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Luiz Carlos Azedo: O conjunto da obra

Para sair do abismo que cavou com as próprias mãos, Lula quer ser absolvido pelos eleitores. Acredita que o veredicto das urnas se sobreporia às sentenças judiciais

O ex-presidente Luiz Inácio da Silva foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, por causa de um sonho de consumo familiar: o tríplex de Guarujá. Pode ser que ainda sofra nova condenação por desejo da mesma ordem, no caso do sítio de Atibaia, que ainda está em curso na 13ª Vara Federal de Curitiba, cujo titular é o juiz federal Sérgio Moro. Suas ambições pequeno-burguesas acabaram desaguando em processos de natureza criminal. Para evitar a prisão, que considera injusta, Lula resolveu politizar seu julgamento e manter a qualquer custo uma candidatura natimorta à Presidência. A rigor, não poderá concorrer por causa da Lei da Ficha Limpa.

Lula não se imagina na mesma situação do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que pôs uma meteórica carreira política a perder em razão de sonhos de consumo e hoje está preso em Curitiba, para onde foi transferido com mãos algemadas e pés acorrentados. A rigor, porém, os meios utilizados para viabilizar os respectivos projetos de poder foram iguais, com vasos comunicantes no cartel das empreiteiras que desviaram recursos da Petrobras, da construção de estádios de futebol e de obras de infraestrutura para financiar projetos de poder e de enriquecimento pessoal. Zero diferença em relação a adversários que também se beneficiaram do desvio de recursos públicos para chegar e se manter no poder.

Lula sofreu uma derrota judicial acachapante em Porto Alegre, mas manteve a estratégia de confronto com o Judiciário, que desperta dois tipos de solidariedade da elite política. A mais sincera é dos que estão sendo processados pela Operação Lava-Jato e temem, como Lula, o chamado efeito Orloff do exemplo de Cabral: “eu sou você amanhã”. A mais falsa é a dos demais pré-candidatos a presidente da República que defendem o direito de Lula ser candidato, “mesmo que esteja preso”, por que estão de olho nos votos dos eleitores órfãos do petista. É bem típico da política. O principal objetivo de Lula é criar tal comoção no eleitorado que o livre da prisão.

Legado

Para sair do abismo que cavou com as próprias mãos, Lula quer ser absolvido pelos eleitores. Acredita que o veredicto das urnas se sobreporia às sentenças judiciais. Mesmo que Lula seja impedido de disputar as eleições com base na lei da Ficha Limpa, haveria o julgamento do seu legado político no processo eleitoral. Um “dedazo” na convenção petista indicaria seu substituto na sucessão presidencial, que faria apologia de suas realizações no governo de 2002 a 2010. A ex-presidente Dilma Rousseff, coitada, será jogada às feras da oposição. E responsabilizada pelo fracasso da chamada “nova matriz econômica”, como se Lula não tivesse nada a ver com isso.

Dilma ficaria com o ônus do desemprego, da inflação e da recessão na qual o país mergulhou, o legado de Lula seria a geração de emprego e renda numa economia que chegou a crescer 7% em 2010, ano em que deixou o poder, e a gratidão dos 52 milhões de pessoas beneficiadas pelo programa Bolsa Família. Vem daí a sua força eleitoral resiliente. Essa estratégia é vulnerável por causa da crise ética. A gênese da Lava-Jato foi o “mensalão”. No governo de Lula e sob seu comando político, montou-se o maior esquema de corrupção de que se tem conhecimento no Ocidente. O sistema de poder que se alicerçava no capitalismo de Estado e nos mecanismos de financiamento político desnudados pela Operação Lava-Jato também faz parte do chamado “conjunto da obra”.

Pode tirar o burrinho da sombra o político enrolado na Operação Lava-Jato. A condenação de Lula é a demonstração de que ninguém está acima da lei, pelo menos se estiver sem mandato. Houve uma mudança de postura do Ministério Público Federal sob comando de Raquel Dodge, a nova procuradora-geral, com o fim do vazamento das investigações, que continuam. Houve um “alto lá” nas delações premiadas, com o caso da JBS, mas outras delações de vulto estão para acontecer. A Polícia Federal emite sinais trocados sob nova direção, como aconteceu na transferência de Sérgio Cabral, na qual o agente japonês deu lugar a policiais ninjas das operações especiais. Mas os escândalos continuarão sendo investigados, inclusive no exterior, por onde Lula passou. O sinal veio ontem mesmo, com a apreensão do passaporte vermelho do ex-presidente da República, que estava com viagem marcada para a Etiópia, país que não tem tratado de extradição com o Brasil, por causa do caso da compra dos aviões de caças suecos pela Aeronáutica.


Fernando Gabeira: A longa marcha pelo tapetão

O jogo acabou. O Brasil livrou-se de um populista em 2018. Mas não do populismo

De vez em quando, o Brasil entra nuns desvios e perde o foco, mesmo vivendo uma crise profunda, com alarmes assustadores, como o rombo na Previdência. Esse desvio foi uma escolha da esquerda. E o País, no conjunto, acabou distraído com a sorte do ex-presidente Lula.

Havia mais gente nas filas de vacina contra a febre amarela do que manifestantes na rua. Não perdemos o fio terra.

Esse descaminho começou com a tática do PT de negar a montanha de evidências trazidas pela Lava Jato. A tarefa principal era salvar Lula da cadeia. Foi o motivo de ele ter-se declarado candidato a presidente, de novo.

Com esse movimento, associaram a sorte de Lula ao rumo das eleições e acharam a mola política com que iam saltar a montanha de evidências: explicar os fatos como uma conspiração da Justiça; se as pessoas não percebem isso, é porque a conspiração tem outro braço poderoso, a grande imprensa.

Para a esquerda, a sorte de Lula, a das eleições e da democracia são a mesma coisa. Não perdi tempo tentando discutir isso. É apenas uma cortina de fumaça que nos afasta da tarefa de reconstruir o País e, dentro dos limites, realizar mudanças no sistema político.

A decisão do TRF-4 foi uma espécie de choque da realidade, embora uma perspectiva política carregada de religiosidade possa ver nessa derrota apenas um prenúncio da grande vitória final.

Foram muitas as visões. Viram alguém com um cartaz “Forza Luca” na torcida do Bayern de Munique e acharam que era “Forza Lula”. Viram ônibus de mochileiros vindos da fronteira e acharam que eram apoiadores de Lula.

Nada contra o direito de delirar. Mas quando o delírio compromete o foco de reconstrução nacional, ele preocupa. De certa forma, acho que a própria imprensa – a grande manipuladora, na opinião da esquerda – acaba embarcando nessa expectativa de um grande acontecimento, na verdade, uma condenação lógica e previsível.

Não porque a imprensa tenha uma tendência à esquerda. Ouvi a cobertura do caso na estrada, o rádio passando por várias cidades, vozes diferentes. Existe uma certa expectativa de projetar problemas futuros. Passada a decisão, ela se deslocou para os recursos que podem surgir.

O resultado foi de três a zero. Claro que pode haver recurso, mas não tem importância nenhuma. Ninguém pergunta ao time de futebol que sofre uma goleada se vai entrar com um recurso. E se entrar, pouca atenção se dá a ele.

Quando me dei conta, já havia um cipoal de recursos previstos, de forma que o problema só seria resolvido em agosto de 2018 e até lá seríamos prisioneiros desse impasse. Parece que existe uma satisfação em escavar recursos e apelações, enfim, um desejo inconsciente de não sairmos do lugar, pelo menos até agosto.

Mas os dados estão lançados. Assim que for julgado o recurso, pela lógica de condenação em segunda instância Lula será preso.

Essa é a leitura que fiz na estrada. De forma muito frequente os comentaristas se abstraem da consequência legal da decisão e se fixam nas eleições. É como se Lula tivesse sido condenado simbolicamente e tivesse apenas pela frente uma longa batalha jurídico-burocrática.

Enfim, ao dramatizar um recurso perdido de antemão o Brasil construiu uma grande plataforma emocional, um espaço de distração, cheio de pequenos sobressaltos. Ao invés de cair na realidade e olhar para a frente, vai acompanhar a longa marcha da esquerda pelo tapetão.

Peço desculpas de novo por me ausentar dessa questão, como me ausentei da história do recurso no TRF-4. Havia provas testemunhais, periciais e documentais e o TRF-4 tinha confirmado todas as principais sentenças de Moro.

A emoção desloca-se para embargos de declaração, recursos especiais, enfim, pela perpetuação do jogo.

