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Luiz Carlos Azedo: O truco de Lula

Os advogados de Lula vão requerer o registro da sua candidatura com o argumento de que sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) não chegou à última instância

O registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a presidente da República, previsto para hoje, com direito à marcha do MST, é uma jogada de marketing eleitoral com poder de tornar ainda mais tenso e confuso o quadro político e tumultuar as eleições deste ano. Lula está preso em Curitiba, condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime frechado, e pela Lei da Ficha Limpa não pode ser candidato. Ao registrar sua candidatura, força a barra para criar um fato consumado e embaralhar as cartas da eleição, mantendo-se na mídia e tensionando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Joga no colo da ministra Rosa Weber, que ontem assumiu a presidência da Corte, a responsabilidade de rejeitar o registro da candidatura de pronto ou dar início a um processo de julgamento de sua inelegibilidade, que lhe permitiria disputar as eleições sub judice.

Rosa Weber faz parte do grupo de ministros “garantistas” do Supremo Tribunal Federal (STF). Doutrinariamente, não concorda com a execução imediata das penas após condenação em segunda instância, jurisprudência firmada pelo Supremo em três decisões sobre o tema. Entretanto, tem afirmado que não é favorável a uma mudança de entendimento sobre a questão em pleno processo eleitoral, pois geraria mais insegurança jurídica, e tomado decisões com base nessa jurisprudência. Sob esse aspecto, critica as chicanas feitas por advogados em nome do chamado “transitado em julgado”. Segundo a nova presidente do TSE, “o princípio da presunção de inocência, apesar de cardeal no processo penal, não pode ser compreendido como um véu que cobre a realidade e imobiliza a ação humana”.

Os advogados de Lula vão requerer o registro da candidatura com o argumento de que sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) não chegou à última instância. Rosa Weber, porém, defende a lei da Ficha Limpa e advoga a tese, no próprio TSE, de que os recursos cabíveis à condenação “não comportam, como regra, efeito suspensivo”. A mesma interpretação rígida em relação à ficha limpa, porém, é adotada pela ministra em relação aos ritos processuais. A presidente do Supremo pode não querer rejeitar de pronto o registro da candidatura e levar a decisão ao plenário da Corte, o que permite pedidos de vista. Nesse caso, a defesa de Lula se aproveitará do julgamento para manter a candidatura e Lula em campanha eleitoral, mesmo em cana. Truco!

Para isso, não pretendem apresentar a certidão de antecedentes criminais de Lula, que seria motivo para rejeição imediata do registro. Alegam que a legislação eleitoral exige que a certidão seja do estado no qual o candidato tem domicílio eleitoral, ou seja, São Paulo. Lula foi condenado em Curitiba e Porto Alegre. É óbvio que isso é uma grosseira chicana dos advogados, para ganhar tempo e forçar a abertura de um processo para julgar a inelegibilidade de Lula, com ele na disputa. Parece até piada, mas não é. Lula e o PT têm uma visão diferente sobre o processo pelo qual foi condenado, o caso do tríplex de Guarujá. O petista se diz inocente, diz que foi condenado sem provas, se intitula um preso político e denuncia seus julgadores, acusando-os de golpistas. Ontem mesmo, em artigo no New York Times, reitera o argumento de que está preso só porque venceria as eleições.

Supremo

As disputas entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à Operação Lava-Jato acabam servindo de pano de fundo para as manobras dos advogados de Lula. A Segunda Turma do STF decidiu retirar da alçada do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, trechos das delações premiadas que executivos da Odebrecht se referiram ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As delações estavam originalmente no STF, porém, em abril do ano passado, o relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, enviou os depoimentos a Moro. As defesas de Lula e de Mantega recorreram da decisão. Os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes discordaram de Fachin, que manteve seu voto. Celso de Mello, que também compõe a Segunda Turma, não participou da sessão.

A maioria da Segunda Turma, conhecida como Jardim do Éden, tem votado sistematicamente contra o relator da Lava-Jato. Agora, parte dos depoimentos será transferida para a Justiça Federal em Brasília. Para a maioria dos ministros, o caso tem correlação com investigação já aberta na capital federal. Nos depoimentos retirados de Moro, o empresário Emílio Odebrecht descreveu o relacionamento mantido com Lula desde sua campanha. Pedro Novis, ex-executivo da empresa, relata o relacionamento do grupo empresarial com os ex-presidentes Lula e Dilma. Também foram retirados os depoimentos que narram como os pagamentos teriam sido feitos ao governo Lula e o funcionamento das planilhas “Italiano” e “Pós-italiano”, em suposta referência a Antônio Palocci e Guido Mantega. Em outro recurso, foram retiradas as delações da Odebrecht sobre o financiamento de campanhas eleitorais em 2014, em Angola, República Dominicana, Panamá, El Salvador e Brasil.

 


Celso Rocha de Barros: Um domingo para esquecer

Circo de soltura de Lula mostra como a eleição capturou as instituições

Na história das instituições brasileiras, foi um domingo para esquecer. Como costuma acontecer, quanto mais a política brasileira se judicializa, menos peso têm os argumentos jurídicos e mais politizadas se tornam as cortes.

O argumento do desembargador Favreto para soltar Lula era muito ruim: o fato novo que justificaria a soltura seria o lançamento da pré-candidatura do ex-presidente.

Você pode achar que Lula é inocente, mas não que esse argumento para soltá-lo ultrapassa o sarrafo do digno de ser levado em conta.

Além disso, em um ambiente institucional mais sólido, o próprio desembargador Favreto teria se declarado inabilitado para julgar, por ter trabalhado na Casa Civil durante o governo do PT.

O Brasil, infelizmente, não tem esse ambiente institucional sólido: Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes não se declaram inabilitados quando julgam o PSDB ou o MDB.

Mas depois que Favreto tomou sua decisão, o juiz Sergio Moro devia tê-la respeitado.

Havia canais jurídicos adequados para contestar a decisão de Favreto, e, mesmo se Lula fosse solto, poderia ser preso de novo muito rápido, sem a esculhambação deste domingo. Moro errou.

