. Por isso, mesmo concessão após concessão, o Planalto não consegue avançar no mapa de apoio e conta hoje com cerca de 270 dos 308 votos necessários para aprovar uma PEC.

A avaliação do governo, desta forma, pode ter mudado. A segurança pública, ao contrário da mudança nas aposentadorias e pensões, está no topo das preocupações dos brasileiros. Agir sobre ela pode valer pontos preciosos para um presidente da República altamente impopular mas ainda com pretensões eleitorais em outubro deste ano.

A carnificina nos presídios de Goiás, a greve de PMs no Rio Grande Norte, a crise dos refugiados venezuelanos em Roraima e a escalada de criminalidade do Rio neste início de 2018 ofereceram oportunidades importantes para que o Planalto tentasse assumir o protagonismo na segurança pública -- uma atribuição constitucional de estados, em grande maioria hoje falidos ou próximos do colapso fiscal.

O uso da força nacional e do Exército este ano nas ruas e a liberação de verba emergencial para os governos goiano e de Roraima foram um aperitivo. Na quarta-feira de Cinzas, já estava cristalizada a criação do Ministério da Segurança Pública, ideia acalentada há um ano mas que vinha sendo postergada. O grande passo, porém, veio na noite de quinta-feira com a decisão de intervir no Rio. É um pacote a ser vendido.

 

Agora, é preciso ver se o governo federal resistirá à pressão dos agentes econômicos ao adiar a votação da Previdência. Porém, se decidir seguir este caminho, e conseguir que o Congresso dê aval à intervenção no Rio, começará outra empreitada. Temer terá de provar que a medida não será rasa; terá de apresentar em curto período de tempo resultados que os 4 planos de segurança pública com digital do governo federal lançados desde 2001 nunca conseguiram alcançar.

 


Míriam Leitão: A bomba venezuelana

A viagem de ontem do presidente Michel Temer a Boa Vista marcou o início da federalização do problema que antes estava entregue apenas a Roraima. A decisão de criar uma força-tarefa e baixar uma MP para enfrentar a crise veio da constatação de que a questão dos venezuelanos assumiu dimensão muito grande e que é preciso uma atuação conjunta de vários órgãos federais, sob o comando das Forças Armadas.

A força-tarefa vai oferecer serviço médico, alimentação e triagem na fronteira com a entrega de documentos provisórios. O governo hesitou nos últimos meses, entre agir ou não. O temor é que quanto mais efetiva for a ajuda, maior o incentivo a vir para o Brasil. Só que o peso da crise estava todo sobre Roraima. Esta é a primeira crise migratória que o Brasil enfrenta.

A economia venezuelana apresenta números de país em guerra. De 2012, ainda no governo de Hugo Chávez, até o final de 2018, o PIB per capita terá encolhido 50%, pelos cálculos da consultoria Econométrica. Este será o quinto ano de queda. Isso jamais aconteceu no país, mesmo durante os dois conflitos do século XIX, a guerra da independência e o tumulto civil conhecido como a Guerra Federal, conta o economista venezuelano Ángel García Banchs, sócio da Econométrica, que há seis meses deixou o país para ir morar na Espanha. Hiperinflação, que pode ter sido de 3.000% no ano passado, desemprego em massa e desabastecimento crônico estão produzindo a maior onda de refugiados venezuelanos da história. A Colômbia, primeiro destino, está restringindo a entrada. O Brasil vem recebendo cada vez mais.

Uma pesquisa feita em Boa Vista, no final do ano passado pelo Instituto Unama, perguntou a 626 pessoas se o entrevistado “considera o povo venezuelano amigo do brasileiro", 61% disseram “não", chegando a 70% na faixa de renda acima de cinco salários mínimos. A maioria admite que nem conversa com os refugiados e responsabiliza os venezuelanos pelos problemas de Boa Vista. Eles dizem que o estado brasileiro não deveria ajudá-los financeiramente e 66% pensam que não deveria ser permitida a entrada de novas pessoas do país vizinho.

O economista venezuelano explica que a economia não apenas está encolhendo; ela cai em queda livre.

— Em 2017, o PIB encolheu 13%, pelas previsões, e vai cair algo como 15% neste ano. É um dado de guerra, e é assim que a situação vai terminar, com a mais primitiva de todas as soluções. A saída para o problema não será interna — diz García.

O governo de Maduro antecipou as eleições presidenciais para 22 de abril. A oposição não sabe se concorrerá. O calendário eleitoral pode estar por trás do movimento recente do governo de reacender a discussão territorial com a vizinha Guiana. A questão vem desde o século XIX, quando a área foi adquirida pela Grã-Bretanha. Recentemente, a Exxon encontrou petróleo no litoral da Guiana. Como este é o único assunto que une governo e oposição, o Brasil teme o conflito na nossa fronteira.