As multidões que foram às filas de vacina contra a febre amarela, embora um pouco alarmadas, estavam com um pé na realidade, esperando que o universo político-midiático se volte para problemas reais da reconstrução do Brasil. Toda essa encenação dramática do PT diante de um fato inevitável foi a fonte de diversão e material para o suspense jornalístico.

Não tem jeito. Se o ritmo escolhido pela imprensa for também o de dramatizar o tapetão, então vamos ter de esperar com paciência.

O problema é que está chegando a hora de discutir alternativas para o País. Fabio Giambiagi, que estuda há muitos anos o déficit da Previdência, encontrou uma imagem para a situação do País: o Brasil suicida-se em câmera lenta.

Se consideramos o tempo curto e a necessidade do foco na reconstrução, veremos que também na política é preciso olhar para a frente. Toda essas dispersões, esse falsos dramas, servem apenas para consolidar nosso atraso.

Um gigantesco esquema criminoso assaltou o País durante muitos anos. Investigações eficazes e um magnífico trabalho de equipe nos puseram diante de toneladas de evidencias. É razoável esperar que as pessoas sejam condenadas e presas.

Dentro ou fora da cadeia, Lula será um importante eleitor. Não creio que tenha descido acidentalmente ao lado de Jaques Vagner e Fernando Haddad em Porto Alegre. Faz parte do ritual comunista indicar a sucessão pela proximidade física nas aparições em público. Com o tempo, até eles terão de olhar para a frente, como a viúva que aos poucos deixa o luto e encara de novo a vida.

O jogo acabou. O Brasil livrou-se de um populista em 2018. Mas não se livrou do populismo. Esse é ainda um grande problema do amanhã, que só um amplo e qualificado debate nacional pode superar.

Há um longo caminho pela frente, espero que possamos vê-lo com, nitidez, em vez de nos perdemos na gritaria de derrotados pela sociedade, que deseja justiça e instituições que a apliquem com transparência.


El País: Situação de Lula mergulha eleições de 2018 em insegurança política e jurídica

Estratégia da defesa e eventual morosidade da Justiça podem arrastar novela até 2019. Especialistas discutem os cenários após condenação do petista em Porto Alegre

A confirmação da sentença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) em Porto Alegre, nesta quarta-feira, coloca um grande ponto de interrogação para a eleição presidencial deste ano e para o futuro político do petista. Por um placar de 3 a 0, a Corte manteve a condenação e ampliou a pena de nove anos e seis meses assinada pelo juiz Sérgio Moro para 12 anos e um mês, que condenou o ex-sindicalista pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá, que seria dado pela empreiteira OAS a ele como pagamento de propina. Sob o petista agora pairam duas sombras: a da inelegibilidade (impossibilidade de ser eleito) e uma possível (mas ainda longe de ser uma possibilidade imediata) prisão, o que pode colocar as eleições de 2018 em um clima de insegurança jurídica e política. Seja como for, uma grande novela política ainda está por vir. E até que o Supremo Tribunal Federal ou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), as últimas instâncias possíveis, declarem que ele é inelegível, ele pode continuar a fazer campanha.

Agora existem alguns caminhos possíveis para Lula tentar, após a condenação, chegar ao Planalto. Cada um com consequências e tempos diversos. Seu problema mais imediato tem relação com uma lei que ele mesmo sancionou: o então presidente assinou a Lei Ficha Limpa, que impede políticos condenados por órgão colegiado (mais de um juiz, como o TRF-4) de disputar cargos públicos por oito anos, mesmo sem uma sentença definitiva (no Supremo Tribunal Federal, por exemplo). Este agora é seu próprio caso e acabou por reabrir um debate jurídico sobre a restrição.

Seja como for, a Lei Ficha Limpa tem uma espécie de brecha que pode manter o petista no páreo, ainda que provisoriamente. Este seria outro caminho para o ex-presidente poder disputar a eleição. A legislação permite que o candidato barrado faça um pedido liminar para suspender a inelegibilidade, e assim concorrer. Neste caso, a defesa do ex-presidente aciona o Superior Tribunal de Justiça ou o STF, e caso o pedido seja deferido temporariamente Lula poderá registrar sua candidatura e levar adiante sua a campanha a partir de 16 de agosto.

Mas mesmo com a concessão da liminar, nada garante que Lula possa disputar. Isso porque “a lei estipula que caso seja concedida essa liminar haverá um caráter de urgência para que o tribunal superior analise o caso”, afirma o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da medida. Ou seja, o STF e o STJ terão que definir em curto prazo se o petista pode ou não ser candidato. “Além disso, mesmo se a liminar for revogada apenas após o candidato vencer o pleito, ele perde o mandato do mesmo jeito”, diz. Esta situação provocaria um impasse político, na medida em que novas eleições teriam de ser convocadas. “Veja, mesmo neste cenário não se trata de insegurança jurídica, e sim insegurança política. A lei é clara e bem delimitada”, afirma Reis.

Outro problema, ainda que menos provável, para a candidatura do ex-presidente que pode tirar sua foto das urnas eletrônicas no dia do primeiro turno, em 7 de outubro, ocorrerá caso o STF o condene no meio tempo. Neste caso, o PT poderia escolher outro candidato desde que notifique o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 20 dias antes do pleito.

Existe ainda uma terceira via para Lula. Este cenário é o mais complicado do ponto de vista jurídico e político, uma vez que também pode fazer com que ele dispute, vença, mas não tome posse. O petista poderia abrir mão de recursos e pedidos de liminar, registrar a candidatura e fazer campanha até que o TSE analise o caso. Se o Tribunal negar o registro, caberá ainda ao STF dar a palavra final. Exista uma possibilidade de que o TSE não se posicione sobre o caso até o dia da eleição. Neste caso, a situação teria que ser definida pela Justiça até dezembro de 2018, quando seria expedido o diploma de presidente. Se no final do ano o registro da candidatura for cassado, Lula perderia o mandato, o presidente da Câmara assumiria interinamente e novas eleições seriam convocadas. O juiz Marlon Reis não acredita que essa seja uma estratégia eleitoral viável para o ex-presidente: “Para que isso ocorra o Ministério Público teria que deixar de notificar o TSE sobre a condenação criminal de Lula. O MP tem sido muito diligente e ágil nessas questões, analisam candidato por candidato”.

Rediscussão da prisão em segunda instância pelo STF
O outro problema que ronda Lula é o risco de prisão. Com relação ao início do cumprimento de pena pelo ex-presidente, o próprio TRF4 já divulgou nota afirmando que “a determinação de execução provisória da pena pelo TRF4 só ocorrerá após o julgamento de todos os recursos do segundo grau [que é a própria Corte]”. A defesa de Lula tem dois dias para recorrer da nova condenação unânime.

Não é possível prever quanto tempo o tribunal irá demorar para analisar os recursos da defesa. Caso eles sejam negados pelos desembargadores, aí sim a situação do ex-presidente se complica do ponto de vista da prisão. Isso porque uma decisão controversa do Supremo Tribunal Federal de outubro de 2016 permite a execução da pena após a condenação em segunda instância. Até então a prisão só era permitida após a análise de todos os recursos em todas as instâncias – incluindo o próprio STF. Uma súmula do próprio TRF-4 reforça esse entendimento. De qualquer forma, alguns ministros do Supremo já optaram por contrariar esta nova resolução, determinando que os condenados continuem em liberdade até o trânsito em julgado. Provavelmente a Corte ainda terá que se debruçar novamente sobre o tema. Um dos que já se manifestou sobre o assunto foi o ministro do STF, Gilmar Mendes. Ele, que votou pelo regime fechado após condenação em segunda instância, sinalizou que pode mudar de ideia. Sua guinada, se considerarmos o último mudaria o placar.

 


Eliane Cantanhêde: Candidatura Lula, uma ficção

Logo Lula vai perceber que politizar suas dificuldades na Justiça dá munição a sua tropa, mas não muda a realidade

O relator João Pedro Gebran contou uma história com princípio, meio e fim para comprovar que o ex-presidente Lula ganhou o triplex da OAS em troca de desvios na Petrobras. O revisor Leandro Paulsen discorreu do mensalão ao petrolão para concluir que Lula foi responsável pelos esquemas de corrupção e se beneficiou deles. E o desembargador Victor Laus já abriu sua fala deixando evidente um acórdão por unanimidade.

Foi assim que o TRF-4 ratificou a condenação de Lula pelo juiz Sérgio Moro e ampliou sua pena de 9 anos e meio para 12 anos e um mês, tornando a candidatura Lula à Presidência praticamente uma ficção. Condenado em segunda instância, réu em seis outros processos e indiciado em mais três, Lula não tem a mínima condição de se candidatar nem a ministro do Trabalho na vaga da deputada Cristiane Brasil, quanto mais a presidente.

