corrupção

Eliane Cantanhêde: Não tem corrupção?

A Lava Jato vai e vem, mas não acabou e tem aliados articulados, como Luiz Fux

Odiada pelo PT desde sempre e desprezada pelos bolsonaristas após a queda de Sérgio Moro do governo, a Lava Jato continua no centro das preocupações e, se tem adversários poderosos, tem também aliados ágeis e articulados. Acaba de ter uma vitória preciosa no Supremo e obriga o presidente Jair Bolsonaro a providenciar frases de efeito e versões para jurar que não é contra a Lava Jato nem atrapalha o combate à corrupção. Acredita quem quer.

Rápido e de surpresa, o novo presidente Luiz Fux conseguiu, por unanimidade, tirar os inquéritos e ações penais das duas turmas e jogar para o plenário do Supremo. Perderam os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, ganhou a Lava Jato. Condenar ou absolver os implicados na operação vai deixar de depender de dois ministros e voltar a ser responsabilidade de todos os onze da casa.

Voltar ao plenário não é garantia de vitória ou derrota dos réus da Lava Jato, mas confere mais credibilidade, peso e força para as decisões, sejam numa direção ou na outra. O que não era mais possível é transformar julgamentos em leilão: cair na Primeira Turma era prenúncio de condenação; cair na Segunda, de absolvição na certa.

O racha no Supremo volta com tudo, Fux tende para o lado oposto do antecessor, Dias Toffoli, e o primeiro ministro indicado por Bolsonaro vai fazer toda a diferença. Ainda não se aposta para que lado ele pende, mas, como a divisão costuma ser meio a meio, para qualquer lado que ele vá, o resultado vai.

E aí mora um perigo, porque o desembargador Kassio Nunes Marques começa mal, envolto em suspeitas, com currículo cheio de buracos e companhias duvidosas, como o ex-advogado de Jair e Flávio Bolsonaro, Frederick Wassef. Como tem apoio do Senado, do Supremo e do Centrão, afugentou os bolsonaristas que ainda não entenderam nada. E como já tomou muita tubaína com Bolsonaro, que responde a inquérito no STF e tem filhos um tanto enrolados, ele multiplica a desconfiança no conjunto da sociedade.

O Dr. Kassio é considerado “muito político”, “simpático”, “uma boa conversa” e, como o TRF-1 é em Brasília, tem acesso direto, e fácil, a Congresso, Judiciário e Executivo. Mas o que se espera de um ministro que vai (se tudo der certo para ele) ficar 27 anos no Supremo não é nada disso, é “notório saber jurídico” e “reputação ilibada”. Se inflou o currículo com cursos rápidos e até plágios com os mesmos erros de digitação e de português, ele compromete um e implode o outro. Péssimo para Bolsonaro, que já tem o professor Decotelli na conta.

Por essas e outras, Bolsonaro se saiu com essa, bem ao estilo da realidade paralela de Donald Trump: “Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”. Uma frase, vários erros. Quem pode criar ou acabar com a Lava Jato é a Procuradoria-Geral da República e não dá para dizer que “não tem mais corrupção” no governo ou fora dele, com tantas investigações sobre a família presidencial.

Provavelmente Bolsonaro jogou isso no ar para dar discurso a seus seguidores, que traíram Moro e o que ele representa com muita ligeireza e nunca perguntaram por que o presidente perseguiu o Coaf, mexeu pauzinhos na Receita e não sossegou até demitir o diretor-geral da Polícia Federal e o superintendente no Rio – base política dele e de dois de seus filhos.

Nada disso é trivial, tanto que o Supremo vai ouvir Bolsonaro sobre a obsessão pela PF, que começou quando Fabrício Queiroz, rachadinhas, fantasmas e mania de dinheiro vivo entraram em pauta e se tornou questão de vida ou morte quando Bolsonaro atrelou sua sobrevivência ao Centrão. Quem depende do Centrão não quer ouvir falar de Lava Jato. Ele nem pode acabar com a Lava Jato, mas bem que gostaria. E tem agido claramente para isso.

*Comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal e do Telejornal Globonews em Pauta


Merval Pereira: O fantasma de Bolsonaro

Não vale a pena ficar revoltado com o cinismo do presidente Bolsonaro quando diz que acabou com a corrupção no Brasil. Quando todo poderoso ministro-chefe do Gabinete Civil, José Dirceu tinha um mantra. Repetia, para convencer os incautos: “Este é um governo que não rouba nem deixa roubar”.

Por baixo do pano, corria solto o mensalão, com os mesmos partidos que hoje formam a base parlamentar do governo Bolsonaro. Imaginar que esses mesmos políticos possam hoje estar imunes às práticas nada republicanas que levaram muitos deles a serem investigados, denunciados ou condenados na Operação Lava-Jato, é ser ingênuo, o que Bolsonaro e os seus não são.

Como sempre, o que Bolsonaro mira é sua reeleição, e acabar com a Operação Lava-Jato significa para ele um trunfo eleitoral, pois teoricamente apagaria a memória do ex-juiz Sérgio Moro, que Bolsonaro considera um concorrente perigoso em 2022.

Por isso também o presidente está interessado em desmoralizá-lo através da sua condenação na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) como juiz parcial no julgamento do ex-presidente Lula no caso do triplex. Pode, no entanto, estar dando um tiro no pé ao empenhar seu escolhido para a vaga no Supremo em uma ação pessoal contra Moro.

A fixação de Bolsonaro em seu antigo auxiliar é tamanha que, ao ser questionado sobre a escolha do desembargador Kassio Marques para o STF, respondeu irritado: “Você queria que colocasse lá o Moro?”. Acabar com a Lava-Jato seria acabar com as investigações sobre corrupção, uma maneira simples de acabar com a corrupção, que continuaria escondida como sempre aconteceu no Brasil antes do mensalão e, sobretudo, do petrolão levantado pela Operação Lava-Jato.
Une Bolsonaro e alguns ministros do Supremo a idéia de que aniquilar a imagem de Moro como justiceiro fará com que a Justiça brasileira volte a seu curso normal, com o Supremo sendo o último bastião de defesa do devido processo legal. Boa parte do Supremo, porém, considera que o “garantismo” que critica a Lava-Jato quer, na verdade, ter o controle dos processos de políticos, blindando-os da Justiça de Curitiba.