E aí começou o circo. Favreto reiterou sua decisão, o desembargador relator da Lava Jato reverteu sua decisão, Favreto voltou à carga. Nesse meio tempo tinha gente querendo punir Favreto no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tinha petista querendo prender Moro por desacato à autoridade, e fomos assim até de noite.

No momento em que escrevo esta coluna, Lula ainda está preso, e a polícia, veja que beleza, não sabe que ordem judicial deve cumprir.

E o triste foi isso ter tido importância.

Em nenhum momento deste domingo houve a chance real de que Lula fosse solto por mais do que alguns dias, e o próprio ex-presidente sabia disso.

Mesmo assim, o PT conseguiu marcar pontos em sua guerra de atrito de longo prazo contra Sergio Moro.

Depois que contestou a decisão de Favreto, ficou mais difícil argumentar que Moro trata o caso de Lula como trataria qualquer outro.

Era isso que a defesa de Lula queria, mas as perspectivas políticas da esquerda não deveriam depender desse tipo de coisa.

E se a Lava Jato depende tanto assim de não deixar Lula solto apenas por algumas horas, é porque ela está batendo em retirada.

Se a operação aceitar o discurso de que Lula era o chefe do esquema, que o importante mesmo era prender o chefe, e que o fundamental era isso, terá declarado sua rendição diante dos políticos conservadores que a têm sistematicamente derrotado desde que Michel Temer tomou posse.

Se a Lava Jato aceitar correr para o abraço dos antilulistas, precisa saber que isso é correr da briga real que tem diante de si.

A soltura de Lula não deveria ter sido decidida no plantão; já que foi, Moro deveria ter deixado que a decisão fosse cumprida e, hoje ou nos próximos dias, seguido os procedimentos para mandá-lo de volta à prisão nos termos da lei.

A questão “Lula deve ser solto até que acabe o plantão de Favreto?” não deveria ser de vida ou morte para ninguém.

Que o circo deste domingo tenha sido montado mostra o quanto as instituições brasileiras estão inteiramente capturadas pela atual disputa eleitoral.

E tudo isso poderia ter sido evitado se o sistema político brasileiro já tivesse produzido candidatos capazes de não levar uma surra de um sujeito que está preso.

*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


O Globo: Guerra de vereditos sobre habeas corpus de Lula reflete divisão do STF

Decisões individuais mostram tendência perigosa na Justiça, dizem especialistas

Por Dimitrius Dantas e Jussara Soares, de O Globo

SÃO PAULO — Um dia inteiro de idas e vindas sobre a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva é o reflexo de meses de indecisão da mais alta Corte do país. É esse o diagnóstico que juristas fizeram da confusão entre os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e que resultou em cinco decisões durante o domingo, ora soltando, ora prendendo Lula.

— O que foi o bate-boca entre Gilmar (Mendes) e (Luís Roberto) Barroso? O Gebran (Neto), o (Sergio) Moro e o (Rogério) Favreto estão duelando por escrito de maneira parecida — afirmou o jurista Davi Tangerino, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

Desde a decisão da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, de não colocar em pauta a rediscussão da prisão em segunda instância, passando pela recente posição da maioria da 2ª Turma do tribunal, que colocou em liberdade o ex-ministro José Dirceu, os juristas acreditam que a cizânia entre os integrantes da Corte agora se reflete em instâncias inferiores e confirma uma imagem de enfraquecimento do Poder Judiciário.

— Mostra uma fragilidade do sistema judiciário brasileiro porque demonstra a força das vontades individuais dos magistrados em contraste com as decisões coletivas — afirmou o constitucionalista Marcelo Figueiredo, da FGV-SP.

Curitiba
A sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Porto AlegreDeputados pediram liberdade de Lula 30 minutos após início do plantão de desembargador
Especialista em direito constitucional, o advogado Dircêo Torrecillas Ramos avalia que a guerra protagonizada ontem pelo TRF-4 é reflexo também das decisões tomadas no STF:

— Estamos assistindo hoje a uma confusão, que é um reflexo da insegurança jurídica que vemos entre as decisões dos ministros do Supremo, cada um tomando decisões a partir de uma livre interpretação. Temos princípios gerais do Direito que devem ser seguidos.

SEM FATO NOVO

A primeira das cinco decisões, soltando o ex-presidente, foi do desembargador plantonista Rogério Favreto, divulgada às 9h. Para os criminalistas ouvidos por O GLOBO, o despacho foi diferente e pouco usual, mas não necessariamente ilegal. Todos, no entanto, discordaram dos argumentos propostos pelo magistrado.

Segundo eles, a decisão de Favreto baseou-se no fato de que o ex-presidente Lula se colocou como pré-candidato à Presidência da República e, preso, estaria impedido de fazer sua campanha como seus concorrentes. Essa diferença, disse o desembargador plantonista, inviabilizaria a isonomia do processo eleitoral.

Para os juristas, no entanto, Lula já havia demonstrado interesse em se candidatar muito antes de sua prisão, desde abril de 2016, data da deflagração da 24ª fase da Lava-Jato. O advogado criminalista Luís Gustavo Veneziani afirma que o desembargador Rogério Favreto não deveria nem mesmo ter analisado o pedido de habeas corpus. Os juristas citaram que uma nova condição de saúde ou o surgimento de um novo depoimento poderiam ser um fato novo no caso.

— Dizer que o Lula é pré-candidato não é um fato novo. Logo, não há justificativa para que a matéria fosse apreciada em um plantão. Ele (Favreto) não teria competência para avaliar o pedido. Isso foge do que está previsto no Código de Processo Penal — analisou.

Por outro lado, Veneziani não vê erro na atuação de Sergio Moro, que se manifestou de forma contrária à decisão do desembargador. E acredita que o magistrado agiu para evitar um “prejuízo maior no caso.”

— Diante da excepcionalidade, Moro, como juiz natural do caso, se manifestou ao relator, aparentemente, para evitar um prejuízo maior, mas não vejo nisso uma ilegalidade. É uma situação inusual — diz o criminalista.