Como previsto, houve manifestações tímidas a favor da condenação e protestos ruidosos, e vermelhos, contra. Mas o mundo não acabou, o país não parou e a vida continua, com a previsão de recursos na Justiça e uma frenética rearticulação das campanhas, a começar, claro, no PT.

Lula esgotou uma das suas armas mais poderosas tentando “sensibilizar” o TRF-4: a pressão dos movimentos alinhados. Logo vai perceber que politizar suas dificuldades na Justiça dá munição a sua tropa, mas não muda a realidade. Se há sobrevida, é à custa dos recursos no próprio TRF-4, no STJ e no Supremo, mas eles não reabrem a discussão do mérito, do conteúdo do inquérito, apenas possibilitam questionamentos de forma. Esticam a agonia, mas não mudam os fatos e Lula deve concentrar energias para não parar na cadeia.

A grande dúvida é se muitos que apoiam Jair Bolsonaro por medo de Lula se sentirão liberados para opções menos radicais e se os que votam no PSDB pela polarização com o PT buscarão novos caminhos. A saída inevitável do líder das pesquisas mexe bastante o tabuleiro eleitoral, mas o resultado era profundamente incerto com Lula e continua profundamente incerta sem ele.

 


Merval Pereira: Mais próximo do fim

O Brasil novo que luta para nascer dos escombros da velha ordem patrimonialista se pronunciou ontem em Porto Alegre. A situação do ex-presidente Lula, depois da confirmação unânime de sua condenação pelo TRF-4, pode ser resumida da seguinte maneira: hoje ele está mais próximo da cadeia do que do Palácio do Planalto. Mas, como ainda é a velha ordem que predomina, tudo pode acontecer.

O efeito colateral do julgamento de ontem é que o ex-presidente Lula poderá ser preso nos próximos poucos meses, pois o único recurso que lhe resta, o embargo de declaração, não altera o conteúdo da sentença. A defesa tem que entrar com embargos de declaração até dois dias depois da decisão final publicada.

Geralmente, no TRF-4, os embargos de declaração são resolvidos em 30 dias. A partir daí, a defesa do ex-presidente recorrerá aos tribunais superiores para tentar reverter a decisão de segunda instância, mas, sobretudo, para obter um efeito suspensivo do cumprimento da pena.

Ele provavelmente conseguirá um efeito suspensivo da prisão e da inelegibilidade enquanto recorre simultaneamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), mas seu prazo está cada vez mais curto.

A decisão do STF sobre prisão em segunda instância a torna consequência necessária, e só os tribunais superiores podem liberar o condenado, por meio de habeas corpus ou medida cautelar. A lei vale para todos, e não há regra específica sobre ex-presidentes. Se não fosse assim, haveria discricionariedade e seletividade para decidir quem vai preso.

Se o STF achar que é muito grande a probabilidade de reversão da decisão, pode sustar a prisão. Ao mesmo tempo, a condenação em segunda instância torna o réu inelegível. Existe a previsão, na lei das inelegibilidades, de recurso, que deve ser feito no mesmo momento em que for impetrado no STJ o recurso contra a decisão do TRF-4.

De posse das duas liminares, Lula continuará solto e podendo dizer-se pré-candidato à Presidência da República. O processo sobre a inelegibilidade, no entanto, deve ter prioridade sobre todos os demais no Superior Tribunal de Justiça, e se confirmada a inelegibilidade, Lula poderá ainda recorrer ao Supremo.

Os prazos não são tão curtos que permitam afirmar que ele não poderá registrar sua candidatura. Mas a decisão unânime da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), reafirmando a condenação do ex-presidente Lula e aumentando sua pena para 12 anos e 1 mês em regime fechado, tem um significado fundamental: fica muito difícil um tribunal superior reverter condenação tão contundente, ou mesmo permitir que Lula se candidate subjudice.

Diante de uma decisão tão enfática do TRF-4, o julgamento deve ser uma tarefa dos colegiados dos tribunais superiores, que terão em mente a necessidade de dar ao cidadão-eleitor e ao país segurança jurídica na campanha eleitoral, realizando-o em tempo hábil para que ela transcorra sem dúvidas jurídicas. E dificilmente os tribunais superiores aceitarão desmoralizar uma lei como a da Ficha Limpa, uma ação popular, para beneficiar um candidato.

Nos próximos cinco meses os tribunais terão tempo suficiente para definir a situação de elegibilidade do ex-presidente Lula, antes da realização de convenções partidárias para indicação oficial dos candidatos, prazo que se esgota em 5 de agosto.

Também as alianças partidárias para apoiar a candidatura de Lula perderão a inevitabilidade que pareciam ter. Como se aliar a um candidato que pode ser impugnado mesmo tendo seu nome na urna? Como fechar um acordo com o PT sem saber quem será o candidato do partido, se Lula ou outro poste? E se for um poste, Lula ainda terá força para eleger mais um, depois do fracasso do governo Dilma?

O Brasil parece disposto a bater seus próprios recordes negativos. Nunca na História houve um presidente no exercício do cargo sendo acusado de crimes comuns, como aconteceu com Michel Temer. Mas também nunca antes neste país um ex-presidente esteve nessa situação atual de Lula, e por isso não se sabe como reagirão os tribunais superiores, que mais uma vez decidirão os destinos do país.

Os tempos jurídicos e os políticos podem se desencontrar, a favor ou contra Lula.

 


O Globo: colunistas analisam o presente e o futuro de Lula

Equipe faz um balanço do julgamento do ex-presidente, condenado a 12 anos e um mês

 Depois de quase nove horas de julgamento, o dia 24 de janeiro de 2018 entra para a História como a data em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofreu o maior revés de sua trajetória política, sendo condenado, por unanimidade, a 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por receber um tríplex da empreiteira OAS como propina.

A equipe de colunistas de O GLOBO faz um balanço do julgamento e analisa o futuro político de Lula.

 

Lauro jardim: Lula perdeu. E agora?

POR LAURO JARDIM

O TRF-4 foi acachapante. Mas, a partir da decisão destaquarta-feira, nasceu um fantasma que vai assombrar poderosamente a eleição de outubro. O fantasma, naturalmente, é Lula. Sua candidatura recebeu um tiro no peito. Seu protagonismo na eleição, não. Até onde a vista alcança, continuará a comandar o espetáculo. Ao menos nos próximos meses. Ao menos enquanto as pesquisas eleitorais sorrirem para ele.

O PT vai lançá-lo hoje mesmo à Presidência, a despeito de sua condenação unânime — e com “provas fora de qualquer dúvida razoável”, como destacou o desembargador Leandro Paulsen.

Os petistas trabalharão com afinco a estratégia da vitimização, sempre explorada com maestria por Lula. Insistirão no argumento da “falta de provas” — assim como até hoje batem na tecla do “foi golpe”. Nada que tenha consistência. Não importa. A luta política nem sempre se ancora em fatos. O que interessa é arranjar uma palavra de ordem para unir a militância e seguir em frente.

Na estratégia petista, é fundamental que as próximas pesquisas eleitorais o mantenham como líder absoluto. Ainda que perca pontos, não faz sentido crer que sua densidade eleitoral murche a ponto de torná-lo irrelevante. Há um tipo de simpatizante de Lula que não está nem aí para o julgamento de ontem: simplesmente, avalia que todos os políticos são ladrões e que, no tempo de Lula como presidente, vivia melhor. Esse eleitor de Lula não vai às ruas quando ele é condenado, como não foi ontem. Mas quer votar nele. Seus adversários têm que trabalhar duro para desconstruí-lo diante desse eleitorado.

Na dianteira nas pesquisas, Lula deverá rodar o Brasil carregando pelo braço um vice que ele pode tornar popular. Um poste que, no momento certo, pode colocar de pé para receber o voto do seu eleitor. Ou simplesmente apoiar outro candidato à esquerda, como Ciro Gomes.

Nem Lula nem o PT assumirão que serão obrigados a trabalhar um plano B. Seja um vice de Lula ou um candidato de outro partido. Mas é disso que vão ter que tratar a partir de agora, ainda que não assumidamente.