Esses juízes chamados “consequencialistas”, ou “punitivistas” consideram, como o ministro Luis Roberto Barroso já disse, que o sistema de Justiça criminal no Brasil foi feito para não funcionar, protegendo os privilegiados. O que os ministros “garantistas” consideram excessos da Lava-Jato, os que a defendem acham que são medidas necessárias para evitar que fiquem impunes os privilegiados.

A partir do mensalão, em 2005, até recentemente, a punição aos culpados por crimes do colarinho branco tem sido uma constante no Supremo Tribunal Federal (STF), e Bolsonaro chamou para seu governo o então juiz Sérgio Moro para aparentar que o combate à corrupção seria sua prioridade.

Questões pessoais, envolvendo seus filhos, e ele próprio sendo investigado por ações na Presidência da República para controlar a Polícia Federal e outros órgãos de investigação como o Coaf, fizeram com que caísse a máscara de Bolsonaro.

A união ao Centrão, grupo de partidos ligados ao fisiologismo, com diversos integrantes investigados pela Lava-Jato, marcou de vez a mutação, de combatente da corrupção a conivente com “criaturas do pântano”, no dizer de Sérgio Moro. Fazer graça com a idéia de “acabar com a Lava-Jato” é um ato falho de quem disputa com o fantasma de Moro, que o persegue nas redes sociais que um dia foram suas.

A reação à fala de Bolsonaro mostrou que não será fácil acabar com a Lava-Jato, que se incorporou ao imaginário popular como um avanço civilizatório.


Vera Magalhães: Uma moda que passou

Tão em voga nos palanques em 2018, combate à corrupção vira estorvo

“Fim ‘do’ Lava Jato! Fim ‘do’ Lava Jato!”. Com uma pandemia que já matou mais de 95 mil brasileiros ainda no auge, empregos minguando e economia à deriva, foi esse o coro com que Jair Bolsonaro, eleito, entre outros fatores, de carona no lavajatismo, foi recebido no interior do Piauí, escoltado justamente por um réu na Lava Jato, o senador e presidente do PP, Ciro Nogueira.

A nova onda de críticas, reações e ofensivas contra a mais notória força-tarefa de combate à corrupção já montada no Brasil une o presidente, o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Bolsonaro iniciou seu divórcio do lavajatismo com a saída de Sérgio Moro do governo. O deputado que nunca deu a mínima para combater a corrupção, enfiou a família toda na política, enriqueceu graças a ela, praticou toda sorte de petecagem miúda e já esteve em todos os partidos fisiológicos do abecedário, de repente virou o “capitão” que ia banir os malfeitores. Um enredo pobre e falso como uma nota de R$ 200 com a estampa da ema do Alvorada, mas muita gente embarcou na fantasia.

Com Moro fora do barco, o lavajatismo virou criptonita capaz de enfraquecer o “Mito” e criar um adversário poderoso. De quebra, a saída de Moro coincidiu com a chegada dos novos amigos de infância do Capitão, aquelas figuras mais carimbadas do antes demonizado Centrão, o seguro anti-impeachment tão sonhado. Réus, condenados, ex-presos, cabe todo mundo no barco.

O coro que recepcionou Bolsonaro não tinha nada de espontâneo. Para ajudar o governo, réus como Nogueira deixam claro que aguardam um acordão “com o Supremo, com tudo” para que as ações que lá tramitam dormitem, se possível para sempre.

Um Bolsonaro sem os arroubos de outrora contra o STF ajuda. Basta ver que o presidente não deu um “pio” de solidariedade aos fanáticos banidos das redes sociais por ordem de Alexandre de Moraes. Os novos amigos do Centrão ocupam aos poucos o lugar vago do olavismo tresloucado à mesa do bolsonarismo. Até Carluxo anda quietinho, quietinho.

Aí temos o plantão de Toffoli no recesso do STF. Num ímpeto produtivo, o presidente respondeu sozinho pelo plantão, contrariando a prática de dividi-lo com o vice (o lavajatista Luiz Fux). E que produtividade! Em quatro semanas, ele mandou a Lava Jato compartilhar informações com Augusto Aras, suspendeu buscas e duas investigações contra o senador tucano José Serra, arquivou três inquéritos contra ministros do STJ e do TCU abertos a partir da delação de Sérgio Cabral, suspendeu depoimento de Aécio Neves e dissolveu a comissão do impeachment de Wilson Witzel no Rio. Ufa!

Outro bastante ativo no recesso, e pra lá de destemperado, foi Aras, que se lançou na cruzada contra a Lava Jato e ainda assumiu ares de ditador no Ministério Público Federal, investindo com grosserias contra colegas na reunião do Conselho Superior do MPF.

É certo que o combate à corrupção tem de se dar dentro de balizas e marcos de legalidade e institucionalidade, e que operações como a Lava Jato muitas vezes se arvoraram poderes acima desses limites, e têm de ser controladas e fiscalizadas.

Outra coisa bem diferente, porém, é um ataque orquestrado para fazer letra morta de tudo que se avançou na revelação de crimes e para mitigar o poder de órgãos independentes como o Ministério Público.

Esse tipo de iniciativa combinada mostra que o figurino do arauto do combate à roubalheira foi só uma das muitas lorotas que Bolsonaro enfiou goela abaixo dos eleitores. Assim como mostra dia a dia não ser um liberal, não ter compromisso com a democracia nem a menor condição de governar o Brasil, também essa fantasia do capitão decente foi rasgada, saiu de moda.


