Michel Temer

Luiz Carlos Azedo: Prisão de Temer assombra o MDB

“O juiz fez questão de dizer que não se tratava de dinheiro destinado à campanha eleitoral, ou seja, caixa dois, para que o processo não seja remetido à Justiça Eleitoral”

As prisões do ex-presidente Michel Temer e do ex-governador fluminense Moreira Franco, que foi ministro dos últimos quatro governos, assombraram os políticos do MDB e demais partidos investigados pela Operação Lava-Jato. Os mandados foram expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, responsável pela Lava-Jato no estado. As prisões tiveram como base a delação de José Antunes Sobrinho, dono da Engevix, segundo a qual o empresário teria pago R$ 1 milhão em propina, a pedido do coronel João Baptista Lima Filho e do ex-ministro Moreira Franco, com o conhecimento do presidente Michel Temer, supostamente em troca de um contrato em favor da Engevix no projeto da usina de Angra 3. Lima Filho é amigo de Temer e também foi preso.

Na sentença, o juiz fez questão de dizer que não se tratava de dinheiro destinado à campanha eleitoral, ou seja, caixa dois, com claro objetivo de fechar a porta para que o processo seja remetido à Justiça Eleitoral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base na jurisprudência vigente. A investigação é resultado do cruzamento de dados das operações Radioatividade, Pripyat e Irmandade e apura crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro; pagamentos ilícitos foram feitos por determinação de José Antunes Sobrinho para o suposto “grupo criminoso liderado por Michel Temer”, assim como possíveis desvios de recursos da Eletronuclear para empresas indicadas pelo grupo.

“Michel Temer é o líder da organização criminosa a que me referi e o principal responsável pelos atos de corrupção aqui descritos”, afirmou o juiz Marcelo Bretas na sentença, o mesmo que comandou as investigações que levou à prisão os ex-governadores fluminenses Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão e o ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, todos do MDB. O Ministério Público do Rio de Janeiro afirma que o montante da propina ultrapassa R$ 1,8 bilhão. “Esse valor é firmado e colocado na peça para mostrar o quão perigosa é a organização criminosa”, explicou o procurador da República Eduardo El Hage, que acusou duramente o ex-presidente da República: “Não é por se tratar de um homem branco e rico que devemos ser lenientes com crimes cometidos dentro do Palácio Jaburu”.

A defesa do ex-presidente Michel Temer já entrou com pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que foi distribuído para o desembargador federal Iva Athié, porque a investigação tem conexão com a Operação Prypiat, que é de relatoria do magistrado. Temer foi preso em São Paulo na manhã de ontem, depois de sair de casa, numa ação espetacular de agentes da Polícia Federal com uniformes camuflados, que foi muito criticada pelos políticos. O ex-ministro Moreira Franco no Rio também foi preso em trânsito: o táxi no qual estava foi interceptado pelos agentes federais quando rumava do Aeroporto do Galeão para sua casa, em São Conrado, no Rio de Janeiro.

Repercussão

No Chile, o presidente Jair Bolsonaro lavou as mãos em relação à prisão de seu antecessor: “A Justiça nasceu para todos e cada um que responda pelos seus atos”, disse, para completar: “Governabilidade você não faz com esse tipo de acordo, no meu entender. Você faz indicando pessoas sérias, competentes para integrar seu governo. É assim que fiz no meu governo, sem acordo político, respeitando a Câmara e o Senado brasileiro”. No Congresso, as reações foram contraditórias: os políticos ligados a Bolsonaro comemoraram a prisão, enquanto os aliados de Temer criticaram o juiz Bretas: “O MDB lamenta a postura açodada da Justiça à revelia do andamento de um inquérito em que foi demonstrado que não há irregularidade por parte do ex-presidente da República Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco. O MDB espera que a Justiça restabeleça as liberdades individuais, a presunção de inocência, o direito ao contraditório e o direito de defesa”.

Nos bastidores do Judiciário, considerada desnecessária, a prisão preventiva de Temer é apontada como mais um capítulo da queda de braço da força-tarefa da Lava-Jato com o Supremo Tribunal Federal (STF). Entre os criminalistas, a avaliação é de que haverá uma onda de prisões dos políticos investigados que perderam o mandato, sendo o MDB a bola da vez. Como Temer responde a outros processos, inclusive em São Paulo, caso o seu habeas corpus seja aceito pelo TRF-2, é previsível que seja preso novamente por decisão da Justiça Federal de São Paulo, no processo do porto de Santos. Outros políticos sem mandato do MDB estão sendo investigados, como o atual presidente da legenda, Romero Jucá (RR), o ex-presidente do Senado Eunício de Oliveira (CE) e o ex-ministro da Casa Civil Eliseu Padilha.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-prisao-de-temer-assombra-o-mdb/


Eliane Cantanhêde: Álcool na fogueira

Prisão de Temer era questão de tempo, mas acirra os ânimos no STF e no Congresso

Não há surpresa na prisão do ex-presidente Michel Temer, alvo de dez inquéritos e agora sem foro privilegiado, mas há uma preocupação: foi também um lance na guerra do Ministério Público e da Justiça contra o Supremo e o Congresso? Álcool na fogueira?

Há décadas ouve-se falar das ligações pouco heterodoxas de Temer com o Porto de Santos, mas a prisão do ex-presidente não foi determinada por isso, nem por desvios de mais de R$ 10 milhões da Odebrecht para o MDB, nem mesmo pela conversa de Temer com Joesley Batista no Palácio do Jaburu.

A prisão foi determinada pelo juiz Marcelo Bretas, do Rio, e por uma quarta frente contra Temer: a roubalheira na Eletronuclear e nas obras de Angra 3. E veio no rastro da decisão do Supremo – por um voto de diferença – de jogar para a Justiça Eleitoral os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro conectados com caixa 2 de campanha. Segundo o MP, foi “o fim da Lava Jato”.

A dúvida no STF e entre políticos é se a prisão de Temer é um contra-ataque, uma demonstração de força da Lava Jato. E isso provoca uma aliança tácita e por baixo dos panos entre ministros “garantistas” e líderes importantes do Congresso, que acusam excesso de poder do MP e correspondente “demonização da política”.

No centro da guerra e da polêmica está uma pergunta bastante objetiva: há ou não justificativa para a prisão temporária (por tempo indeterminado), particularmente por se tratar de um ex-presidente da República?

Na versão de juristas e políticos que acusam procuradores e policiais federais de atropelarem leis e regras em nome do combate à corrupção, a prisão de Temer é injustificada, porque ele é réu primário, tem endereço certo, não ameaça a ordem pública. Logo, poderia ter sido simplesmente chamado a prestar esclarecimentos, sem prisão.

Na entrevista coletiva, porém, os procuradores classificaram Temer como “chefe da organização criminosa” e elencaram três motivos para a prisão temporária: 1) os desvios ocorrem há 40 anos e podem chegar R$ 1,8 bilhão; 2) é preciso “reparar os danos”, impedindo que o resultado da propina evapore; 3) a quadrilha estava destruindo todos os papéis dos escritórios e até coletando dados dos investigadores.

Esse embate sobre a legalidade da prisão pode incendiar de vez não apenas as relações entre Supremo e MP como incendiar de vez a irritação popular contra a mais alta Corte do País. Basta que a defesa de Temer apresente pedido de habeas corpus e um dos ministros mande soltar o ex-presidente. Já imaginou? A tentativa de Bretas e dos procuradores é tirar Gilmar Mendes e empurrar a relatoria do eventual HC para Luís Roberto Barroso ou Edson Fachin, ambos pró-Lava Jato.

No Congresso, o efeito é imprevisível, mas não é absurdo dizer que há uma confluência de fatores adversários à votação da reforma da Previdência. Assim como a delação de Joesley Batista abortou a aprovação no governo Temer, agora há a percepção de que o MP, ao prender o ex-presidente, atacou o MDB e cutucou o mundo político. E mais: a proposta dos militares e a queda brusca de Bolsonaro no Ibope, com apenas três meses.

O PT odeia Temer, mas sua prisão pode promover uma aliança entre parte da esquerda e parte da direita, contra o MP e atropelando a pauta do governo. Em vez de priorizar o pacote do ministro Sérgio Moro contra a corrupção e o crime organizado, o Congresso poderá ressuscitar justamente o oposto: a proposta contra o abuso de autoridade.

Por mais que haja um bilhão e 800 milhões de razões para a prisão de Michel Temer, que era só questão de tempo, “há muito mais mistério entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia”.


G1: Michel Temer é preso pela Lava Jato; PF faz buscas por Moreira Franco

Mandados foram expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, da Justiça Federal do Rio de Janeiro

Por Arthur Guimarães, Paulo Renato Soares e Marco Antônio Martins, TV Globo e G1 Rio

A Força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro prendeu, na manhã desta quinta-feira (21), Michel Temer, ex-presidente da República. Os agentes ainda tentam cumprir um mandado contra Moreira Franco, ex-ministro de Minas e Energia.

