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Denis Lerrer Rosenfield: A batalha de Porto Alegre

O divórcio entre o PT e a democracia representativa se revela na imagem da ‘morte’
Longínqua é a época em que o PT se vestia de defensor de outra forma de participação política, procurando seduzir não somente os incautos do Brasil, mas também os do mundo. A soberba já naquele então desconhecia limites, mas apresentava-se com as sandálias da humildade.

Era o mundo da dita “democracia participativa” e da mensagem, no Fórum Social Mundial, de que um “outro mundo era possível”. Porto Alegre tornou-se o símbolo que irradiava para todo o País, e para além dele, transmitindo a imagem de uma grande solidariedade, de uma paz que o partido encarnaria.

Para todo observador atento, contudo, a farsa era visível. Porém foi eficaz: levou o partido a conquistar três vezes a Presidência da República. Mas deixando um rastro de destruição, com queda acentuada do PIB, inflação acima de dois dígitos, mais de 12 milhões de desempregados e corrupção generalizada. Dirigentes partidários foram condenados e presos a partir do “mensalão” e do “petrolão”. Antes, o partido tinha um currículo baseado na ética na política; hoje, uma folha corrida.

No dito orçamento participativo das administrações petistas de Porto Alegre já se apresentavam o engodo, a enganação e, sobretudo, o desrespeito à democracia representativa, tão ao gosto dos petistas atuais. Reuniões de 500 pessoas em bairros da cidade, nas quais um terço dos participantes era constituído por militantes, decidiam por regiões inteiras de mais de 150 mil ou mesmo 200 mil habitantes. Impunham uma representação inexistente, numa espécie de autodelegação de poder. O partido tudo instrumentava, arvorando-se em detentor do bem, o bem partidário confundido com o público.

Num Fórum Social Mundial, os narcoterroristas das Farc foram recepcionados no Palácio Piratini, sob o governo petista de Olívio Dutra. Lá, numa das sacadas do prédio, em outra ocasião, discursou, com sua arenga esquerdizante, Hugo Chávez, líder do processo que está levando a Venezuela a um verdadeiro banho de sangue, com a miséria e a desnutrição vicejando como uma praga – a praga, na verdade, do socialismo do século 21.

Eis o “outro mundo possível”, louvado pelos atuais dirigentes do PT. A vantagem hoje é a de que a máscara caiu. O partido, pelo menos, tem o benefício da coerência.

A máscara caindo mostra com mais nitidez que a democracia representativa nada vale e que a violência é o seu significante. A mensagem de paz tornou-se mensagem de sangue. A presidente do partido não hesitou em afirmar que a prisão de Lula levaria a “prender” e a “matar gente”. A tentativa de conserto posterior nada mais foi do que um arremedo.

Conta o fato de ter ela expressado uma longa tradição marxista-leninista de utilização da violência, da morte, acompanhada, segundo essa mesma tradição, de menosprezo pelas instituições democráticas e representativas, na ocorrência atual, sob a forma de desrespeito aos tribunais. A democracia, para eles, só tem valor quando os favorece. Desfavorecendo-os, deve ser liminarmente deixada de lado. Mesmo que seja sob a forma jurídica de pedidos de liminares, para que a luta continue.

Não sem razão, contudo, o PT e seus ditos movimentos sociais consideram este dia 24 como decisivo, o de seu julgamento. Para eles, tal confronto se exibe como uma espécie de luta de vida e morte. Nela, ao jogar-se a candidatura de Lula à Presidência da República e caindo, em sua condenação, o ex-presidente na Lei da Ficha Lima, está em questão a “vida” do candidato e do seu partido. Este, aliás, escolheu identificar-se completamente com seu demiurgo, selando com ele o seu próprio destino. O resultado é uma batalha encarniçada, o seu desenlace constituindo-se numa questão propriamente existencial.

A imagem da “morte”, segundo a qual os militantes fariam sacrifício por seu líder, por não suportarem a prisão dele, nada mais faz do que revelar o profundo divórcio entre o partido e a democracia representativa, com as leis e suas instituições republicanas. Pretendem sujar a Lei da Ficha Limpa com o sangue de seus seguidores.

Assim foi na tradição leninista: os líderes mandavam os seguidores para o combate e a morte, permanecendo eles vivos; e depois, uma vez conquistado o poder, usufruindo suas benesses. O sangue do ataque ao Palácio de Inverno e a vitória da revolução bolchevique levaram aos privilégios da Nomenklatura, dominando com terror um povo que veio a ser assim subjugado.

Segundo essa mesma lógica “política”, sob a égide da violência, Lula e os seus dividem apoiadores e críticos nomeando os primeiros como “amigos” e os segundos, “inimigos”. Sua versão coloquial é a luta do “nós” contra “eles”, dos “bons” contra os “maus”, dos “virtuosos” do socialismo contra os “viciados” pelo capitalismo. Ora, tal distinção, elaborada por um teórico do nazismo, Carl Schmitt, é retomada por esse setor majoritário da esquerda, expondo uma faceta propriamente totalitária. Lá também a morte, o sangue e a violência eram os seus significantes.

O desfecho do julgamento do dia 24, estruturante da narrativa petista, será vital para o destino do partido. Em caso de condenação, o que é o mais provável, o partido continuará correndo contra o tempo, numa corrida desenfreada por meio de recursos jurídicos, procurando esgotar os meios à sua disposição do Estado Democrático de Direito.

Assim fazendo, tem como objetivo produzir uma instabilidade institucional que venha a propiciar-lhe a reconquista do poder, produzindo um fato consumado numa eventual eleição sub judice. Seria consumar a morte da democracia representativa, solapando seus próprios fundamentos.

Resta saber se o partido conseguirá, para a concretização de seu projeto, realizar grandes manifestações de rua. Se lograr, a democracia representativa correrá sério risco. Se malograr, o partido estará fadado a divorciar-se ainda mais da sociedade. A narrativa soçobraria na falta de eco.

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS

 


Roberto Freire: Lula e a lei

Enquanto o Brasil aguarda pelo julgamento do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, que analisará o recurso apresentado pelos advogados do petista contra a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, proferida pelo juiz Sergio Moro em primeira instância no processo referente ao rumoroso caso do triplex no Guarujá (SP), ficam cada vez mais evidentes o desespero do lulopetismo em relação ao futuro de seu principal líder e as constantes e desmedidas agressões do PT ao Poder Judiciário brasileiro e às instituições democráticas do país.

Nas últimas semanas, à medida que se aproxima o julgamento marcado para o dia 24 de janeiro, não foram poucos os próceres lulopetistas que se manifestaram abertamente contra o que vêm chamando de “rito de exceção” contra Lula, como se houvesse um complô com o objetivo de afastar o ex-presidente das eleições e consumar um “golpe” – mesmo termo utilizado de forma desavergonhada no período em que Dilma Rousseff foi afastada por meio do impeachment. São inúmeros os relatos de ameaças e tentativas de intimidação contra os desembargadores do TRF-4, além de palavras de ordem e gritos de guerra que indicam a possibilidade de haver quebra-quebra e atos de vandalismo caso o recurso de Lula seja rechaçado. Os bate-paus do lulopetismo não têm limites, demonstrando uma vez mais total descompromisso com as instituições republicanas e a própria democracia.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma inútil e patética tentativa de mobilizar a militância do PT e seus simpatizantes, desqualificando o processo na hipótese de uma eventual condenação do ex-presidente também em segunda instância – o que parece cada vez mais provável diante da amplitude de seus crimes e das provas apresentadas pelo Ministério Público e corroboradas pelo juiz Moro na sentença. Até parece que Lula é inimputável ou está acima da lei. Nada mais autoritário ou antidemocrático do que essa interpretação.