 

Miriam Leitão: O labirinto eleitoral

POR MIRIAM LEITÃO
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva após o resultado do julgamento no TRF-4, em Porto Alegre - STRINGER / REUTERS

O ex-presidente Lula se lançou candidato como parte da estratégia no processo criminal. A ideia é que, se ele ficasse forte politicamente, estaria protegido da Justiça. Nesta quarta-feira, ele foi condenado em um órgão colegiado e por unanimidade. Se Lula puder ser candidato, por alguma brecha legal, ou pelo tempo dilatado do julgamento de recursos, o país estará no seguinte labirinto: um réu não pode ser presidente da República, mas um condenado — e réu em diversas ações — pode se candidatar ao cargo. E, caso vença, todos os processos são suspensos porque os crimes foram anteriores ao mandato. Então quebra-se o princípio constitucional. Se a Justiça eleitoral for lenta, leniente ou falha, o país estará em situação perigosa.

A candidatura do presidente Lula tem agora poucas perspectivas. O PT disse que vai mantê-la, mas, se não acionar logo um plano B, é o grupo político que estará numa armadilha. O cenário possível é de prisão de Lula, ao fim dos embargos de declaração, que, como se sabe, são apenas para esclarecer pontos obscuros. São poucos e mais rapidamente julgados. A ordem do desembargador Leandro Paulsen já foi dada ontem: assim que forem esgotados esses recursos, o juiz de primeira instância deve expedir a ordem de prisão. O PT diz que vai “radicalizar” e que não reconhece as decisões da Justiça. Qual o próximo passo? O partido precisa ter a resposta para essa pergunta, por estratégia de sobrevivência.

Os desdobramentos desse caso colocam em questão muito mais do que o futuro do Partido dos Trabalhos ou o destino do ex-presidente Lula. O Judiciário terá que desatar o nó criado por desencontros legais. Parece óbvio que um réu em diversas ações não pode concorrer à Presidência. A Lei da Ficha Limpa socorre em parte esse imbróglio por estabelecer que o réu que for condenado em segunda instância não pode ser candidato, após todos os recursos. Mas os tribunais superiores precisam ser mais efetivos na proteção da Presidência da República. Ela não pode ser o esconderijo perfeito de um condenado da Justiça.

 

Gabeira: O momento da verdade

POR FERNANDO GABEIRA

A esquerda sofre o primeiro grande baque na sua tática de contornar os escândalos revelados, em vez de buscar o caminho mais longo e doloroso de reconhecimento dos fatos e uma tentativa de renovação.

Foi uma escolha voluntarista. Saltar a montanha de evidências — milhões de dólares devolvidos, delações, ruína da Petrobras — só era possível através da politização nebulosa. O grande processo de corrupção foi narrado como uma conspiração da Justiça e articulada com uma imprensa manipuladora

O segundo passo Lula tomou ao se declarar candidato. Agora a conspiração da Justiça e da imprensa não era mais do que uma tentativa de barrar sua candidatura.

Mas os fatos estavam aí. A previsão otimista da tática era despertar um grande processo popular, através da pré-campanha, de apoio ao líder perseguido. Isso não aconteceu. Só foi possível reunir militantes e movimentos sociais a partir de um estímulo vertical.

Na medida em que isto não acontecia, a tendência foi a de elevar o tom, de radicalizar verbalmente. A senadora Gleisi Hoffmann chegou a afirmar que muita gente ia morrer. Quem ia morrer? O porteiro do TRF-4?

O senador Lindbergh Farias disse também que era preciso uma esquerda de combate, e que aqueles que defendiam a condenação de Lula iriam encontrá-los preparados para a luta na rua.

Quando José Dirceu afirmou que era preciso bater o adversário nas urnas, visava a um adversário específico, tanto que Mário Covas foi a vítima.

Mas como realizar esse combate, se as pessoas que querem a condenação de Lula estão vivendo sua vida normalmente, alheias ao roteiro dramático de Lindbergh. A única maneira seria sair por aí, nos bares, nas praças, perguntando quem é a favor da condenação de Lula e, aí então, sair na pancada.

Esse movimento de fé acabaria, como quase todos, em visões dessas que aparecem quando desejamos muito.

A senadora Gleisi Hoffmann viu um defensor de Lula na torcida do Bayern de Munique. Era apenas um cartaz dizendo “Forza, Lucca”, um torcedor ferido num estádio europeu.

O deputado José Guimarães viu num comboio de sacoleiros rumo à fronteira os ônibus de apoiadores de Lula.

E a deputada Maria do Rosário usou a previsão de um tsunami nos Estados Unidos, marcado em vermelho no mapa meteorológico, com ondas gigantes que chegariam ao Guaíba. Neste caso, estava sonhando através da ironia.

Para quem apontou em inúmeros artigos o desvio da política para a defesa religiosa de um líder, isso não é uma surpresa. O choque da realidade chegou. Vamos ver como reage a torcida do Bayern.

 

Casado: As vítimas da Lava-Jato

POR JOSÉ CASADO
Desembargadores do TRF-4, que julgaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Sylvio Sirangelo / AP

Foi uma jornada singular: mais de nove horas de cenas explícitas (ao vivo) de julgamento de um ex-presidente da República, dois ricos empreiteiros e um antigo burocrata do sindicalismo, num caso criminal que é notável exceção na tradição judiciária brasileira: não há réus pobres na Lava-Jato. O juiz relator Pedro Gebran Neto lembrou: “Não estamos tratando de pobres, miseráveis ou descamisados que usualmente são os destinatários das ações penais no Brasil”.

Os processos da Lava-Jato contrariam o senso comum sobre a velha ideia de Justiça no Brasil. Nele, as vítimas são os pobres, ampla maioria da população — a quem os governantes têm o dever constitucional de servir e defender, principalmente na gestão dos negócios públicos.

Nesta quarta-feira, a Petrobras estava na bancada de acusação em Porto Alegre. Seus representantes evocaram o histórico de 64 anos da companhia, incensado num nacional-estatismo em nome dos pobres, que ainda hoje alimenta sonhos de poder de grupos autoproclamados de esquerda.

A empresa estatal declarou-se “vítima” de um ex-presidente, dono de uma biografia épica de migrante pernambucano que chegou ao Sul e ascendeu à elite nacional como ex-operário e sindicalista, depois de se arriscar na liderança de greves em desafio à ditadura, a empresas e à burocracia sindical cevada na tesouraria governamental desde a era Vargas. Ele se moveu como um líder ungido para renovar o modo de fazer política no país. A Petrobras apoiou o Ministério Público, que assim resumiu a acusação: “Lamentavelmente, Lula se corrompeu”.

O ex-presidente acorda hoje como um “ficha-suja” na política. É a consequência jurídica prática da condenação unânime no tribunal federal, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro de propina da construtora OAS em troca de negócios favorecidos com a Petrobras.

Seu futuro como candidato do PT na eleição de outubro é tão incerto quanto o início do cumprimento da pena que recebeu (12 anos e um mês de prisão).

É como Lula dizia na sua primeira campanha presidencial, em 1989: “A corrupção e a existência de concorrências ilícitas não são novidade. Novidade acontecerá no dia em que alguém for para a cadeia”.

 

Ancelmo Gois: Lula e seus demônios

POR ANCELMO GOIS
A militância petista foi às ruas de todo o Brasil em apoio ao ex-presidente Lula - NELSON ALMEIDA / AFP

Boa parte da plateia que vai assistir a “Caravanas”, a nova turnê de Chico Buarque, tem cantarolado “Olê, olê, olê, olá/Lula, Lula”. Sempre se pode dizer — e é verdade — que aquele público que pagou ao menos R$ 220 para assistir ao grande artista e simpatizante petista não é representativo da sociedade brasileira. Mas é verdade também que Lula, desde que resolveu politizar o julgamento no TRF-4, tem conseguido recuperar um pouco dos corações e das mentes de sua militância, notadamente da classe média. Ainda assim, essa militância não conseguiu, ontem, encher as ruas, como ocorria em outros carnavais.

Vamos combinar que Lula não tinha muita saída. Ele, como todo mundo que acompanha a Lava-Jato, sabia de antemão que muito dificilmente seria absolvido. Afinal, Porto Alegre vem referendando nove em cada dez decisões de Curitiba. Desde que foi marcado o julgamento de ontem, Lula tinha, então, duas opções. Uma era ir calado para o matadouro gaúcho. A outra, que prevaleceu, foi botar o bloco na rua. Vem daí a volta das caravanas por todo o país e a montagem de uma rede de apoio à sua causa aqui e no exterior. Essa mobilização não deve refluir com a condenação de ontem. Talvez até aumente a partir de hoje.

Ou seja: Lula conseguiu fazer as pazes com a militância. Falta fazer as pazes com sua biografia.