Os mandados foram expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.

Desde quarta-feira (20), a Polícia Federal (PF) tentava rastrear e confirmar a localização de Temer, sem ter sucesso. Por isso, a operação prevista para as primeiras horas da manhã desta quinta-feira atrasou.

O G1 ligou para a defesa de Temer, mas até as 11h25 os advogados não haviam atendido a ligação. Ainda não está claro a qual processo se referem os mandados contra Temer e Moreira Franco.

O ex-presidente Michel Temer responde a dez inquéritos. Cinco deles tramitavam no Supremo Tribunal Federal (STF), pois foram abertos à época em que o emedebista era presidente da República e foram encaminhados à primeira instância depois que ele deixou o cargo. Os outros cinco foram autorizados pelo ministro Luís Roberto Barroso em 2019, quando Temer já não tinha mais foro privilegiado. Por isso, assim que deu a autorização, o ministro enviou os inquéritos para a primeira instância.

Entre outras investigações, Temer é um dos alvos da Lava Jato do Rio. O caso, que está com o juiz Marcelo Bretas, trata das denúncias do delator José Antunes Sobrinho, dono da Engevix. O empresário disse à Polícia Federal que pagou R$ 1 milhão em propina, a pedido do coronel João Baptista Lima Filho (amigo de Temer), do ex-ministro Moreira Franco e com o conhecimento do presidente Michel Temer. A Engevix fechou um contrato em um projeto da usina de Angra 3.

Michel Temer (MDB) foi o 37º presidente da República do Brasil. Ele assumiu o cargo em 31 de agosto de 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, e ficou até o final do mandato, encerrado em dezembro do ano passado.

Eleito vice-presidente na chapa de Dilma duas vezes consecutivas, Temer chegou a ser o coordenador político da presidente, mas os dois se distanciaram logo no começo do segundo mandato.

Formado em direito, Temer começou a carreira pública nos anos 1960, quando assumiu cargos no governo estadual de São Paulo. Ao final da ditadura, na década de 1980, foi deputado constituinte e, alguns anos depois, foi eleito deputado federal quatro vezes seguidas. Chegou a ser presidente do PMDB por 15 anos


Julianna Sofia: UTI federal

Descalabro nas contas estaduais se agrava, e governadores aumentam pressão sobre Bolsonaro

Não teve o mérito de durar um triênio a renegociação das dívidas dos estados promovida em 2016 pelo governo Michel Temer diante do descalabro orçamentário das administrações regionais. Quando o emedebista foi ao socorro dos governadores, os cofres estaduais padeciam com a queda de receitas resultante da crise econômica e o desenfreado aumento das despesas —principalmente pela pressão dos gastos com pessoal e Previdência.

O alívio garantiu o prolongamento das dívidas por 20 anos e concedeu descontos nas parcelas mensais até 2018, a um custo de R$ 50 bilhões para a União. Mas a pusilanimidade de Temer levou à fixação de contrapartidas insuficientes aos governos locais. Não houve compromisso de melhorias estruturais para compensar mais uma tunga na viúva.

Além do refinanciamento, o emedebista criou um regime diferenciado para gestões em situação falimentar. O RRF mirava o Rio de Janeiro e permitiu a suspensão dos pagamentos ao Tesouro Nacional por até seis anos a partir de um miraculoso e severo programa de ajuste fiscal.

Desde então, mais seis estados decretaram calamidade financeira (RS, MG, RN, RR, MT e GO) e buscam uma vaga na UTI federal ao lado do Rio —que até hoje se mantém respirando por meio de aparelhos.

Governadores vêm batendo à porta da equipe econômica de Jair Bolsonaro desde a transição de governo e viram espaço para vantajosa negociação após o gesto —equivocado— do ministro Paulo Guedes (Economia) de partilhar dinheiro do megaleilão do pré-sal com os entes regionais. Com a volta de Guedes de Davos, pretendem voltar à carga.

A deterioração das contas estaduais não se deu num estalar de dedos e hoje se tornou mais grave que o próprio déficit crônico da União. Governadores, congressistas e o presidente de plantão precisam mostrar empenho para atacar a origem do desequilíbrio, encarando de frente lobbies corporativos e empresariais, que perpetuam o gigantismo e a ineficiência da máquina estatal.


Gaudêncio Torquato: O legado de Temer

O País caminha lentamente

Michel Temer deixa o governo desaprovado por um Brasil acostumado a versões fantasiosas. Qualquer analista responsável, ao comparar o país de ontem e o de hoje, enxergará abissal diferença: o de ontem, destroçado pela maior recessão econômica da história, e o da atualidade, com juros e inflação controlada, resgate da confiança, volta dos investimentos, contas sob controle e um conjunto de reformas, como a trabalhista, a do Ensino Médio e a PEC limitando gastos públicos.

O que explica a imagem negativa de Temer? O drible que parte da mídia patrocinou sobre um diálogo gravado no Palácio do Jaburu. O grupo mais poderoso do país bateu forte na interlocução mantida pelo presidente com um empresário. “Tem que manter isso, viu”? A fala anterior do figurante referia-se ao fato de “estar bem” com o então presidente da Câmara. E o que se viu foi a inferência: Temer se referia à entrega de dinheiro, coisa que “deveria ser mantida”. Com essa ilação, o presidente foi massacrado e o Brasil perdeu a chance de avançar nas reformas.

A lama que a Operação Lava Jato jogou na política convergiu para a figura do presidente. Que não se dobrou ao objetivo de tirá-lo da Presidência.

Embora com 13 milhões de desempregados, o País caminha lentamente, aprova pautas de relevo, alarga o acesso às privatizações, se entende com a União Europeia, assume compromissos com o G-20 e com os parceiros dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reforça vínculos com a União Econômica Euroasiática, debate o clima no Acordo de Paris e valoriza o Mercosul.

Jair Bolsonaro vai comandar um Brasil que saiu do buraco em que foi deixado pelo petismo. Não navega ainda em águas calmas, ante as grandes carências das margens. Programas sociais, mesmo ampliados, como o Bolsa Família, não eliminaram a pobreza. E a violência campeia.

Mas os fundamentos da retomada econômica foram lançados. O empresariado recupera o fôlego para investir. A área de trabalho teve redução de 40% nas reclamações judiciais, graças à reforma trabalhista.

Parlamentar desde os idos de 80, presidente da Câmara por três vezes, Temer colocou em prática sua visão parlamentarista e abriu intensa articulação com o Congresso. Pode-se dizer que governou por meio de um semipresidencialismo. Aproximou-se de parlamentares e lideranças partidárias para aprovar reformas que marcam sua passagem pelo Planalto.

Constitucionalista, Michel Temer também deixa um legado ao Congresso. Trata-se de sua interpretação sistêmica à questão de trancamento de pauta por Medidas Provisórias. Quando presidia a Câmara em 2009, propôs esta solução ímpar na história constitucional: “Na verdade, o constituinte não quis sobrestar absolutamente todas as deliberações legislativas, mas apenas aquelas que também são previstas para Medida Provisória, ou seja, as demais espécies normativas não estão abrangidas na disposição do art. 62, § 6º, CRFB/88”. A tese deu mais autonomia ao Poder Legislativo na sua função primária, a atividade legislativa.

Michel deixará o Palácio do Planalto pela porta da frente.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político


Elena Landau: #FicaTemer

O essencial é o presidente e a equipe econômica falarem a mesma língua

Com o leilão da empresa de Alagoas (Ceal) no dia 28 enfim se completa o ciclo de privatização das distribuidoras da Eletrobrás. Independentemente do seu resultado, a política de desinvestimento da empresa já é um sucesso: cinco empresas mal administradas e cronicamente deficitárias passam a ser geridas sem influência política.

O governo Temer começou com 156 empresas estatais, tendo 43 delas sido criadas durante os governos PT e com elas mais de 100 mil novos empregos foram contratados. Ao final do governo Dilma, o total de empregados chegou ao recorde de 550 mil. As muitas dezenas de empresas acumulavam prejuízos que ultrapassavam R$ 25 bilhões. Com a mudança da administração e um choque de governança, ajudado pela nova Lei das Estatais, o panorama é outro; elas terminarão este ano com lucro acima dos R$ 50 bilhões e 50 mil funcionários a menos.

E mais: 21 estatais estão fora das mãos do governo. Resultado do bom trabalho dos técnicos da SEST. E esse não é um caso isolado. No Ministério da Fazenda reformas microeconômicas, como cadastro positivo e o fim da TJLP, ajudaram a diminuir o custo e a desigualdade no acesso ao crédito. A TLP provocou um rápido e eficiente processo de crowding in, contradizendo o antigo discurso desenvolvimentista. Até mesmo no financiamento à infraestrutura, o mercado de capitais privado superou o desembolso do BNDES. O PSI (Programa de Sustentação do Investimento) do BNDES que oferecia linhas de créditos fortemente subsidiados, iniciado em 2009 e acelerado por Dilma, também foi suspenso. Em boa hora, já que o apoio a esse programa pelo Tesouro custou cerca de R$ 500 bilhões. Uma política que, além de inútil, posto que não gerou nem aumento na produtividade nem na taxa de investimentos, foi injusta ao por alocar dinheiro dos contribuintes para quem menos precisava. Aliás, os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos subiram de 0,5% do PIB em 2007 para 9,5% em 2015.