Em alguns casos, é perceptível que se trata de certo desespero de áulicos do lulopetismo em relação à iminente condenação do grande símbolo do partido. Em outros, no entanto, talvez a grande maioria das lideranças do PT, o que se vê é claramente a intenção de solapar e até mesmo derrubar a ordem democrática vigente no país, o que nos faz recordar do período de tão triste memória da ditadura militar. É uma postura totalmente irresponsável, para dizer o mínimo.

É evidente que se trata do óbvio, mas diante de tamanha desfaçatez e da afronta do PT às instituições é importante reforçar: Lula não tem salvo conduto, assim como nenhum dos cidadãos brasileiros, para praticar crimes. A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) é cristalina e não deixa margem para qualquer tipo de dúvida: em caso de condenação por um tribunal colegiado, como o TRF-4, o possível candidato se torna “ficha suja” e fica impedido de disputar eleições. Além disso, há um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que um condenado em segunda instância já pode iniciar o cumprimento de sua pena (no caso de Lula, provavelmente em regime fechado, se a sentença de Moro for referendada pelo TRF-4) enquanto apela às instâncias superiores do Judiciário. Vem daí, muito provavelmente, o desespero e o descontrole da militância lulopetista.

Como se não bastasse a mobilização do PT, também os aliados não declarados do partido, como o PSOL, já se manifestaram em uma nota oficial divulgada há alguns dias que faz coro à narrativa delirante e mentirosa de que “eleição sem Lula é fraude”. No texto, a legenda – que se diz oposição ao lulopetismo, mas costuma cerrar fileiras ao lado e Lula e seus liderados em momentos cruciais – defende o direito de o ex-presidente ser candidato mesmo se condenado pelo TRF-4, descumprindo a Lei da Ficha Limpa.

Por mais que o lulopetismo e seus satélites esperneiem sobre o que pode acontecer em Porto Alegre no dia 24, a ordem democrática do país está preservada e as instituições estão em pleno funcionamento. Se condenado, o ex-presidente não poderá participar do processo eleitoral e, mais do que isso, deverá iniciar o cumprimento da sentença na cadeia. É o que esperam os brasileiros de bem, a imensa maioria da população tão ultrajada pela roubalheira perpetrada pelo PT durante mais de 13 anos. Que se cumpra a lei. Lula não está acima dela.

 

 


Míriam Leitão: Tempo de atenção

O presidente do TRF-4, Carlos Thompson Flores, não demonstrou ansiedade na conversa de terça-feira com a ministra Cármen Lúcia. Apenas relatou que o tribunal tem tido todo o apoio das forças de segurança do Estado e avisou que comunicaria se houvesse qualquer anormalidade. Nos meios jurídicos, o que se diz é que a Justiça está em estado de atenção, mas não de tensão.

Thompson Flores não pediu reforços de segurança, apenas relatou todos os fatos da perspectiva do Tribunal. Explicou o trabalho da segurança do próprio Tribunal, e das forças do Estado. Disse que não seria conveniente que o TRF-4 sofresse qualquer tipo de ameaça indevida. A Constituição prevê a liberdade de manifestação, mas ela precisa ser comunicada pelos organizadores. Ele ficou de avisar ao Conselho Nacional de Justiça sobre qualquer anormalidade.

De qualquer maneira, o país vive entre esses dois estados, atenção e tensão, nestes dias prévios do julgamento do ex-presidente Lula. O que o país está vendo é a proximidade de um acontecimento inédito: o julgamento em segunda instância de um ex-presidente da República condenado por corrupção. O PT recorre à militância e à retórica porque isso é parte do jogo político, mas na Justiça o que se diz é que o Judiciário não é um poder político, portanto essa estratégia não funciona para o fim desejado pelo partido.

A afirmação feita ontem pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ao site Poder 360, de que para prender Lula terá que “matar gente” está sendo relativizada e não vista como ameaça concreta. Ela própria refez um pouco o que havia dito, mas fica claro que a intenção é a politização extrema como estratégia de defesa, o que juridicamente não tem valor. Não é a capacidade de mobilização do PT que está em julgamento, mas os autos do processo nos quais Lula foi condenado em Curitiba e que foram para a revisão da segunda instância.

Há muitas incógnitas, como em qualquer julgamento. Pode até, apesar de pouco provável, que alguém peça vistas do processo. Mas o que fontes do Judiciário explicam é que o mais provável é que haja uma decisão. Se ele for condenado, seja por unanimidade, seja por dois votos a um, recursos só serão aceitos se couberem. O direito a recorrer não é automático, é preciso verificar se existe a possibilidade do embargo.

Se os embargos forem declaratórios, no caso de uma decisão unânime, não haverá mudança de resultado, apenas o pedido de esclarecimento de algo eventualmente confuso no acórdão. Se forem embargos infringentes, no caso uma divergência entre os juízes sobre condenar ou não, pode-se pedir até um novo julgamento. Mas será preciso a defesa encontrar os caminhos jurídicos cabíveis. É preciso cumprir as exigências processuais. Não adianta nada a agitação da militância.

O discurso de que Lula está sendo perseguido juridicamente perde muito a força na hipótese de ele ser condenado em segunda instância. Até agora, os advogados sustentaram que ele era um perseguido de Sérgio Moro. Se o TRF-4 confirmar a sentença, ficará mais difícil sustentar a mesma tese.

Se Lula for condenado, não vai ser preso imediatamente porque será preciso publicar o acórdão. E aí serão feitos os recursos ao próprio tribunal, através dos embargos, se forem encontrados os elementos para isso. Se, esgotados os recursos, permanecer a condenação em segunda instância, o ex-presidente poderá recorrer ao STJ, mas já sem qualquer efeito suspensivo da pena. Ou seja, o tribunal pode decretar a prisão do ex-presidente.

A visão na Justiça é que seria um erro deixar-se contaminar pela retórica política. Ela tem que ficar num pêndulo: não acender alertas desnecessários, mas não desconhecer os riscos que forem reais. Não agir de forma açodada, mas prevenir-se para o risco de os manifestantes saírem da retórica para a ação física contra o Tribunal.

Serão dias de tensão na política e no Brasil neste fim de janeiro, mas no mundo jurídico a palavra que preferem usar é “atenção”. Julgar é parte inerente ao trabalho e é isso que está sendo feito. Nada termina no dia 24, mas muito se define a partir da decisão do tribunal.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Bandeira amarela

O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, passou o dia em Brasília reunido com autoridades para garantir a segurança dos magistrados que farão o julgamento de Lula

O desfecho do romance O amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Marques, que descreve a paixão de dois amantes já idosos, Fermina Daza e Florentino Ariaza, é uma viagem de barco que não teria fim pelo rio Grande Madalena. Para burlar as autoridades náuticas e navegar sem passageiros, cargas ou malotes de correio a bordo, o expediente adotado por Florentino, dono da companhia de navegação, foi mandar hastear a bandeira amarela, o sinal de peste a bordo, que impedia a subida ou descida de qualquer pessoa na embarcação. “E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho?”, indaga o rude comandante do navio. Florentino tinha a resposta preparada havia mais de 50 anos: “Toda a vida!”