O que ficou claro nas mais de nove horas de julgamento desta quarta-feira, em Porto Alegre, é que o nosso maior líder popular, e que tem uma admirável capacidade de sobrevivência, é, entretanto, promíscuo, para dizer o mínimo. Nomeou para a Petrobras uma diretoria cheia de gatunos.

Também impressionou no voto dos três desembargadores como Lula era queridinho e íntimo de Léo Pinheiro, da OAS, assim como de outros empreiteiros. Aceitou favores mesmo sabendo que essa turma não tem amigos políticos. Tem interesses.

É esse tipo de fantasma do passado que Lula terá de carregar pelo resto da vida.

 

Eugênio Bucci: A Justiça obscura e sua tragédia

POR EUGÊNIO BUCCI

Ao confirmar a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no processo do tríplex do Guarujá, o TRF-4 enveredou por uma retórica obscura e aprofundou o abismo entre o Judiciário e o povo. O brasileiro médio não entendeu nada, o que é uma tragédia. Quando soa incompreensível para o senso comum, com decisões baseadas em circunvoluções processualísticas e pouco lastreadas em fatos evidentes, a Justiça ganha ares de lâmina idiossincrática e as instituições perdem credibilidade.

A conduta criminosa atribuída ao ex-presidente, no caso, não se traduziu na vida prática. Aí está o problema. Lula teria sido agraciado com uma promessa de propina imobiliária (numa improbabilíssima forma de suborno), mas — atenção — a promessa não se cumpriu: ele nunca recebeu ou usou o imóvel, que nunca foi transferido para o seu nome ou de seus parentes. Que ato ilícito ele praticou, então, se não tomou posse do tríplex? Haja hermenêutica.

Não que o líder petista esteja acima de qualquer suspeita. Não está. Basta lembrar o sítio de Atibaia, embelezado por empreiteiras dirigidas por agentes corruptores, do qual Lula usufrui sem pejo. Refestelado em sua “dacha” tropical, ele incorreu, se não em crime, num conflito de interesses que o descredencia aos olhos de quem preza a ética pública.

O tríplex é um imbróglio diferente, sem amparo em fatos tão clamorosos. Daí resulta a tragédia. Na falta de outra explicação plausível, o cidadão é levado a crer que o que condenou Lula não foi um julgamento jurídico, mas uma conspiração política de nervuras kafkianas, efetivada em tempo recorde.

Agora, o Lula condenado vai brilhar mais que o Lula candidato. A narrativa de que o PT é vítima de um golpe de Estado vai crescer. Lembremos que o impeachment de Dilma Rousseff padeceu do mesmo vício de obscuridade: o alegado “crime de responsabilidade”, descrito por meio de tecnicalidades indecifráveis, nunca foi entendido pelo público. Pior: desconfianças muito mais graves pairam sobre Michel Temer — e este, não obstante, segue incólume. A sensação de que a Justiça brasileira tem lado se alastra.

 

Ricardo Rangel: 4 a 0

POR RICARDO RANGEL
Um casal faz uma selfie com um boneco do ex-presidente Lula, o Pixuleco - NELSON ALMEIDA / AFP

A Justiça seguiu seu curso e condenou um criminoso. Deveria ser banal, mas é um assombro, porque o réu foi, por duas vezes, presidente da República; porque é o candidato favorito a presidente; pela profusão de ameaças e intimidações contra os juízes; pela tradição nacional que, até ontem, garantia a impunidade a ricos e poderosos; porque o réu é, para tanta gente, um mito.

A condenação de Lula é exemplar e indiscutível: o tribunal foi unânime e ainda majorou a pena. E vale lembrar que, como Moro, foi cauteloso e reconheceu apenas dois dos 71 crimes imputados a Lula pelo MP. Lula foi condenado por quatro juízes em duas instâncias: a tese de que o ex-presidente é uma vítima não é apenas risível: é surreal.

A condenação de um criminoso, no país da impunidade, é motivo de comemoração, mas a condenação de um ex-presidente é motivo de pesar. Como pudemos nos enganar tanto, a ponto de reelegê-lo depois do mensalão? Como pudemos lhe dar incríveis 80% de aprovação? Como pudemos eleger uma presidente incapaz só porque foi indicada por ele?

Olhando para frente, Lula está acabado. Ninguém no Supremo vai se dispor a criar uma crise institucional só para salvar uma candidatura ilegal e que não interessa a quase ninguém. Sem a candidatura, é difícil impedir sua prisão.

Tancredo Neves dizia que político acompanha o cortejo fúnebre até o fim, mas não entra na sepultura junto com o defunto. Todos os políticos sabem que Lula está moribundo, e cada um vai seguir com seu projeto pessoal: em breve, não sobrará ninguém ao lado do ex-presidente.

Do ponto de vista de saúde da democracia, é positivo que Lula esteja fora. Era um escárnio que alguém tão suspeito fosse candidato. A ausência de Lula na cédula confere respeitabilidade ao pleito.

Do ponto de vista prático, a ausência de Lula na disputa diminui muito as chances do anti-Lula. Tudo sugeria, até ontem, que o segundo turno deveria se dar entre Lula e Jair Bolsonaro. Sem Lula, o candidato moderado, seja quem for, tem uma boa chance. O que é ótima notícia.

 

Cora Rónai: Feito pessoas comuns

POR CORA RÓNAI
Manifestantes pró-Lula vão às ruas para apoioar o ex-presidente, em Porto Alegre - Wesley Santos / AP

Nesta quarta-feira, manifestantes pró-Lula fecharam estradas em São Paulo, ocuparam Porto Alegre, fizeram comícios. Todos diziam lutar “pela democracia”, o que prova que mesmo as palavras mais claras e inequívocas podem ter o seu significado distorcido ao sabor das conveniências. A verdade é que ontem a democracia saiu fortalecida do tribunal onde, pela primeira vez na História deste país, um ex-presidente da República viu confirmada a sua condenação por atos de corrupção. Por mais que a defesa e o PT tenham politizado o julgamento, por mais que intelectuais e políticos estrangeiros participem de abaixo-assinados a favor de Lula, o fato é que ele foi condenado pela falta de lisura da sua relação com o famigerado tríplex, um crime sem qualquer tintura — ou grandeza — ideológica.

Lula não foi condenado por ser Santo Lula, o representante máximo dos despossuídos; foi condenado porque continuou com as práticas pouco democráticas que se repetem no Brasil desde os tempos coloniais, práticas que ele tanto atacou antes de chegar ao poder.

É essencial para o bom funcionamento de uma democracia que todos sejam iguais perante a lei, assim como é essencial que todos os funcionários públicos, do mais humilde ao mais graduado, percebam que servem aos cidadãos que pagam os seus salários, e não a si mesmos, a seus amigos ou correligionários. Lula, cuja vida prática sempre esteve envolta em mistérios e incongruências, de apartamentos e jatinhos emprestados a sítios suspeitos e familiares que enriqueceram do nada, se esqueceu completamente disso, se é que algum dia soube.

Não é o único, nem a sua eventual prisão vai, sozinha, endireitar o país. Há muita gente solta que já devia estar presa há tempos, e há, ainda, a excrescência que é o foro privilegiado, que de ferramenta de proteção contra o autoritarismo se transformou em garantia de bandidos. Mas a decisão do TRF-4 aponta para um futuro melhor, para um Brasil sem cabeças coroadas, onde os poderosos responderão pelos seus atos como todos nós, mortais comuns, respondemos — ou deveríamos responder.

 

Diego Escosteguy: Rumo ao cárcere

POR DIEGO ESCOSTEGUY
Mulher passa por vários bonecos infláveis do ex-presidente Lula, pixulecos, em Porto Alegre - CARL DE SOUZA / AFP

Tornou-se altamente provável — quase uma certeza jurídica — a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E ela não tarda. Salvo uma reviravolta processual sem precedentes no passado recente, a prisão do petista, uma consequência do cumprimento provisório da pena após a condenação em segunda instância, transcorrerá em, no máximo, dois meses. É o tempo previsto para a análise do último recurso à disposição da defesa de Lula perante o TRF da 4ª Região.

Entre a cúpula da Lava-Jato e juízes do caso em diversas instâncias, não há dúvida de que esse recurso, os chamados embargos de declaração, não mudará, em nenhum sentido, a decisão unânime e severa tomada ontem pelos desembargadores. Ao avaliar esse último recurso, os desembargadores devem seguir o padrão acolhido em casos semelhantes — e decretar o início do cumprimento provisório da sentença. Essa decisão inclui a prisão imediata do condenado. No caso, de Lula.