‘Corrupção sistêmica mina instituições democráticas’, diz editorial da Política Democrática de dezembro

Na luta concreta contra a corrupção hoje no Brasil, há vertentes que levam água ao moinho do autoritarismo, afirma um trecho

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O editorial da revista Política Democrática online de dezembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, faz uma defesa intransigente dos ideais da democracia e da República. “Cenários de corrupção sistêmica minam a legitimidade das instituições democráticas, ao ponto de propiciar o alastramento de correntes de opinião autoritárias no conjunto dos cidadãos”, alerta. Todos os conteúdos podem ser acessados de graça no site da fundação.

» Acesse aqui a 14ª edição da revista Política Democrática online

De acordo com o editorial, a luta contra a corrupção, em favor da prevalência de regras e práticas republicanas, constitui, portanto, parte importante do repertório da vigilância e mobilização permanentes em favor da democracia. “Na luta concreta contra a corrupção hoje no Brasil, contudo, há vertentes que levam água ao moinho do autoritarismo”, afirma.

O editorial afirma que manifestações em favor do fechamento ou expurgo do STF (Supremo Tribunal Federal) são o caso óbvio, mas não único. “Um dos pilares do estado democrático de direito é o respeito aos direitos e garantias individuais, cuja premissa é a independência do Poder Judiciário, ou seja, sua capacidade de fazer valer posições contramajoritárias, em particular quando de ameaças aos direitos de grupos minoritários”, destaca.

Em outro trecho, o editorial diz que cabe aos cidadãos, e por extensão aos representantes no Congresso Nacional, manter sob escrutínio e reforma permanente as regras de funcionamento da máquina de produzir justiça. “Há tensão entre o papel que a tradição brasileira e o Código de Processo Penal atribuem ao juiz e os direitos e garantias consagrados na Carta de 1988? Caso afirmativo, como resolver essa tensão, sempre em benefício do fortalecimento da democracia?”, questiona.

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Ignacio Cano: Os erros da esquerda

Corrupção é mais um mecanismo de acumulação seletiva e de incremento da desigualdade

A última década testemunhou o surgimento, em muitos países, de personalidades e grupos políticos contrários às elites tradicionais, de discurso agressivo contra o status quo, muitas vezes denominados de populismos. Com algumas exceções parciais, como Grécia e Espanha, estes populismos bebem na tradição da extrema direita. É cedo ainda para avaliar em detalhe este fenômeno, de causas complexas e diferenças de país a país, mas é possível refletir sobre os possíveis equívocos da esquerda que contribuíram para esse cenário.

O primeiro é o foco, nos últimos anos, em pautas políticas identitárias. Nada mais justo do que defender as minorias sexuais ou raciais de um tratamento discriminatório. Contudo, num cenário de desigualdade econômica crescente que, como mostra Piketty, está chegando em níveis que só existiam antes dos anos 40, boa parte da esquerda deixou de lado as políticas de redução da desigualdade econômica, como a política fiscal, para se centrar na defesa das minorias. Essa escolha não acalmou o mal-estar das classes baixas, cujos integrantes migraram para opções políticas cada vez mais conservadoras. A direita, por sua vez, aceitou o desafio identitário e desenvolveu projetos políticos identitários para as maiorias, a partir da percepção de uma suposta ameaça.

Assim, heterossexuais passaram a sentir ameaçados pelas “novas” orientações sexuais, e cidadãos de países ricos passaram a acreditar que os migrantes poderiam destruir sua identidade nacional. A falta de um projeto político transformador e igualitário para o conjunto da sociedade, num momento de crescente frustração com a globalização, abriu um espaço político que foi ocupado pelo retorno ao nacionalismo e ao nativismo. Apelos a colocar o país em primeiro lugar são hoje comuns e, inclusive, dão nome a projetos e a partidos políticos.

Um segundo problema é o tratamento da corrupção. Para boa parte da esquerda, a corrupção foi sempre um problema menor, uma distração da luta de classes. Na América Latina, onde a corrupção é endêmica, os governos progressistas que chegaram ao poder na década passada ignoraram a questão.

Acreditaram, erradamente, que seriam jugados pelos mesmos parâmetros de governos anteriores, mas, dado que a esquerda sempre pregou a renovação moral, os níveis de exigência acabaram sendo mais elevados. Além disso, quando o boom das commodities acabou, e a economia entrou em crise, a tolerância social com a corrupção caiu abruptamente, e muitos governos de esquerda foram alvo de acusações de corrupção. É verdade que, em vários países, a Justiça penal foi usada seletivamente contra políticos progressistas, o que se conhece como lawfare , mas não é menos certo que os níveis de corrupção continuaram elevados.

De qualquer forma, o principal erro da esquerda não foi moral, mas doutrinário. Embora a corrupção afete a todos os setores sociais, os lucros auferidos através dela são muito maiores para quem dispõe de um capital político e econômico significativo. Assim, a corrupção constitui mais um mecanismo de acumulação seletiva e de incremento da desigualdade. Para enfrentá-la não bastam apelos à superioridade moral, é preciso fortalecer os mecanismos de fiscalização e transparência. Eis uma proposta política absolutamente progressista que a esquerda deixou, em muitos países, nas mãos da direita.

O exercício da autocrítica não garante o fim das derrotas, mas a ausência dela significa que elas, provavelmente, continuarão.

*Ignacio Cano é professor da Uerj


Elio Gaspari: Acima de tudo, Bolsonaro quer matar as provas

Quem viu a reação do PT diante das denúncias de corrupção acha que está num pesadelo, pois a música é a mesma

A corrida do senador eleito Flávio Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal teve dois objetivos. O primeiro foi travar a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro em torno dos “rolos” de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Daqui a poucos dias, o ministro Marco Aurélio Mello liquidará essa questão, destravando-a. O segundo, essencial, é a tentativa de anular as provas conseguidas pelos procuradores. Que provas? Isso não se sabe, pois o caso corre em segredo de Justiça e até bem pouco tempo Flávio Bolsonaro repetia que não está sendo investigado.