Para se ter uma ideia do que significam essas centenas de bilhões desperdiçados, vale lembrar que o primeiro projeto de reforma da Previdência do Temer pouparia em 10 anos R$ 800 bilhões e o atual R$ 400 bilhões, além de contribuir para reduzir a desigualdade no acesso aos recursos públicos.

Outra boa notícia foi a antecipação do pagamento do empréstimo do BNDES ao Tesouro, ajudando na reorganização das contas públicas. Aliás, hoje graças ao esforço do Secretaria do Tesouro os dados públicos estão acessíveis. A transparência do orçamento e sua execução aumentou. Impossível terminar essa lista de avanços sem mencionar a condução da política monetária pelo Banco Central que levou à redução dos juros.

Tudo isso permitiu que a recessão herdada de Dilma desse lugar a um – modesto – crescimento e controle da inflação. Uma virada importante em poucos anos, apesar da instabilidade política gerada pelas denúncias contra Temer e das crises marcadas por greve dos caminhoneiros, desvalorização cambial, incerteza eleitoral e paralisação das reformas após a divulgação dos áudios JBS.

O trabalho conjunto dos Ministérios da Fazenda e Planejamento e do Banco Central resgatou o Brasil do pouco caso com que os recursos dos contribuintes foram tratados nos governos passados. Recentemente, o ex-ministro Guido Mantega e seu secretário do Tesouro, Arno Augustin, viraram réus por sua responsabilidade, ao lado Dilma, nas pedaladas fiscais que destruíram as contas públicas e a economia brasileira.

Qual o segredo desse sucesso quase invisível do governo mais impopular de nossa história? Simples: Um time de burocratas de primeira grandeza, que contou com apoio do presidente Temer para bancar as reformas que recomendava. Não fosse o timing da divulgação dos áudios da JBS, até a reforma da Previdência teria sido aprovada.

No mês em que o AI-5 completa 50 anos, essa equipe mostrou que não é preciso ato institucional autoritário para consertar a economia. Bom diagnóstico, conhecimento dos instrumentos de política econômica, experiência na execução, transparência e trabalho de equipe são suficientes. O Plano Real já havia nos mostrado isso.

Mas ainda há muito o que fazer. A herança dos que saem e a experiência dos que ficam na equipe com certeza vai ajudar o governo que inicia. O essencial é presidente e equipe econômica falarem a mesma língua. Isso vale para a reforma da Previdência, a principal tarefa do futuro governo. Não há substitutos a ela nem há atalhos possíveis.

Feliz Natal.


Folha de S. Paulo: Obra analisa política brasileira do impeachment a Bolsonaro

Para o analista político Alon Feuerwerker, o imprevisível nunca pode ser esquecido

Por Joelmir Tavares, da Folha de S. Paulo

"O adjetivo "histórico" anda banalizado, como afirma o jornalista e analista político Alon Feuerwerker, 63, em um texto do livro "Brasil em Capítulos - Um Olhar sobre a Política, do Impeachment às Eleições de 2018".

Mas não seria exagero aplicar a expressão ao período esquadrinhado por ele na obra. A epopeia começa com a queda de Dilma Rousseff (PT) em meio ao arrastão da Lava Jato, passa pela ascensão de Michel Temer (MDB) e sua luta para se manter na Presidência e chega ao fenômeno da vitória de Jair Bolsonaro (PSL).

"É interessante observar como o cenário estava sendo visto no momento em que as coisas aconteciam", diz Alon, que reuniu —sem atualizações— textos produzidos de 2016 a 2018 e enviados a clientes da FSB Comunicação, agência para a qual trabalha. O site Poder 360 e o blog do autor também hospedam seus artigos.

Pode parecer estranho aos olhos de hoje ler, por exemplo, que Dilma tinha 65% de probabilidade de ficar no cargo e 10% de sair por impeachment. Mas era essa a avaliação de Alon em 25 de janeiro de 2016.

"Ali era possível fazer a leitura de que ela poderia virar o jogo. Meu trabalho não é nem opinar nem somente descrever, mas pegar a movimentação dos personagens e os fatos e tentar projetar tendências."

O analista fala com o olhar de quem esteve de dois lados. Como jornalista, cobriu o poder em veículos como Folha e Correio Braziliense; como assessor, trabalhou com políticos e governos de siglas como PT, PSDB, PC do B e PSB.

A experiência de alguém que conhece o sistema por dentro foi uma das razões que o fizeram, por exemplo, "nunca ter menosprezado Bolsonaro", como diz hoje, com certo tom de satisfação por ter acertado em suas previsões.

Textos de 2017 resgatados no livro já apontavam "a aparente resiliência" do então pré-candidato à Presidência, que à época capturava "boa parte do desejo de renovação".

 

Um ano antes do pleito, o autor afirmou em um artigo: "Não é inteligente contar com a desidratação automática de Jair Bolsonaro quando a campanha eleitoral entrar em campo. A intenção de voto espontânea dele já é alta, e ele parece ter adquirido alguma consistência nos apoios".

Em outros casos, a realidade não confirmou a previsão —embora essas situações tenham sido mais raras, como pode concluir o leitor do livro.

Em abril de 2017, por exemplo, Alon supunha: "2018 acena para o confronto entre o candidato de Lula e o candidato de Temer". A teoria se concretizou pela metade, com Fernando Haddad pelo lado do PT.

O analista calcula agora, às vésperas da posse de Bolsonaro, que dificilmente o futuro comandante do Planalto conseguirá executar a contento a anunciada intenção de governar em bases diferentes das que vigoram hoje no presidencialismo de coalizão.

Se o eleito romper com o toma lá, dá cá —como se refere à troca de cargos e verbas por apoio—, "será uma experiência única no mundo", diz Alon.

"Em qualquer país, existe um processo no qual o governante divide poder com quem o apoia. Acredito que ele [Bolsonaro] vai ter alguma dificuldade, porque no dia a dia do Congresso quem coordena são os líderes dos partidos."

Para o comentarista, o presidente, "em algum momento", terá que buscar o meio-termo.

Alon foi subchefe de Assuntos Parlamentares do governo Lula (PT), entre 2004 e 2005. Era responsável pelo acompanhamento da execução de emendas dos congressistas.

Segundo ele, a experiência em governos lhe deu "um grau a mais de objetividade". Fala que a compreensão da política "é diferente se você já presenciou as coisas acontecendo".

Não que isso tenha lhe concedido dons de adivinho. Alon fala que o imprevisível nunca pode ser esquecido. A facada em Bolsonaro no meio da campanha é só o exemplo mais recente de um fator surpresa que mudou o rumo dos acontecimentos, diz ele.

E, afinal, suas matérias-primas são política e Brasil. "Como mostra a experiência", anotou em texto de 2016 presente no livro, "no realismo fantástico da política brasileira nunca é demais respeitar sua excelência, o imponderável".

Brasil em Capítulos - Um Olhar sobre a Política do Impeachment às Eleições de 2018
Autor: Alon Feuerwerker
Ed. Imprimatur; R$ 69 (428 págs.)

 


Correio Braziliense: 'Ninguém consegue milagre sem o Congresso', diz Temer

A 17 dias de terminar o mandato e passar a faixa para Jair Bolsonaro, emedebista afirma, em entrevista exclusiva ao Correio, que apenas a conversa com lideranças não garante a aprovação de projetos

Por Ana Dubeux, Denise Rothenburg, Luiz Carlos Azedo e Leonardo Cavalcanti, do Correio Braziliense

Há um ditado nos gabinetes de Brasília de que o café servido pelos garçons aos presidentes nos últimos dias de mandato vem frio. É como se a desimportância dos políticos ficasse evidente para todos os funcionários do Palácio do Planalto. “O meu café continua quente”, afirma, em tom de brincadeira, Michel Temer. Em seguida, sério, ele emenda: “Há um reconhecimento em áreas”. E passa a citar algumas homenagens que recebeu nos últimos tempos, citando inclusive o “Fica Temer”, uma brincadeira que viralizou depois das eleições. “Mesmo sabendo do tom, foi algo positivo, simpático.”

Ao fazer a avaliação dos dois anos e meio de governo, Temer acredita que a relação aberta com o Parlamento está entre os principais legados. “Ninguém consegue milagre sem o Congresso”, diz ele, que acredita que o próprio presidente eleito, Jair Bolsonaro, apesar do discurso contra negociações com partidos e parlamentares, está mudando a posição. “Ele já chamou bancadas partidárias para conversar. E o depoimento de todos que vêm aqui é de que ele fala que precisa do Congresso.”