É o relógio da análise sobre os embargos de declaração que passa a contar o tempo para a provável prisão de Lula. Caso essa decisão se confirme, a defesa do petista tem um percurso dificílimo para revertê-la. O ministro Felix Fisher, relator do caso no Superior Tribunal de Justiça, costuma manter as decisões das instâncias inferiores.

Sobraria a Lula recorrer, em seguida, ao Supremo Tribunal Federal. Eis a última barreira do petista: o ministro Edson Fachin, relator do caso dele no tribunal. Qualquer recurso, o que inclui um habeas corpus, cairá com ele. E Fachin também tem sido rigoroso. O ministro já manteve, em numerosas ocasiões, o entendimento do STF de que vale o cumprimento provisório da pena após condenação em segunda instância. O que vem a ser precisamente o caso de Lula.

Restaria ao petista uma última tentativa, ao plenário do STF. É o recurso do recurso do recurso — do recurso. Se os ministros mantiverem a posição da Corte e não identificarem alguma violação aos direitos do ex-presidente, não haverá mais apelação. Lula estará encarcerado. E não será candidato.

 


Míriam Leitão: A tese da República

O centro da decisão de ontem do TRF-4 foi que o crime de corrupção é mais grave quando cometido pela pessoa que ocupa ou ocupou a Presidência. O que o ex-presidente Lula colocou em risco foi mais que o “patrimônio da Petrobras”, mas “o Estado Democrático de Direito”. Essa foi a tese do desembargador João Pedro Gebran Neto, reafirmada pelos desembargadores Leandro Paulsen e Victor Laus.

Quem preside a República enfeixa sonhos e esperanças, tem poderes concedidos pelos cidadãos através do voto, a autoridade de conduzir a Nação. É por isso que, se cometer crimes, ele tem “culpabilidade extremamente elevada”. Isso fez subir a pena de Lula. Num país com democracia em construção, em que dois presidentes sofreram impeachment no espaço de 24 anos, esse é um ponto fundamental.

A grande pergunta é o que acontece agora? A ordem do desembargador Leandro Paulsen foi a de que o juiz Sérgio Moro, assim que se esgotarem os recursos, determine o cumprimento da pena, ou seja, a prisão em regime fechado do ex-presidente. Fontes da área judicial, que acompanham o processo, acham que o STJ pode manter esse entendimento, mas o STF pode ser levado a reabrir a questão da prisão em segunda instância. O tema ronda o Supremo. A ministra Cármen Lúcia não colocou o assunto de volta porque a decisão foi tomada muito recentemente. Mas o ministro Gilmar Mendes quer que o assunto volte ao plenário. É mais uma ironia, da sempre surpreendente história brasileira, que Gilmar Mendes se transforme na esperança do PT.

Um ponto central do debate em torno do julgamento do caso do Triplex do Guarujá foi a existência ou não de provas. Os defensores de Lula sempre disseram que não havia provas, já que não haveria documentos da propriedade. Os desembargadores disseram que, ao contrário, existem provas abundantes, diretas, indiretas, materiais e testemunhais de que o apartamento estava destinado a Lula, foi reformado para atender às demandas da família e que estava no nome da OAS por um pedido para se esconder a propriedade. O que aconteceu ontem fortaleceu o trabalho do juiz Sérgio Moro, porque a sua sentença foi confirmada pelos três desembargadores que analisaram o recurso do ex-presidente. Toda a sua linha de raciocínio e suas decisões foram mantidas.

A estratégia da defesa, durante o processo, foi construída em cima de três movimentos. Primeiro, afirmar que não havia provas, segundo, arguir a suspeição do juiz Sérgio Moro e a falta de competência da 13ª Vara. Terceiro, apresentar Lula como uma vítima de perseguição política. Essa politização estimulou manifestações de militantes. A campanha antecipada aumentou as intenções de voto. Tudo parecia estar dando certo. Mas ontem ficou claro que a politização não melhorou a chance no tribunal. Como disse Gebran Neto, houve um momento em que Lula teve o direito de falar por vinte minutos diante do juiz Sérgio Moro e ele escolheu fazer afirmações “sem qualquer utilidade jurídica”.

Gebran começou seu voto derrubando todas as preliminares da defesa, e neste ponto mostrou os erros da estratégia dos advogados do ex-presidente. Cristiano Zanin insistiu em questões já julgadas pelo mesmo tribunal, em recursos que ele mesmo havia movido anteriormente. A queda das preliminares foi confirmada pelos outros juízes. Gebran Neto mostrou exemplos de falta de sentido nas teses da defesa. Um deles: os advogados, certa vez, quiseram recusar documentos da Petrobras alegando que foram fornecidos por meio eletrônico e não em papel. “Todo o processo aqui é eletrônico”.

Na discussão de mérito, além de derrubar as alegações de falta de provas, não foi considerado o argumento de que faltou um ato de ofício. Isso foi exaustivamente discutido no mensalão, o entendimento majoritário do Supremo neste caso é que não é necessária uma decisão específica que beneficie a empresa corruptora, mas o conjunto de decisões de quem tenha poder.

O grande princípio consagrado ontem foi o de que quem ocupa a Presidência da República tem que zelar com mais rigor para que não ocorram desvios de recursos públicos. “Sua excelência em algum momento perdeu o rumo”, disse Laus. Que isso sirva de aviso aos governantes.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 


Matias Spektor: No exterior, julgamento de Lula atrai idiotas úteis

Vladimir Lênin (1870-1924) chamava de "idiota útil" o cidadão de uma democracia liberal que se deixava enganar pela propaganda do regime soviético. Comprando os argumentos do Kremlin, o idiota útil dava à Moscou um verniz de legitimidade.

Em pleno século 21, o fenômeno do idiota útil continua vivo. No Brasil, sua expressão à direita é o "bolsominion", cuja simpatia pelo deputado o faz ignorar o uso indevido do auxílio-moradia. No centro e à esquerda, é o cidadão impermeável às evidências sobre os abusos cometidos por PT e PSDB durante 20 anos no poder.

A cabala de idiotas úteis sempre teve tração no exterior. À esquerda, seu expoente mais sofisticado é Perry Anderson, liderança intelectual há muitas décadas. Em dois longos artigos publicados na respeitável "London Review of Books", em 2011 e 2016, Anderson embalou as teses petistas a respeito do mensalão e da Lava Jato para um leitorado estrangeiro. Segundo a versão dos fatos ali apresentada, Luiz Inácio Lula da Silva teria despertado a raiva das elites arcaicas do Brasil devido à sua agenda reformista. Os representantes do atraso, assustados, teriam lançado uma ofensiva jurídica injusta contra o ex-presidente. A ilegalidade verdadeira não teria sido cometida pelo grupo do poder, mas pelos supostos "justiceiros" da linhagem do juiz Sergio Moro.

Essa linha ganhou força nos últimos dias. Geoffrey Robertson, jurista renomado, assistiu ao voto do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e sentenciou: "Lula está sendo perseguido e não processado". O problema, afirmou, está com Moro, um "egomaníaco". Em Washington, 12 deputados democratas assinaram um texto denunciando um suposto complô para tirar Lula da corrida presidencial por meio de um tribunal de exceção.

Nas páginas do jornal "New York Times", Mark Weisbrot ensaiou um argumento similar. Segundo ele, a verdadeira ameaça à democracia brasileira não viria de uma classe política viciada em ilegalidade, mas de Sergio Moro e caterva. Uma eleição sem Lula, conclui, seria fraude.

As denúncias que existem contra Lula sobre tráfico de influência e outros crimes não devem ser descartadas de antemão. O ex-presidente ainda precisa dar respostas às questões apresentadas e terá a chance de fazê-lo com todas as garantias de defesa no processo do tríplex e nos outros que virão. Você pode ter um compromisso moral e político com os ideais de esquerda e, ao mesmo tempo, defender a tese segundo a qual Lula e seu grupo devem explicações à Justiça.

O problema com o idiota útil é que seu preconceito precede a dúvida e as evidências. Isso sempre foi –e continua sendo –uma ameaça de esquerda ou de direita à democracia.

* Matias Spektor é doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas.

 

 


Míriam Leitão: Dúvida derruba a tese

Não há perseguição a Lula: país luta contra a corrupção. A incerteza que cerca o julgamento de hoje derruba, por si só, a tese central da defesa do ex-presidente Lula, a de que existe uma guerra jurídica contra ele. O que o país tem é uma Justiça independente, e ele sabe disso. As inúmeras possibilidades de recursos, e que permitem construir os mais diversos cenários para desdobramento desta ação, mostram que não há uma perseguição judicial contra Lula.