A nulidade das provas é o sonho de todo réu. Na última catedral da impunidade, a Operação Castelo de Areia virou pó conseguindo-se anular as provas de que o Sol das roubalheiras nascia na caixa das empreiteiras. Depois dela vieram a Lava Jato, Sergio Moro e deu no que deu.

Desde que os “rolos” de Queiroz se tornaram públicos, todos os seus movimentos ofenderam a boa-fé do público. Não atendeu a duas convocações do Ministério Público, passou por uma cirurgia e deixou-se filmar dançando. Já o senador eleito Bolsonaro considerou “plausíveis” as explicações que recebeu do ex-assessor. Que explicações?

Quem acompanhou a reação do comissariado petista diante das denúncias de corrupção nos governos petistas acredita que está num pesadelo. A melodia dos poderosos é a mesma. Onyx Lorenzoni diz que a oposição busca um terceiro turno.

Em 2011, Dilma Rousseff disse a mesma coisa quando surgiu o rolo do patrimônio de Antonio Palocci, chefe de sua Casa Civil. A letra do samba é muito diferente, porque os “rolos” de Queiroz são cascalho quando comparados com as propinas bilionárias que rolaram durante o consulado dos comissários.

O pesadelo estraga o sono de milhões de pessoas que votaram contra a roubalheira, o blá-blá-blá e a resistência dos petistas a uma autocrítica.

Todas as explicações dadas até agora partem da premissa de que a plateia é boba. Por exemplo: Fabrício Queiroz deixou de ser assessor de Flávio Bolsonaro no dia 16 de outubro, logo depois do primeiro turno da eleição, para cuidar do seu processo de aposentadoria.

Por coincidência, sua filha, personal trainer no Rio e assessora de Jair Bolsonaro em Brasília, foi exonerada no mesmo dia. (A essa altura a Polícia Federal já sabia que o Coaf estranhara a movimentação financeira de Queiroz.)

Travas, silêncios, segredo de Justiça, corrida à “porcaria” do foro privilegiado e pedidos de nulidade das provas só servem para alimentar murmúrios maliciosos.

Os promotores não têm pressa, só têm perguntas.

O MEM DE SÁ DA AVENIDA FOI DONO DO BRASIL
A história de Pindorama é linda e pouco conhecida. Depois de d. Pedro 2º e Getúlio Vargas, o homem que por mais tempo governou o Brasil foi o juiz Mem de Sá, que mandou de 1557 a 1572. Recebeu a colônia em completa desordem, expulsou os franceses do Rio de Janeiro, guerreou com os índios, mandou em tudo o que podia e morreu no cargo, riquíssimo, com 2.000 cabeças de gado e dois grandes engenhos de açúcar. Fundou uma dinastia que dominou o Rio por mais de um século, ligando a cidade à política e à economia da região do rio da Prata. Seu sobrinho reconquistou Angola, tomada pelos holandeses.

Não se conhece seu rosto e sua memória está preservada em Salvador, num túmulo, e no Rio, numa bonita e decadente avenida do centro. Mem de Sá ganhou algumas biografias, menores que sua obra. Esse defeito foi corrigido com a publicação, em 2017, da tese de doutorado “Mem de Sá, um precursor singular no Império quinhentista português” da professora Marise Pires Marques, da Universidade Nova de Lisboa. Felizmente, o livro está na rede e de graça.

Num prodigioso trabalho de pesquisa (centenas de documentos manuscritos, 1.439 notas de pé de página), a professora reconstruiu o personagem e retratou o andar de cima da segunda metade do Quinhentos. Está tudo lá, dos cobertores ingleses do governador-geral ao vinho que importava (e mandava trocá-lo por pau-brasil quando lhe parecia ruim), ou aos copos em que o bebia. Quando o doutor deixava a sede do governo para visitar suas propriedades, deixava um pajem na escada do palácio para informar que estava trabalhando.

Como o acesso à tese é fácil, quem quiser pode sapeá-la. Mem de Sá assume o governo na página 62 e sua fortuna está a partir da 157.

IMPOSTECAS
Para os doutores Paulo Guedes e Marcos Cintra (secretário da Receita) pensarem no tamanho da encrenca em que se meteram:

Um cidadão comprou num site americano roupas no valor de US$ 40. A mercadoria chegou ao Brasil e ele soube que foi devolvida porque a nota fiscal não descrevia o conteúdo e, por isso, era impossível calcular o valor do tributo a ser cobrado.

Tudo bem, mas:

1) O cidadão poderia ser chamado para abrir o pacote e mostrar o conteúdo.

2) O imposteca poderia ter aplicado um tributo punitivo. Se o contribuinte não quisesse pagar, o pacote seria devolvido.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e desarmamentista convicto. Depois de saber pelo general Augusto Heleno que os carros matam como as armas, passou a andar a pé. Advertido pelo ministro Onyx Lorenzoni do perigo dos liquidificadores, está pensando em comprar um cofre para guardar o seu.

O cretino espera que algum ministro lhe diga se pode continuar usando o fogão de sua casa.

MADAME NATASHA
Madame Natasha não gosta de marxistas, nem de globalistas, porque essa gente quer acabar com a língua portuguesa.

Por isso ela concedeu uma de suas bolsas de estudo ao ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, pela nota do coordenador de Habilitação e Registro do FNDE na qual ele atribuiu as mudanças no texto do edital que orientava a compra de livros didáticos pelo MEC a um “erro operacional no versionamento”.

Natasha acredita que ele quis dizer que publicou-se um edital com uma versão errada. A pedido de seu amigo Eremildo, a senhora continua curiosa. Gostaria de saber quem foi o “versionador” que suprimiu a proibição de publicidade nos livros.

ANISTIA
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprovou, por unanimidade, o projeto que concede anistia administrativa aos PMs que se envolveram na greve branca de 2017.

Com a anistia esfumaçaram-se 2.622 processos, 90 dos quais caminhavam para a demissão e 23 haviam resultado em expulsões. Ficou tudo em paz e quem foi punido retornará ao serviço, com direito aos salários perdidos. (Foi rejeitada uma emenda que concedia indenização de R$ 100 mil para as vítimas de homicídios dolosos ocorridos durante o período da greve.)

