Míriam Leitão: Rio de Janeiro e da dúvida

É quase uma aberração, uma corrupção resiliente, que resiste a tudo. Destemida. É isso que temos no Rio se mais esse caso for confirmado.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

É quase uma aberração, uma corrupção resiliente, que resiste a tudo. Destemida. É isso que temos no Rio se mais esse caso for confirmado

O estado amanheceu ontem diante de um rio de dúvidas. E o mês de janeiro, quando haverá troca de governo, ainda nem começou. O governador Luiz Fernando Pezão, preso logo cedo, foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter sido sucessor do ex-governador Sérgio Cabral no comando da mesma organização que tirou recursos dos cofres públicos. A prisão teria sido necessária, 32 dias antes do fim de sua atormentada administração, porque provas estariam sendo destruídas, segundo disse o MPF.

A dúvida econômica do Rio de Janeiro é se ele conseguirá ficar de pé depois do longo tombo que sofreu em suas finanças nas últimas administrações. Nelas esteve Pezão. Primeiro, como vice-governador e homem de confiança de Sérgio Cabral e, depois, como governador.

O Rio é o único estado que conseguiu entrar no Regime de Recuperação Fiscal e o governador Pezão estava reduzindo a relação da despesa como proporção da receita corrente líquida. Em parte, pelo esforço do ajuste, empurrado pelo Tesouro, em parte, pelo petróleo. E agora? O Rio entrará num desvio? A informação de Brasília é de que o acordo não é com uma pessoa, mas com o estado. A questão é que tem que ser cumprido.

— Se o vice-governador, ou o novo, não cumprir o acordado, o estado do Rio perde o direito de continuar no Regime de Recuperação e perde todos os benefícios — informou uma autoridade federal.

Sem o benefício da suspensão do pagamento dos juros da dívida à União, o Rio se afundará ainda mais na crise. E ontem mesmo, no vazio de poder que houve logo após a prisão, o novo governador Wilson Witzel disse que não concorda com a privatização da Cedae porque acha que só as empresas deficitárias devem ser vendidas. A venda da Cedae é parte do acordo para sanear as finanças do Rio.

O problema é que o Rio tem uma enorme dívida. Os números mais recentes são: R$ 15,3 bilhões de dívidas refinanciadas e R$ 6,3 bi de honras de aval, que são dívidas que o estado não pagou e que a União teve que honrar. Ao todo, um endividamento de R$ 21,6 bilhões. Como houve aumento da receita, e ajuste nas despesas, o Rio está chegando ao fim do ano atingindo algumas metas, entre elas a de gasto de pessoal. Mas tem que continuar cumprindo as obrigações do acordo para permanecer no regime de recuperação fiscal.

A grande dúvida em relação ao Rio de Janeiro é como foi que ele chegou nessa situação? O ex-governador Sérgio Cabral é multicondenado, dois outros ex-governadores já foram presos. O presidente da Assembléia Legislativa cumpre prisão domiciliar, depois de um tempo em regime fechado, e cinco dos seis conselheiros do Tribunal de Contas do Estado foram presos. Isso sem falar em ex-secretários e deputados que foram presos ou respondem a processos. A corrupção no Rio foi imensa. E ontem soubemos que os esquemas estavam ainda ativos e operantes. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que o crime não cessou, e em razão da “atualidade do esquema” é que foi necessário pedir a prisão para “garantir a ordem pública”.

O governador do Rio, mesmo diante das provas cabais de que o crime do seu ex-chefe Sérgio Cabral não compensou, já que ele foi condenado em sucessivos julgamentos e permanece preso, estaria mantendo o esquema. Essa é a acusação que faz o Ministério Público. Se isso for comprovado, é quase uma aberração. A corrupção resiliente, que resiste a tudo. Destemida. É isso que temos no Rio se mais esse caso for confirmado.

Há não muito tempo, nos primeiros anos de Cabral, então governador, o Rio parecia ter encontrado a trilha que o levaria ao sucesso. Houve queda dos homicídios, a política de pacificação das favelas tinha avanços importantes, e na educação, ele saltou de 26º lugar no Ideb para o quarto lugar. Os investimentos chegavam, e os royalties enchiam os cofres públicos. Ele se preparava para sediar eventos esportivos com obras pela capital. Aquele momento parecia ser o fim de um longo período de decadência, o início da reunificação da cidade partida. Parecia um sonho.

O Rio acordou ontem em mais um dia do nosso pesadelo. Lindo e ensolarado Rio de Janeiro, cercado de vergonha, dívidas e dúvidas.

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