O fato de que adversários históricos, ou aliados circunstanciais, estejam vivendo situações semelhantes à do líder do PT mostra que o país está diante de um processo de luta contra a corrupção e não uma perseguição a um indivíduo ou a um partido. Entre seus antigos aliados estão o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, agora presos. Entre seus adversários, o senador Aécio Neves. A lista de políticos investigados por corrupção é enorme, nos mais variados campos políticos. O que acontece no Brasil é um processo maior e mais profundo do que está sendo simplificado pela retórica política. Os líderes do PT sabem disso, mas disputam, como sempre, a narrativa mais conveniente.

A narrativa terá que ser repetida muitas vezes. Ele tem outros processos a responder, como o do apartamento que usa ao lado do seu, ou o do sítio de Atibaia. Isso em Curitiba, mas em Brasília, ele foi denunciado em outros processos como os investigados na Operação Zelotes. No caso atual, o do apartamento do Guarujá, um dos argumentos da defesa é que o imóvel nunca foi dele, e que Lula o visitou como um potencial comprador. Por esse raciocínio, teria que ter havido a ocupação para então ficar claro que o apartamento fora dado a ele. O artigo 317 do Código Penal define corrupção de forma bem mais ampla. É “solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumila, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

Se aquela foi uma visita apenas de um pretendente comprador, que depois desistiu, é preciso explicar muita coisa. Por que a OAS refez todo o projeto, e apenas para aquele apartamento, indicando a personalização do imóvel? Por que os móveis da cozinha vieram da mesma loja que forneceu para o sítio de Atibaia e pagos da mesma maneira? Qual a origem da escritura rasurada? Havia uma conta-corrente, em cada empreiteira com negócios com a Petrobras, para pagar aos políticos e aos funcionários em postos estratégicos. A acusação diz que foi daí que saiu o dinheiro para o apartamento.

Há muitas outras dúvidas razoáveis. E sobre elas os juízes do TRF-4 construíram seus votos que vão divulgar hoje. A defesa, ao lado do argumento político, de guerra judicial, construiu também uma argumentação técnica para responder à acusação. No dia de ontem, ninguém tinha certeza da decisão final dos três juízes que vão julgar o caso. E isso é bom. Palpites, havia muitos. Mas essa dispersão de possibilidades dá a certeza de que a Justiça está fazendo seu papel e julgando segundo os autos. Se eles forem fracos, a sentença será reformada.

No dia 26 de setembro, o tribunal de Porto Alegre absolveu pela segunda vez o ex-tesoureiro do PT João Vaccari. Ele estava condenado a nove anos, numa ação, e 15 anos, em outra. O PT soltou uma nota em que disse que “a segunda absolvição do companheiro João Vaccari no TRF-4 mostra que o Judiciário pode sim corrigir as arbitrariedades da Vara de Curitiba”. Quarenta e dois dias depois, em outra ação, a sentença contra Vaccari foi reformada. Para mais. Em vez de dez anos de prisão, a pena foi para 24 anos. O desembargador Leandro Paulsen, um dos julgadores de hoje, que havia votado pela absolvição nas duas ações anteriores, disse que condenou porque pela primeira vez havia provas.

É dessa incerteza, das dúvidas, das possibilidades de recursos e das mudanças de sentenças que se faz uma Justiça independente. O dia de hoje é importante não pelo resultado do julgamento, mas porque o Brasil tem uma democracia forte o suficiente para investigar, denunciar, julgar políticos suspeitos, de qualquer partido. Até mesmo um líder popular e que por duas vezes ocupou a Presidência do país. Ninguém está acima da lei.

 


Eliane Cantanhêde: Terra, água e ar

 

No filme da Porto Alegre sitiada, quem é ‘o bem’, quem é ‘o mal’?

Isso é tudo o que o ex-presidente Lula queria: o centro de Porto Alegre sitiado por terra, água e ar, com atiradores de elite por toda parte e cenário de filmes de ação, para que os três desembargadores do TRF-4 possam dar um veredicto amanhã, pela sua condenação ou absolvição. Imaginem as imagens!

Com esse grau de dramaticidade, Lula vai tentar mostrar não só ao Brasil, mas ao mundo, o quanto ele é poderoso e “vítima” de uma elite que domina até o Judiciário e só pensa em riscar seu nome das cédulas de outubro. No filme lulista/petista, Lula é “o bem”, o juiz Sérgio Moro é “o mal”.

Se é capaz de culpar a Lava Jato pela falência do Rio e de passar a mão na cabeça de Sérgio Cabral, acusado de roubar da educação, da saúde e de tudo o que dependia de sua caneta de governador, imagine-se do que Lula é capaz para se safar ele próprio...

Assim como o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato fez de tudo para convencer as instituições e a sociedade na Itália de que correria o risco de morrer nas penitenciárias brasileiras, Lula faz agora o que pode e o que não pode para se dizer alvo do mesmo sistema torpe e de uma justiça contaminada.

Bem, a Itália mandou Pizzolato de volta, ele passou um tempinho na cadeia e já está livre, vivinho da Silva e sem um arranhão. O mesmo pode acontecer com Lula: sair dessa como qualquer réu, condenado ou absolvido, aguardando as outras ações. Ele não vai morrer por isso. Nem ele e tomara que ninguém, apesar do aparato de segurança e da ameaça da presidente do PT.

Soa estranho quando intelectuais não se horrorizam com a necessidade de aviões, navios e tanques para a segurança dos desembargadores, mas se metem a falar sobre autos que não conhecem, para inocentar Lula com a mesma sofreguidão com que seus adversários exigem a condenação.

Em sua condenação, Moro concluiu, grosso modo, que empreiteiras ofereciam o triplex a Lula com uma mão enquanto roubavam dinheiro público com a outra. Sob outro ângulo, que Lula negociava vantagem pessoal para deixar as empresas roubarem em paz. O TRF-4 vai julgar se há ou não provas e evidências disso.

Os opositores de Lula dispensam provas (?!). Os defensores alegam que ele tem o direito de comprar apartamento e alugar sítio. Ora, ora! Se ele tivesse comprado o triplex ou alugado o sítio de Atibaia não haveria nenhum problema, nenhum processo, nenhum fuzuê, nem aviões e tanques amanhã. O problema é justamente o contrário: ele não comprou nem alugou e é acusado de tê-los ganho num troca-troca entre corruptores e corruptos.

Outros defensores de Lula sugerem algo ainda mais bizarro: que os desembargadores anulem tudo, porque, afinal, Lula é Lula e eles devem jogar a Constituição, as leis e a responsabilidade no lixo para atender à pressão de quem? Dos intelectuais! Dos intelectuais do Direito ao menos? Não, de qualquer um que seja tratado como intelectual.

Muita calma nessa hora! O debate irascível, a guerra e a parafernália em Porto Alegre desrespeitam a Justiça e, repita-se, servem para endeusar ainda mais Lula, que conduz corações e almas e conspira contra a racionalidade, de um lado e de outro.

De nossa parte, o que se pode desejar é que o TRF-4 faça justiça. Como? Os três desembargadores, que estudaram Direito a vida toda, estão lá por concurso e se debruçaram sobre cada página da condenação de Lula, saberão como, para mantê-la ou não. O importante amanhã não é o que ocorrerá fora, mas dentro do TRF-4. Deixem os homens trabalhar!

As eleições são outra história: se é praticamente unânime que Cristiane Brasil não pode assumir o ministério por multas na Justiça do Trabalho, por que Lula deveria assumir a Presidência depois de tantas complicações na Justiça?

 


Merval Pereira: Tentativas vãs

A última tentativa da defesa é pedir, alternativamente à absolvição, a prescrição dos crimes, que teriam acontecido em 2009. No entanto, na sentença condenatória, o juiz Sergio Moro argumentou expressamente, nos itens 877 e 888, que parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas e igualmente, quando em meados daquele ano, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta-corrente geral da propina, segundo José Adelmário Pinheiro Filho. Foi, portanto, escreveu Moro, um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente.

Nessa linha, o crime só teria se consumado em meados de 2014, e não há começo de prazo de prescrição antes da consumação do crime. A tentativa de sustar o julgamento do recurso contra a condenação do ex-presidente Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro devido à penhora do tríplex do Guarujá, determinada por uma juíza de Brasília, é exemplo da forma como o caso está sendo politizado pela defesa.