Ainda sobre o substituto, Temer parece esperançoso. “Ele tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que é a história do recuo. O recuo é algo democrático”, diz Temer, que conversou com Bolsonaro, sendo capaz de elogiar a equipe ministerial e os projetos propostos. Confira os principais trechos da entrevista de quase 90 minutos feita na manhã de ontem no gabinete presidencial. A bebida servida, cappuccino com chocolate, estava quente.

Como a história vai tratar o senhor?
Sem ser otimista, mas realista, acho que vai ser de maneira muito positiva. Até positivo por indicativo do presente momento. Percebo que o número de homenagens que tenho recebido de 15 dias para cá — até tenho procurado evitar muitas delas porque não há espaço —, vejo que as pessoas estão com um reconhecimento muito acentuado. E eu até brinco. “Olha, quando você chega no último mês, o café esfria. E o meu café está quente ainda.” Na verdade, as pessoas me homenageiam muito, pessoal da indústria... Há um reconhecimento em áreas. Agora, se me perguntar a popularidade, até podia dizer que aumentou 100%: de 4% para 8%. Mas, evidentemente no grande público, ainda não há popularidade. O reconhecimento está começando agora e vai prosseguir. Tive uma homenagem da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) em que eles falaram maravilhas. Eu disse: “Até agradeço muito, fiz as coisas que fiz em nome da liberdade de imprensa, que faz parte de outro direito, a liberdade de informação”. E não é em nome do empresário, mas em favor do povo. Na Constituição, você tem o poder da resposta, para completar a informação. Hoje, até os jornais colocam “o outro lado” para dar a informação completa. Então, eu disse: “Isso realmente aconteceu em homenagem à Constituição. Eu trabalho por essas instituições, porque nós passamos e as instituições ficam. Agora, com muita franqueza, alguns setores tentaram me derrubar durante um ano e pouco e não conseguiram.

Quais os setores?
Vocês sabem quais são.

Qual foi o maior legado nestes dois anos?
Na economia, eu serei até repetitivo se disser o que aconteceu. Peguei um PIB negativo, em maio, de menos 5,9%. Pegamos em meados de maio de 2016 e, quando chegou em dezembro, o PIB era negativo em 3,6%. Quando chegou em dezembro de 2017, era positivo em 1%. Portanto, caminhamos 6,9 pontos percentuais no PIB brasileiro. Segundo ponto: basta pegar a inflação, o que fizemos com os juros, com as empresas estatais. Há quatro anos, a Petrobras perdeu muito a credibilidade nacional e internacional, hoje recuperada. O Banco do Brasil, quando entramos aqui, a ação valia R$ 15. Hoje, vale R$ 45. Isso foi há quatro meses. Ou seja, o patrimônio público aumentou três vezes. Se valia R$ 35 bilhões, passou a valer cento e tantos bilhões. Correios, só dava prejuízo. Quando houve balanço positivo? No primeiro semestre deste ano. Eletrobras, todas as empresas. Então, sob o enfoque econômico, tudo isso melhorou muito. À parte, a história das concessões e das privatizações, que estão dando um resultado extraordinário. Não exatamente para o meu governo, mas vai se projetar para o futuro. Nas relações internacionais, progredimos muito, porque universalizamos as nossas relações, ou seja, não nos pautamos por critérios ideológicos. Pode até se tomar o caso da Venezuela. Temos relações com o governo? Temos. Mas com o Estado venezuelano. Não temos a melhor impressão do regime venezuelano, que é outra coisa. Tempos atrás, tive uma reunião em Lima, na Cúpula das Américas. E eu disse lá para o Peña Neto, presidente do México, para o Macri (da Argentina), para o presidente Piñera (Chile), que no Brasil temos uma regra constitucional que determina que toda política pública deve visar a uma comunidade latino-americana de nações. Temos o Mercosul. Precisa criar a Aliança do Pacífico. Acho que nós devemos fazer um entrosamento desses dois setores. O presidente Peña Neto marcou uma reunião no México e chamou o Mercosul. Foi fruto dessa conversa. Fizemos uma declaração conjunta e recentemente fizemos um grande acordo com o Chile. Estamos ampliando essas relações. Na área do meio ambiente, nós duplicamos a área de preservação ambiental do Brasil.

Como o senhor avalia, então, os movimentos do futuro governo na política internacional?
O presidente Bolsonaro tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que é a história do recuo. Eu, muitas vezes, fui criticado: “Ah, o Temer recuou disso ou daquilo”. O recuo é algo democrático. Quando você vai tomar um caminho e percebe que não é o melhor, você muda de direção. Primeiro, que ele está formando uma equipe econômica da melhor qualidade. Segundo, ele está acertando na escolha dos ministros. E, aqui, eu puxo um pouco para o meu lado. Vejam quantos ministros nossos estão sendo aproveitados.
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Especialmente São Paulo.
Lá foram seis ministros, aqui (no Distrito Federal), foram três ou quatro. Mais secretários executivos. O presidente Bolsonaro, tendo essas questões, vai modificando sua forma de ver o mundo em termos internacionais. Eu tive oportunidade, quando conversei com ele aqui. Como ele é muito litúrgico, ele disse: “Presidente, que conselho o senhor me dá?” Eu disse a ele que não dou conselho para presidente eleito, mas, se quiser, palpite eu dou. Aí, tive a ocasião, como fiz uma ótima relação com a China, com o presidente Xi Jinping, disse que aquele país é nosso principal parceiro comercial e que se a China fechar as portas para nós, imagina o que acontecerá com minério, carne, soja... Eu sempre universalizei as nossas relações, mesmo com os países árabes. São 54 países que importam 40% da nossa carne e carne de frango também. Não podemos fechar nossos mercados. Nossa relação é político-comercial.

E ele (Bolsonaro) falou o quê?
Disse que realmente estava revendo todas essas coisas. O fato de dizer que poderia rever essas questões, como de resto tem falado nos últimos dias, eu acho que ele vai primeiro fazer uma coisa interessante: dar sequência ao que nós fizemos. Porque a campanha do outro candidato do segundo turno (Fernando Haddad) dizia que ia destruir tudo: a reforma trabalhista, o teto dos gastos. Ao contrário: o Paulo Guedes, que esteve comigo também, é adepto do teto dos gastos. Acho, então, que o governo Bolsonaro vai dar sequência ao nosso governo, especialmente no tocante às reformas. Eu falava sempre que a reforma da Previdência, num determinado momento, saiu da pauta legislativa, mas não saiu da pauta política do país. Eu acho que se fará logo no primeiro semestre do ano que vem. A reforma é fundamental, no país, para reduzir o deficit público. E veja que não é improvável que eles acabem utilizando, senão a nossa reforma, a maior parte.

Os princípios do texto?
Sim. No geral, as pessoas não têm projeto. Porque o nosso projeto é de uma suavidade extraordinária. Para o sujeito chegar a 65 anos, leva 20 anos. A cada dois anos, aumenta um ano. E de igual maneira no caso da mulher. Para chegar a 62 ou 63, leva 20 anos. A cada 2 anos, um ano. O outro ponto da reforma é a abolição dos privilégios, até pautados pelo princípio da igualdade, que é uma determinante constitucional. Então, não tem cabimento o trabalhador do setor privado ganhar aposentadoria máxima de R$ 5.645 e quem está no setor público poder se aposentar com R$ 33 mil. A pessoa pode se aposentar com R$ 33 mil? Pode. Mas vai ter que dar uma colaboração maior. Se ele paga R$ 1 mil de Previdência, talvez vai ter que pagar R$ 2 mil, R$ 2,5 mil. Uma espécie de capitalização. Você acaba igualando os sistemas. Você pega idade de um lado e queda dos privilégios de outro lado. Segundo ponto: não se atinge a pobreza. Não pegamos os trabalhadores rurais, não pegamos o benefício de prestação continuada. Isso está tudo liberado. No geral, aqueles que não querem a reforma dizem: “Ah, vai acabar com os pobres, idosos, coitados, vão perecer.” Não é nada disso.

É o discurso das corporações.
Claro. Mas foi um discurso equivocado. Para não dizer falso.

Mas a reforma de Bolsonaro também vai poupar os militares, como a do senhor poupou. Isso torna a mudança incremental, não?
Não. Nós articulamos muito bem isso e, na oportunidade que nós providenciamos a reforma da Previdência, os setores militares, juntamente à Casa Civil, estavam providenciando uma lei especial para os militares, que também os colocava no sistema previdenciário. Tem na Constituição o princípio da igualdade, que não é apenas tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Toda vez que se vai fazer uma discriminação, você precisa ter uma espécie de correlação lógica entre a razão que leva a discriminar e a própria discriminação. Um exemplo muito concreto: não tem cabimento colocar carcereira mulher na penitenciária masculina. Isso não é violar o princípio da igualdade. Como de resto, os militares têm todo um tratamento especial e uma conduta especial de natureza funcional. Então, é razoável que haja uma discriminação nessa base da correlação lógica. Eu acho que, promovida a reforma da Previdência, já com o estudos que foram feitos, pode conduzir o novo governo também a fazer uma reforma (para os militares) fora do projeto principal.