Para Davi Tangerino, contudo, mesmo que tenha sido citado como parte coatora no pedido de habeas corpus, o juiz Sergio Moro não deveria ter se pronunciado sobre o caso. Segundo o criminalista, a participação de Moro no processo reforçou a impressão de que a situação deixou de ser analisada sob a lógica da legislação e passou a levar em conta o caso em específico.

— A utilidade jurídica não parece ser mais o importante. Tem muita briga de ego. Quando os egos estão sobrepostos ao Direito, o resultado não é bom porque o caso virou menos importante — afirmou Tangerino.

 


Congresso Em Foco: Promotores e procuradores levam desembargador que mandou soltar Lula ao CNJ

Decisão de Favreto abriu batalha no Judiciário

Um grupo de 103 integrantes de ministérios públicos estaduais e do Ministério Público Federal (MPF) entrou com pedido de providências no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Para os promotores e procuradores, a decisão de Favreto de libertar o ex-presidente Lula “viola flagrantemente o princípio da colegialidade, e, por conseguinte, a ordem jurídica e o Estado Democrático de Direito”.

O habeas corpus concedido por Favreto foi derrubado pelo presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, ainda nesse domingo. Lula está preso desde 7 de abril em Curitiba.

Promotores e procuradores alegam que o desembargador plantonista é “incompetente para revogar decisão de um colegiado” e que a condição de Lula como pré-candidato à Presidência, ao contrário do considerado pelo magistrado, não é fato novo.

Argumentam, ainda, que o próprio CNJ já regulamentou que o plantão do Judiciário não se destina à apreciação de pedido já analisado no órgão judicial de origem ou em plantão anterior. Para integrantes do Ministério Público, Favreto incorre em “ativismo judicial pernicioso e arbitrário”.

“O dever de estabilidade está conectado ao dever de respeito aos precedentes já firmados e à obrigatoriedade de justificação/fundamentação plausível para comprovar a distinção da decisão, sob pena de flagrante violação da ordem jurídica. A quebra da unidade do direito, sem a adequada fundamentação, redunda em ativismo judicial pernicioso e arbitrário, principalmente quando desembargadores e/ou ministros vencidos ou em plantão, não aplicam as decisões firmadas por Órgão Colegiado do Tribunal”, diz a petição.

 


Míriam Leitão: O passo seguinte

Com a iminente prisão do ex-presidente Lula fica mais dramático o dilema em que o país está. Há uma jurisprudência que está levando Lula à prisão, mas que depois pode vir a ser alterada. Líderes de outros partidos também enfrentam processos. Neste caso, como ficará o país, as leis e a Justiça se na hora dos outros estiver em vigor entendimento diferente?

Esse dilema fortalece a manutenção da prisão após a segunda instância e não o contrário. A jurisprudência atual deve ser mantida não para resolver esse impasse criado pelas circunstâncias difíceis vividas pelo país. O principal motivo de se confirmar a segunda instância é que essa é a forma de lutar contra a longa história de impunidade e desigualdade judicial do país. Isso ficou claro na pesada sessão do STF. Os dois lados no Supremo esgrimaram durante 11 horas. Mas foram mais convincentes os que defendiam a manutenção da regra de que a pena se cumpre após as duas instâncias que julgam o mérito, analisam as provas e a autoria do crime. A primeira e a segunda instâncias são as únicas que têm “cognição plena de matéria jurídica e fática”, como disse o ministro Alexandre de Moraes. Os outros níveis da Justiça discutirão pontos específicos e questões processuais.

As estatísticas apresentadas pelo ministro Luís Roberto Barroso são impressionantes. Preparadas pela Assessoria de Gestão Estratégica, mostram que de janeiro de 2009 a meados de 2016 foram apresentados 25.707 recursos extraordinários ou agravos. Foram acolhidos apenas 2,93%, e só 1,12% foram a favor do réu. Houve somente 9 absolvições, ou 0,035%. A Coordenadoria de Gestão de Informação do STJ informou que, de setembro de 2015 a agosto de 2017, foram 68.944 recursos interpostos. Apenas 0,62% obtiveram absolvição. “Não se pode moldar o sistema em função da exceção”, concluiu o ministro. Os números e os fatos lhe dão razão.

Os que têm a visão de que só esgotados todos os recursos é que se pode iniciar o cumprimento da pena não conseguem responder a várias questões. Como evitar as inúmeras manobras protelatórias? Como ignorar a realidade brasileira, em que a tramitação é lenta, em que os tribunais superiores não conseguem entregar com agilidade suas decisões? Como evitar que os que conseguem bons advogados possam dilatar o tempo do cumprimento da pena ao ponto da prescrição? Em que país a visão de presunção de inocência é assim tão fundamentalista? O ministro Celso de Mello falou em Itália e Portugal. Parecem exceções em um vasto número de países que têm outro entendimento.

Números, fatos e, principalmente, a realidade brasileira mostram que fazem mais sentido os argumentos pelo início da execução da pena após o encerramento do julgamento de segundo grau. Não é razoável o tempo de anos entre o crime e o início do cumprimento da condenação. A tese de que há no Brasil uma “onda de punitivismo” não se sustenta minimamente. O que existe no Brasil é a impunidade dos que são mais fortes. Sempre foi assim.

Mas o que está claro é que essa regra de prender após a condenação em segundo grau pode ser mudada em breve. Quando? Não se sabe. Mas se for alterada em curto prazo, Lula terá vivido o constrangimento do qual outros podem ser poupados. Quando estiver em pauta, a ministra Rosa Weber estará de novo, involuntariamente, nos holofotes. Ela deixou no ar que pode voltar ao seu entendimento se a questão de fundo for apreciada. Enquanto não for oficialmente mudada, ela continuará negando os habeas corpus.

Então, no país das divisões, haverá mais uma: a dos que foram julgados e, eventualmente, presos, no entendimento de 2016, e os que podem vir a ser beneficiados se o STF restabelecer a jurisprudência que vigorou por apenas sete anos no país, entre 2009 e 2016.