A juíza Luciana Corrêa Tôrres de Oliveira, da 2ª Vara de Execuções de Títulos Extrajudiciais do Distrito Federal, apresentada pelos blogs petistas como apoiadora nas mídias sociais do PSDB e, portanto, isenta na decisão que supostamente dava uma prova inconteste de que o tríplex não era de Lula, e sim da OAS, teve que divulgar uma nota oficial para colocar as coisas em seus devidos lugares.

Começou esclarecendo que “a penhora do imóvel tríplex, cuja propriedade é atribuída ao ex-presidente da República na Operação Lava-Jato, atendeu a pedidos dos credores em ação de execução proposta contra a OAS Empreendimentos SA e outros devedores”.

Ela ressalta em sua nota “(...) que cabe ao credor, e não ao Judiciário, a indicação do débito e bens do devedor que serão penhorados e responderão pelo pagamento da dívida, conforme o atual Código de Processo Civil.”

Esse procedimento, evidentemente, não pode ser desconhecido pelos advogados de Lula, que mesmo assim decidiram levar adiante a farsa como se a juíza tivesse escolhido, entre os imóveis da construtora OAS, aqueles que seriam penhorados.

A juíza explicou em sua nota que “tal decisão não emitiu qualquer juízo de valor a respeito da propriedade, e nem poderia fazê-lo, não possuindo qualquer natureza declaratória ou constitutiva de domínio. Trata-se de ato judicial corriqueiro dentro do processo de execução cível, incapaz de produzir qualquer efeito na esfera criminal”.

Esse também é um esclarecimento que não precisaria ser dado a advogados minimamente competentes. Além de tudo, o imóvel não é nem mais da OAS, pois foi confiscado na sentença de condenação do expresidente pelo juiz Sergio Moro, está sequestrado criminalmente, sequer poderia ter sido penhorado. Por isso, já foi retirado da lista de imóveis passíveis de penhora.

Como se sabe, a acusação contra o ex-presidente não é de que a propriedade formal do tríplex seja dele, e sim que, ao contrário, ele seria o proprietário de fato, com situação encoberta por artifícios justamente para esconder o produto de um crime. Daí a condenação por lavagem de dinheiro.

Mesmo assim, os advogados do ex-presidente apresentaram o termo de penhora e a matrícula atualizada do Cartório de Registro de Imóveis do Guarujá, onde consta certidão sobre o empenho, como se esses documentos reforçassem a tese de que a “propriedade do imóvel não apenas pertence à OAS Empreendimentos — e não ao ex-presidente Lula —, como também que ele responde por dívidas dessa empresa na Justiça”.

Outra prova (sem trocadilho) de que os apoiadores de Lula estão tontos, em busca de uma saída contra a condenação, é a mudança do mantra que vinham repetindo há meses. Agora, em vez de “cadê as provas?”, histericamente brandido como argumento irrefutável, afirmam simplesmente que “não há crime”.

Deram-se conta tardiamente de que argumentar que não há provas implicitamente é uma admissão da possibilidade de que Lula não seja inocente, apenas não se consegue apanhá-lo por falta de provas.


Rubens Barbosa: A candidatura Lula

Vencido politicamente, o espectro petista que ronda o Brasil poderá ficar afastado de vez

A decisão do tribunal de Porto Alegre (TRF-4) sobre a manutenção ou não da condenação do ex-presidente Lula, a ser conhecida amanhã, não põe um ponto final numa das incertezas políticas do quadro eleitoral. Ao contrário, começa um longo processo de judicialização que não deverá terminar antes das eleições de outubro. Segundo vozes experientes e abalizadas nas tecnicalidades processuais, apesar da confirmação da condenação, Lula – sempre amparado por decisões judiciais – poderá ser indicado como candidato na convenção do PT, ser registrado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em agosto e estar com seu nome nas urnas eletrônicas. Comitês populares que se atribuem a defesa da democracia e o direito de Lula ser candidato, criados pelo PT, somados às declarações radicais de lideranças petistas poderão estimular um clima de insegurança e violência no País.

A partir do resultado do julgamento, o Brasil viveria uma situação paradoxal. Um candidato condenado pela Justiça, com registro eleitoral obtido por decisões judiciais, poderá ser votado e eventualmente eleito, não podendo, contudo, ser empossado, por força da lei das inelegibilidades (Lei da Ficha Limpa), a menos que haja decisão do STF em contrário.

Sempre fui favorável a que Lula pudesse ser candidato este ano, de modo a evitar que o líder petista tenha sua imagem de mito reforçada e continue com seu discurso de vítima de um golpe e impedido de disputar a eleição presidencial pelas forças de direita. E possa repetir o mantra da ilegitimidade do novo governo eleito, porque este teria ganho “no tapetão”, por pressão das elites rentistas contra os pobres e oprimidos, abrindo espaço para mais quatro anos de paralisia do governo e do Congresso Nacional.

Nesse contexto, a entrevista concedida por Lula no dia 20 de dezembro, apesar da grande repercussão na mídia escrita, passou sem uma análise mais detida. Em duas horas de conversa com a imprensa, dizendo-se não radical, criticou fortemente ex-aliados que votaram pelo impedimento de Dilma Rousseff e, em especial, as novas políticas do governo Temer. Populista, Lula defendeu a valorização do salário mínimo, o forte papel do Estado investidor e indutor do crescimento, a expansão do crédito, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos e a federalização do ensino médio, como se sua política econômica não fosse novamente quebrar o País. Acusou o programa de privatização de venda irresponsável do patrimônio público, condenou duramente a reforma trabalhista e não apoiou as da Previdência e a tributária, como estão sendo discutidas agora. Criticou sem muita convicção o combate à corrupção, dizendo que o dinheiro no exterior não foi recuperado, foi apenas legalizado, e defendeu a tese bolivariana do referendo revocatório. Na política externa, propôs retomar todas as “iniciativas altivas e ativas” que isolaram o Brasil e fizeram com que a voz do País deixasse de ser ouvida nos organismos internacionais. Em linhas gerais, defendeu de forma enfática as políticas dos 15 anos dos governos petistas e apresentou-se mais uma vez como o salvador da Pátria, com uma prometida carta aos brasileiros com as mesmas políticas dos últimos anos.

Minha convicção de que Lula deve ser candidato foi reforçada por essa entrevista, verdadeira plataforma e programa de governo. Alguns viram em tais declarações, muito radicais para uma eleição presidencial, o reconhecimento de que sua candidatura deverá ser impedida e que se trataria de plataforma política para eleger uma bancada petista no Congresso. Não creio que suas declarações tenham sido uma jogada tática, sinalizando ter jogado a toalha para a eleição presidencial. Minha percepção é a de que quis, mais uma vez, delimitar seu campo de ação, confiando na estratégia do “nós contra eles” e mostrando aos seguidores que, apesar das acusações de corrupção, ele e o PT mantêm todas as políticas que, na visão do partido e do candidato, deram certo.

Será importante que Lula possa concorrer para que a sociedade brasileira se manifeste sobre seu programa de forma definitiva. São inegáveis alguns avanços, nos governos petistas, na área social. Mas, sobretudo no segundo mandato de Lula e no governo Dilma, políticas econômicas equivocadas foram responsáveis pela profunda crise econômica e social em que o Brasil foi lançado. Não se podem ignorar os 14 milhões de desempregados, a grave crise fiscal e a maior recessão da História. Derrotadas politicamente, as propostas e atitudes divisivas de Lula ficarão superadas de forma legítima e não abrirão nenhuma possibilidade de contestação. O espectro petista que ronda o País poderá ficar afastado de vez.

Se Lula ganhar, poderemos ter uma nova e excitante experiência petista de governo e o Brasil estará comprando uma passagem direta para a Grécia (aonde, aliás, já chegou o Estado do Rio de Janeiro).

Ganhando um candidato de centro com uma agenda de reformas, o Brasil poderá voltar a olhar para a frente, com uma agenda de modernização que passe pelo aprofundamento das reformas e da revisão do papel do Estado, e com o enfrentamento das desigualdades e dos privilégios para tornar o País mais justo, mais democrático e mais sustentável, ou seja, justamente melhor e de forma mais permanente para os desfavorecidos. Com isso o País se tornará mais bem preparado para enfrentar as rápidas transformações em todos os campos do cenário internacional, que desafiam as instituições, os trabalhadores e os empresários.

As eleições de outubro de 2018 serão um divisor de águas para as futuras gerações. O voto definirá a volta às políticas do lulopetismo ou a visão do futuro. O Brasil terá de optar entre dois caminhos bastante distintos. Esse é o dilema que deve ser enfrentado para que o Brasil possa definir um rumo claro a ser seguido.

*Rubens Barbosa é presidente do Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (Irice)