Quem participou desses estudos entre os militares?
O general Etchegoyen, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), (Eliseu) Padilha e os comandantes.

Qual é a grande frustração que o senhor tem em relação a esse período em que exerceu o cargo mais importante do país?
Foram os ataques de natureza moral, porque os ataques políticos não me preocupam minimamente. Ao longo do tempo, convenhamos, não foram poucas as tentativas até de inviabilizar o governo. E veja que nós não nos inviabilizamos. Vocês se lembram do tal “Abril vermelho”, que tinha todo ano? Sabe por que não houve abril vermelho? Porque distribuímos mais de 250 mil títulos de regularização fundiária que não eram entregues, porque havia um interesse ideológico em manter o estoque. Nós tivemos greves, movimentos de rua que paralisaram o país, fora a dos caminhoneiros? Não. Porque agimos corretamente aqui no governo. Então, volto a dizer que uma das minhas frustrações foi ataque de natureza moral, porque vou precisar sair daqui e vou precisar trabalhar para sobreviver. Hoje, mais do que nunca, verifica-se que os meus detratores foram presos. Em face de uma gravação equivocada, acabaram sendo presos. Um procurador que trabalhava, enquanto procurador, para uma empresa, não quero nominar ninguém, acabou sendo denunciado pelo próprio Ministério Público Federal. Havia uma trama para derrubar o presidente da República. O tempo ajuda a resolver essas questões. Os dados são extremamente positivos. A única frustração é essa.

Como isso afetou a família?
É um horror. A gente tem uma longa trajetória. E eu tive, graças a Deus, uma trajetória advocatícia, na Procuradoria do Estado, na advocacia privada, na universidade, livros publicados — um que vendeu mais de 400 mil exemplares. Quando cheguei à Presidência, eu falei: “Poxa vida, se não tivesse chegado aqui, não teria esses problemas”. Alguns desses, até de natureza processual. A família ficou muito abalada, o tempo todo. As minhas filhas diziam que eu tinha que resistir, porque não foram poucos que naquela ocasião falavam para renunciar. Renúncia seria me autodeclarar culpado. A Marcela ficou abalada, mas muito corajosa, graças a Deus. Então, ela sempre me deu muita força, muito apoio, mas é claro que é desagradável. As notícias (que) aparecem na televisão: parece que eu sou um bandido, um corrupto.

Quais os erros o senhor cometeu nesse período?
Talvez, eu não tivesse que trazer para cá um hábito que me acompanhou a vida toda, um hábito próprio que também deriva um pouco da educação, que é atender as pessoas com muita atenção e o hábito parlamentar de atender as pessoas fora de agenda. Até hoje é assim. Eu recebo as pessoas, e isso me criou problemas. Mas, se de um lado me criou problemas, de outro, solucionou problemas. Por exemplo, como eu cheguei até aqui? Por causa do apoio do Congresso. E não foi só por lideranças. Eu tinha um apoio pessoal. Eu crio contatos pessoais com deputados, senadores. Convenhamos, fui vítima de dois pedidos de impeachment. E, com maior tranquilidade, foram recusados.

O presidente Bolsonaro está querendo mudar esse tipo de relação com o Congresso. Ele quer fazer o contato via bancadas temáticas. Isso funciona?
Eu acho que ele está mudando um pouco. Ele já chamou bancadas partidárias para conversar. E o depoimento de todos que vêm aqui é de que ele fala que precisa do Congresso. Isso de bancada temática, talvez, tenha nascido muito em função da escolha da deputada Tereza Cristina para a Agricultura. Mas a Tereza, eu sou testemunha disso, tem uma atuação na área da agricultura muito intensa. Então, é muito natural que isso aconteça. Agora, eu reconheço os hábitos parlamentares. Não basta você falar com líder hoje. Antes, você falava com o líder, ele transmitia para a bancada, e as coisas caminhavam. Hoje, é preciso muito contato individual. Recebia sempre 20 deputados, 10 senadores. Eles querem um contato pessoal. Para a surpresa minha, eles diziam que nunca entraram nesta sala. E eu acho que recebi, pelo menos da base parlamentar, todos.

O senhor buscou a relação com o Congresso...
Eu exerci um governo, até vocalizei isso, próximo do semipresidencialismo, porque fui três vezes presidente na Câmara dos Deputados, e eu me recordo que o Congresso sempre foi um apêndice do Poder Executivo. Porque nós temos uma cultura política muito centralizadora. Eu trouxe um Congresso para participar do governo. Eu sempre digo, o Congresso governou comigo e eu acho que esta relação com o Congresso é uma relação importante para a democracia, não só para o governo. É pra você mostrar que ninguém consegue chegar aqui, sentar aqui nesta cadeira e fazer milagre no país, se não tiver apoio do Congresso e também apoio da sociedade, não basta ter um dos apoios. Por exemplo, na modernização trabalhista, eu tinha apoio do Congresso, mas nós fomos buscar apoio da sociedade, porque o ministro do Trabalho, na ocasião, visitou centrais sindicais e federações de indústria e comércios, passou oito ou nove meses para formatar a reforma trabalhista. Quando lançamos, nós tivemos aqui discursos de seis, sete centrais sindicais e seis ou sete federações trabalhistas. Então, acho que este diálogo é fundamental.

O apoio popular não basta, então?
Eu acho que ele não supre a necessidade legislativa. O que pode ocorrer com as redes sociais é que elas influenciam o Legislativo, é isso que vai acontecer. Dizer que você vai substituir o Congresso pela vontade popular, eu acho até um pouco problemático.

O que seria uma democracia direta…
Eu acho que ainda não é possível. Pelo seguinte: a vontade popular é fundamental, mas há momentos em que ela se manifesta. O momento correto para a manifestação popular é quando há as eleições. Na eleição, ele vai lá e escolhe quem acha que deva governar. Agora, que ela possa superar a vontade do Congresso não é bom, porque o Congresso, queiramos ou não, é a representação de vários setores da sociedade. O Congresso é uma coisa importante para a democracia. O povo absolveu Barrabás e condenou Cristo, estou dizendo o óbvio. Então, essa história é muito perigosa para você contar as coisas na mão do povo, você tem que ter o povo para influenciar aqueles que legislam.

O que o senhor pretende fazer a partir de 1º de janeiro?
Devo viver comigo mesmo. Nunca tive tempo até hoje, e vou voltar para o meu escritório em São Paulo.

Não pretende viajar, passar um período no exterior?
Não vai dar, vai ser difícil fazer.

A história de embaixada é conversa?
É conversa, eu nunca falei nisso e nem ninguém me falou nisso.

Por que essa eleição quebrou tantos paradigmas, foi tão diferente?
Isso não me surpreende e não deve nos surpreender. Pelo seguinte: há um momento em que o povo quer mudar tudo, e o que houve nesta eleição foi isso. Este é um fenômeno inédito. Mas foi a primeira vez? Não é verdade: no tempo do Lula, a coisa funcionou do mesmo jeito e, por isso, elegeram o PT e o Lula… Então, são momentos da democracia e nós temos que compreender isso, porque se nós formos fixar apenas em parâmetros nossos, nós vamos sempre usar o “não, isso aqui deu tudo errado”. Vem uma nova concepção. Ela será testada e será aprovada ou não aprovada.

A eleição do Bolsonaro é um teste para a democracia?
É uma comprovação da existência do sistema democrático. Já houve um governo mais de centro, mais de esquerda, agora pode vir um mais conservador. Eu sou um pouco contra essa história de rótulos. Para o povo, não interessa. Interessa para nós que achamos gracioso esse negócio de direita e esquerda. O povo quer saber de resultado. Por exemplo, se o governo Bolsonaro mantiver a economia num ritmo adequado, ninguém vai perguntar se é de direita ou de esquerda. Se algum dia vier um chamado de esquerda, também você com dinheiro no bolso e sobrevivendo… Mais do que um teste para a democracia é a revelação da democracia…

Não tem muito general nesse governo?
Você sabe que eu não tenho nenhuma objeção. Precisa acabar com essa separação entre militares e civis. Porque os militares são brasileiros e brasileiros muito bem preparados. Eu reconheço que, aqui, eu tive muito apoio de setores militares. Claro, isso é fruto da nossa história. Tivemos, recentemente, aquela questão de 1964 que traumatizou muito o país. Nos Estados Unidos, as pessoas têm militares à vontade nos governos e ninguém faz essa separação .

Essa questão na avaliação do senhor está superada?
Está superadíssima. Até porque, se chegaram ao poder, chegaram pela via da eleição.