A Econométrica apura um índice de escassez no país. A taxa estava em 55% em janeiro. Faltam, principalmente, alimentos. No caso de azeites e óleos, o desabastecimento chega a 89%; nos peixes, a taxa está em 87%. A falta de pães, cereais, leite, queijo e ovos é de 80%. A Venezuela importa praticamente tudo, e estão faltando dólares. As reservas internacionais estão em queda. O país atrasa pagamentos de dívidas desde o ano passado e tem hoje menos de US$ 10 bi em caixa. A produção de petróleo, que responde por mais de 90% dos ingressos internacionais do país, caiu 20% no ano passado, uma redução de 300 mil barris. A estatal PDVSA atrasou pagamentos e fornecedores deixaram de prestar serviços ou fecharam as portas. O país, assim, passou a conviver com o êxodo de seus cidadãos.

— Primeiro, foram os profissionais mais talentosos e bem preparados. Agora, estão indo pessoas de todas as idades e formações. Algo como 6 milhões de venezuelanos devem deixar o país neste ano, gente que foge da fome e busca abrigo nos países da região, especialmente na Colômbia. O problema não é só da Venezuela, é tão grande que se tornou um tema internacional — diz García. A Venezuela tem 31 milhões de habitantes.

Essa é a bomba que está armada na fronteira com o Brasil.

 


Aloysio Nunes Ferreira: Um Brasil renovado numa OCDE renovada

Na visão do Itamaraty, a participação do País na organização impõe-se por força da realidade

O cenário internacional durante a minha gestão à frente do Itamaraty tem sido marcado por desafios importantes para a governança do sistema internacional e, consequentemente, para a definição de prioridades e rumos da política externa brasileira. Vivenciamos um período de crescente questionamento acerca da capacidade das instituições internacionais criadas no pós-guerra de refletirem os interesses dos países e de expressarem consensos internacionais, tendo em vista a maior diferenciação entre os países e a geometria variável das coalizões.

O Brasil está atento a esse movimento. Uma das prioridades da minha gestão na Chancelaria tem sido justamente buscar adequar e dinamizar a inserção internacional do Brasil, de modo que os interesses do País se vejam assegurados nesse novo contexto.

Nem todos os organismos internacionais se têm mostrado capazes de se adaptar a esta nova realidade. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem sido bem-sucedida nesse esforço. De clube fechado, reunindo países homogêneos com problemas e interesses comuns, a organização passou a tratar cada vez mais de temas de interesse geral, que estão no centro da agenda internacional em transformação, consolidando-se como plataforma de diálogo e articulação, com projeção e influência globais. Para isso incorporou países em desenvolvimento e criou mecanismos de articulação com países não membros, tornando-se um dos apoios mais regulares do G-20 e ativa participante nas discussões metodológicas sobre a Agenda 2030.

A agenda atual da OCDE abarca temas variados, como educação, saúde, emprego, previdência social, economia digital, responsabilidade fiscal, governança pública, inovação tecnológica e crescimento sustentável. Para 2018 suas prioridades abrangem políticas de inclusão social, desenvolvimento urbano sustentável, infraestrutura de transportes, migração, impacto do envelhecimento das populações e internet das coisas, para mencionar algumas.

Além disso, a forma como a OCDE trabalha – a partir de estudos e evidências empíricas que servem de base para debates informados entre os responsáveis em cada país pela condução de políticas públicas, com vista à identificação e disseminação de boas práticas – faz a influência da organização ser crescente entre membros e não membros. As recomendações e decisões da organização não raro se tornam, na prática, padrão internacional.

Nesse contexto, a participação do Brasil na OCDE, na perspectiva do Itamaraty, impõe-se por força da realidade. Principismos à parte, não convém ao Brasil alijar-se do debate de temas seminais que influenciam negociações internacionais e debates internos sobre a gestão de políticas públicas.

A presença nas atividades da OCDE vem ocorrendo continuamente, ao longo de diferentes governos, há mais de 20 anos. O Brasil participa hoje, regularmente, de mais de 20 instâncias da organização em nível de comitê e de um número enorme de instâncias subordinadas. Vários órgãos públicos brasileiros estão engajados nesses trabalhos. O Brasil é considerado um parceiro estratégico da OCDE (key partner) e pactuou com a organização, em 2015, um acordo de cooperação, indicando interesse em aprofundar ainda mais a parceria.