A referência ao romance de Gabo obviamente tem a ver com o surto de febre amarela que chegou às regiões mais desenvolvidas e ricas do país, principalmente São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. O fracionamento das vacinas em cinco doses, com poder de imunização durante oito anos, é uma solução adotada com sucesso pela Organização Mundial da Saúde para enfrentar a epidemia nos países mais miseráveis da África. Do ponto de vista médico, é uma medida adequada para conter a epidemia, mas não para erradicá-la, pois somente a dose completa imuniza as pessoas por toda a vida. A febre amarela não tem nada a ver com a cólera, causada pela ingestão de água contaminada por fezes. É provocada pela presença crescente de macacos infectados nas áreas urbanas.

A remissão à bandeira amarela e ao ir e vir sem fim do final do romance é uma alegoria. O Brasil vive um eterno vaivém de problemas, alguns dos quais imaginávamos resolvidos. Como a sífilis entre os adolescentes, a febre amarela está de volta e já matou 21 pessoas em São Paulo, sendo três em Mairiporã, onde 90% da população já foi vacinada. Na verdade, o fracasso das políticas públicas é um caldeirão prestes a explodir novamente, como em 2013, quando os jovens foram às ruas protestar por causa das péssimas condições do sistema de transportes, das escolas sem qualidade e da péssima assistência à saúde.

É o caso da segurança pública, por exemplo, cuja crise se generaliza. O próprio comandante do Exército, general Villas Boas, chama a atenção para o fato de que as sucessivas intervenções das Forças Armadas nos estados, principalmente a longa operação de defesa da lei da ordem no Rio de Janeiro, podem levar a infiltrações do tráfico de drogas na tropa. O recrutamento de ex-soldados por traficantes já existe; o general sabe disso. O colapso do sistema prisional em alguns estados, como Goiás, e do próprio aparelho de segurança, como aconteceu no Rio Grande Norte, tem a ver com a crise fiscal do estado, que se agrava a cada dia. É uma espécie de efeito Orloff em relação ao Rio de Janeiro: “Eu sou você amanhã”.

Incertezas
É nesse ambiente que iniciamos um ano eleitoral decisivo e, ao mesmo tempo, cada vez mais incerto. O assunto político do momento é o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 24 de janeiro, em Porto Alegre, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que pode referendar ou não a condenação a 9 anos e meio de prisão sentenciada pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Caso o TRF-4 mantenha a decisão, Lula poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e ficar de fora das eleições de 2018. Acusado de receber R$ 3,7 milhões em propina da empreiteira OAS, em decorrência de contratos da empresa com a Petrobras, o petista nega o fato. O valor refere-se à suposta cessão pela OAS de um apartamento tríplex no Guarujá (SP) ao ex-presidente, às reformas feitas pela construtora no imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial.

Ontem, o presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, passou o dia em Brasília reunido com autoridades para garantir a segurança dos magistrados que farão o julgamento de Lula. É o fim da picada uma situação como essa, pois vivemos numa ordem democrática. Mas é resultado também do coro dos políticos contra a Operação Lava-Jato e as autoridades do Judiciário, principalmente procuradores e juízes de primeira instância que investigam os crimes de colarinho branco. Os principais partidos brasileiros estão envolvidos nos escândalos investigados pela Lava-Jato e seus líderes foram denunciados pelos executivos da Odebrecht, JBS e outras grandes empresas, que desviam recursos de obras e serviços públicos para financiamento de campanhas eleitorais e a formação de patrimônio de muitos políticos e seus operadores. Querem hastear uma espécie de bandeira amarela e deixar a Lava-Jato numa quarentena eterna. A eventual condenação de Lula em Porto Alegre é uma ameaça para todos os políticos enrolados na Justiça, pois significa que ninguém estará acima da lei.

 


Eliane Cantanhêde: 'Jus esperniandi'

Apesar do pavor do TRF-4, o mundo não vai acabar e o Brasil não vai parar no dia 24
Afinal, o que vai ocorrer no dia 24 em Porto Alegre é um julgamento, um carnaval, um circo ou, pior, uma guerra de guerrilhas? Quanto mais o julgamento do ex-presidente Lula se aproxima, mais o TRF-4 parece nervoso, as autoridades morrem de medo e os dois lados – anti-Lula e pró-Lula – se comportam como se fosse tudo, menos uma decisão de Justiça, a confirmação ou não da condenação em primeira instância.
Foi por isso que o presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, fez uma maratona ontem em Brasília, desde o encontro com a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, até o da procuradora-geral, Raquel Dodge, o do diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, e o do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general Sérgio Etchegoyen.
Vamos ao óbvio: qualquer ação contra Lula, na primeira, segunda ou qualquer instância, mexe com os nervos das “torcidas” e gera temor de quebra-quebra. E o TFR-4 é tratado como “muito pequeno” para uma decisão tão importante. Quem queria estar na pele dos três desembargadores?
Óbvio, também, que ninguém admite ter discutido a sentença do juiz Sérgio Moro, de mais de 9 anos de prisão para Lula, e muito menos a disposição do TRF-4. O que todos dizem é discutir os aspectos externos: a possibilidade de confrontos de rua, de perturbação da ordem pública.

“Perguntar a um desembargador sobre um julgamento seria como exigir de vocês, jornalistas, o nome de uma fonte de notícia. Um absurdo”, disse o general Etchegoyen, velho amigo de Thompson Flores, que almoçou com ele no Planalto e saiu com um presente: o livro História da Segunda Guerra Mundial, de Sir Liddell Hart.
Nem é preciso perguntar se Etchegoyen concorda com o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, que disse à repórter do Estado Tânia Monteiro que pedir tropas para o julgamento do Lula é inconstitucional. Cá entre nós, é também ridículo, já que se trata de uma questão da Secretaria de Segurança Pública, além de as Forças Nacionais protegerem os prédios federais em torno do TRF-4.
No caso de Cármen Lúcia: Thompson Flores relatou as ameaças a desembargadores do caso Lula, já que ela preside também o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas, objetivamente, o único recurso do CNJ seria chamar a polícia! E o presidente do TRF-4 já foi direto à Polícia Federal. Já o ministro da Justiça, Torquato Jardim, vai a Porto Alegre nesta sexta-feira, para encontros com o governador e o prefeito, e “vai aproveitar” para conversar com o desembargador no TRF-4, que, como se vê, se cerca de todos os lados.
Apesar de toda essa maratona, a expectativa parece pior do que a realidade. Durante o julgamento, vai haver manifestações em Porto Alegre, na Avenida Paulista e em outras capitais. O PT e seus braços, tipo MTST, convocam os atos pró-Lula. Os adversários tentam concorrer com os anti-Lula. É do jogo. Desde que o jogo não descambe para batalha campal.
Depois, com Lula condenado ou com Lula absolvido, o mundo não vai acabar, o Brasil não vai parar, tudo vai continuar como está. E o lado perdedor vai chiar. Confirmada a sentença de Moro, como apostam os meios jurídico e político, os petistas vão reclamar, criticar, xingar. Ok. Também faz parte do jogo.
Haverá mil e uma versões sobre perseguição das elites, continuidade do “golpe”, essas bobagens que não dizem respeito à Justiça. Mas isso não significa guerra nem atentado à democracia, só o velho “jus esperniandi”, que vale também para o outro lado. E, na Quarta-Feira de Cinzas deste carnaval, começa uma outra folia: a dos recursos. Resta saber até quando a candidatura Lula aguenta essa rebordosa.