O senhor foi mudando a posição sobre o impeachment ao longo do tempo. Alguns o acusam de falta de lealdade.
Em primeiro lugar, ela (Dilma Rousseff) não me incluía em nada. E quando eu digo que não me incluía em nada, eu não estou me conduzindo pela minha própria visão, pela visão que até a própria imprensa tinha. Não era sem razão que, muitas vezes, se publicava: presidente fez reunião com o seu núcleo duro. No meu governo, não teve núcleo duro, não é? Porque eu universalizei tudo. Porque ela fazia isso e não me dava a mínima, nunca deu. Aliás, uma única vez ela me chamou para fazer articulação política. E eu disse: “Olha, presidente, eu não posso fazer isso, porque eu sou vice-presidente. Só se a senhora transferir as competências de relações institucionais para a vice-presidência”. Ela disse: “Faço isso hoje”. E daí fez. Realmente, eu comecei a exercitar e foi quando, convenhamos, nós conseguimos aprovar algumas medidas importantes, que havia grande dificuldade no relacionamento com o Congresso, mas eu fiquei três meses.

Quais as medidas?
As medidas provisórias em relação ao abono salarial. Eram questões relativas à Previdência e uma relativa à desoneração tributária, eram duas ou três, três medidas, eu acho. Mas, evidentemente, eu assumi compromissos de participação com esse pessoal no governo, e paguei com meu cartão de crédito político. Quando vieram me cobrar, eu disse a ela: “Olha, presidente, eu tenho encaminhado uns pleitos lá dos ministérios e os ministérios não fazem. Eu posso ligar e falar com os ministros? Eu tenho que fazer isso, porque isso é compromisso”. Daí, ela disse: “Não faça isso, não. Isso é muito ruim”. E eu falei: “Opa, está meio complicado. Eu não posso ficar nessa situação.” E, aí, eu percebi a dispensa que ela fez quando disse: “Não, está bom, então, você fica na macropolítica”. Como a macropolítica não é nada, eu percebi e, de fato, daí o distanciamento dela foi muito grande em relação a mim. Agora, meu trato com ela sempre foi muito cerimonioso, não era um trato de presidente e vice-presidente. Eu me lembro até de uma fotografia muito expressiva do (Barack) Obama, quando houve aquela operação contra o Bin Laden. Quem é que estava naquela saleta lá era o Obama, o John Biden (vice-presidente) e a secretária de Estado, que era a Hillary Clinton. Aqui, eu não tinha função nenhuma.

Esse distanciamento foi criando uma situação ainda mais desagradável?
O distanciamento foi natural. Agora, quando surgiu o problema do impeachment, sabe o que eu fiz? Eu fui para São Paulo, porque o vice é sempre o primeiro suspeito, não é? Só voltei nos últimos quatro dias que antecediam a votação.

E aquela carta?
A carta foi bem antes. Eu até usei a expressão: “A senhora me trata como vice decorativo”.

E por que o senhor não saiu entre o primeiro e o segundo mandato?
São circunstâncias políticas. Quando eu fui para a vice-presidência na primeira eleição e levei o PMDB comigo, eu fui porque eu não poderia mais ser candidato a deputado federal. Eu tinha sido seis vezes deputado federal e três vezes presidente da Câmara. E aconteceu o seguinte: quando eu ia na região do estado de São Paulo, alguém dizia: “Aqui é a região do deputado fulano”. E eu começava a ficar constrangido. Tanto que, na última eleição, eu quase não visitei o estado. Então, quando surgiu a oportunidade de ser vice, eu falei: “Bom, vou lá!”. Depois veio a segunda campanha. Na primeira aliança PMDB/PT, a votação que nós tivemos no PMDB foi de 80%. Na segunda, foi pouco mais de 50%. E só houve aliança porque, convenhamos, eu era candidato a vice. Então, fui para o segundo mandato nessas condições.

A classe política está muito desacreditada ainda. Como se recupera essa credibilidade?
Eu acho que o descrédito pode gerar crédito, porque chega um determinado momento em que o descrédito é tão grande que as pessoas se apercebem disso. Eu acho que o Congresso vai se aprimorar cada vez mais. Eu até não faço críticas ao Congresso, eu acho que houve uma campanha de desvalorização da classe política. E como todo corpo institucional, você tem gente boa e gente que não se comporta adequadamente.

A irreverência das redes falava em #FicaTemer. Como é que o senhor analisa essa situação de um momento crítico, doloroso, para outro um pouco mais agradável?
É um certo reconhecimento, não é? Embora em tom de brincadeira, nós tivemos milhares de pessoas falando isso. Então, é uma certa brincadeira que gera um certo reconhecimento.

O senhor vai continuar na luta política?
Eu acho que não.

Conversando com as pessoas, recebendo…
É natural. Eu já estou me preparando psicologicamente para o dia 2 de janeiro, pois será um corte. Trabalho aqui das 8h à meia-noite, diariamente. Então, não é brincadeira isso. É uma coisa que, aqui, no Jaburu, no Alvorada, onde quer que seja e, de repente, não vai ter. O que fazer, não é?

O senhor pretende escrever um livro?
Ah, isso eu vou fazer.

E sobre esses processos que continuam contra o senhor no Supremo?
Vão para o primeiro grau.

Então, o senhor vai ter de separar um período do dia para cuidar disso.
Eu vou contratar um advogado. Eu vou voltar a ler tudo. Claro, agora, eu não tenho muito tempo. Agora, é o advogado que cuida.

O senhor mesmo vai cuidar dos seus processos?
Não, eu vou acompanhar.

Passa pela cabeça do senhor uma situação mais extremada?
Eu não creio, porque a coisa sairá do foco político para o foco jurídico. E, no foco jurídico, estou tranquilo. No foco político, é muito bom falar mal do presidente, percebe? Eu não acho que ninguém vai querer, tipo assim, exibir um troféu. Colocar a cabeça do presidente na parede.

E a rua?
Você sabe que eu vou a restaurante em São Paulo? Você vai e as pessoas vêm te cumprimentar. Eu posso andar, não tenho nenhuma dificuldade.

"Dilma não me incluía em nada. E quando eu digo que não me incluía em nada, eu não estou me conduzindo pela minha própria visão, pela visão que até a própria imprensa tinha"
O Sérgio Moro acertou ao aceitar o cargo de ministro?
Acho que cada um tem as suas concepções. Acho que ele achou que era bom para ele. Aí, entra muito a questão individual. Vou dar o meu exemplo. Eu quando fui nomeado secretário de Segurança, eu até resisti, mas o (Franco) Montoro insistiu, então, eu fui. Na primeira semana, pensei: “Meu Deus do céu, o que eu vim fazer aqui, eu não entendo nada disso e eu vou me dar mal aqui.” Eu estava assistindo a um programa de televisão, e Gianfrancesco Guarnieri tinha sido nomeado secretário da Cultura. E o entrevistador perguntou para ele: “Como é que vai ser agora de terno e gravata?” Ele respondeu: “A vida também é uma interpretação. Você tem de interpretar bem aquilo que a vida te entrega”. Você sabe que eu ouvi aquilo e falei comigo mesmo: “Poxa vida, a vida me entregou essa função de secretário. Fui na segunda-feira lá no gabinete, chamei o delegado-geral, o comandante da PM e exerci o papel que a vida me entregou. Então, no caso do Moro, a vida entregou para ele esse papel, e ele acolheu.

Integrantes do seu governo estão compondo a equipe do Ibaneis. Ele também já fala em candidatura do MDB. Já está na hora para isso?
Eu acho que cada um age como acha que deve agir. Acho que Ibaneis vai fazer, pelo entusiasmo que ele mostrou. Eu acho que ele será um bom governante e todo bom governante pode aspirar à Presidência da República, não tenho dúvida disso. Basta ser um bom governante para naturalmente (se candidatar)... Fizemos junta comercial, região metropolitana (do Entorno).

 


Michel Temer: Cooperação em bom português

Além da promoção da língua, a CPLP é espaço privilegiado de diálogo e cooperação, com vistas ao bem-estar de nossas populações

Estarei em Cabo Verde, hoje e amanhã (18/07), para a Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Na ocasião, concluiremos o período em que o Brasil presidiu a CPLP e passaremos essa responsabilidade a nossos irmãos cabo-verdianos. Não é responsabilidade menor: a Comunidade reúne países de quatro continentes, com população de cerca de 270 milhões de pessoas, e desperta cada vez mais interesse entre países não lusófonos — é crescente o número de observadores associados.

Na CPLP, somos centenas de milhões a pensar, a imaginar, a falar utilizando um mesmo código: a língua portuguesa — patrimônio comum que, nem por isso, deixa de guardar a marca da diversidade. É a enorme riqueza de variantes que dá corpo a nossa língua, que demonstra sua plasticidade, que revela seu infinito potencial.