O ex-presidente Lula está no primeiro grupo e sua cela já foi preparada. Onde estarão os outros políticos que futuramente podem ser condenados? Onde estará, por exemplo, o senador Aécio Neves, que foi alvo de denúncia da Procuradoria-Geral da República por ter pedido R$ 2 milhões a Joesley Batista, em conversa gravada pelo próprio empresário? São inúmeros os casos. É grave o momento que o país vive. Não pode haver uma jurisprudência presente, e outra ameaçando o futuro.


Eliane Cantanhêde: Corretivo no elemento?

Eleição ou guerra? Socos em repórteres, ovos e pedras, a ameaça de cadáveres...

O ex-presidente Lula saiu da sua zona de conforto e foi se meter na Região Sul, onde a recepção à sua caravana tem sido bastante diferente da que encontrou no Nordeste. Pedras, ovos, gritos e estradas bloqueadas estão mostrando não só a irritação contra Lula e o PT, mas também o grau de radicalização da campanha, que tende a piorar.
Soou estranho, até uma provocação, Lula sair em caravana no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina justamente quando o TRF-4, de Porto Alegre, estaria confirmando a sua condenação a 12 anos e 1 mês. Primeiro, porque ele se pôs perigosamente próximo ao palco da decisão. Segundo, porque o Sul é refratário a Lula – e não é de hoje. Terceiro, porque a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que está na primeira fila das ações no STF, é do Paraná.
Rejeite-se qualquer tipo de violência e agressividade contra candidatos, que pode ir num crescendo e acabar virando uma nova modalidade de guerra de torcidas que, nos estádios, já coleciona feridos e mortos. Se Lula sobe no palanque antes da hora (e a Justiça Eleitoral não vê nada de mais), deixa o homem falar. Ouve quem quer.
Feita a ressalva, preocupa também a reação de Lula, que não poupa ameaças de revide e, em São Miguel do Oeste (SC), recorreu a uma expressão nada democrática ao atiçar a polícia para entrar na casa de um manifestante e “dar um corretivo” nele. Como assim? Invadir a casa do cidadão? Dar um corretivo? Lula quer que a PM encha o “elemento” de pancada?
Pela força, simbologia e significado, vale a pena transcrever a fala do ex-presidente, que, um dia, décadas atrás, já foi alvo da polícia por defender a democracia e os direitos dos trabalhadores: “Tem um canalha esperando que a gente vá lá e dê uma surra nele. A gente não vai fazer isso. Eu espero que a PM tenha a responsabilidade de entrar naquela casa, pegar esse canalha e dar um corretivo nele”.
Os petistas e seus satélites nunca jogaram ovo em ninguém? Nunca atiraram pedra em protestos contra adversários? E Lula nunca ameaçou convocar o “exército do Stédile”, referindo-se a João Pedro Stédile, do MST? Então, é aquela velha história: pimenta nos olhos dos outros...
Se a campanha oficial nem começou e já chegamos à fase de ovadas e pedradas, o risco é a eleição sair do controle, estimulada pelo excesso de candidatos versus a falta de ideias e programas, pelos processos, condenações e salvos-condutos envolvendo um ex-presidente que é o líder das pesquisas.
Uma coisa não está clara, mesmo quando se lê o noticiário: quem são os que protestam contra Lula na Região Sul? Eles são vinculados a algum setor, igreja, movimento? E estavam ou não a serviço de uma outra candidatura e partido? Espontaneamente ou a soldo? Na versão de petistas, eles são da “extrema direita”. Apoiadores de Jair Bolsonaro, por exemplo?
Uma coisa é protesto contra mensalão, petrolão, triplex, sítio... Outra é o surgimento de milícias movidas a ideologia que querem confronto e pavor. Ainda mais depois de Gleisi dizer que, “para prender o Lula, vai ter que matar gente”.
Ela falou isso quando a condenação de Lula já conduzia à conclusão lógica – e jurídica – de que ele acabaria sendo efetivamente preso. Só não foi, frise-se, por um salvo-conduto do STF que contraria o próprio entendimento do STF autorizando a prisão após segunda instância.
Se um lado ameaça com cadáveres e esmurra repórteres, enquanto outro reage com ovos e pedras, será eleição ou guerra campal?
(In)coerência. Os indignados com O Mecanismo, de José Padilha, são os mesmos que aplaudiram a cadeira “O Golpe de 2016”, na UnB, uma universidade pública. É a história da pimenta, de novo...

Merval Pereira: Defesa autofágica

A defesa de Lula, disposta a explorar todas as brechas, está sendo autofágica. A defesa do ex-presidente Lula, disposta a explorar todas as brechas possíveis na legislação penal para levá-lo o mais longe possível no simulacro de candidatura à Presidência da República, está sendo autofágica. Está no seu pleno direito, mas é uma demonstração cabal de que quem pode pagar grandes advogados provavelmente jamais será preso no sistema antigo, quando se exigia o trânsito em julgado para alguém ir para a cadeia.

Mais uma demonstração, portanto, de que a jurisprudência que possibilita a prisão após condenação em segunda instância não deveria ser alterada se queremos uma Justiça eficaz. A postura do advogado José Roberto Batochio, que ontem compareceu ao julgamento do TRF-4 para verificar, segundo suas próprias palavras, que não seria expedida qualquer ordem de prisão contra o ex-presidente Lula, mostra bem a falta de cerimônia que tomou conta das velhas raposas jurídicas que assumiram a defesa do ex-presidente.

Ele já havia acusado no Supremo o juiz Sergio Moro, o próprio TRF-4 e o STJ de autoritários e criticado “juízes que legislam”, sem que fosse desautorizado. Segundo sua definição, Lula não pode ser considerado “ficha-suja” porque “o processo ainda não terminou, não houve o trânsito em julgado”. Anunciam-se assim os chamados “embargos dos embargos”, uma atitude protelatória que o TRF-4 recusa sistematicamente por ser uma manobra jurídica para adiar uma decisão que já está tomada. Os advogados terão 12 dias, a partir da publicação do acórdão, para entrar com recurso sobre os próprios embargos de declaração, alegando que ainda existem obscuridades.