A paralisação da PM jogou o estado num caos, mas a anistia era pedra cantada e foi bandeira de campanha do atual governador, Renato Casagrande.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


El País: Chavismo deixa rastro de corrupção em duas décadas de revolução bolivariana

A Venezuela é percebida como o país mais corrupto da América Latina. Legisladores estimam que o dano patrimonial chegue a 450 bilhões de dólares

Por Maolis Castro e Florantonia Singer, do El País

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, diz que nenhum governo do mundo combate a corrupção como o dele. Sua conclusão contrasta com os indicadores da Transparência Internacional, que situam a Venezuela como o país mais corrupto da América Latina. Mercedes de Freitas, diretora da ONG em Caracas, deduz que foi instalado um modelo com os “elementos de uma cleptocracia” no país. “Há evidências de que a crise econômica seja uma consequência da malversação de fundos públicos”, explica.

Maduro afirmou que essa percepção não passa de ataques da oposição. “Não existe, na história da Venezuela, um processo e um governo que tenham combatido a corrupção, em seu caráter estrutural, com maior rigor que a revolução bolivariana e os Governos de Hugo Chávez e meu. Não ignoro que uma das frentes de ataque de nossos adversários contra nós consiste em nos acusar de frouxidão com respeito à corrupção. É absolutamente falso”, disse Maduro numa entrevista feita pelo jornalista espanhol Ignacio Ramonet e difundida na última terça-feira.

Mas a fama ruim é global. De fato, a Rede de Execução de Crimes Financeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos emitiu, em setembro de 2017, um alerta às instituições financeiras sobre a “corrupção pública generalizada” que impera no país sul-americano.

O Legislativo faz um cálculo sobre o dano patrimonial gerado pela corrupção em 19 anos da autodenominada revolução bolivariana. “Só nos casos de corrupção conhecidos, pode-se dizer que as perdas chegam a 450 bilhões de dólares (oito vezes o orçamento da Venezuela em 2012, o mais alto). Mas essa é a ponta do iceberg, pois cada vez mais escândalos vêm à tona. É inegável que a corrupção é a causa da crise econômica”, diz Freddy Superlano, chefe da Comissão de Controladoria do Parlamento.

A acusação é dirigida ao Governo. O sistema de controle cambial, imposto em 2003 e ainda vigente, está vinculado a um esquema de fraude. Em 2014, Jorge Giordani, ex-ministro do Planejamento dos Governos de Chávez e do próprio Maduro, denunciou que pelo menos 25 milhões de dólares (92,5 milhões de reais) concedidos pela extinta Comissão Nacional de Administração de Divisas (Cadivi) a empresas participantes da rede de corrupção ou fora de operação foram desviados a contas privadas. Pelo esquema, firmas de fachada, sem trajetória e com sede em paraísos fiscais pediam divisas ao Estado venezuelano com preços preferenciais para supostas importações ou serviços. Após obterem grandes quantias alavancadas por funcionários do Governo, contudo, elas não respondiam pelo dinheiro.

A malversação de fundos é ampla. No final de novembro, uma reportagem do EL PAÍS revelou que uma investigação interna da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) envolve vários de seus ex-diretores numa fraude à companhia de pelo menos 500 milhões de dólares (1,8 bilhão de reais). Os funcionários teriam concedido contratos de compra de material para suas próprias sociedades, maquiado licitações em benefício próprio e lavado o dinheiro na Espanha.

O promotor Tarek William Saab, designado pela chavista Constituinte, prometeu ser “implacável” com a corrupção, mas ainda não se pronunciou sobre a acusação da Justiça dos EUA contra o empresário Raúl Gorrín, dono da TV Globovisión e vinculado ao Governo. Tampouco investigou denúncias contra Maduro. Segundo Euzenando Azevedo, ex-chefe da Odebrecht na Venezuela, a empreiteira teria dado 35 milhões de dólares (130 milhões de reais) a Maduro para financiar sua campanha presidencial de 2013, como candidato indicado pelo falecido presidente Chávez, em troca de substanciosos contratos no país.

Em contraste, Saab pediu à Interpol a captura de opositores e delatores como o ex-presidente da PDVSA Rafael Ramírez, do ex-tesoureiro Alejandro Andrade e de Claudia Díaz Guillén, uma enfermeira de Chávez acusada na Espanha de lavar dinheiro com seu esposo Adrián Velázquez, antigo chefe da segurança presidencial.

Além disso, a Justiça da Venezuela se tornou seletiva. Luisa Ortega Díaz, procuradora-geral do país, precisou fugir no ano passado por denunciar a repressão nos protestos contra o Governo e outras irregularidades cometidas por Maduro. Seus principais aliados também estão no exílio. Entre eles Zair Mundaray, ex-diretor de Atuação Processual do Ministério Público (2016-2017), que agora denuncia o enriquecimento de funcionários públicos. “Investigamos uma série de operações da Tesouraria com a compra de títulos do Reino Unido e sua revenda no mercado internacional, feitas por empresários aliados do Governo e nas quais a Venezuela perdeu muito dinheiro, porque dali saíram muitas riquezas, incluindo a da enfermeira Claudia Díaz. Pedimos uma ordem de prisão contra ela, mas foi revogada por um tribunal em 2016”, relata.

Apesar das travas, Mundaray diz que conseguiu confiscar duas pousadas, 13 carros e duas coberturas em Caracas. As propriedades da enfermeira foram adquiridas quando ela ganhava o equivalente a seis salários mínimos na Venezuela. “Claudia Díaz faz parte da rede original do saque à Tesouraria, e muitas fortunas surgiram dali. Por isso pediram a extradição, para evitar que mais pessoas falem com o Departamento de Justiça dos EUA”, afirma.