Merval Pereira: Sem fato novo

Às vésperas do julgamento do recurso do ex-presidente Lula contra sua condenação pelo juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, os aliados do ex-presidente pretendem que seja um fato novo a decisão de uma juíza em Brasília de penhorar o imóvel em um processo contra a OAS, o que seria a prova incontestável de que ele pertence à construtora, e não a Lula.

Entretanto, como se sabe, a acusação contra o ex-presidente não é de que a propriedade formal seja dele. Ao contrário, ele seria o proprietário de fato, e essa situação é encoberta através de artifícios justamente para esconder o produto de um crime. Por isso está sendo condenado também por lavagem de dinheiro.
Na verdade, o imóvel não é nem mais da OAS, pois foi confiscado na sentença de condenação do ex-presidente, está sequestrado criminalmente, sequer poderia ter sido penhorado. Os advogados do Lula diziam também que, ao afirmar que o tríplex não está diretamente ligado à corrupção na Petrobras, Moro desfigurou a denúncia do Ministério Público.
Mas ao mesmo tempo, o juiz determinou que os R$ 16 milhões da multa do tríplex fossem para a Petrobras, o que seria incoerente. A explicação que rebate esses argumentos é que foi reconhecido na sentença que houve acerto de corrupção em contratos da Petrobras, e que parte do dinheiro da propina combinada foi utilizada em benefício do ex-presidente.
Para a acusação, não tem nenhuma relevância para caracterização da corrupção ou lavagem de onde a OAS tirou o dinheiro para o imóvel e reformas.
Dinheiro é fungível. Moro explicou em uma das respostas à defesa que “Este juízo jamais afirmou , na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos da Petrobras foram usados para pagamento indevido para o ex-presidente”, justamente porque não importa de onde a OAS tirou o dinheiro, mas somente que a causa do pagamento tenha sido um contrato da Petrobras.
No caso da Odebrecht, por exemplo, o dinheiro usado para pagar os diretores da Petrobras vinha de contratos no exterior sem relação com a estatal.
Toda a movimentação de petistas, quase sempre agressiva, em torno do julgamento do recurso do expresidente Lula contra a condenação no caso do tríplex do Guarujá, pelo Tribunal Regional Federal em Porto Alegre (TRF-4), revela que eles compreendem bem a situação de limite em que se meteram.
No dia 24 começa uma corrida de obstáculos na tentativa do partido de limpar seu nome e o de seus líderes numa eleição presidencial que, esperam, levará à consagração de Lula e a uma virtual absolvição do partido. Lula precisa do PT como nunca, e o PT, como sempre, precisa de Lula.
Uma eventual absolvição de Lula o colocaria praticamente no Palácio do Planalto, pois teria condições de resgatar um eleitorado que já foi seu e que hoje o repudia e ao PT. Uma condenação reafirmará sua culpa já definida na primeira instância do Juiz Moro, e o colocará à beira da prisão, consequência natural da condenação em segunda instância.
É evidente que, embora não seja o julgamento definitivo, pois ainda existe uma infinidade de recursos até a decisão final, se confirmada a condenação, este será o começo da derrocada daquele que ainda é um político popular e busca nas urnas escapar das acusações que lhe são feitas em diversas instâncias judiciais.
Não é de espantar que o site do PT tenha partido para uma acusação pessoal aos desembargadores que julgarão Lula no dia 24: João Pedro Gebran Neto estaria impedido de julgar por ter se declarado, em um livro, amigo de Moro; Leandro Paulsen é acusado de ter sido muito rápido como relator e Victor Laus, de receber um salário acima do teto.
O PT diz, oficialmente, que os três são piores do que aquele que vão julgar, numa clara tentativa de intimidação. Roberto Veloso, presidente da Associação de Juízes Federais, ontem fez também visita à presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, assim como o presidente do TRF-4, ministro Thompson Flores. Todos em busca de garantias à ordem pública e tranquilidade para a realização do julgamento.
Para ele, “os juízes decidem de acordo com a prova dos autos, não movidos por coações, intimidações ou ameaças. Em uma democracia, as decisões judiciais são respeitadas.” Para acalmar os petistas, lembrou que no Brasil “o sistema recursal é muito amplo”, e que se a segunda instância confirmar a condenação aplicada por Sergio Moro, Lula poderá recorrer.
“As ameaças estão sendo públicas, não estão sendo veladas. Temos assistido a vídeos com ameaças públicas de que serão depredados prédios públicos, que irão tomar de assalto as dependências do tribunal, que irão fazer e acontecer, até de atear fogo nós ouvimos.” Ele pediu “calma, tranquilidade e paz”.

Marco Aurélio Nogueira: A esquerda que não merecemos ter

Os esquerdistas acham que com a volta de Lula o sol voltará a brilhar e a emancipação será retomada. Não se dão sequer ao trabalho de verificar os dados e de perguntar ao Lula o que ele de fato fará se for eleito presidente

Do jeito que estão as coisas, não há como cogitar da afirmação de um competitivo campo de esquerda no Brasil.

Indo além: o movimento progressista está desnorteado, desarvorado, sem fibra.

A esquerda é um universo amplo, plural, integrado por muitas correntes, agregações e pessoas. Vai do liberalismo político democrático aos defensores do socialismo, de ambientalistas e ecologistas aos libertários, dos que lutam por direitos aos que querem igualdade e reconhecimento. É parte do progressismo, do reformismo, da democracia, ainda que nem sempre acerte os passos com tais plataformas.

Quando, porém, no Brasil, você para e olha, a impressão é que a esquerda se resume ao petismo, aos seguidores de Lula e aos correligionários do PT, com seus aliados, seus trânsfugas e seus satélites.

A simplificação mental é assustadora. Um mundo todo está acabando na política. Partidos e lideranças se desfazem por efeito das transformações estruturais do capitalismo e, no Brasil, dos desdobramentos da Lava-Jato e da crise do Estado e da política. Em vez de reconhecer isso, o esquerdismo prevalecente opta por vitimizar Lula e o PT: somente eles seriam “perseguidos”. Impeachment foi golpe, eleição sem Lula seria fraude, Lula estaria sendo condenado sem prova só para não poder se candidatar, a lawfare seria a adaga espetada em seu peito. Uma catilinária ilimitada.

Tudo isso é interpretado como expressão pura da esquerda, sem mais. Blogs, robôs, sites, mídia eletrônica organizam uma incansável campanha para ampliar o diagnóstico de que tudo só acontece porque a direita (jamais definida com clareza), os liberais, os socialistas democráticos, os partidos do sistema, decidiram atacar o PT e a esquerda, porque a Globo não gosta de Lula e quer dominar tudo, porque Sergio Moro é um partidário antipetista. Porque as elites resolveram sangrar a sociedade.