A Lei da Ficha Limpa não fala em recursos, considerando que a segunda condenação é suficiente para impedir uma candidatura. Um de seus autores, Márlon Reis, que na época era juiz, diz que houve inclusão da possibilidade de recurso com prioridade através do artigo 26C da Lei das Inelegibilidades, a fim de que não alegassem que o direito a uma medida liminar para suspender os efeitos da lei fora retirado dos condenados.

O artigo foi escrito com a intenção de, ao mesmo tempo em que garante o direito ao recurso, não permitir ações protelatórias. Diz lá que o órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso (no caso de Lula, o Superior Tribunal de Justiça) poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

A lei prevê que “conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”. Mantida a condenação da qual derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo (incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010). Isso quer dizer que, quando os advogados de Lula entrarem com um recurso no STJ contra a decisão do TRF-4, terão também de pedir a suspensão da inelegibilidade. Se não o fizerem, para esperar até agosto, depois da convenção partidária, terão perdido o prazo para anular a inelegibilidade.

Prevalecendo essa interpretação, o STJ decidirá simultaneamente o recurso contra a condenação e, também, sobre a inelegibilidade de Lula, afastando a possibilidade de que o recurso se prolongue até as convenções partidárias, que começam a 20 de julho, para definir os candidatos.

Muito antes de 5 de agosto, data final, a situação de Lula deveria estar definida e, confirmada a sentença condenatória, seu nome não poderia nem mesmo ser apresentado na convenção do PT. É por isso que o ministro Luiz Fux quer tirar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma decisão que impeça a inscrição de candidatos já definidos como “ficha-suja” depois do recurso no STJ.

Mas há quem defenda que todos podem inscrever-se, cabendo ao TSE rejeitar as candidaturas que estiverem fora da lei. A defesa de Lula poderá entrar então com um recurso no STF, tentando a suspensão da inelegibilidade até que o recurso seja julgado. Se o Supremo conceder mais essa benesse a Lula, estará alterando pela segunda vez uma lei para beneficiar o ex-presidente da República.


Ruy Fabiano: A institucionalização do crime

Lula, PT e aliados, flagrados na prática de delitos, acusam e difamam juízes
Há uma conexão mais que simbólica entre o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), esta semana, no Rio, e o assédio implacável (e imoral) do PT ao Supremo Tribunal Federal, para garantir a impunidade de Lula. O elo é a institucionalização do crime.
Mais que organizado, está institucionalizado. Capturou o Estado brasileiro – e o Rio não é fato isolado, senão regra geral.
Esse é o fenômeno que marca – e desfigura – a política brasileira dos últimos anos, sobretudo após a Era PT (embora a preceda). A legislação penal foi sendo, ao longo das duas últimas décadas, gradual e continuamente abrandada, a ponto de se tornar uma garantia para o infrator – e um obstáculo a quem o combate.
E é essa retaguarda jurídica às avessas que dificulta (ou mesmo impede) a ação repressora à criminalidade.
O crime está no comando e age com desenvoltura – tanto em sua versão selvagem, que vitimou Marielle e seu motorista, como em sua versão engravatada, exposta pela Lava Jato.
Lula, PT e aliados, flagrados na prática de delitos, acusam e difamam juízes (os poucos que ousam enfrentá-los), desafiam a lei, ameaçam a ordem pública com suas milícias (o “exército do Stédile”), na certeza de que não serão molestados.
E não são: parte da Justiça se intimida e outra (mais restrita, mas mais influente) se alia à causa.
Até a ONU está sendo envolvida na manobra. Quarta-feira passada, 20 ONGs, brasileiras e estrangeiras, falando em nome do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, alertaram para o “risco” da exclusão de Lula das próximas eleições. Risco para quem? Para os juízes que cumpriram a lei? Não ficou claro.
Lula foi condenado por crimes comuns – lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ocultação de patrimônio – e é réu em mais seis processos equivalentes, um dos quais trata do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em 2002.
Mas as tais ONGs postulam para o ex-presidente o Código Eleitoral e não o Penal; deveria, segundo elas, ser julgado pelas urnas (que, a propósito, estão também sob suspeita).
A presidente do STF, Carmem Lúcia sofre assédio de colegas e ex-colegas para que revogue a jurisprudência da prisão em segundo grau, já confirmada por três vezes por aquela Corte.
Carmem se recusa a reabrir o tema para “não apequenar” a instituição. Mas quem está preocupado com isso? O crime institucionalizado quer resultados. Sentindo-se acuado – e o destino de Lula pode determinar o seu -, parte para o jogo bruto.
Há dias, um grupo de parlamentares petistas, sem autorização, invadiu o gabinete de Carmem Lúcia para pressioná-la a ceder. Como não cedeu, teve o troco: no site do partido, foi acusada de ter adquirido sua casa de um doleiro investigado. Jogo pesado.
Com a desenvoltura que adquiriu, o lobby do crime institucionalizado perdeu a compostura. Se age assim no tapetão, nas ruas há o adicional da pólvora, que impõe suas teses a bala.
A vereadora Marielle não foi a única vítima dos criminosos naquela quarta-feira; muitos outros, dentro do cotidiano macabro da cidade, tiveram o mesmo destino.
Mas, por ser um símbolo ideológico da tragédia carioca, teve sua morte reverberada internacionalmente e seu velório transfigurado em comício, cujos oradores, indignados, defenderam (como ela própria o fazia) a manutenção do status quo que a vitimou.
* Ruy Fabiano é jornalista

Ruy Fabiano: A construção do mito

Lula é obra de marketing. Jamais ganhou uma eleição em primeiro turno

A popularidade de Lula é obra de marketing. O líder político “mais popular” da história jamais ganhou uma eleição em primeiro turno, como, por duas vezes, o fez FHC (ambas contra Lula).

Da mesma forma, jamais elegeu ninguém nesses termos. Dilma Roussef e Fernando Haddad, os postes que colocou na Presidência da República e na prefeitura de São Paulo, venceram com extrema dificuldade no segundo turno – Dilma, inclusive, sob suspeita de urnas fraudadas e com o uso de verbas surrupiadas dos cofres públicos, conforme os marqueteiros Mônica e João Santana.