Como o nome sugere, a CPLP tem por objetivo primário a promoção da língua portuguesa. Nisso o Brasil está empenhado. Entre outras tantas iniciativas, instituímos, com Portugal, o Prêmio Monteiro Lobato de literatura infanto-juvenil e impulsionamos centros culturais e leitorados que mantemos em 37 países, atualmente com mais de 8.500 pessoas matriculadas.

A verdade, porém, é que o nome CPLP diz muito, mas não diz tudo: além da promoção da língua, a Comunidade é espaço privilegiado de diálogo e cooperação, com vistas ao bem-estar de nossas populações. Para melhor aproveitar esse espaço, o Brasil adotou a Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável como eixo de sua presidência. Duas razões principais estimularam essa escolha.

Em primeiro lugar, quisemos aproximar os trabalhos da CPLP e da ONU. Com isso, os esforços internacionais pelo desenvolvimento ganham em coesão. Foi significativo que o português António Guterres, secretário-geral da ONU, tenha vindo prestigiar a Cúpula de Brasília, quando assumimos a presidência da CPLP. Como foi significativo que, pela primeira vez, tenhamos organizado, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, reunião de coordenação entre mandatários da Comunidade.

Em segundo lugar, a escolha brasileira ajuda a melhor estruturar a cooperação no âmbito da própria CPLP — cooperação que se concentra no aprimoramento da capacidade de formular e implementar políticas públicas eficazes.

Avançamos em áreas tão distintas como saúde, educação, segurança nutricional, agricultura familiar, igualdade de gênero, meio ambiente, energia, inovação, governo eletrônico, defesa. Ao todo, sediamos, na Presidência brasileira, 13 reuniões ministeriais e número ainda maior de encontros técnicos. Apenas para dar exemplos, promovemos a primeira reunião do Colégio de Defesa da CPLP. Em matéria de saúde, criamos a Rede de Bancos de Leite Humano da CPLP, realizamos a primeira reunião de telemedicina, organizamos oficina sobre resistência aos medicamentos contra a malária e levamos adiante atividades de combate ao HIV/Aids e à tuberculose.

Somos, com orgulho, uma comunidade de países que compartilham, mais que uma língua, a determinação de construir, pela cooperação, sociedades mais prósperas e mais justas. É isso que queremos para nós, é isso que propomos para o conjunto da comunidade internacional.

Michel Temer é presidente da República

* Publicado originalmente em O Globo em 17/07/2018.


Michel Temer: Dois anos de avanços

O Brasil e os brasileiros têm escolha fundamental a fazer neste ano; continuar no caminho certo, com resultados reais, ou buscar alternativas que podem gerar insegurança

Peço alguns instantes de sua atenção para recordar um número de janeiro de 2016. Na Bolsa de Valores, a Petrobras valia R$ 67 bilhões. Pouco mais de dois anos se passaram. Nesta última semana, a Petrobras reconquistou o título de empresa mais valiosa do Brasil. Ultrapassou os R$ 350 bilhões.

Em 24 meses, recuperamos a Petrobras, o Banco do Brasil, os Correios, a Caixa Econômica Federal; elevamos o PIB a patamar positivo, melhoramos a gestão pública, ajudamos estados e municípios; reformamos leis e instituições. Trabalhamos sem parar.

Recuperamos o Brasil. No aniversário de dois anos de meu governo, aqueles que analisarem com isenção vão constatar: cumprimos o que escrevemos no documento "Ponte Para o Futuro". Transformamos a mais grave recessão da nossa história em crescimento consistente. Trocamos as famosas "pedaladas" por responsabilidade fiscal.

Integramos o Brasil ao mundo, atraindo investimentos e recuperando a credibilidade. Os programas sociais, que estavam ameaçados, têm hoje os melhores indicadores da história.

O resultado está aí: o que antes era desalento agora é trabalho. Quando assumimos, havia uma dilapidação de 150 mil empregos de carteira assinada por mês. Neste ano, registramos um saldo de 204 mil vagas com carteira assinada. E, nos últimos 12 meses, foram criados mais de 1,5 milhão de postos de trabalho.

O Bolsa Família está mais amplo —atende hoje 160 mil famílias a mais do que as 14 milhões do seu recorde anterior, em 2014. Está mais acessível para quem precisa porque zeramos a fila, que chegou a ter quase 2 milhões de famílias em maio de 2015.

Melhoramos a gestão do programa, e o benefício alcançou seu maior poder de compra porque aumentamos seu valor em mais de 100% acima da inflação do período. Financiamos no tempo certo as duas maiores safras da história, que baratearam os alimentos, favorecendo os mais necessitados.

Asseguramos os contratos do Minha Casa, Minha Vida, pagamos os atrasados que encontramos no começo de governo, em maio de 2016, e garantimos a expansão do programa, entregando uma média de 38 mil residências por mês. Fizemos mais e melhor.

Implantamos o Criança Feliz para proteger e acolher a gestante e a primeira infância. Criamos o programa "Progredir", que, pela primeira vez, capacita e emprega jovens de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família.

Em três meses, quase 70 mil deles conseguiram seu lugar no mercado de trabalho. O que deve ser permanente é a formação para melhorar de vida. Movidos por esse espírito, revolucionamos a educação. Reforma do ensino médio, novas 500 mil vagas em tempo integral e capacitação dos professores —o Brasil está apenas começando a colher os avanços da mudança.

Os resultados são incontestáveis em todas as áreas: a menor inflação da história do Plano Real, as menores taxas de juros de nossa história, os dois maiores superávits comerciais, duas safras agrícolas recordes, o maior número de títulos de propriedade (mais de 200 mil), agrária ou urbana, já distribuídos.

A indústria automobilística reagiu, com mais 40% na produção de veículos leves em abril, no comparativo com o mesmo mês de 2017. A produção aquecida e as demandas do comércio (mais 4% na construção civil em 2018) elevaram em 77% as vendas de caminhões em abril deste ano, na comparação com o ano passado. Fizemos nossa parte para essa retomada com a liberação das contas inativas do FGTS, que colocou R$ 44 bilhões na economia e beneficiou 25,9 milhões de trabalhadores.

Desde a primeira hora, saí em busca de mais investimentos, de mais comércio e de mais empregos aos brasileiros. Estive na Ásia, Europa e em nossos vizinhos da América. Trouxemos bilhões em negócios. Saímos do oitavo para o segundo lugar como melhor destino para investimentos em todo o mundo.

A maior quantidade de unidades de conservação por km² de todos os tempos foi criada em minha gestão, superando todos os governos anteriores somados. A maior reserva marinha do mundo foi criada no Brasil por ato da minha Presidência. Reduzimos o desmatamento da Amazônia depois de dois anos de crescimento contínuo na devastação.

Tivemos a coragem de, pela primeira vez, encarar para valer o tema da segurança pública, demanda social prioritária, que a Constituição colocou a cargo dos estados. Criei o Ministério da Segurança Pública e decretei a intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro.

Os resultados são animadores: o mês de abril já registra considerável redução de crimes violentos e roubos sobre o mês anterior. Na região de Bangu, Gericinó, Padre Miguel, Senador Camará e Vila Kennedy, onde a intervenção concentrou algumas ações, a letalidade violenta registrou o menor número de vítimas para o mês de março desde o início da série histórica. São vidas que foram preservadas. Cada uma delas, uma vitória sobre as milícias e o crime organizado.

Nada disso surgiu por geração espontânea, como alguns querem acreditar ao tentar desvincular nosso trabalho de todos os êxitos econômicos, sociais, ambientais e de segurança. Tamanhos resultados premiam o esforço de uma equipe de alta competência e dedicação ao interesse público. Para alcançá-los, foi preciso dialogar com o Congresso e construir um conjunto de normas que sepultaram o populismo do resultado fácil.

A virada na economia, assim como no resultado das estatais, é fruto dessa fórmula. Trilhamos um caminho de coragem, de mudanças. Tem sido duro, difícil, a ponto de nos custar popularidade, num país ansioso por soluções fáceis. Os resultados estão aí, os números falam mais alto. Fizemos em dois anos o que outros não fizeram em 20 anos.

O Brasil e os brasileiros têm escolha fundamental a fazer neste ano. Continuar no caminho certo, com resultados reais, ou buscar alternativas que podem gerar insegurança, crise, dívidas, inflação, recessão, desemprego, pessimismo e desesperança.

Nosso projeto acelera o desenvolvimento, amplia investimentos, cria empregos, aumenta salários, qualifica nossos jovens, oferece mais segurança. Ao cumprir o que escrevemos, o Brasil voltou a ter um futuro de prosperidade.

Michel Temer é Presidente da República; ex-vice-presidente (2011-2016, governo Dilma) e ex-presidente da Câmara (1997-2001 e 2009-2010)


Merval Pereira: Futuro inseguro

Mesmo os que acreditam na força da política tradicional, com seus acordos por baixo dos panos e suas coligações estapafúrdias para aumentar o tempo de televisão, fogem do PMDB e do próprio presidente Michel Temer. A janela de mudança partidária permitida pela legislação começou com uma evidência de debandada de políticos do maior partido do país, que bem ou mal está no poder.