Estaria assim em marcha uma violenta guinada regressista, tradução brasileira do mesmo fenômeno que se veria no mundo. Direitos pisoteados, pobres sendo remetidos ao inferno da miséria, trabalhadores encurralados, superexplorados, tratados como animais, um cenário de horror. E, no meio dele, Lula e o PT lutando como verdadeiros patronos da Humanidade, que por eles, no mundo todo, torce apaixonadamente.

Consolidou-se assim uma nova faceta do mito global do redentor.

Não há mais crítica política. Muito menos autocrítica. Os iluminados, como se fossem escolhidos, sabem tudo, dominam os mares, voam mais alto. São “perseguidos” e, por isso, automaticamente purificados, desobrigados de analisar os próprios passos, os erros cometidos, as culpas que carregam. Toda exigência deveria ser suspensa para não facilitar o trabalho da “direita”.  Durante os anos do petismo no poder, a crítica não podia ser formulada porque desestabilizaria e enfraqueceria o governo; depois do impeachment, ela é inadmissível porque serviria para fortalecer os “golpistas”. De negação em negação, de recusa em recusa, foi-se empurrando a sujeira para baixo do tapete.

A mitificação corre solta, impulsionada por gente que se vangloria de ter uma inteligência superior, experiência política e boas intenções. Converte-se Lula num factótum da perfeição, dono de uma racionalidade política jamais vista e de uma entrega total aos pobres. Passa-se uma esponja em pecados eventuais, na sede desmesurada por poder, no protagonismo centralizador, avesso a disciplinas e partidos. O mito assim forjado tem alguns pés de barro, devidamente ocultados para não estragar o enredo, mas nem por isso deixa de ser alimentado.

A convicção cega embota as mentes, a superficialidade do diagnóstico agita, mas não consegue esclarecer nem ativar um verdadeiro programa de luta e transformação. Vai-se por inércia, repetindo chavões e slogans fáceis, que se derramam como água, a um ponto em que tudo se converte em senso comum. Nesse momento, as pessoas simplesmente param de pensar. Deixam de ser autônomas, convertem-se em repetidoras passivas, que se lançam em embates infrenes contra tudo e todos.

Os que procuram complicar um pouco o argumento, ponderar ou encontrar um terreno de maior razoabilidade, são atacados sem pena nem consideração. São estigmatizados, convertidos em aliados de “golpistas”.  Avança assim um rolo compressor dedicado a disseminar um tipo de pensamento único “progressista”, a martelar verdades tidas como absolutas, a promover polarizações sempre mais insanas e insensatas, a construir uma narrativa que beira a irracionalidade.

Todos seriam parciais: o MP, a PF, Moro e a Lava Jato, os juízes do TRF-4, a Justiça inteira, as instituições em seu conjunto, os delatores premiados, a mídia. Exagera-se, para levar ao extremo uma estratégia “coitadista”, de vitimização.

O país? Ora, o país… O importante seria não perder o foco: salvar o líder redentor. Fernando Gabeira disse bem: “A esquerda decide lançar todas as suas fichas na salvação do líder num momento em que a maioria está preocupada com a salvação do País. Essa energia concentrada em salvar Lula deixa de lado algumas questões vitais que ela teria de encarar num processo eleitoral”.

O desprezo pela dúvida e pela opinião divergente culmina na redução delas ao imprestável, ao suspeito. Não haveria porque debater se o “outro” é visto como inimigo a ser destruído. É uma questão de fé.

Interditam-se assim posturas e iniciativas que poderiam ajudar a oxigenar o ambiente, a fazer avançar uma crítica mais realista, a tolerância, a busca de entendimentos para fortalecer o próprio campo da esquerda, revitalizando um patrimônio de afetos, agregações, sinergias. Para o pensamento único, a dissonância é incômoda.

Vez ou outra se ouvem vozes falando em “unidade das esquerdas e das forças populares” para frear o “governo entreguista” e impedir a “usurpação” que se anuncia com o julgamento político de Lula. É uma retórica rebarbativa, que não avança na compreensão do quadro e se perde na proposição abstrata de uma imprecisa “aliança nacional” para defender a democracia. Perorações desse tipo desaguam inevitavelmente na postulação do “direito” que teria Lula de disputar a eleição, porque ele é o líder supremo, amado pelo povo, pouco importando se cometeu deslizes, se vier a ser condenado, se tiver a ficha suja de acordo com a legislação em vigor.

Isso tudo acontece não só porque o esquerdismo prevalecente conseguiu acumular recursos e mostra competência na agitação e na propaganda. Acontece também porque a nossa época é uma época de lassidão crítica, de preguiça, de acomodação, de miséria intelectual. Uma época opiniática, em que cada um carrega a sua verdade e sua fé.

Acontece também porque os demais protagonistas do campo democrático e de esquerda – aquilo que se deveria chamar de esquerda democrática – não souberam se projetar e se articular, deixando o terreno vazio. Parte deles nem consegue se descolar do petismo lulista.

A desgraça maior é que ninguém sabe bem o que fazer.

Os esquerdistas acham que com a volta de Lula o sol voltará a brilhar e a emancipação será retomada. Não se dão sequer ao trabalho de verificar os dados e de perguntar ao Lula o que ele de fato fará se for eleito presidente.

Os que querem se diferenciar desse senso comum batem cabeça, ora se entregando ao encontro de um nome com que dar operacionalidade ao moderantismo de centro, ora abraçando bandeiras caras ao neoliberalismo, sem atualizá-las ou corrigi-las.

Uns e outros se acham autossuficientes. Atacam-se reciprocamente sem tréguas, e no correr da batalha deixam de lado o mais importante.

O mais importante? A defesa da democracia e de um reformismo realista, progressivo, consistente em termos programáticos, que nos permita repor o país nos eixos e disputar o futuro, coisa que somente será concebível se houver o concurso generoso de muitos. A defesa da igualdade, da liberdade, de direitos para todos, de formas abertas de vida social, da solidariedade, da cooperação.

O mais importante? A colocação em marcha de uma reinvenção que nos faça voltar a ter orgulho de nos proclamarmos de esquerda.


Bolívar Lamounier: Política, democracia e ética pública

Crise deve-se ao falsear do processo eleitoral, da transparência e da ‘accountability’

Os escândalos de corrupção inaugurados com o “mensalão” e elevados à enésima potência nos últimos cinco anos demonstraram que as deficiências da democracia brasileira são muito maiores do que pensávamos. Antes deles, nosso relativo otimismo se estribava em cinco pilares, cuja importância não pode ser subestimada, mas que agora se mostram claramente insuficientes.

Ao longo de várias décadas, até mesmo durante o regime militar, nosso processo eleitoral se tornou altamente inclusivo, com um eleitorado superior a 70% da população total, a mesma proporção das democracias mais desenvolvidas. Entre 1985 e 1988, restabelecemos pacificamente o regime civil e constitucional. Em 1989, a vitória de Collor sobre os partidos tradicionais e sobre a esquerda inaugurou a alternância pacífica no poder, consolidada com a vitória de Lula em 2002. Instituímos um sistema mais robusto de monitoramento e promoção da legalidade, notadamente pela autonomia institucional do Ministério Público, obra da Constituição de 1988. Por último, mas não menos importante, domamos, finalmente, uma inflação que se prolongara por três décadas e aprovamos no Congresso a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras medidas relevantes no campo econômico.