O ex-promotor diz que o modelo econômico instalado pelo chavismo, baseado no controle cambial como uma grande centrífuga de corrupção, e que recebeu abundantes recursos durante uma década de altos preços do petróleo, somou-se a outro elemento: o controle do Poder Judiciário com a chegada de Hugo Chávez, o que propiciou a impunidade e favoreceu o crime. “Qualquer investigação que for feita baterá contra um juiz” afirma.

O DILEMA DAS SANÇÕES

Com o envio de provas e informações ao Departamento de Estado dos EUA, Alejandro Rebolledo, advogado especialista em prevenção de legitimação de capitais, impulsiona há três anos as sanções contra altos funcionários do Governo, militares e empresários envolvidos em crimes na Venezuela.

No exílio, o jurista acusa o chavismo de estimular negócios ilegais em conjunto com “máfias” internacionais que supostamente penetraram no sistema financeiro através de estruturas nos EUA, Europa, Ásia e Emirados Árabes Unidos, auxiliadas por empresários, banqueiros e especialistas em lavagem de dinheiro. Por isso, ele propõe sanções contra funcionários e aliados do regime para enfrentar a malversação de fundos, embora o presidente Maduro denuncie que as restrições tenham gerado a perda de 20 bilhões de dólares (74 bilhões de reais) para o país em 2018 e diga que se trata de uma perseguição dos EUA. Segundo Rebolledo, o mecanismo abre a possibilidade de recuperar o patrimônio perdido assim que for “restabelecida a democracia” no país. “Todos os dias ouvimos notícias de investigações sobre lavagem de dinheiro. Isso não acaba”, afirma.

Mas o advogado não descarta que as sanções contra os altos funcionários propiciem operações de lavagem de dinheiro dentro do país. “Quem imagina que seu dinheiro possa ser congelado e bloqueado o investe na Venezuela: compra edifícios, terrenos, casas. É uma das leituras sobre as sanções contra o regime”, diz ele.


José Casado: A irmandade do suborno

Todo dia a Petrobras compra e vende petróleo e derivados no mercado mundial. Durante a última década e meia, negociou em média 400 mil barris a cada jornada de 24 horas, a preços variáveis.

Agora descobriu-se que parte dessas transações não teve qualquer registro e deu prejuízos à empresa estatal, mediante subornos pagos a funcionários, intermediários, políticos do PT, MDB, Progressistas (antigo PP) e do PSDB.

Eles receberam propinas entre dez centavos e US$ 2 por barril de petróleo e derivados nas negociações diárias, com pagamento à vista, e em contratos de longo prazo — mostram os novos processos abertos na Operação Lava-Jato.

O grupo fazia a Petrobras comprar a preços acima de mercado e a vender a preços mais baratos. Numa negociação de 300 mil barris, por exemplo, acertavam com o cliente estrangeiro “comissão” de US$ 1 por barril e embolsavam US$ 300 mil. Chegaram a “sumir” com 17,5 mil toneladas métricas de combustível da estatal embarcadas em três navios. Em 2012, celebraram o recorde de US$ 2 de propina sobre uma carga levada a Fortaleza.

A Petrobras não consegue dimensionar suas perdas na área, onde obtém dois terços do seu faturamento. Contou ao Ministério Público, em abril: “Não é possível localizar todas as aprovações (dos gestores), visto que algumas ocorreram em despachos presenciais ou por telefone, principalmente para os casos mais antigos.” São 15 anos de contratos informais, diários, sem controle de auditores e de órgãos como CVM e TCU.

Entre os principais beneficiários se destacam três trading companies, irmãs na hegemonia sobre o mercado mundial de petróleo e derivados. Vitol, Trafigura e Glencore somam receitas de quase US$ 500 bilhões por ano, seis vezes mais que a estatal brasileira, equivalente ao PIB de Minas. Os processos deixam claro que “a alta cúpula dessas empresas tinha total consciência do que estava ocorrendo”. Devem ir a julgamento no Brasil, nos Estados Unidos e na Suíça.


Temer e Moreira Franco

Bernardo Mello Franco: Temer, Moreira e a propina do Galeão

A Procuradoria acusa Moreira Franco de pedir R$ 4 milhões de propina na concessão do Galeão. O dinheiro foi repartido entre Temer e Padilha, dizem os delatores da Odebrecht

Segundo a propaganda da ditadura, o Rio entrava na era do “aeroporto supersônico”. O general Ernesto Geisel festejou a abertura do Galeão como “uma atualização do Brasil com o mundo moderno”. Construído pela Odebrecht, o terminal seria capaz de receber o Concorde, que voava a mais de 2.000 km/h. A obra não foi tão rápida assim. Terminou em 1977, quase três anos depois do previsto.

O aeroporto não demorou a apresentar problemas. No primeiro mês, o alarme de incêndio enguiçou. Depois foi a vez de elevadores e escadas rolantes. Abandonado pela Infraero, o Galeão virou um símbolo da degradação da cidade. Em 2010, o governador Sérgio Cabral o descreveu como “uma rodoviária de quinta categoria”. “É uma vergonha para o povo do Rio”, decretou.

Com a proximidade da Olimpíada, o governo Dilma Rousseff decidiu privatizar o terminal. A Odebrecht voltou à cena e venceu o leilão. “A gente teve a estratégia do Anderson Silva, de liquidar no primeiro lance”, gabou-se o executivo Paulo Cesena, em 2013. Quatro anos depois, ele contou outra história à Lava-Jato. Disse que a concorrência foi direcionada no gabinete de Moreira Franco, então ministro da Aviação Civil.

De acordo coma Procuradoria-Geral da República, o acerto rendeu R$ 4 milhões em propina. Os investigadores dizem que o dinheiro foi entregue a dois aliados indicados por Moreira: o também ministro Eliseu Padilha e o então vice-presidente Michel Temer.

Em outubro, o ministro Edson Fachin enviou o caso à Justiça Eleitoral. Ele aceitou uma alegação da defesa de Padilha: os repasses da Odebrecht teriam sido caixa dois de campanha, e não corrupção. Ontem a procuradora Raquel Dodge recorreu contra a decisão. Sustentou que Moreira exigiu os pagamentos para burlar a concorrência e favorecer a empreiteira .“Translúcida, portanto, a mercancia da função pública”, escreveu.