Essa insegurança partidária atinge os candidatos regionais, que fazem acordos localizados que terão repercussão negativa no final das contas, ajudando a manter a incoerência intrínseca de nosso sistema político-partidário.

Os acordos que obedecem a uma lógica local — que se distancia da lógica nacional da candidatura presidencial — farão com que vários candidatos frequentem palanques variados, misturando mais ainda a cabeça do eleitor.

Também o DEM e o PSDB sofrem com a corrida de políticos para outros portos mais seguros. É provável que a frágil Rede de Marina Silva venha a recolher algumas adesões que lhe restituirão a possibilidade de participar dos debates na televisão, depois que perdeu o número mínimo de cinco parlamentares exigido pela legislação eleitoral. Suas expectativas de poder, mostram as pesquisas, são mais sólidas do que as de políticos teoricamente bem estruturados, como Geraldo Alckmin.

O deputado Jair Bolsonaro entrou para o PSL seguido por uma série de adesões de deputados que enxergam nele uma expectativa de poder viável, enquanto a esquerda e o centro estão paralisados na busca de definições. Com Lula fora da disputa, o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, é a face mais visível da esquerda na corrida presidencial, mas a ambição política leva a que a união das esquerdas seja impossível no primeiro turno.

Cada um acha que podem sobrar para si os restos mortais políticos de Lula, sem acreditar que ele seja capaz de transferir, mais uma vez, sua popularidade para outro poste, depois do fracasso em que se transformou o governo de Dilma Rousseff.

Além disso, uma coisa é eleger uma sucessora estando no poder com popularidade em alta e um crescimento de 7,5%, turbinado por ações populistas que deram início à derrocada econômica que se viu a partir de 2010. Outra bem diferente é eleger um escolhido estando às voltas com condenações na Justiça, uma prisão iminente, e evidências de atividades corruptas em vários níveis.

Uma situação dessas limita a capacidade de transferência de votos a um público bastante reduzido, que pode até levar o ungido a um segundo turno, diante da fragmentação de uma eleição disputada por mais de 20 candidatos, mas não garante uma vitória ao final.

Também ao centro não há convergência de candidaturas, todos vendo à frente um espaço a ser ocupado pelo mais ousado. E esses ousados procuram se distanciar do governo — a que serviam até pouco tempo —, por mais poder que tenha a máquina partidária do PMDB.

Hoje, acredita-se mais na cristianização de um eventual candidato governista, ainda mais se ele for o próprio presidente Temer, do que na ressurreição de sua popularidade devido à recuperação econômica ou ao sucesso da política de Segurança nacional iniciada no Rio de Janeiro.

O mais provável é que a balcanização das influências partidárias torne mais difícil governar um país quebrado e sem projeto de futuro. Não há no tabuleiro eleitoral, nem fora dele, figura política capaz de mandar uma mensagem de reconciliação e reconstrução para o futuro. E o que tenta vender essa capacitação mais parece hoje um “Napoleão de hospício”, falando de um passado que não existiu e vendendo um futuro que não tem condições de entregar.

Difícil acreditar que desta corrida maluca saia algum governo minimamente capacitado a enfrentar os graves problemas que o país tem pela frente.

http://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/futuro-inseguro.html


El País: Os extratos bancários de Michel Temer nas mãos da PF por ordem do STF

Ministro Roberto Barroso autoriza quebra de sigilo até junho de 2017 por caso da MP dos Portos. Planalto reagiu à decisão. Inquérito pode gerar apresentação de terceira denúncia contra o presidente

A pressão da Operação Lava Jato se intensifica sobre o Planalto em meio à troca de comando na Polícia Federal. Em um constrangimento inédito para um mandatário no exercício do cargo, o presidente Michel Temer teve o sigilo bancário quebrado por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso. O magistrado autorizou que a PF tenha acesso às movimentações bancárias de Temer entre primeiro de janeiro de 2013 e 30 de junho de 2017 como parte do inquérito que investiga o suposto favorecimento da empresa portuária Rodrimar em um decreto presidencial de maio de 2017  - o texto mudou regras de funcionamento dos portos no país.

O Planalto fez circular na imprensa a mensagem de que foi surpreendido pela decisão de Barroso, publicada primeiro pela revista Veja, e tentou reagir rápido. A assessoria de Temer divulgou uma nota, parte dela lida no Jornal Nacional, da TV Globo, nesta segunda-feira, prometendo dar acesso à imprensa às movimentações financeiras do emedebista: "O presidente Michel Temer solicitará ao Banco Central os extratos de suas contas bancárias referentes ao período mencionado hoje no despacho do eminente ministro Luís Roberto Barroso. E dará à imprensa total acesso a esses documentos. O presidente não tem nenhuma preocupação com as informações constantes suas contas bancárias", diz a íntegra do texto.

É o segundo revés para o mandatário na área criminal em apenas três dias. O caso dos portos é uma das duas investigações em curso contra o presidente no STF, mas é a única que pode se transformar numa terceira denúncia contra Temer - ele já conseguiu barrar duas na Câmara. A outra apuração foi desatada na sexta-feira, pelo ministro Edson Fachin, do STF. Ele autorizou abertura de um inquérito no qual Temer será investigado sob acusação de capitanear esquema de propinas do MDB. No entanto, como se trata de supostos fatos acontecidos em 2014 -  portanto antes de Temer chegar ao Planalto -, ele não poderá ser responsabilizado por eles enquanto for presidente.

O novo cerco acontece justo quando o Planalto tenta emplacar a agenda da segurança pública como alavanca para a aprovação do Governo mirando as eleições de outubro. O sigilo de Temer vai para as mãos de uma Polícia Federal que acaba de trocar de comando: sai Fernando Segóvia, um nome aliado do MDB que havia publicamente desdenhado da investigação sobre o decreto dos portos, e entra Rogério Galloro, tido como mais alinhado com a Lava Jato.

Coronel e Loures na mira em caso que remonta os anos 90

O caso que provocou a inédita quebra de sigilo bancário de um presidente da República é uma derivação das delações de Joesley e Wesley Bastista. Segundo o Ministério Público Federal, interceptações telefônicas no círculo próximo de Temer levaram a suspeitas de irregularidades na emissão da Medida Provisória dos Portos, em maio do ano passado. De acordo com o então procurador-geral, Rodrigo Janot, os dados obtidos continham indícios de que a empresa Rodrimar, que atua no Porto de Santos, teria sido "ao menos em parte" favorecida no decreto presidencial - o Planalto pede o arquivamento do caso dizendo que a firma não foi beneficiada.

Além de Temer e dos responsáveis pela empresa portuária, ex-assessores e amigos do círculo mais íntimo do presidente, já citados em outros escândalos, também tiveram os sigilos bancários quebrados por conta da investigação: o advogado José Yunes, o coronel reformado João Baptista Lima Filho e Rodrigo da Rocha Loures, o deputado flagrado com a mala de dinheiro enviada pelos irmãos Batista.

Yunes, o coronel Lima e Loures são acusados em diferentes frentes pelos investigadores da Lava Jato de serem operadores de Temer. Lima, cuja empresa fez a reforma na casa da filha de Temer, é quem recebeu, segundo o Ministério Público Federal, parte de dinheiro não declarado enviado por empresas como a JBS. A relação entre os dois é de longa data. Quando o presidente foi mencionado pela primeira vez em um escândalo de corrupção, na década de 1990, vários dos personagens protagonistas de agora já estavam lá: Lima e a Rodrimar, por exemplo. O caso viria a ser arquivado por falta de provas.

Yunes, advogado amigo de Temer que chegou a atuar no Planalto, é amigo do presidente de longa data e apareceu nas delações da Odebrecht como responsável por intermediar o recebimento de dinheiro não declarado da empresa, o que ele nega. Como revelou o EL PAÍS em outubro passado, o advogado teve por três anos - a partir de 2013 -  uma procuração para movimentar as contas bancárias da empresa controlada pelo presidente, a Tabapuã Investimentos. A Tabapuã possui salas comerciais na Faria Lima com aluguel anual estimado em um milhão de reais. A empresa de Temer também adquiriu terrenos em Itu em 3 setembro de 2014 - um dia depois que a JBS diz ter entregue um volume de dinheiro destinado a ele.

Na época da reportagem, o Planalto respondeu que a evolução patrimonial do presidente era compatível com suas propriedades: “A reportagem do El País já aponta a renda de aluguel anual mais do que suficiente para o presidente Michel Temer adquirir os imóveis. É, portanto, autoesclarecedora, além de demonstrar a compatibilidade da evolução patrimonial. Transações registradas em cartório, declaradas no imposto de renda são lícitas, não restando nenhuma dúvida sobre a legalidade da compra dos terrenos pelo presidente”, dizia a nota enviada ao Globo.