Desde que foi vaiado na abertura dos Jogos Pan-Americanos, em 2007, no Maracanã, passou a evitar plateias não amestradas em suas aparições em público. Fala apenas à militância.

O líder mais popular da história não compareceu a um único jogo da Copa do Mundo de 2014, mesmo sendo um ardoroso torcedor e responsável pela competição ter-se realizado no Brasil. Evitou assim as vaias que foram despejadas sobre sua sucessora, Dilma.

Tem enfrentado, de maneira recorrente, o dissabor de ser hostilizado em aeroportos e restaurantes. Por essa razão, passou a viajar em jatinhos particulares de amigos ricaços (sempre eles).

Esta semana, mais uma pesquisa do Datafolha o mostra como favorito à eleição presidencial. É interessante notar que essas pesquisas, que se repetem mensalmente, não têm outro propósito senão o de mostrar o que os fatos negam: que Lula é o candidato mais competitivo e que sua popularidade não foi sequer arranhada.

Com isso, buscam dar cabimento à tese de que sua condenação judicial teria objetivo meramente político: tirá-lo da disputa. Ocorre que essas pesquisas omitem o número expressivo dos que não têm candidato (sempre em torno de 70%) e buscam negativar os que, na estreita faixa dos que já se definiram (30%), lhe fazem sombra. Jair Bolsonaro, por exemplo.

Ao tempo em que essa nova pesquisa omite a condição de condenado em segunda instância de Lula – e, portanto, inelegível nos termos da Lei da Ficha Limpa -, faz crer que seu oponente é um “denunciado” em face de seu patrimônio imobiliário.

A “denúncia” é uma matéria jornalística da própria Folha de S. Paulo, dona do Datafolha, arquivada pelo Ministério Público. É uma pesquisa diferente, em que os candidatos são apresentados com premissas – falsas -, de modo a induzir o entrevistado.

Faz parte da construção do mito, que se tornou maior que seu próprio partido, que assim compartilha os efeitos danosos de sua queda. Daí o desespero. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, já disse que o PT não tem plano B: é Lula ou Lula. Ou seja, não é.

O Instituto Lula diz agora que ele é o candidato mais votado da história. E soma todos os votos recebidos em todas as eleições presidenciais de que participou (cinco), comparando-o a candidatos de outros países. Omite mais uma vez que, além de aqui o voto ser obrigatório (não o é, por exemplo, nos EUA), o Brasil é o terceiro maior colégio eleitoral do planeta. Marketing puro. Marketing burro.

*Ruy Fabiano é jornalista

 


Cristovam Buarque: A verdade do momento

Dirigentes petistas perderam o sentimento da realidade, a noção da verdade

O jornalista Fernando Gabeira publicou neste jornal, no dia 25, artigo sob o título “O momento da verdade”, onde mostra que, ao não aceitar a condenação de Lula pela Justiça, o PT demonstra seu divórcio entre a imaginação política dos militantes e a verdade do sentimento da nação. Não houve, como esses dirigentes esperavam, um levante popular contra a Justiça. Porque não há uma causa em jogo. Trata-se apenas de manter ou não o Lula na disputa presidencial, sem um rumo diferente para o Brasil.

O que há de mais grave é que o PT não entendeu a gravidade do momento: não reconhece seus erros, não percebe que o mundo real aposentou a falsa verdade entranhada nas mentes dos seus militantes. Depois de quase duas décadas, as falsas narrativas — da “ascensão da classe média pela Bolsa Família”, do “salto científico pelo Ciência Sem Fronteiras”, da “revolução educacional pelas vagas na universidade” — transformaram-se em realidades alternativas, que não apenas criaram narrativas, mas se acreditam nelas.

A tragédia brasileira é não poder contar com o imenso potencial do PT e do Lula, porque eles perderam o sentimento da realidade, a noção da verdade, a credibilidade das propostas e o patrocínio de um novo rumo para o Brasil. E isso se deve por terem abandonado propostas de economia eficiente, sociedade justa, civilização sustentável, política ética. Perderam o vigor transformador que apresentavam, passando a acreditar na imagem de verdade que criaram para justificar o poder pelo poder, inclusive de que o Temer seria ótimo presidente se a Dilma tivesse algum problema que a impedisse de continuar seu mandato.

O povo não foi à rua para atacar a Justiça porque não vê uma causa por trás do PT ou de Lula. Em 1964, foi preciso usar tanques e soldados para impedir o povo de ir à rua pela legalidade e pelas reformas em marcha lideradas por Goulart. Hoje, o impeachment foi feito dentro da legalidade, o substituto foi escolhido pelo PT; o partido ficou 13 anos no poder, sem deixar qualquer reforma em marcha, apesar da expansão de programas assistenciais ameaçados pela inflação e recessão.

O povo não foi para a rua na semana passada porque não viu causa transformadora para defender e pela qual lutar; além de perceber no PT um partido condenado eticamente sob fortes evidências de corrupção na Petrobras, fundos de pensão etc., com indícios de benefícios injustificados, remunerações superfaturadas, compra de apartamento na praia e sítio de lazer.

A incapacidade para ver a realidade está impedindo o Brasil de beneficiarse do que ainda sobrevive no PT, inclusive aqueles que não se corromperam pelo poder ou por dinheiro com falsas narrativas. O Brasil ganharia muito se eles fizessem uma autocrítica e pedissem desculpas ao país pelos erros cometidos. Seria a verdade do momento para ajudar o Brasil a enfrentar o arriscado futuro próximo, que está ameaçado pelos desastres que cometeram.

 


Miguel Reale Júnior: Homem incomum

 

Ele se julga acima da lei. As comparações com Tiradentes, Mandela e Jesus ajudam a entender

Em 10 de agosto de 2016, editorial deste jornal intitulado O que resta a Lula já denunciava a estratégia por ele adotada de transformar “a vitimização em sua principal – se não única – linha de defesa”. Anotava-se que o ex-presidente não se importava em achincalhar a imagem da Justiça brasileira no exterior, pois seu interesse estava em inventar argumentos que transformassem os agentes da lei, dedicados a investigá-lo, em algozes “a soldo das elites interessadas em alijá-lo da eleição presidencial de 2018”.