A decisão do presidente Michel Temer de solicitar a acessão do Brasil à OCDE foi uma consequência natural da contínua presença do nosso país na organização. E deverá acelerar a nossa atuação, tendo em vista que praticamente todos os temas que deverão pautar a agenda internacional e os debates internos no Brasil nos próximos anos estarão sendo discutidos na OCDE. A acessão do Brasil, nesse contexto, terá o mérito de conferir maior coerência e consistência à participação brasileira, enquanto permite que possamos melhor influenciar esses debates.

Com o objetivo de buscar iniciativa e eficácia nas diferentes instâncias da OCDE, o presidente Temer designou, a meu pedido, o embaixador Carlos Márcio Cozendey – que tem reconhecida experiência em negociações econômicas internacionais – como delegado junto a organizações internacionais econômicas com sede em Paris. O embaixador Cozendey trabalhará sob minha orientação com uma pequena equipe a partir da Embaixada do Brasil em Paris e com a indispensável colaboração de diversas áreas do governo federal.

Em particular, registro a dedicação com que a Casa Civil, o Ministério da Fazenda, o Banco Central, o Ministério do Planejamento e a Secretaria de Assuntos Estratégicos têm participado do núcleo de coordenação do processo de acessão.

A OCDE tem no momento sob exame a candidatura de seis países que desejam iniciar seu processo de acessão. O Brasil cumpre todos os critérios definidos pelos membros e tem um longo e intenso histórico de participação nas atividades da organização. O País já se comprometeu com 36 das recomendações e decisões da organização e solicitou a acessão a mais de 70 outros instrumentos, por considerar que sua legislação e suas políticas coincidem com eles. É considerado key partner e tem muito a aportar à OCDE.

Na óptica do Itamaraty, a discussão sobre a entrada ou não do País na OCDE nunca se apresentou como uma questão de ser ou não membro de um “clube de ricos”, como se costuma qualificar, errônea e anacronicamente, essa instituição. Sempre se tratou, e continua se tratando, de colocar o Brasil, no tempo e na forma certos, no centro dos processos decisórios internacionais relevantes, de modo a melhor posicionar o País para a defesa de seus interesses e reforçar sua própria agenda de reformas. A identidade do Brasil com isso não se altera, reafirma-se.

* Aloysio Nunes Ferreira é senador licenciado, é ministro das Relações Exteriores

 

 


Michel Temer: Consolidar conquistas – e avançar

Começamos 2018 com uma excelente notícia: tivemos a menor inflação em duas décadas. O índice anual ficou, segundo o IBGE, em 2,95%, abaixo do piso do Banco Central, que era de 3%. A inflação baixa é resultado da queda dos preços dos alimentos, graças à nossa supersafra. É fruto também de decisões corretas e equilibradas de nossa equipe de governo.

Estamos consolidando o círculo virtuoso: com os preços mais baixos, os salários têm melhor poder de compra e as famílias podem consumir mais. Isso reaquece a economia, gerando mais produção, mais investimentos e mais empregos, que já voltam aos milhares. Batemos também o recorde de juros baixos – 7% ao ano, a menor taxa Selic em 31 anos. Em 2018, a inflação vai continuar baixa e o PIB deve crescer mais de 3%, segundo projeções dos economistas.

A inflação foi ainda menor, de 2,07%, para os que ganham menos. Um feito que merece ser comemorado, pois, para os que não podem ter poupança, a inflação é o pior imposto. Quando assumimos, há pouco mais um ano e meio, a inflação estava em mais de 10%.

Conseguimos recuperar nossa economia da recessão mais profunda de sua história. Conto com o Congresso para aprovar em breve a reforma da Previdência e assim garantir a saúde das contas públicas e a estabilidade da economia como um todo. Almejamos ainda realizar a simplificação tributária.

Em 2017, aprovamos o teto dos gastos públicos e modernizamos a legislação nas áreas do trabalho, agronegócio, meio ambiente, além de modificar regras para incentivar investimentos em energia, petróleo e infraestrutura. Selecionamos 7 mil obras, em todas as regiões, para serem concluídas – e já estamos fazendo as entregas devidas à população. Também ajudamos estados e municípios a equacionarem suas dívidas.

Buscamos austeridade e eficiência sem cortar na área social. Zeramos a fila e reforçamos o conjunto de benefícios do Bolsa Família. É do nosso governo o maior programa de titulação de terras urbanas e rurais. Reativamos o Minha Casa Minha Vida, com 674 mil unidades contratadas. Em 2017, o orçamento da Educação e da Saúde aumentou – ao contrário do que previram os catastrofistas.

Devolvemos aos trabalhadores R$ 44 bilhões retidos em contas inativas do FGTS, além de anteciparmos mais R$ 21 bilhões do PIS-Pasep, que agora pode ser sacado por quem tem mais de 60 anos – antes a idade mínima era 70 anos.