Se o recurso for aceito, as acusações contra Moreira e Padilha vão na mesa de um juiz de primeira instância. Temer se juntará à dupla em janeiro, ao deixara Presidência. Sema blindagem do foro privilegiado, o processo tende acorrerem velocidade supersônica.


Ruy Fabiano: O Rio é a síntese do Brasil

O Rio não é exceção; antes, é regra.

A prisão do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, em pleno exercício do cargo, reveste-se de profundo sentido simbólico.

Resume a política brasileira contemporânea, em que o Estado e suas instituições foram capturados pelo crime organizado. Ele está nos três Poderes. A Lava Jato, uma operação policial, tornou-se, por isso mesmo, estuário das esperanças nacionais. Fato inédito.

Além dos quatro últimos governadores – Garotinho, Rosinha, Sérgio Cabral e Pezão -, estão presos os três últimos presidentes da Assembleia Legislativa fluminense e todo o Tribunal de Contas do Estado (à exceção de uma ministra, nomeada ao tempo em que os outros embarcavam no camburão), além de procuradores e juízes.

O Rio não é exceção; antes, é regra. Nem é a cidade mais violenta do Brasil: no ranking nacional, é a 22ª.

Mas, como cidade-síntese da nacionalidade – foi capital em suas três fases históricas (colônia, império e república) -, é um retrato do país, que tem hoje um ex-presidente (Lula) preso e os dois que o sucederam (Dilma e Temer) já na condição de réus.

O presidente que, dentro de um mês, sai se empenha em conceder um indulto a amigos, políticos que incidiram no crime de corrupção – o mesmo de que é acusado -, com plena recepção do STF (que já contabilizou os seis votos necessários para aprová-lo).

A eleição de Jair Bolsonaro, um deputado que por quase três décadas integrou o chamado baixo clero da Câmara, decorre desse quadro moralmente devastado. Bolsonaro concentrou sua atuação parlamentar, sempre vista como irrelevante, quando não caricatural, na denúncia do crime e da corrupção generalizada.

Fez dessas questões, negligenciadas por todos os governos da chamada Nova República, a bandeira de sua candidatura presidencial vitoriosa. Expressou numa linguagem que alguns consideram tosca o que todos identificam na realidade mais imediata da vida.

As chamadas grandes questões – na economia, na organização do Estado, no campo ideológico – perdem relevância diante do cotidiano infernal que o cidadão enfrenta. E é simples entender: para discuti-las, é preciso estar vivo. E as cidades brasileiras tornaram-se sucursais da Faixa de Gaza. Quem quer investir num lugar assim?

A partir do óbvio, consolidou-se a candidatura Bolsonaro, que, partindo de aliados simplórios, agregou apoios mais graduados e hoje transcende o seu ambiente de origem. O desafio que se impõe é o de transformar o ecossistema político brasileiro. Nada menos. E isso o torna persona non grata de todo o establishment.

Essa, na verdade, foi a promessa que o PT, na sua origem, fazia ao eleitorado. Prometia um mundo novo, livre da corrupção.

No poder, repetiu (e levou ao paroxismo) os erros que sempre denunciou, transformando-se de partido político em “organização criminosa que se apoderou do Estado brasileiro”, nas palavras do ministro Celso de Melo, do STF, quando do julgamento do Mensalão.

A montagem do Ministério, feita às claras – e por isso mesmo tendo suas divergências e contradições expostas ao público -, desafia o chamado presidencialismo de coalizão (ou de cooptação), ao minimizar a consulta aos partidos.

O risco é que derive para o tecnocratismo, que, ao prescindir da política, se distancia também da realidade.

*Ruy Fabiano é jornalista


Míriam Leitão: Rio de Janeiro e da dúvida

É quase uma aberração, uma corrupção resiliente, que resiste a tudo. Destemida. É isso que temos no Rio se mais esse caso for confirmado

O estado amanheceu ontem diante de um rio de dúvidas. E o mês de janeiro, quando haverá troca de governo, ainda nem começou. O governador Luiz Fernando Pezão, preso logo cedo, foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter sido sucessor do ex-governador Sérgio Cabral no comando da mesma organização que tirou recursos dos cofres públicos. A prisão teria sido necessária, 32 dias antes do fim de sua atormentada administração, porque provas estariam sendo destruídas, segundo disse o MPF.

A dúvida econômica do Rio de Janeiro é se ele conseguirá ficar de pé depois do longo tombo que sofreu em suas finanças nas últimas administrações. Nelas esteve Pezão. Primeiro, como vice-governador e homem de confiança de Sérgio Cabral e, depois, como governador.

O Rio é o único estado que conseguiu entrar no Regime de Recuperação Fiscal e o governador Pezão estava reduzindo a relação da despesa como proporção da receita corrente líquida. Em parte, pelo esforço do ajuste, empurrado pelo Tesouro, em parte, pelo petróleo. E agora? O Rio entrará num desvio? A informação de Brasília é de que o acordo não é com uma pessoa, mas com o estado. A questão é que tem que ser cumprido.

— Se o vice-governador, ou o novo, não cumprir o acordado, o estado do Rio perde o direito de continuar no Regime de Recuperação e perde todos os benefícios — informou uma autoridade federal.

Sem o benefício da suspensão do pagamento dos juros da dívida à União, o Rio se afundará ainda mais na crise. E ontem mesmo, no vazio de poder que houve logo após a prisão, o novo governador Wilson Witzel disse que não concorda com a privatização da Cedae porque acha que só as empresas deficitárias devem ser vendidas. A venda da Cedae é parte do acordo para sanear as finanças do Rio.