Mas as deficiências se revelaram por um conjunto de problemas intimamente ligado à corrupção, que anula, na prática, grande parte dos avanços realizados. Proclamamos, como é usual no Primeiro Mundo, que o essencial da democracia é a exigência de que o acesso de cidadãos particulares a posições de autoridade se faça por meio de um processo competitivo, ou seja, mediante eleições limpas e livres. Mas não atinamos para o fato de que, mesmo num eleitorado de grandes proporções, os procedimentos criados para garantir eleições “limpas e livres” podem ser fraudadas por práticas em princípio lícitas, mas desleais ao espírito da democracia e, portanto, imorais. Entre estas, um exemplo egrégio é o clientelismo de larga escala, infinitamente mais pernicioso que o antigo “voto de cabresto”, que se pode embutir em políticas públicas e programas sociais.

Tampouco nos demos conta de que “eleições limpas e livres” podem transformar-se em mera aclamação simbólica, sem dentes e garras, onde não haja transparência – ou seja, onde inexista acesso efetivo do cidadão, das empresas e da sociedade civil a informações referentes às ações governamentais, notadamente no tocante ao emprego dos recursos financeiros. E mesmo onde tal acesso esteja devidamente previsto e estipulado nas leis, ele não passará de letra morta onde não exista accountability – ou seja, onde os titulares da autoridade, nos três ramos do Estado, se comportem de forma acomodatícia, ou se acovardem, não aplicando com o rigor preceituado as medidas profiláticas prescritas na Constituição e nas leis.

Eleições limpas e livres, transparência e accountability – no mundo atual, essas três condições definem o espaço válido de reflexão sobre as conexões entre a ética – a busca do bem comum – e a política. De fato, a ninguém ocorrerá avaliar o status ético de países governados por celerados e genocidas como Hitler, Stalin ou Pol Pot.

O agente do juízo ético é o indivíduo, ou seja, o cidadão que trabalha, paga impostos e mata ou morre na guerra, se convocado para tal. Ele é também o destinatário do bem comum. Decorridos dois milênios de Aristóteles, não faz sentido pensar no bem comum como um todo homogêneo, unitário e consensual. O que para um é um bem, para outro pode ser um mal. O que existe é, portanto, uma grande variedade de bens comuns ou, melhor dito, de bens coletivos, aqueles que o Estado não pode prover a um cidadão se não puder provê-los nas mesmas condições a todos os demais cidadãos compreendidos na mesma categoria. O que importa, por conseguinte, é investigar a emergência ex parte de um consenso, ou da aquiescência sempre precária, de todos, ou da maioria, a uma dada distribuição de bens coletivos. O orçamento nacional é essencialmente isto: a distribuição de bens coletivos que o Estado é capaz de prover em dado momento. Esse conjunto é a resultante do embate entre os interesses que soem existir em toda sociedade, mas que só na democracia são devidamente delimitados e regulados pelas instituições. Buscar o consenso pela via da política, o entendimento por meio de uma pugna constante, eis o notável paradoxo que as democracias consagram em suas regras de jogo.

Voltando ao início, podemos, pois, afirmar que a crise ética e econômica para a qual o Brasil foi arrastado se deve ao falseamento, ainda não superado, do processo eleitoral, da transparência e da accountability. É óbvio que a democracia tem muito que ver com as condições sociais gerais de um país, daí a existência de importantes diferenças de qualidade entre elas. Desigualdades sociais extremas são negativas para a democracia e a ética pública.

Nos limites deste artigo, cabe-me concluir apenas reiterando o que tenho insistentemente afirmado: justiça social, socialismo, social-democracia e similares devem ser entendidos tão somente como ideais abstratos de sociedade. Não são indicações concretas dos meios necessários para melhorar o padrão de vida dos indivíduos reais ou de como reduzir desigualdades de renda. Em pleno século 21, o que importa investigar é qual o melhor caminho para romper “relações de produção” peremptas a fim de liberar as “forças produtivas”. No Brasil, parece-me fora de dúvida que isso significa quebrar de vez a tradição patrimonialista, irmã siamesa da corrupção, e instaurar uma verdadeira economia de mercado.

* Bolívar Lamounier é cientista político, é socio-diretor da Augurium Consultoria e autor do livro ‘Liberais e antiliberais: a luta ideológica de nosso tempo’ (Companhia das Letras, 2016)

 


Merval Pereira: Temas controversos

Como a decisão deve sair no dia 28 de janeiro, o recurso em caso de condenação ficará para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e não ao STF, como se especula. O ministro Felix Fischer é prevento (juiz natural) para todos os habeas corpus da Operação Lava-Jato no colegiado e caberá a ele a decisão liminar, pois dificilmente os trâmites estarão findos antes do fim do recesso, no dia 31 de janeiro.

Portanto, a especulação sobre o que faria a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, caso um habeas corpus em favor de Lula chegasse durante o recesso, é inútil, pois isso não acontecerá. Se o caso for ao STF será com o tribunal funcionando normalmente, e a decisão liminar será do ministro Edson Fachin.

A ministra Cármen Lúcia só participará da decisão se o caso chegar ao STF a partir de setembro, quando deixar a presidência do Supremo e passar a integrar a Segunda Turma no lugar de Dias Toffoli, que assumirá a presidência da Corte.

Em relação ao STJ, o habeas corpus em favor do ex-presidente tem toda chance de ser vitorioso devido à jurisprudência estabelecida naquela Corte de que a prisão só poderá ser decretada uma vez esgotada a instância recursal ordinária, não havendo, portanto, que se falar em início da execução provisória da pena na pendência de embargos de declaração ou embargos infringentes.

Se o ex-presidente Lula for condenado por unanimidade dos desembargadores da Turma que julga os casos da Lava-Jato no TRF-4, só terá direito a embargos de declaração, que servirão apenas para ganhar tempo, pois não têm o poder de alterar a sentença. Caso haja um voto discordante na Turma, a defesa de Lula terá direito também aos embargos infringentes, que são julgados por uma Turma maior de juízes, e pode alterar o resultado.

Caso o STJ negue o habeas corpus, a defesa do condenado pode recorrer à Turma do próprio Tribunal e depois ao STF. A questão da prisão em segunda instância ainda é controversa. O ministro Gilmar Mendes deu seu parecer sobre a situação legal de Lula em entrevista ontem: Lula será preso? “O juiz [de segunda instância] pode determinar a prisão, mas isso não quer dizer que seja em caráter imperativo. Na prática, já ocorreu isso, inclusive em casos da Lava-Jato. No STF, já mantivemos [a prisão] em alguns casos, em outros não. Isso será algo que entrará em discussão [no Supremo] ano que vem.”

Gilmar Mendes se refere a uma possível revisão da decisão do Supremo sobre a possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado. Como o placar foi de 6 a 5, e ele já anunciou que vai mudar o voto, é possível que quando o tema voltar à pauta a decisão do STF mude.