Início de ano, sobretudo de ano eleitoral, é hora de planejar o futuro. Precisamos preservar tudo que o Brasil conquistou, com dificuldade e esforço. Não podemos retroceder aos tempos da recessão, da incerteza e da desordem. Os brasileiros saberão avaliar e decidir com sabedoria. De nossa parte, continuaremos a trabalhar para ajudar a consolidar, sem ilusões e populismos, um País mais eficiente e justo, que conjugue prosperidade social com responsabilidade fiscal.

* Michel Temer é o presidente da República.

 


Eliane Cantanhêde: Jogo de gato e rato

Temer e MDB não estão à caça de candidatos; acham que serão caçados por eles

A pergunta que não quer calar, após o presidente Michel Temer falar ao Estado com simpatia sobre o governador Geraldo Alckmin: é bom ou ruim para um candidato à sucessão ter o apoio explícito do presidente mais impopular desde a redemocratização de 1985? Depende. Exatamente por isso, os presidenciáveis analisam como tirar os bônus sem arcar com o ônus.

O aceno de Temer surpreendeu por causa de toda a mágoa acumulada no Planalto com os tucanos paulistas, que votaram em peso a favor das duas denúncias da PGR contra Temer, no momento mais dramático do governo. Mas o presidente é um pragmático. Olha mais para frente do que para trás.

Se os candidatos fazem cálculos sobre perdas e ganhos com o apoio de Temer, Temer faz justamente o mesmo em relação a eles: quem tem melhores condições de vencer, dar continuidade a seus principais programas e cuidar do seu nome e do seu governo para a história?

Estropiado ou não, pelas denúncias, más companhias, recuos e pesquisas, Temer tem dois poderosos trunfos na eleição de outubro: o peso da máquina do governo e a força do MDB, que ele presidiu durante anos. Forte ou fraco, governo é governo e está em todos os setores, todas as partes, é sempre uma mão na roda em campanhas. E o MDB é o maior partido do País.

Além do maior número de governadores, prefeitos e vereadores, o partido tem também a maior bancada da Câmara, com 61 deputados, e o segundo maior tempo de TV na eleição. Esse é um ativo precioso, disputado a tapa pelo PT e o PSDB eleição após eleição e agora ampliando o leque de negociações.

No discurso de políticos mais jovens, a TV terá cada vez menos importância eleitoral, já a partir deste ano, porque vem sendo substituída pela rapidez, alcance e falta de regras das redes sociais. Mas quem é do ramo, como o próprio Temer, aposta no contrário: com a proibição do financiamento empresarial e os limites apertados do fundo público, a necessidade da TV vai crescer.

O fato é que o MDB se mexe muito, mas diz pouco e dá ainda menos pistas sobre o que pretende fazer em outubro. Como resumiu Temer: “O partido vai ter candidato? Um candidato próprio ou alguém que migre de outra sigla?” Leia-se: o governo e o partido não estão à caça de candidatos; acham que serão caçados pelos candidatos.

O problema é o que fazer com o próprio presidente, ou melhor, como ter os benefícios do governo e do partido, mas escondendo Temer e se descolando do seu desgaste na opinião pública? Não é tão simples. Temer e seus escudeiros Moreira Franco e Eliseu Padilha não são bobos. E candidato que subestima o eleitor pode dar com os burros n’água.

Em 2006, deu certo no Rio, quando Sérgio Cabral se elegeu governador surfando no apoio e nos votos do casal Anthony e Rosinha Garotinho, mas mantendo uma distância prudente e se desvencilhando dos dois assim que ganhou vida própria. Foi, porém, uma situação específica, local. Funcionaria numa eleição presidencial?

É essa pergunta que se fazem Alckmin, Rodrigo Maia e talvez até Henrique Meirelles – os três nomes potencialmente governistas. Enquanto trabalham e torcem para Temer ganhar popularidade e virar um bom cabo eleitoral, temem que, se isso ocorrer, ele mesmo poderá se lançar. Até aqui, portanto, há um jogo de gato e rato: quem caça quem, quem convém a quem. As pesquisas darão as respostas, mas aí é que mora o perigo: elas têm sido bem favoráveis aos nomes da oposição, não aos da situação.

‘Direitão’. Segundo Aécio Neves, Maia “começou bem” ao citar uma frase do seu avô, Tancredo, sobre correr riscos sem se meter em aventuras. Mas começa realmente bem com Paulinho da Força (SD), Valdemar Costa Neto (PR) e Ciro Nogueira (PP)? Isso é “centrão” ou “direitão”?