O problema é que o Rio tem uma enorme dívida. Os números mais recentes são: R$ 15,3 bilhões de dívidas refinanciadas e R$ 6,3 bi de honras de aval, que são dívidas que o estado não pagou e que a União teve que honrar. Ao todo, um endividamento de R$ 21,6 bilhões. Como houve aumento da receita, e ajuste nas despesas, o Rio está chegando ao fim do ano atingindo algumas metas, entre elas a de gasto de pessoal. Mas tem que continuar cumprindo as obrigações do acordo para permanecer no regime de recuperação fiscal.

A grande dúvida em relação ao Rio de Janeiro é como foi que ele chegou nessa situação? O ex-governador Sérgio Cabral é multicondenado, dois outros ex-governadores já foram presos. O presidente da Assembléia Legislativa cumpre prisão domiciliar, depois de um tempo em regime fechado, e cinco dos seis conselheiros do Tribunal de Contas do Estado foram presos. Isso sem falar em ex-secretários e deputados que foram presos ou respondem a processos. A corrupção no Rio foi imensa. E ontem soubemos que os esquemas estavam ainda ativos e operantes. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que o crime não cessou, e em razão da “atualidade do esquema” é que foi necessário pedir a prisão para “garantir a ordem pública”.

O governador do Rio, mesmo diante das provas cabais de que o crime do seu ex-chefe Sérgio Cabral não compensou, já que ele foi condenado em sucessivos julgamentos e permanece preso, estaria mantendo o esquema. Essa é a acusação que faz o Ministério Público. Se isso for comprovado, é quase uma aberração. A corrupção resiliente, que resiste a tudo. Destemida. É isso que temos no Rio se mais esse caso for confirmado.

Há não muito tempo, nos primeiros anos de Cabral, então governador, o Rio parecia ter encontrado a trilha que o levaria ao sucesso. Houve queda dos homicídios, a política de pacificação das favelas tinha avanços importantes, e na educação, ele saltou de 26º lugar no Ideb para o quarto lugar. Os investimentos chegavam, e os royalties enchiam os cofres públicos. Ele se preparava para sediar eventos esportivos com obras pela capital. Aquele momento parecia ser o fim de um longo período de decadência, o início da reunificação da cidade partida. Parecia um sonho.

O Rio acordou ontem em mais um dia do nosso pesadelo. Lindo e ensolarado Rio de Janeiro, cercado de vergonha, dívidas e dúvidas.


Roberto Freire: Ultraje a Nelson Mandela

“Free Mandela” foi uma palavra-de-ordem que correu o mundo.

O significado era duplo: liberdade para o líder sul-africano e ao mesmo tempo “libertemos Mandela”, um imperativo de consciência.

Lula – com a concordância de muitos lulopetistas – anda se comparando ao ex-presidente da unificada África do Sul.

Seus apoiadores mais empedernidos lançaram a campanha “Lula livre”, mirada no que aconteceu ao ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1993.

Mandela foi preso pela intolerância do apatheid; Lula é só um preso comum, por corrupção.

Mandela foi encarcerado em decorrência de sua luta contra o apartheid na África do Sul. Lula, por chefiar a corrupção sistêmica nos governos lulopetistas e por dela se beneficiar pessoalmente, segundo o entendimento da 13ª Vara Federal de Curitiba e do Tribunal Federal Regional da 4ª Região, de Porto Alegre. E não cabem mais recursos no mérito do julgamento, mas apenas na ritualística do processo do Triplex do Guarujá.

Mandela liderou o Congresso Nacional Africano – CNA – na época da segregação racial e da supremacia branca na África do Sul. Lutou pela universalização dos direitos civis em seu país.

Os crimes pelos quais Lula começou a cumprir pena aconteceram quando o Brasil vivia o Estado Democrático de Direito, no maior período da história do Brasil sob o império da democracia.

Mandela, encarcerado, manteve a luta contra o apartheid por 27 anos e comandou a transição para uma democracia, em que foi vitoriosa a bandeira “um homem, um voto”.

Lula tenta politizar sua condição de preso comum, como se sua liderança popular e realizações de seus governos lhe outorgassem passaporte para a impunidade.

Os crimes de que Mandela foi acusado – pleitear a igualdade jurídica entre todos os habitantes de seu país – o fizeram tornar-se uma personalidade mundial, reconhecida em todas as latitudes, como um herói da luta pelos direitos humanos.

Os crimes de que Lula é acusado foram, são e serão crimes em qualquer quadrante do Planeta. Não há um só país que aceite a corrupção como sistema de construção de alianças políticas e de obtenção de vantagens pessoais. Não há país que, em sua legislação, autorize chefes de governo a liderar o saque a recursos públicos e a beneficiar-se pessoalmente dessas ações.

Mandela teve a grandeza de unir os cidadãos e cidadãs de seu país em uma democracia imperfeita como qualquer outra, mas destituída da segregação e separações em decorrência da cor da pele e das características físicas das pessoas.

Não restou a Mandela qualquer revisão de seus objetivos de vida. Quanto mais se joga luz sobre seu passado, mais esse ser humano especial merece a consideração de todos.

Quanto mais se joga luz sobre a vida de Lula, a política e mesmo a pessoal, mais se evidenciam os indícios e provas de sua participação – e obtenção de benesses pessoais – na apropriação privada dos recursos públicos, pelo seu partido, por muitos do seu entorno e pelo próprio, nos mecanismos de corrupção sem precedentes na história de nosso país e, provavelmente, do mundo.

Mandela agora faz parte da história e tem um legado político e pessoal admirável, ontem, hoje e no futuro.

O mesmo não pode se dizer do sr. Luís Inácio Lula da Silva, que passará muitos anos de sua vida nas malhas da justiça criminal comum. Seu horizonte é de, no máximo, colaborar com a Justiça e reconhecer seus erros, para obter alguma complacência.

Comparar Nelson Mandela a Lula é um acinte à memória do líder sul-africano e, em decorrência, à honra de todos os lutadores pelos direitos humanos e demais causas sociais e humanitárias.

Nenhum humanista, nenhum democrata, pode aceitar impassível tamanha estultice. (Diário do Poder – 30/07/2018)