Já outros juristas, e mesmo ministros do Supremo, consideram que a prisão em segunda instância “é consequência necessária”, como define o ministro Luís Roberto Barroso. “Se não, você permite discricionariedade e seletividade em quem vai preso. A regra vale para todo mundo. Porém, se o Tribunal, em cautelar ou em habeas corpus, achar que é muito grande a probabilidade de reversão da decisão, pode sustar a prisão”, explica Barroso.

Por esse entendimento, segundo o jurista José Paulo Cavalcanti, ex-ministro da Justiça, a prisão na decisão de primeira instância não se dá porque o recurso do réu tem efeito devolutivo, isto é, leva ao Tribunal o reexame da sentença e suspende os efeitos da sentença até seu reexame (suspensivo).

Pode até se dar, esclarece José Paulo, mas não em decorrência da sentença. “Por alguma prisão preventiva, à margem da sentença de primeira instância: constranger testemunha, destruição de provas”. Já na decisão de segunda instância, proferida por Tribunal, os recursos cabíveis (Especial e Extraordinário), perante STJ e STF, têm só efeito devolutivo, não suspendem a sentença, que deve ser cumprida. Ela se dá por não haver, como na primeira instância, o efeito de suspensão da sentença. Não obstante, por vezes, os tribunais superiores concedem habeas corpus.

Com relação à inelegibilidade ao ser condenado por um colegiado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, é taxativo: “Se for condenado em segunda instância, pela Lei da Ficha Limpa, fica inelegível.”

Mas há um debate a ser feito pela defesa de Lula, que pode recorrer da inelegibilidade quando a candidatura for rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas isso só acontecerá a partir de 20 de julho, quando os partidos estarão liberados pera fazer suas convenções e escolher oficialmente seus candidatos. Até lá o ex-presidente poderá continuar sua campanha pelo país sem ser oficialmente candidato.

 


Ruy Fabiano: As tramas do ano novo

O embate entre justiça e impunidade, que marcou o ano que se encerra, terá continuidade em 2018. A investida contra a Lava Jato, tramada nos bastidores dos três Poderes – e cumprida com esmero pelo STF -, terá sua prova de fogo no próximo dia 24, quando o TRF-4, de Porto Alegre, reverá a sentença que condenou Lula.

A expectativa é de que a confirme, podendo inclusive agravá-la. Ciente disso, o PT oferece antecipadamente sua contrapartida: ocupar Porto Alegre e, nas palavras de Lula e José Dirceu, “tocar fogo no país”. Resta saber se haverá povo, entidade que há algum tempo parece ter migrado do partido.

Mas não há dúvida de que os petistas têm expertise em matéria de bagunça e provocação, além de militância armada para materializá-la: MST, MTST, CUT etc. Vejamos o que acontece.

Confirmada a condenação, Lula pode ser preso. Vai depender de Sérgio Moro, responsável pela sentença inicial. Não se sabe se a decretará. Há aí um peso simbólico, que a recomenda, mesmo sabendo-se com antecedência que o STF o soltará.

A ministra Carmem Lúcia já antecipou que, havendo pedido de habeas corpus - e não há dúvida de que haverá -, irá atendê-lo. Afinal, foi Lula que a nomeou para o STF, tendo sido distinguido com um convite à sua posse na presidência da Corte, há dois anos.

Foi a primeira vez que um réu (na ocasião, já penta réu) foi alvo de tal distinção por parte de um magistrado. Réu, num tribunal, comparece para ouvir sentença, não discurso de posse.

Sendo ou não sendo preso, Lula perderá a condição de “ficha limpa” e estará impossibilitado de concorrer às eleições de outubro.

Ainda que seus advogados se valham do cipoal de recursos que a lei processual oferece – e não há dúvidas quanto a isso -, é improvável que um condenado, com sentença confirmada por um colegiado, e ainda réu em mais seis processos por corrupção, tenha condições de postular o mais alto cargo da República.

O Brasil é criativo, surpreendente, mas jamais elegeu alguém em tais condições. Aliás, ninguém, em tais condições, jamais ousou tal absurdo, embora os tempos sejam de absoluto ineditismo.

Na Presidência, Lula poderia indultar-se a si próprio e, por via indireta, condenar o juiz. Parece disparate – e é -, mas de certa forma, mesmo sem ter chegado lá, é o que já ocorre. Investe-se contra Sérgio Moro e a Lava Jato, odiado por parte do STF e do Congresso, e busca-se uma saída para Lula.

O detalhe é que os que assim agem subestimam a opinião pública, hoje atuante nas redes sociais, onde vídeos de Lula, dizendo os maiores disparates, viralizam. Lula hoje está no mais baixo estágio de sua popularidade. Sabe que as pesquisas que o mostram como favorito não têm qualquer consistência, meras peças de ficção.

A pesquisa concreta é a que o impede de circular nas ruas, restaurantes e aeroportos, onde é hostilizado e carece de segurança.

O único fenômeno de popularidade política, neste momento, goste-se ou não, é o que cerca o pré-candidato Jair Bolsonaro, sem partido, sindicato, prefeitura ou governo, aclamado onde chega.

Sua plataforma resume-se a dois itens principais: segurança e moralidade. Também aí a campanha eleitoral mostrará o que nela há de consistente. Bolsonaro favorece-se do fato de que, até aqui, todos os seus oponentes já estão na terceira idade da política. Ele é o outsider, embora esteja no ramo há seis mandatos.

Em 2018, o ano começa antes do carnaval, com Lula mais uma vez no banco dos réus. O Congresso reabre em fevereiro e retoma sua pauta defensiva, que busca melar a Lava Jato.

A ausência de manifestações de rua encoraja os infratores a ousar as mais descaradas propostas, no sentido de manter a impunidade. Sabem que contam com a leniência do Executivo, cujo chefe, o presidente Temer, padece dos mesmos males de seus colegas parlamentares, e a colaboração ostensiva do STF. A Procuradoria Geral da República é ainda uma incógnita.

Sem povo, tudo é possível.

* Ruy Fabiano é jornalista

 


Merval Pereira: O fator Bolsonaro

Na análise da maioria dos políticos e dos comentaristas, em que me incluo, a provável saída da disputa presidencial do ex-presidente Lula em decorrência da Lei da Ficha Limpa, devido à condenação em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), vai afetar diretamente a candidatura do deputado Jair Bolsonaro, que se mantém há meses em segundo lugar nas pesquisas eleitorais.

Isso porque o apelo de Bolsonaro junto ao eleitorado seria muito mais o de anti-Lula, a radicalização de um incentivando a do outro, polarizando a disputa entre os extremos, Lula pela esquerda, Bolsonaro pela direita. Além de reviver uma divisão para muitos superada na teoria política, a de direita e esquerda, as pesquisas demonstram ser anacrônica não apenas na teoria, mas na realidade, quando se analisa o eleitorado de um e outro.

A começar pelo fato de que uma parte dos eleitores de Lula se diz hoje disposta a ir para Bolsonaro, e viceversa. Nas simulações em que Lula não aparece, 6% dos seus apoiadores afirmam que escolheriam o deputado federal Jair Bolsonaro. No sentido oposto, a mudança é ainda maior: até 13% dos eleitores que votariam no parlamentar responderam que poderiam apoiar o petista. É o voto Bolsolula, ou Lulanaro.