Essa desonesta e simplista explicação assomou a grau mais elevado diante da confirmação da condenação por unanimidade no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Na noite da decisão, na Praça da República, em São Paulo, Lula voltou com a cantilena ao dizer, com absoluta irresponsabilidade, ter havido um pacto entre o Poder Judiciário e a imprensa: “Resolveram que era hora de acabar com o PT e com a nossa governança no País. Eles já não admitiam mais a ascensão social das pessoas mais pobres desse país e dos trabalhadores”.

O PT, por sua vez, em nota acusa “o engajamento político-partidário de setores do sistema judicial, orquestrado pela Rede Globo, com o objetivo de tirar Lula do processo eleitoral”.

O confronto com o Judiciário, acusado de fazer parte de plano das elites para impedir a candidatura de Lula, permitiu que mal informado deputado do Bloco de Esquerda de Portugal, em artigo no jornal O Público, chegasse à desfaçatez de afirmar que o juiz Sergio Moro é “um homem do PSDB”.

A vitimização torna-se mais eficaz quando se cria um inimigo imaginário, que encarna o mal e persegue quem faz o bem apenas por maldade e egoísmo. Assim o PT e Lula decretaram o monopólio da sensibilidade moral de se preocupar e implementar soluções para a imensa desigualdade social existente no Brasil. Inventa-se um mal-estar da elite, incomodada com a melhoria de condições de vida da população pobre, como se a riqueza geral e o desenvolvimento de todos não fossem, até por motivos de lucro – se não por busca de justiça social – um objetivo da denominada “elite”.

Lula e seus acólitos relativizam a moralidade administrativa, transformando, sem nenhuma vergonha, fatos concretos de flagrante desonestidade em mera perseguição, adotando o ataque a monstros imaginários (complô do Judiciário, imprensa e elite incomodada) como expediente de defesa, na falta de argumentos jurídicos.

Mas se há um governante que se aliou às forças mais retrógradas deste país foi Lula. Tornou-se amigo dos donos e diretores das principais empreiteiras e uniu-se a políticos, homens da ditadura, representativos do que há de pior como atraso e amoralidade na nossa política: José Sarney e Paulo Maluf.

Ao Maluf foi beijar a mão em sua casa no Jardim América. De Sarney tornou-se grande amigo. Assim, em 2009, quando Sarney, presidente do Senado, era acusado de autorizar nomeações secretas, Lula disse o absurdo próprio de tratamento entre membros da elite: “Penso que ele tem história no Brasil, suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum. O MP deveria prestar a atenção na biografia do presidente Sarney. Sarney não roubou, não matou. Nem todo desvio administrativo é crime”.

Em 2010, ao ser perguntado, em visita ao Maranhão, se lá estava “para agradecer o apoio da oligarquia Sarney”, Lula, enraivecido, acusou o repórter de ser preconceituoso, aconselhando-o a se tratar: “Quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito”. Nessa entrevista, mostrou a pior mentalidade da elite atrasada ao arrematar: “Uma pessoa, na medida em que toma posse, ela passa a ser uma instituição e tem de ser respeitada”.

Na eleição de 2010, Lula apoiou Roseana Sarney como candidata ao governo do Maranhão. Agora Sarney afirma em nota: “Lula é um grande líder do Brasil. Sua condenação gera uma grande frustração a expressiva parcela do povo brasileiro. Seu amigo pessoal, sempre testemunhei sua preocupação com a coisa pública. Lamento a decisão”.

Lula considera-se alguém, tal como ajuíza Sarney, a não ser tratado como pessoa comum. Além da vitimização, apenas é possível explicar suas atitudes, após a decisão do TRF-4, como fruto de se achar também incomum, uma instituição da elite intocável pela lei; esta é para pessoas comuns. Tanto assim que bravateou, dizendo dispor-se a ficar com os três juízes um dia inteiro, televisionado ao vivo, para que lhe “mostrem qual o crime que o Lula cometeu”. Réu VIP, a merecer dos julgadores tratamento especial: passar um dia inteiro discutindo o processo com o condenado!

No dia seguinte, ungido candidato à Presidência, Lula pôs-se como juiz dos juízes, acima da lei, ao dizer não haver razão para respeitar a decisão que o condenou. As comparações com Tiradentes, Mandela e até Jesus Cristo ajudam a entender.

Quanto ao processo, Lula e seus sequazes repetem à exaustão não haver provas, acentuando o fato de não constar como dono do apartamento. Provas há, basta prestar atenção aos votos proferidos. O argumento de o imóvel não estar em seu nome é confessar o crime de lavagem de dinheiro, disfarçando a propriedade, cuja titularidade seria depois decidida, ocultando o bem recebido.

Inverte-se, com má-fé, o raciocínio: o Lula deixa de ser candidato porque foi condenado diante de fatos concretos de corrupção e lavagem de dinheiro, e não condenado para não ser candidato. Mas ser eleito presidente não deixa de ser um modo de tentar escapar dessa e de outras possíveis condenações.

Lula fala tanto de medidas em favor dos pobres, mas a herança deixada por Dilma e pelo PT foi uma imensa recessão, com PIB negativo na ordem de 3,7% e mais de 12 milhões de desempregados, além da inflação de dois dígitos. Nada foi pior para os pobres do que a errática política econômica e o populismo fiscal eleitoral do PT. Mas, isso Lula tenta esconder.

* Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras. Foi Ministro da Justiça

 


El País: Os dilemas da estratégia do PT, que aposta em Lula como candidato ou cabo eleitoral

Pesquisa Datafolha mostra que ausência de ex-presidente aumenta brancos, nulos e indecisos

Por Talita Bedinelli, do El País

cenário eleitoral de 2018 vai se tornando mais complexo e pulverizado e o eleitor reage a ele com alguma confusão e distanciamento. É o que emerge da pesquisa Datafolha divulgada nesta quarta-feira. Com a possível saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da disputa de outubro, por conta da condenação por corrupção em segundo grau na semana passada, aumentou o número de pessoas que não pretendem votar - a cifra de não votantesalcançou um número recorde na série histórica do instituto. Sua ausência também não transfere, pelo menos por enquanto, voto para o ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, um dos petistas cotados para assumir a vaga do PT e a única alternativa do partido considerada no levantamento.

pesquisa Datafolha foi realizada no fim do mês passado e é, portanto, a primeira a ser divulgada após a condenação no Tribunal Regional Federal 4 (TRF4) do ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Caso os recursos de Lula neste tribunal sejam rejeitados, ele pode se tornar inelegível pela Lei da Ficha Limpa e acabar preso antes da eleição. Apesar disso, ele é tratado oficialmente pelo Partido dos Trabalhadores como o único candidato da legenda, em uma estratégia arriscada para a sigla, que pode ficar sem um nome viável para a disputa em outubr

O partido, neste momento, parece confiar na grande possibilidade de transferência de votos de Lula. A pesquisa divulgada hoje demonstra que 27% dos entrevistados votariam com certeza em um candidato apoiado por ele (ainda que 53% dos entrevistados rejeitem essa opção). Em um apoiado por Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, apenas 11% apresentaram a mesma certeza. No Nordeste, o capital político de Lula é ainda mais transferível: 46% certamente votariam em alguém apoiado por ele; esta taxa também aumenta entre os que cursaram até o fundamental (40%) e entre os que ganham até dois salários mínimos (36%). Mas a transferência de voto teve uma ligeira queda em relação à pesquisa de novembro, tanto no dado global (29%), como entre os eleitores do Nordeste (49%), os que fizeram até o fundamental (45%) e os que ganham até dois salários mínimos (39%), o que pode significar um sinal de alerta para a sigla. "Uma fatia de 27% votaria com certeza em alguém apoiado pelo petista, percentual suficiente, neste momento, para levar uma candidatura ao segundo turno da eleição presidencial, já que supera o obtido por outros candidatos nos cenários testados em que o nome do petista é excluído da lista de candidatos. Há ainda 17% talvez votassem em um candidato que tivesse o apoio de Lula", escreveu o Datafolha.

Múltiplos cenários e Huck

A pesquisa ofereceu aos entrevistados nove cenários possíveis para a disputa eleitoral, com variações de candidatos concorrentes, o que já demonstra a confusão de opções cerca de seis meses antes do início da propaganda eleitoral, que só começa em 16 de agosto e é tradicionalmente um fator decisivo na disputa. No cenário que, neste momento, se parece mais próximo do real —com candidatos mais certos como Jair Bolsonaro, Marina Silva, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Manuela D'Ávilla, Fernando Collor de Mello e Álvaro Dias; e outros ainda sob especulação, como Luciano Huck, Henrique Meirelles e Guilherme Boulos— os que declaram que pretendem votar em branco, anular ou estão indecisos aumenta dez pontos percentuais sem Lula.

Com esse time de candidatos e Lula, 14% dos entrevistados devem anular, votar em branco ou não escolher ninguém. Com o mesmo time e Wagner no lugar do ex-presidente, o número sobre para 24%, ultrapassando, inclusive, as intenções de voto em Bolsonaro, que ganha a liderança na ausência do ex-presidente e arremataria 18% dos eleitores. Wagner teria 2% dos votos, desempenho tão fraco como o de outros candidatos da esquerda que poderiam se tornar alternativa a Lula: Manuela teria 2% sem Lula e 1% com; Boulos seguiria com 0% nos dois casos. Marina Silva é a que mais ampliaria sua margem de eleitores com a saída do petista: iria de 8% para 13%. E Ciro subiria de 6% para 10%. Em um cenários sem Lula, Marina e Huck, o número dos que votam em branco, nulo e em nenhuma das opções chega a 32%, o maior dentre todos os pesquisados.

O aumento de brancos e nulos na ausência de Lula e a falta de transferência de votos do ex-presidente para Wagner pode ser o resultado de uma conduta de protesto: parte dos eleitores do PT avalia que o impedimento do ex-presidente de disputar as eleições invalidaria o processo eleitoral. E, por isso, prefere se abster. É um posicionamento estimulado, ainda que indiretamente, pelo próprio partido, que adotou como lema o "eleições sem Lula é fraude" e se recusa a apresentar um nome como plano B, argumentando que isso seria fazer a vontade dos que querem que o ex-presidente não dispute o pleito.

Diante da insistência em manter Lula como candidato, nomes que poderiam substituí-lo em outubro não estão sendo trabalhados. É o caso do próprio Wagner, que já tem pouca projeção nacional e é mais conhecido no Nordeste —nesta região, o número dos que pretendem votar nele, numa disputa sem Lula, varia de 4% a 6%, a depender dos concorrentes; no país em geral ele tem 2% e, no Sudeste, entre 0% e 1%. E também de Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e outra das possíveis alternativas petistas: ele tem pouca projeção nacional, apesar de sua importância como coordenador do programa de campanha do PT para as próximas eleições presidenciais. O nome de Haddad não apareceu como opção a Lula neste novo Datafolha (é possível que ele seja, no momento, mais cotado para a disputa ao Governo de São Paulo), mas no levantamento anterior, feito no final de novembro, ele aparecia com 3% das intenções de voto, número que se elevava para até 5% no Sudeste, a depender do cenário de candidatos na disputa, mas que caía para até 1% no Sul e para 2% no Nordeste.

A falta de projeção nacional dos dois nomes poderia ser uma vantagem, já que ela garante uma baixa rejeição. Enquanto os entrevistados que afirmam não votar de forma alguma em Lula chegam a 40% e em Jair Bolsonaro a 29%, apenas 15% rejeitam Jaques Wagner. E os que rejeitavam Haddad em novembro eram 22%. Candidatos com menos rejeição podem ter mais chances de crescer se fizerem uma boa campanha, como aconteceu com o atual prefeito de São Paulo, João Doria, há dois anos. O problema é que, em um cenário em que a campanha deve ser dominada por Lula até onde a Justiça permitir, sobram poucos espaços de propaganda para qualquer um dos nomes petistas.