Mas o perfil dos eleitores é diverso. A distribuição regional do eleitorado de Bolsonaro mostra que ele não é um fenômeno restrito ao Sudeste. Com exceção do Nordeste, onde Lula domina e ele tem apenas 10%, o deputado tem um patamar de 15% a 17% nas outras quatro regiões.

Popular nas redes sociais, Bolsonaro pontua melhor entre os jovens. No cenário em que tem 15% no conjunto de eleitores, atinge 20% no grupo dos que têm entre 16 e 24 anos, sua melhor faixa etária. Segundo o Datafolha, sua popularidade decresce gradualmente conforme aumenta a idade do eleitor, até chegar a 7% de intenção de voto quando considerado apenas o grupo com 60 anos ou mais.

Bolsonaro tem 60% de eleitores até 34 anos, 30% têm menos de 24 anos. O percentual é significativo quando comparado com a atração ao público jovem de seus principais concorrentes: 45% dos que disseram votar em Lula têm menos de 34 anos. Entre os que preferiram Marina, 49% estão nessa faixa etária.

A atuação nas redes sociais é a explicação mais provável. Bolsonaro tem no Facebook 4,7 milhões de seguidores. Entre seus adversários na corrida presidencial, Lula tem 3 milhões, João Doria, 2,9 milhões. Marina tem 2,3 milhões. Levantamento do Ibope mostra que 68% dos eleitores brasileiros têm acesso frequente à internet, mas entre os eleitores que preferem Bolsonaro o índice é muito maior, chega a 90%.

Assim como aconteceu com Trump nos Estrados Unidos, o eleitor de Bolsonaro relativiza suas declarações polêmicas, ou mesmo em parte gosta delas, como uma maneira de confrontar os políticos tradicionais, embora Bolsonaro esteja em seu sétimo mandato parlamentar.

Como aconteceu com Trump, que não sofreu grandes abalos durante a campanha mesmo quando um vídeo o mostrou na própria voz gabando-se de avanços sexuais explícitos, também Bolsonaro não se abala, mesmo condenado, quando surge declarando que não “estupraria” a deputada petista Maria do Rosário porque ela “não merecia". Prevalece a argumentação de que foi provocado. Seus eleitores alegam que as declarações estavam fora de contexto e que há perseguição por parte de movimentos de esquerda e de grupos feministas e LGBT.

Segundo a análise presente entre seus assessores e apoiadores, Bolsonaro representaria um pensamento conservador típico do “cidadão de bem" brasileiro, que seria religioso, pai ou mãe de família que quer criar seus filhos em paz e em segurança, que é simples, mas honesto, que não concorda com os exageros do politicamente correto, com a liberdade exagerada nos costumes, que não suporta mais a violência desenfreada e a impunidade e que está pouco se lixando se o governo é civil, militar, de esquerda ou de direita, desde que seja honesto e que impeça a bagunça em que o país está.

Na minha opinião, estão completamente equivocados na escolha de quem os representa. De qualquer maneira, dada a resiliência de seu apoio até o momento, talvez seus adversários devessem prestar mais atenção à motivação de seus eleitores, que em boa parte podem estar nessa posição por falta de um candidato de centro-direita que os represente.

 


Alon Feuerwerker: O estado e as variáveis da corrida presidencial na virada de um ano animado para outro que promete

O que esperar e observar daqui até a eleição?

Oposição de esquerda. A variável decisiva será mesmo Lula. O ex-presidente atingiu por enquanto um objetivo: manter a autoridade absoluta no seu campo político. Os petardos da Justiça e da imprensa sobre ele e o PT, não necessariamente nesta ordem, poderiam ter enfraquecido a hegemonia sobre o conjunto da esquerda. Não aconteceu.

Há aqui e ali ensaios de alternativa. Mas não mostram por enquanto força para desafiar a ordem unida do chefe da tribo. Parecem mais movimentos para se fazerem ouvir por Lula e pelo PT, não polos reais de contestação à liderança tradicional. Se o PT não se complicar, os alternativos certa hora serão bem pressionados a caminhar com a formação principal.

A tática petista para enfrentar a quase certa inelegibilidade de Lula é inteligente, ou a única possível: levar a candidatura às últimas consequências e transformar os processos contra o ex-presidente em fatos 100% da política, terreno bem mais fácil para Lula defender-se. Mas a tática embute um risco importante. Os prazos podem conspirar contra o plano.

Um partido só pode trocar de candidato ao Executivo a até vinte dias da eleição. Se a impugnação definitiva de Lula vier antes, ele possivelmente indicará um substituto no PT. Mas, e se for depois? Lula e o partido ficarão espremidos entre boicotar e eleição ou apoiar um nome das legendas que estiverem na disputa. Ou substituir antes de a Justiça decidir. Complicado.

Se não será simples resolver, menos ainda executar. Outro fator é que se Lula for recondenado pelo TRF-4 e impugnado é provável que aumentem as pressões para tirá-lo não apenas da eleição mas também de circulação. Impedi-lo de fazer campanha e articular por um eventual substituto. Especialmente se as pesquisas futuras confirmarem as atuais sobre transferência.

Situação e novos. No estoque de votos não lulistas e fora da esquerda clássica, as variáveis a monitorar serão 1) a convergência ou não entre PSDB e PMDB/governo, 2) a resiliência de Bolsonaro, 3) o potencial de crescimento de Marina e Álvaro Dias, 4) as incógnitas, como João Amoêdo. O cenário projeta que aqui a pulverização deve permanecer até pelo menos agosto.

Ainda é cedo para dizer que o governo entrou em trajetória de recuperação de imagem, mas se as próximas pesquisas confirmarem vai esquentar a disputa para ver quem será o candidato oficial, mesmo com Temer amargando más avaliações. A narrativa de manter a reanimação da economia e evitar a volta do PT seria competitiva tanto num como noutro turno.

O risco principal para Lula e os dele é o campo governista aparecer com um novo no velho, um nome leve mas montado em ampla aliança de partidos e contando com o apoio de um governo que já não esteja em situação desastrosa. A vida do PT também complica se tucanos e peemedebistas convergirem. Mais ainda se for em torno do tal nome leve. Mas não está fácil.

Sobre os novos sem máquina, têm como fazer alguma colheita na forte rejeição à política e aos políticos. E devem contar com a ajuda talvez involuntária, mas objetiva, de novos e espetaculares fatos na esfera policial-judicial. Entretanto, além de lhes faltar apoio político estruturado, enfrentam ainda outra barreira: a aparente resiliência de Bolsonaro. Ele durará?

Todas as projeções apostam na economia rodando acima de 3% ao ano na eleição. Mesmo que não leve às nuvens um candidato do governismo, isso enfraqueceria o apelo para mudanças radicais, tanto pelo PT como pelo novo. O desejo de continuidade é diretamente proporcional ao risco de perda. Foi assim que o PT ganhou as últimas eleições.

E tem o imprevisível. Como já se disse aqui algumas vezes, uma característica do imprevisível é a dificuldade de prever quando ou como vem. Mas é sempre bom contar com ele na hora de fazer projeções.

*

Se tudo correr conforme o roteiro, esta análise de conjuntura volta quando o processo eleitoral for precipitado pelo julgamento do recurso de Lula no TRF-4. Ou antes, se algum fato exigir.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação