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Luiz Carlos Azedo: Cenários da incerteza

A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração nas pesquisas. A candidatura de Geraldo Alckmin, que seria o candidato do centro, continua estagnada. Colabora para isso a crise do PSDB

A pesquisa Datafolha de ontem, em seus noves cenários, mostrou que a situação de incerteza política aumenta com a saída de Luiz Inácio Lula da Silva, embora a polarização entre o ex-presidente e o deputado Jair Bolsonaro, que assumiu a liderança (de 15% a 20% de intenções de voto), deixe de existir, exceto para os petistas. Sim, porque a pesquisa eleitoral ainda alimenta a estratégia de manutenção da pré-candidatura de Lula até que seja declarado oficialmente inelegível. Entretanto, também revela que isso pode ser um erro desastroso para o PT. A rejeição de Lula está em 53% e tende a crescer com a agenda negativa do petista nos tribunais, puxando para baixo seus índices de intenções de voto, que variam entre 37% e 34%, dependendo do cenário.

Com Jair Bolsonaro firme na liderança, Marina Silva se mantém em segundo lugar em todos os cenários, oscilando entre 8% e 16% (sem Lula). A entrada em cena de Luciano Huck, que consta de três cenários (varia de 5% a 8% de intenções de votos), puxa Lula para baixo e todos os demais candidatos que disputam a segunda colocação. Com Lula candidato, o apresentador aparece empatado com Ciro Gomes, que tem de 7% a 13% de intenções de votos, e Geraldo Alckmin, de 6% a 11%, mas perde para Ciro no cenário em que o petista está fora da disputa. Álvaro Dias (de 3% a 6%) vem logo atrás em todos os cenários. João Doria (de 4% a 6%) e Joaquim Barbosa (de 3% a 8%) completam o terceiro pelotão quando são incluídos na pesquisa. Resumo da ópera: a saída de cena de Lula pulveriza o quadro eleitoral na largada.

A estratégia petista pode virar um tiro no pé do candidato mais cotado para substituir Lula, o ex-governador Jacques Wagner. Embora tenha muita identidade com os militantes petistas e um reduto eleitoral consolidado, a Bahia, o petista teria que aguardar a impugnação do registro da candidatura de Lula para se tornar candidato, o que é temerário. Primeiro, porque o desgaste do ex-presidente da República deve aumentar por causa da Operação Lava-Jato; segundo, porque o tempo para Wagner fazer campanha se reduzirá dramaticamente. O ex-governador baiano tem apenas 2% de intenções de votos, um a menos do que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo. Sua substituição pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad não muda nada.

Centro órfão
A saída de Lula da eleição não trouxe grande alteração na pesquisa porque a candidatura do governador Geraldo Alckmin, que seria o nome do centro, continua estagnada. Colabora para isso a disputa interna do PSDB, na qual o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, vem fazendo duros ataques ao paulista, além das dificuldades que enfrenta para fazer a aliança com o PSB, do vice-governador Márcio França, que assumirá o governo e já anunciou que será candidato à reeleição, com ou sem apoio dos tucanos. O estranhamento com o presidente Michel Temer também atrapalha a candidatura de Alckmin, que não consegue ampliar suas alianças nacionalmente.

Essa situação estimula o surgimento de candidaturas de centro, que tentam ocupar o espaço vazio da eleição. O mais provável é que a pulverização se mantenha até o início do horário eleitoral, quando o volume de recursos partidários e o tempo de rádio e televisão começarão a fazer a diferença para os candidatos que conseguirem fechar coligações mais robustas. Essa é a aposta tanto de Alckmin como de ninguém menos do que o presidente Michel Temer se a reforma da Previdência for aprovada.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-cenarios-da-incerteza/


El País: “TRF-4 pode ter criado um lulismo mais radical, sem Lula e sem o PT, como é o peronismo, diz Lincoln Secco

Para o pesquisador da história do PT, ao condenar Lula, TRF-4 pode ter consolidado seu mito

Por André Oliveira, do El País

ma entrevista feita em dois tempos. O primeiro, em que ainda havia dúvidas e especulações sobre o resultado do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). O segundo, em que já se sabia que Lula havia sido condenado e sua pena, estipulada inicialmente em nove anos pelo juiz Sergio Moro, ampliada. O cenário mudou, tornou-se mais estreito, mas a avaliação de Lincoln Secco, professor da Universidade São Paulo e pesquisador da história do PT, manteve-se praticamente igual. Na conversa abaixo, ele fala sobre a decisão da Justiça, mas também traça um possível cenário político brasileiro que se avizinha em 2018 e nos próximos anos.

Pergunta. O resultado do julgamento do TRF-4 foi mais duro do que o esperado por muita gente. A tática do ex-presidente deve mudar agora?

Resposta. O que aconteceu foi um recado claro. Lula não pode ser candidato e deve ser preso como um exemplo. Agora, o PT vai reagir com força verbal à sentença, mas será difícil no curto prazo mobilizar resistência nas ruas, porque os dirigentes atuais não comandam mobilizações há 20 anos e desconhecem sua base social. Se Lula vai mudar de tática? Isso dependeria exclusivamente dele. Ele poderia sim recorrer a algum tipo de desobediência civil, resistência pacífica, manifestação de massa ou boicote às eleições. Isso mudaria tudo. Lula tem uma biografia consolidada à qual agora se acrescenta o papel de perseguido político. Ele foi condenado por ter um apartamento que não está em seu nome e no qual jamais morou. A percepção da sua base social vai mudar. Ele se torna vítima dos poderosos. As cenas do julgamento são simbólicas. É possível que os juízes tenham contribuído para consolidar o mito Lula por uma ou duas gerações e venhamos a ter um lulismo mais radical sem Lula e até sem essa atual direção do PT, como foi o peronismo depois de proibido oficialmente na Argentina.

P. Acredita que ainda há caminho para Lula reverter o quadro desenhado pela condenação?

R. O impeachment, o golpe parlamentar, não foi dado para devolver o poder ao PT. O julgamento de Lula não foi antecipado ao acaso. Havia a ilusão de que a elite do Judiciário não iria querer humilhar um ex-presidente da República e o próprio país com uma decisão tão dura. Até alguns golpe militares respeitaram os presidentes, mas não é o que a decisão de ontem aponta. Acredito que um tribunal superior pode até mudar a sentença, mas não inocentar o ex-presidente. Ao PT só resta pensar na substituição dele para garantir uma votação suficiente para sobreviver institucionalmente e, num outro ciclo da história, reconstruir suas bases de apoio. Para usar o jargão chinês: teria que ser uma guerra popular prolongada.

P. Dentro do PT há quem fale em uma segunda via com Fernando Haddad ou Jaques Wagner. Ainda há quem mencione um, agora mais improvável, apoio ao Ciro Gomes. Qual é seu palpite?

R. A não ser que o próprio PT seja inviabilizado, o que não está aparecendo no horizonte político deste ano, ele vai ter candidato. É muito difícil imaginar um apoio ao Ciro Gomes, especialmente depois da hesitação dele em apoiar o Lula diante do julgamento. Ficou muito claro que o Ciro Gomes, este sim, torce quase que explicitamente para que o Lula não seja candidato, já que ele seria diretamente beneficiado por isso. O PT terá outro candidato.

P. Quem? Fernando Haddad, Jaques Wagner?

R. Eu acho que o Lula tem sempre a capacidade de surpreender o mundo político. A escolha da Dilma foi inesperada e foi uma escolha pessoal dele. Então, em primeiro lugar, o PT vai investir na batalha jurídica e na propaganda de que o Lula é o candidato. Depois, pode ser até que ele venha a indicar um nome que não é nenhum desses que estão especulando. De qualquer jeito, o Jaques Wagner tem uma relação muito boa com o Lula. O Haddad já é um pouco mais difícil. Só que pode ser a Gleisi Hoffmann, que é a presidenta do partido, ou outro nome que o Lula pode tirar da manga. Outra questão, é que todos esses nomes que falamos não têm mandato executivo, ou seja, não têm uma máquina de Governo por trás. Para o PT, seria melhor, pensando eleitoralmente, que o candidato tivesse o apoio de uma máquina. Há o governador de Minas Gerais, Fernando Pimental, por exemplo, que já foi, inclusive, ventilado na imprensa.

P. A imprensa fala muito do cenário da esquerda, em que não há clareza sobre quem será o candidato. E no outro espectro político? Os nomes de alguns outsiders ao mundo político já foram testados, nada decolou ainda.

R. O Luciano Huck deve ter sido orientado a retirar o nome dele estrategicamente. O que quer dizer que não é uma saída definitiva. Acontece que ele foi precipitado. Ele se lançou cedo demais, o que poderia acabar em um bombardeamento e desconstrução anterior à campanha de fato. Só que ele é um possível candidato da rede Globo, então ele não pode ser deixado de fora do leque de alternativas do centro e direita do espectro político. Na ausência do Lula, acredito que o Jair Bolsonaro cresce. Embora ele não tenha máquina partidária, nós não estamos vivendo em um sistema político estável, como era o que vivíamos até 2013. Ele também é uma força a ser considerada. O problema da direita tradicional, ou do centro, como você preferir, é que vai ser difícil viabilizar um candidato com força, pois há o calcanhar de Aquiles chamado Governo Temer e as contra reformas implementadas por ele. Na minha visão, esse centro político se desfez porque ele não tem um discurso para ganhar eleições. Hoje, quem tem discurso é a extrema-direita e a esquerda. A esquerda sem candidato, favorece a extrema-direita.

P. Como presidente, o Lula já provou que não é um radical. Como entender essa contradição? Um político que nunca foi radical, ser tachado de radical?

R. Estamos vivendo um momento político tão irracional, que o Lula, que não é nada outsider, que tem uma vida pública de 40 anos, que comprovou inúmeras vezes que é um conciliador, que fez um Governo de conciliação nacional, que nunca apostou na luta de classes, agora é apontado como radical. Isso é fruto da crise do sistema político como um todo. Quando a Dilma foi derrubada e o PT foi jogado no canto do ringue, o PSDB, que era seu antagonista, também foi se esvaindo. Agora, a aparência radical que estão colando no Lula, passa a ter vigência concreta, porque a política não é apenas o que é, mas é o que parece. O Lula não é um radical, mas ele foi jogado nessa condição. Todo mundo que está na oposição eleva o tom. Isso é natural da política. E o Governo atual faz essa oposição ficar ainda mais virulenta. O Governo Temer é que é o radical à direita. Ele está implantando uma agenda de austeridade sem apoio da sociedade e de forma muito acelerada. Aí a oposição do Lula fica ainda mais evidente.

P. A partir de agora, é possível imaginar um PT concretamente mais à esquerda?

R. O PT já está um pouco mais à esquerda do espectro político, simplesmente porque foi derrubado e empurrado para a oposição. O que aconteceu de interessante também é que ele voltou a ser a legenda de maior preferência partidária, segundo as pesquisas. O PT é um partido ressuscitado. Agora, daí a acreditar que ele vai se tornar um partido radical, é muito diferente. Isso seria muito mais a cara do PT dos anos 1980 do que do PT de agora.

P. O fato de ter chegado a 2018 sem uma alternativa ao Lula revela um partido pouco democrático?

R. O PT não é nenhum modelo de democracia interna, mas, ainda sim, ele é o partido com mais participação de base do Brasil. Ele é muito mais democrático do que qualquer outro partido. Só que o peso do Lula é muito grande. O que eu acredito é que este peso tenderia a ser menor se não tivesse ocorrido a interrupção da trajetória do Governo Dilma. Certamente haveria uma renovação natural do partido. Agora, o Lula acabou sendo convocado por essa situação anômala a voltar a liderar o partido, pois ele tinha que usar isso em sua própria defesa. Ele próprio já declarou isso várias vezes, que estava quieto em São Bernardo, mas não deixaram ele descansar. Isso não quer dizer que ele ia abandonar inteiramente sua influência política, mas ele teria menos força se não tivesse havido o impeachment.

P. É comum ouvir que principalmente depois de Dilma houve um afastamento do PT em relação à base, além de uma burocratização de movimentos sociais. Contudo, a popularidade do partido, apesar de uma queda em 2016, está aumentando. Como entender essa contradição?

R. É o que eu já mencionei brevemente, acontece que o PT, sendo derrubado e com as medidas neoliberais do Governo Temer, é natural que ele volte a parecer um partido mais à esquerda. É um polo de aglutinação. As outras organizações não vingaram. A queda da Dilma não é só a queda dela ou do PT, mas de toda a esquerda. Ao mesmo tempo, houve um ressurgimento da base, um ressurgimento social do PT, mas isso está em contradição com a paralisia da direção política do PT. As pessoas se filiam ao PT porque esperam uma resposta que não pode ser meramente institucional, porque o PT diz para a sua base que houve um golpe, mas, ao mesmo tempo, a cúpula do partido só está pensando em estratégia eleitoral e jurídica, apelando para um Judiciário que ele mesmo diz que é politizado. O fato é que existe uma base eleitoral nova no PT, que se renovou, surpreendentemente em 2015, 2016 e 2017. O problema é que a direção do PT não lidera, de fato essa base. O PT precisaria se renovar internamente para dar uma função a essas pessoas, já que ele não é mais um partido organizado em núcleos de base.

P. E o que significa um cenário político no Brasil sem o PT?

R. Seria, com todo respeito, a "mexicanização" da política brasileira. Já temos um país conflagrado socialmente, com grande peso do narcotráfico e com organizações criminosas na cadeia. Sem o PT, ficaríamos sem movimentos sociais, sem a esquerda organizada para civilizar nossa sociedade civil. O PT poderia muito bem ser substituído por outra coisa, mas, historicamente, essas coisas levam décadas para serem construídas. A renovação estava acontecendo, mas foi interrompida. Se O PT perder sua relevância, não vai surgir uma alternativa para a esquerda do dia para a noite. Além disso, o chão da classe trabalhadora mudou muito em relação à década de 1980, quando o PT surgiu. Ela é muito mais dispersa e a esquerda tem muita dificuldade de se tornar representante disso.

P. Em 2016, o PT não conseguiu eleger o prefeito de São Paulo. O cenário eleitoral mudou de lá para cá?

R. Totalmente. O Lula, mesmo fora da cédula, será um ator fundamental do PT na eleição. Ele vai transferir votos, sem sombra de dúvidas. 2016 foi uma eleição anômala, porque o partido havia acabado de sofrer um impeachment. A popularidade do Lula era, mais ou menos, metade do que é hoje. E o PT estava empatado com o PSDB, com uma preferência que girava ao redor de 8%, hoje ele tem 20%. O cenário é outro. Além disso, há o Governo Temer, claramente rejeitado pela população, e o fato de que os adversários do PT estão completamente fragmentados.


Demétrio Magnoli: Sonhos suburbanos

“Esquerda” lulista escolheu capitalismo selvagem. Os três desembargadores do TRF-4 serviram-se do tríplex na Praia de Astúrias, no Guarujá, para contar uma história sobre o Brasil. Nos seus votos unânimes de condenação de Lula, eles discorreram sobre poder e patrimônio: a tenda do capitalismo de compadrio na qual convivem políticos e empresários. O futuro julgamento do caso do sítio de Atibaia, que também “não é do Lula”, provavelmente funcionará para o mesmo fim. Contudo, tríplex e sítio abrem-nos uma janela para outra paisagem, outra história e outro crime — um crime que só existe na esfera da política.

“Quem está no banco do réu é o Lula, mas quem foi condenado é o povo brasileiro com o golpe que eles deram”, reclamou Lula na Praça da República, perante duas dúzias de sindicalistas, reiterando o hábito deplorável de identificar-se com o “povo brasileiro”. E prosseguiu, usando sua fórmula predileta: “Lula é apenas um homem de carne e osso (nota minha: modéstia!). Podem prender o Lula, mas as ideias já estão colocadas na cabeça da sociedade brasileira. As pessoas já sabem que é gostoso comer bem, morar bem, viajar de avião, comprar carro novo, ter casa com televisão e computador.” Tríplex no Guarujá, sítio em Atibaia — é “gostoso” isso?

O paradoxo não terá escapado à percepção pública. Sob o governo Lula e a tríplice aliança PT-PMDB-PP, a Petrobras foi saqueada em R$ 88,6 bilhões, segundo cálculos da própria estatal, em balanço divulgado (e depois removido) em janeiro de 2015. Qual foi a contrapartida patrimonial do “garantidor geral do esquema”, como os desembargadores qualificaram Lula, se dermos como certo que o ex-presidente recebeu como presentes tanto o tríplex quanto o sítio? O primeiro está avaliado em menos de R$ 1,2 milhão. O segundo foi adquirido, em 2010, por R$ 1,5 milhão, e sua reforma custou R$ 700 mil, segundo planilha do departamento de propina da Odebrecht. São valores insignificantes, diante da operação de rapina da Petrobras.

Corrupção é corrupção, os valores são secundários. Mas o cotejo evidencia que o sonho de Lula era perenizar seu poder político e seu prestígio pessoal, não acumular patrimônio notável. Imóvel de novorico em edifício de estilo mais que duvidoso, o tríplex situa-se em praia atingida por vazamento de esgotos. Já o sítio de Atibaia, com seu lago, seus marrecos, seus pedalinhos e a improvável estátua de um Cristo Redentor, pertence à categoria das casas de campo da alta classe média paulista. “Gostoso”, segundo Lula, é trotar numa praia urbana com os netos, assar churrascos e derrubar cervejas em rodas de puxa-sacos do domingão. Os seus sonhos suburbanos converteram-se, desde 2003, na fonte de inspiração de um programa de governo. Até certo ponto, o Brasil foi reinventado a partir delas.

Releia o trecho programático do discurso da Praça da República. “Morar bem”, a laje e o puxadinho, “viajar de avião”, a CVC de janeiro, “comprar carro novo”, o Onix com caixas de som no compartimento traseiro, “ter casa com televisão”, a de plasma e tela grande — o “gostoso” do lulismo concentra-se no consumo privado, uma refração popular da receita tríplex mais sítio. Durante 13 anos, os oito de Lula e os cinco de Dilma, que abrangem o mais longo ciclo de expansão das economias emergentes, entre 2003 e 2010, o Brasil aplicou seus recursos naquilo que é “gostoso”. Quando as rendas extraordinárias se esgotaram, a Nova Matriz Macroeconômica dilmista conferiu um impulso derradeiro ao programa “gostoso”, catapultando a dívida pública às alturas de 74% do PIB e, de quebra, falindo a Petrobras, a Eletrobras e a Caixa Econômica.

O Brasil do lulismo está em todos os lugares, da periferia paulistana à Baixada Fluminense, passando pelos povoados de praia nordestinos, nas paisagens em alta definição de semianalfabetos com smartphones, puxadinhos sem massa corrida adornados de parabólicas, montanhas de lixo plástico e latinhas de cerveja arrastadas pelas chuvas, correntes de esgotos infiltrando-se pelos córregos — tudo sob a zoeira nauseante de igrejas barulhentas e o funk-pancadão de sentenças abomináveis. O capital social não é “gostoso” — ao menos no horizonte imediato da próxima eleição. Nos anos dourados que não voltam mais, nos esquecemos da escola, da praça, do parque, da calçada, da quadra pública, do saneamento básico, do ônibus, do metrô. A “esquerda” lulista escolheu o capitalismo selvagem do consumo privado, do crédito popular, do cartão magnético, das Casas Bahia e do Magazine Luiza.

Leandro Paulsen, o revisor da turma do TRF-4, classificou os atos de Lula como uma “imoralidade gravíssima”. A corrupção deve, certamente, experimentar a devida punição. Mas que ninguém se iluda. O tríplex, o sítio e mesmo a montanha de bilhões de reais extraída das arcas da Petrobras não formam a alma do lulismo nem o crime principal. O crime mais relevante, que não será identificado por um tribunal ou descrito na linguagem do Código Penal, são “as ideias” que “já estão colocadas na cabeça da sociedade brasileira”. Lula caminha rumo ao ocaso. Sua herança permanece, como ética e estética da destruição.

* Demétrio Magnoli é sociólogo


Elio Gaspari: Lula tenta a velha mágica do medo da rua

Manipulador do medo, Lula bota gente na rua e se oferece como pacificador. Desde que entrou na política, Lula mostrou-se um hábil manipulador do medo que o andar de cima tem da rua. Ele põe sua gente na praça, estimula bandeiras radicais e se oferece como pacificador. Quando os radicais passam a incomodá-lo, afasta-se deles. Essa mágica funcionou durante mais de 30 anos, mas mostrou sinais de esgotamento a partir de 2015, quando milhões de pessoas foram para a rua gritando “Fora, PT!”. Ele quis reagir mobilizando o que supunha ser seu povo, mas faltou plateia.

Agora o mágico reapresentou o truque. Ele informa que não tem “razão para respeitar” a decisão do TRF-4. Sabe-se lá o que isso quer dizer. Se é uma zanga pessoal, tudo bem. Pode ser bravata, pois ele cancelou a viagem à Etiópia e entregou o passaporte à polícia. Isso é coisa de quem respeita juízes.

Enquanto Lula é vago em suas ameaças, João Pedro Stédile, do MST, é mais direto: “Aqui vai o recado para a dona Polícia Federal e para a Justiça: não pensem que vocês mandam no país. Nós, dos movimentos populares, não aceitaremos de forma nenhuma que o nosso companheiro Lula seja preso”. A ver.

Em 2015, Lula defendia a permanência de Dilma Rousseff dizendo que era um homem da paz e da democracia, mas “também sabemos brigar, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas.” Viu-se que o temível exército de Stédile não existia. Na parolagem catastrófica da época, o presidente da CUT, Vagner Freitas, dizia que “se esse golpe passar, não haverá mais paz no país.” Houve. (A CUT remunerava seus manifestantes. Um deles, imigrante da Guiné, tinha o boné da central, mas não falava português. Estava na Avenida Paulista porque recebera R$ 30.)

Nas recentes manifestações dos Trabalhadores Sem Teto em São Paulo, a via Dutra e a Marginal Pinheiros foram bloqueadas com o incêndio de pneus. Eram mais de 50 pneus em cada bloqueio. Ganha um fim de semana em Pyongyang quem souber como se conseguem 50 pneus sem uma infraestrutura militante e incendiária.

O truque é velho mas, desta vez, apareceram dois personagens surpreendentes. Primeiro veio Gleisi Hoffmann, presidente do PT: “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar.” Na quarta-feira, diante da condenação de Lula, ela avisou: “A partir deste momento, é radicalização da luta”.

Gleisi Hoffmann não é uma liderança descartável. Foi Lula quem a colocou na cadeira. Admita-se que ela exagerou na primeira frase e foi genérica na segunda. É nessa hora que entra o comissário Luiz Marinho: “Se condenarem o Lula vão apagar fogo com gasolina. Depois, arquem com as consequências. A toda ação corresponde uma reação. Nós não estamos falando em pegar em armas, mas não vamos aceitar uma prisão para tirar Lula da disputa”.

Marinho é o herdeiro presuntivo de Lula e candidato ao governo de São Paulo. Presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e a CUT. Foi ministro da Previdência e defendeu correções nos benefícios de aposentados e pensionistas. Confrontado por um protesto que lhe bloqueava o caminho, o motorista do seu carro oficial avançou e feriu três manifestantes. Dias depois, o ministro comentou o episódio: “O pessoal veio agredir o carro”. Em 2008, Marinho elegeu-se prefeito de São Bernardo com uma campanha de barão, orçada em R$ 15 milhões. É um dos comissários petistas que podem ser encontrados com frequência na copa ou na cozinha de Lula. Antes do julgamento, no entristecido café da manhã de Lula com sua família, só havia dois amigos: Marinho e o advogado Roberto Teixeira.

Os sinais dados por Marinho e Gleisi indicam que há um flerte de Lula com os radicais que bloqueiam a Dutra com 50 pneus. Esse poderá ser mais um dos seus erros num processo que começou há muito tempo, quando ele decidiu alisar o pelo de petistas corruptos. Desta vez, tentando se colocar como vítima de um pacto sinistro, Lula queima o filme do coitadinho, inocente e perseguido. Alguns dirigentes petistas já compreenderam o risco e trabalham para aquietar o “Momento Nero” de Lula, até porque esse é um Nero de baile de carnaval.

 


Merval Pereira: Ambições liberadas

Lula condenado faz com que alianças saiam do armário. A virtual inelegibilidade do ex-presidente Lula, que depende apenas de tempo, não de interpretações jurídicas sobre a Lei da Ficha Limpa, que é inequívoca, está levando a que forças partidárias comecem a remontar suas alianças políticas para a eleição presidencial de 2018, fazendo com que saiam do armário ambições até agora reservadas. Entre elas estão candidaturas de partidos historicamente caudatários do PT e a de Marina Silva, da Rede, que está perdendo a cerimônia em relação ao partido que ajudou a fundar e a suas lideranças, inclusive Lula, a quem sempre preservou.

Até mesmo o PSDB ensaia passos mais ousados, como o seu presidente e candidato oficial à Presidência da República, governador Geraldo Alckmin, sugerir que o partido pode deixar de ter um candidato próprio ao governo do estado de São Paulo para apoiar seu vice, Márcio França, do PSB, em troca do apoio nacional dos socialistas à sua candidatura.

O PSB, que já apoiara o candidato do PSDB na última eleição presidencial, voltaria a estar longe do PT de Lula, especialmente diante do impasse jurídico existente. Se não der certo essa manobra, que é de difícil execução pois os tucanos governam São Paulo há 20 anos e não querem abrir mão disso, o PSB pode apoiar o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.

O mesmo acontece com o PDT, que já tem seu candidato próprio, o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes. PCdoB já lançou Manuela D’Ávila e o PSOL pode lançar Guilherme Boulos, o líder do MTST, que já começou a atacar Marina Silva por sua postura de apoiar a inelegibilidade de Lula, caso seja confirmado o veredicto do TRF-4 após os embargos nos tribunais superiores.

Ela ontem rebateu, com ênfase não habitual, as críticas de que não teria posições políticas claras. “Esta é uma percepção autoritária. Os partidos tradicionais de direita e de esquerda não defendem a Lava-Jato, e eu defendo a Lava-Jato. Defendem o foro privilegiado, e eu sou contra. Tentaram aprovar a anistia para o caixa dois, e eu fui contra. Isso é ter uma posição diferente ou não ter posição?”, contestou.

(...) “PT e PSDB, que nunca estão unidos, se uniram nesse propósito. Tanto que juntos apresentaram a ‘lei do abuso da autoridade,’ para tentar intimidar a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal, tentaram apresentar o projeto de lei para anistiar o caixa dois, se mantêm firmes na defesa do foro privilegiado, o que é uma afronta ao povo brasileiro”.

Para não deixar dúvidas no ar, Marina colocou no mesmo patamar PT e PSDB, classificando com exagero os sociais-democratas de “direita”, e defendeu que, após o julgamento de Lula, “é fundamental que tenham andamento os demais processos”, citando especificamente o do senador Aécio Neves, a quem apoiou na eleição anterior.

Marina, no entanto, continua mantendo proximidade com economistas ligados historicamente ao PSDB do Plano Real, mas que se desiludiram ultimamente com o partido. É o caso de André Lara Resende, que já esteve mais próximo da candidata da Rede e voltou a ser contatado agora, por insistência de Marina, que teve um encontro com ele na semana passada em São Paulo.

Outros economistas tucanos apoiam candidatos fora do partido, como Armínio Fraga, que segue conversando com o apresentador Luciano Huck, que pode voltar à disputa pelo PPS. Mas Pérsio Arida será o coordenador da candidatura de Geraldo Alckmin.

A possibilidade de que Marina Silva aumente sua força eleitoral com a saída de Lula faz com que ela se torne alvo de petistas e outros grupos de esquerda. O pré-candidato do PSOL à Presidência da República, Guilherme Boulos postou recentemente em seu perfil no Facebook um print de Marina Silva em que ela diz apoiar o trabalho da Justiça e as investigações da Operação Lava-Jato, insinuando que estaria ao lado dos adversários da esquerda.

Apoiadores de Marina responderam, também pelo Facebook, lembrando características da candidata que serão destacadas na campanha: mulher, negra, índia, nortista e filha de seringueiros. Que não responde por nenhum processo na Justiça, que não fez fortuna na política e cujos familiares permanecem tendo uma vida simples e dedicada ao trabalho honesto.

Com apoios à esquerda, de ex-companheiros que, como ela, se desiludiram com o PT, e com os tucanos também em crise de identidade, Marina defende que a campanha seja feita à base de ideias e programas. É uma boa proposta, mas resta saber qual será o seu programa. Temas delicados, como a reforma da Previdência, terão que ser debatidos, e certamente não são populares.

 


Eliane Cantanhêde: Guerra insana

Ao bombardear a Justiça, PT corre o risco de se isolar e virar grupelho radical

O Judiciário brasileiro avançou ao máximo no combate à corrupção, ao começar a investigar e prender políticos ilustres, mas só agora vira alvo ostensivo de um bombardeio, ao condenar, em primeira e segunda instâncias, o líder mais popular desde a redemocratização, ninguém menos que Luiz Inácio Lula da Silva. Petistas se armam até os dentes e conclamam aliados e militantes para uma guerra insana contra juízes, magistrados e procuradores.

Já no mensalão, as baterias focaram o Supremo, até mesmo contra o ex-ministro Joaquim Barbosa, que foi nomeado por Lula e pode ser tudo, menos tucano ou adversário histórico do PT. Depois, na Lava Jato, voltaram-se para Sérgio Moro, de uma nova geração de juízes, desconhecido e fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília.

Barbosa foi atacado enquanto presidia o STF e condenava José Dirceu e outros nomes de peso do PT. Moro passou a personalizar o “mal”, o juiz que persegue politicamente Lula, depois de corajosamente se debruçar sobre a implosão da Petrobrás.

Quem não tem defesa parte para o ataque. Se os advogados de Lula e líderes do PT, MST e MTST não conseguem uma linha de defesa mais consistente do que um refrão – “o triplex não era dele” –, partem para cima do Judiciário e ameaçam incendiar o País. Aliás, com o eco, perigosíssimo, até de ministro do Supremo.

Como não são só o PT e Lula que têm “divergências” com a lei, mas, entre outros, também o MDB, parceiro de chapa e hoje adversário dos petistas e presidindo o País, que tal o PT montar seu exército com Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima e Henrique Alves no ataque à Justiça?

Afinal, se Lula pode ser preso após condenação em segunda instância (caso do TRF-4), essa turma do PMDB já foi toda parar na cadeia, preventivamente, antes da própria condenação. E o PT pode ainda recrutar Renan Calheiros, líder em processos no Supremo, dissidente do governo Temer e já aliado a Lula.

Passada a ironia, é assim que a Lava Jato avança sobre governadores, ministros, prefeitos, os maiores empreiteiros, os reis da carne e grandes executivos das estatais, com uma penca de presos “ilustres”, mas só agora, diante da condenação de Lula, se arma uma guerra contra o Judiciário.

Uma bravata do emedebista Romero Jucá – “estancar a sangria” –, dita num encontro-lamentação de emedebistas, a portas fechadas, virou um escândalo e gerou até processo, lembram? E o que dizer das ameaças bem mais concretas, feitas pela cúpula e por parlamentares do PT em público?

É uma estratégia perigosa, porque atiça os monstros, e arriscada, porque ataques geram defesa. Quanto mais Lula e o PT ameaçarem juízes e desembargadores, mais eles se unirão. E a sociedade, espectadora, não vai pegar em armas, incendiar nem morrer por um condenado por corrupção, seja ele quem for.

Em nome de uma guerra pró-Lula e contra a Justiça, o PT pode estar jogando fora de vez a sua história, a opinião pública e os fundamentais apoios que colheu para eleger Lula em 2002 e torná-lo o presidente mais popular após a redemocratização.

Ok, o PT gosta de se contrapor teoricamente ao mercado, mas os bancos nunca tinham lucrado tanto neste País como nos governos Lula e, agora, a Bolsa bate recorde e o dólar cai após o aumento da pena de Lula. A perda dos bancos, sempre tão pragmáticos, pode indicar que o PT se isola e caminha para se tornar um grupelho de esquerda raivosa.

Isso é péssimo. A democracia brasileira precisa de um contrapeso e uma alternativa como aquele PT que subiu a rampa com a “Carta ao povo brasileiro”, não desse PT que quer explodir rampas e pontes e, diante de tantos alvos, apontar a artilharia logo para a Justiça e o maior combate à corrupção da história.

 

 


Fernando Gabeira: Delírios tropicais

Ouvindo pelo rádio o julgamento de Lula, parece que a novela não terá fim

Seguir na estrada um longo julgamento como o de Lula é curioso. Há momentos em que a internet vai para o espaço e as emissoras de rádio desaparecem com zumbidos e estalos insuportáveis. O interessante é ouvir muitos programas diferentes, na medida em que passamos pelo raio de ação das emissoras. Não é a mesma coisa que a Coreia do Norte, onde aquela mulher com trajes típicos anuncia os foguetes de Kim Jong-un. A cobertura é bem desconstraída, até um pouco vaga. Num dos programas, o comentarista reclamava: o juiz está chamando cozinha de kitchen, usando a palavra em inglês.

Imediatamente, alguém vem em socorro e explica que Kitchen é marca da cozinha, a mesma comprada para o tríplex de Guarujá e o sítio de Atibaia, ambos atribuídos a Lula. Em seguida, começam as projeções. Alguns calculam que os recursos vão demorar tanto que Lula poderá ser presidente antes de todos serem julgados.

Isso não confere com minha visão. Mas o que fazer? Havia também uma grande excitação sobre o resultado, algo que para mim era previsível, tanto que já tinha escrito sobre essa novela e esperava o seu fim para que se possa discutir o que importa: a reconstrução do país.

O que senti ao longo do caminho, ouvindo fragmentos de debates, foi uma sensação de, para muitos comentaristas, a novela não pode acabar nunca. Os recursos, restam os recursos. Cada recurso será um capítulo à parte da novela e assim, segundo eles, vamos ter confusão até o fim da campanha de 2018.

Tinha de escrever dois artigos à noite. Fiquei temeroso: será que minha visão não é simples demais? Esperava esse resultado, achava-o um desfecho previsível apesar de toda a marola do PT. Já tinha a experiência do depoimento de Lula em Curitiba. Tudo normal.

Num tema tão emocionalmente carregado como esse, era natural que a fronteira do delírio fosse muitas vezes transposta. Gleise Hoffman, por exemplo, teve visões. Conseguiu achar um cartaz pro Lula na torcida do Bayern. Na verdade, era um cartaz escrito Forza Luca, um torcedor que está internado. O deputado cearense José Guimarães viu ônibus levando apoiadores de Lula da fronteira, mas eram apenas ônibus transportando sacoleiros.

Mas os comentaristas não estão livres de alucinações. Uma delas é imaginar um presidente dirigindo o país da cadeia.

No fim da tarde, a maneira como descreviam o resultado de 3 a 0 me desconcertava. Como escrever artigos daqui a pouco? Entendi que Lula foi condenado por unanimidade. Ouvi, e nesse momento o som do rádio estava audível, que ele deve cumprir a pena na prisão.

Como interpretar frases como essa: com essa condenação o destino eleitoral de Lula ficou incerto? Para um viajante na estrada, com pouca conexão, a tendência é achar que uma pessoa condenada a 12 anos de cadeia tem um destino muito mais definido do que a maioria dos mortais que circula em liberdade.
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Para mim, a leitura de uma condenação unânime e a conclusão de que a pena deve ser cumprida em regime fechado é o dado essencial. Os comentaristas davam uma volta nele, como se não existisse. Só tratavam da eleição de Lula e, com alguma volúpia, das confusões jurídicas que projetavam para o futuro.

Na estrada concluí que havia uma diferença de enfoque. Todos estavam concentrados na eleição de Lula. Mas o que está em jogo a curtíssimo prazo é a liberdade de Lula. Para que Lula continue representando o candidato que vai salvar o Brasil, é preciso que alguém o liberte. Nesse caso, as esperanças vão se voltar para o Supremo, mais especificamente Gilmar Mendes. Aí, sim, talvez tenha alguma emoção no futuro. O Supremo teria de mudar seu próprio entendimento para que Lula não fosse preso, após o julgamento em segunda instância.

Se isso acontecer, será a revelação final de como a instituição faz parte do sistema político e apodreceu velozmente com ele. A ideia de que a lei vale para todos vai ser contestada de uma forma pedagógica.

O Supremo teria de rever às pressas sua decisão, contrariar abertamente a sentença explícita do TR4. E afirmar que Lula não pode ser preso, exceto quando se esgotarem todos os recursos, inclusive no próprio Supremo. Vejo um cenário desse tipo com certa frieza. Afinal, como dizia Guimarães Rosa, o que tem de ser tem muita força. Alguns ministros, como Marco Aurélio Mello, já declaram que a prisão de Lula vai incendiar o país. Vai ficar mais claro ainda o papel do Supremo na degradação nacional e sua cumplicidade objetiva com a corrupção dos políticos.

Há sempre um incêndio no futuro. Na semana passada, era o resultado do júri. Agora, suas consequências. Muitas ameaças não cumpridas acabam sendo a única uma forma de argumentar. E ela fracassa quando se perde o medo de viver numa sociedade em que todos pagam pelos seus crimes.

Em vez de inventar uma saída para Lula, um Supremo com um mínimo de vergonha na cara deveria estar fechando a dos outros políticos, protegidos pelo foro privilegiado.

 


Bolívar Lamounier: O Brasil na encruzilhada

Seremos capazes de aproveitar a chance de recuperação que parece estar se formando?

A condenação de Lula pelo Tribunal Federal da 4.ª Região (TRF-4) no dia 24 do corrente tem o potencial de alterar em profundidade o quadro político, dividindo-o em dois cenários claramente opostos: um, extremamente negativo e o outro, assaz alvissareiro. A premissa geral, em ambos os casos, é a de que a força eleitoral de Lula tem sido o principal obstáculo à superação da crise que o Brasil vive há vários anos. Nesse sentido, designarei o primeiro como um cenário de aprofundamento e o segundo como um cenário de superação da crise.

O ponto nevrálgico do primeiro começa com as possíveis reações do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus satélites de esquerda à condenação de Lula – notadamente a explícita incitação à violência – e se completa com acidentes de percurso mais ou menos previsíveis. O segundo vai no sentido oposto, caracterizando-se por um adequado equacionamento das dificuldades previstas no primeiro e delineando uma boa oportunidade de deslancharmos de vez na trilha da recuperação.

Que o PT, seus pequenos aliados de esquerda, os chamados “movimentos sociais”, uma ala do clero e dos movimentos sindical e estudantil encetarão reações raivosas, disso não há dúvida. Nada permite supor que se disponham a fazer uma reavaliação sincera dos precários fundamentos conceituais de sua ideologia.

Tais setores se inclinam para o confronto, são adeptos da ação direta e de uma atitude ambígua em relação ao regime democrático. O lançamento da candidatura Lula logo após a sentença do TRF-4 é um indicativo da estratégia que tentarão articular.

Nesse quadro, o primeiro acidente de percurso a considerar é a resposta do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizando ou não o início da execução da sentença logo após o esgotamento do período de embargos declaratórios. Não podemos esquecer que a composição atual do Supremo foi decisivamente determinada por Lula e Dilma e que alguns de seus membros parecem entender seu papel basicamente como o de soltar, nunca o de prender. Nessa hipótese, teríamos um condenado por unanimidade e com acréscimo de pena arengando pelo País, tratando de firmar sua candidatura à Presidência como um fato irreversível. Escusado dizer que a motivação dos raivosos a que antes fiz referência para defender seu líder, vítima de um suposto complô, subiria à enésima potência. Alguns proporão “partir para o pau” – bloquear avenidas e estradas, impedir a circulação de veículos –, outros advogarão uma atitude de cautela e racionalidade, prevendo que cedo ou tarde Lula retornará travestido de dom Sebastião.

É certo que, mesmo preso, Lula não necessariamente conservará uma aura de mártir suficiente para levar multidões de raivosos à rua. Com o tempo a raiva poderá tornar-se entrópica, ou seja, consumida entre eles mesmos, em ataques mútuos. Acrescente-se que não há entre os políticos eletivos do partido nenhum que se preste ao papel de representante interno do grande líder injustiçado. O mais provável é que, como na Argentina, bata um punho fechado no peito, jurando ser o mais lulista dos lulistas – sem maiores consequências. Vistas as coisas por esse ângulo, teríamos um cenário de desastre bastante atenuado, que mal faria jus ao nome, a menos, naturalmente, que um novo e grave acidente acontecesse nas eleições presidencial e congressual deste ano. Da cadeia, terá Lula a capacidade de canalizar sua massa de votos para um Ciro Gomes, um Bolsonaro, um Haddad ou para um poste qualquer? Pode ser que sim, pode ser que não.

O que até aqui se expôs permite inferir que as chances de um cenário de recuperaçãoaumentarão muito se a sentença de 12 anos e 1 mês começar a ser executada de imediato, como determinou o TRF-4. Fortalecida pelo julgamento de Lula, a Lava Jato poderá evitar o desgaste público que começava a ameaçá-la e seguir em frente com seu trabalho. Certos setores empenhados em enfraquecê-la – refiro-me aqui em particular ao Senado e ao STF – terão de medir melhor os seus passos.

Na construção mental de um cenário relativamente otimista, a questão crucial é, sem dúvida, a eleição, sobre a qual pairam três graves indagações. A primeira é reverter o presente quadro de fragmentação e potencial polarização num quadro mais convergente. Por enquanto tímida, a recuperação econômica poderá ganhar um pouco mais de força, revertendo em parte o pessimismo e a hostilidade à classe política que se formou nos últimos anos. É uma possibilidade, mas não são favas contadas.

A segunda é que, embora o script tenha melhorado muito, o elenco não parece à altura. É um tanto insosso. Não há um candidato natural, capaz de empolgar os corações e as mentes. Por último, e mais importante, mesmo com o upgrade que reconheço ter havido no script, não temos sinais de um programa, uma agenda, uma plataforma à altura do que o País precisa e merece. Precisamos de propostas arrojadas para a economia, a administração pública, a educação, mas o que vemos são esforços isolados e não devidamente “fulanizados”, ou seja, associados a candidatos e partidos relevantes.

Nunca será demais lembrar que o Brasil é um país extremamente pobre. Nossa renda anual por habitante mal alcança US$ 11 mil, um número pífio por qualquer critério que se queira usar. Na administração pública, temos um quadro de servidores corroído até a medula pelo corporativismo e pelo grevismo, sem a competência, o orgulho profissional e o respeito pelo público que deveriam ser seu apanágio. A maior cidade da América do Sul está sitiada pelos transmissores da temível febre amarela.

Uma chance de recuperação parece estar se formando. Seremos capazes de aproveitá-la?

* Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e autor do livro ‘Liberais e antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016).

 

 


Alon Feuerwerker: Abre-se o espaço para um líder político rumo a 2019. E quem ganha com a saída de Lula da corrida

Lula está fora da candidatura presidencial. A chance de ele ser autorizado a participar é 1%. Os adversários trabalharão para que fique fora também da campanha. Se for preso, não poderá subir em palanques, articular apoios ou gravar. Será uma baixa de peso para seu campo, ao menos no curto prazo. Sem Lula na operação, cresce o risco (ou esperança) de dispersão.

Até 24 de janeiro, a esquerda vinha trabalhando a disputa eleitoral com parâmetros algo normais. Lula esticaria o enredo até quase o final, daí escolheria um estepe, os nomes alternativos teriam cada um sua votação, e se juntariam todos no segundo turno. Mas o ambiente da decisão do TRF-4 fez cair a ficha: usar padrões de normalidade em épocas anormais tem custo.

A novidade na conjuntura pós-TRF-4 é que a esquerda passou a compartilhar o principal problema da direita: a dificuldade de convergir rapidamente para um nome e ganhar massa crítica antes do outro campo. Quem junta massa crítica primeiro passa a exercer força gravitacional sobre possíveis dissidências do lado inimigo. Assim se ganham, e se perdem, as eleições.

Se antes o maior risco da esquerda era Lula ser definitivamente impugnado a menos de vinte dias da urna, quando a lei já não permite substituir, agora isso se inverteu. Lula está na prática inviabilizado eleitoralmente e não se vislumbra uma solução rápida de substituição. E a tática “Eleição sem Lula é fraude” será um ruído adicional na hora de vender um possível substituto.

Se a eleição estava mais ou menos desenhada de um lado, mas algo bagunçada do outro, agora a bagunça espalhou-se. E quem vai se dar bem no novo cenário? As pesquisas vão mostrar, mas é legítimo projetar que a vantagem estará com o nome que exibir capacidade de exercer liderança política. Se um líder sai, é razoável acreditar que haverá espaço para outro.

A rigor, até 24 de janeiro havia dois líderes: Lula e Bolsonaro, e não me refiro a líderes de pesquisa. Agora, só resta por enquanto um: Bolsonaro. Não é totalmente fora de propósito especular, inclusive, que o deputado ultraconservador herde um pedaço do espólio lulista. Assim como é possível Marina recolher uma fatia. Essa deve ser a configuração provisória imediata.

Que será chacoalhada se e quando aparecer um novo líder pela esquerda, ou um líder “por transferência”, e/ou quando e se surgir um desafiante musculoso para Bolsonaro na direita. Não precisa ser imediato. Mas os dois lados tampouco têm todo o tempo do mundo. E, de novo, quem chegar antes no riacho vai beber água limpa. Para isso terá de trabalhar. E já.

A demanda pelo líder cresce à medida que se frustram as expectativas de uma recuperação econômica vistosa. Disso dependeria a força gravitacional da continuidade. E o apelo eleitoral do “gestor”. Sem isso, a mudança prevalece. E a demanda por mudança anaboliza precisamente o cacife dos líderes, gente especializada em materializar a esperança de um bom futuro.

Assim, chegamos à hora em que a competência política separará os homens, ou as mulheres, dos meninos, ou meninas. No vácuo pós-TRF-4, largará na frente quem aparecer com uma solução que acenda antes a fagulha da esperança e, ao mesmo tempo, tenha os pés no chão da governabilidade. A configuração ótima. Mas sem o ótimo haverá sempre mercado para o bom.

*

Debate-se muito sobre o próximo presidente, na ilusão de que chegando ao Planalto com a força do voto ele terá músculos para “fazer o que precisa ser feito”. Só que não. Prestar atenção na composição do próximo Congresso e em como vai evoluir até lá a relação entre o Judiciário e os demais poderes talvez seja tão importante quanto.

O principal risco político de 2019 não está na possível eleição de A ou B, mas na quase certa extrema dificuldade que B ou A terão para exercer o poder numa Brasília feudalizada e onde pululam centros alternativos de força, que só estão de acordo entre si na manutenção dos próprios privilégios. Uma democracia progressivamente disfuncional, tendente à paralisia.

Feliz 2018 a todos.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


Marco Aurélio Nogueira: Depois do julgamento

Há um cansaço cívico (ético-político) por se manter o caso Lula no centro da vida nacional

Com a confirmação da condenação de Lula pelo TRF-4, abriu-se uma clareira na política nacional. Em que pesem o componente dramático do fato e toda a controvérsia jurídica que cerca o julgamento, o fato é que ele atinge uma das figuras mais populares da história brasileira recente. Alguns alegam que Lula nada fez de errado e foi julgado pelo conjunto da obra; outros, que não há provas que confirmem as acusações. E há quem diga que tudo não passou de estratégia para afastá-lo da disputa eleitoral, numa demonstração de que a Justiça perdeu as estribeiras.

Continuaremos a discutir o tema e a nos dividirmos diante dele. Talvez por muito tempo.

Por vias transversas, porém, estamos sendo obrigados a fazer um balanço dos últimos tempos e rever estratégias que, por uma via ou outra, tentaram fortalecer a democracia. Hoje vivemos num país sem projetos e programas claros de ação.

Precisamos escapar da reiteração passional do discurso de amor e de ódio ao Lula, razão de tantas divisões e de tanto atraso na formulação política do progressismo brasileiro. Aos poucos poderemos enveredar por um caminho mais laico de luta, que não se renda à narrativa simplista de que tudo o que acontece no Brasil deriva de um “golpe midiático-judicial”, implacável na perseguição à esquerda e a Lula em particular. O País é bem mais complexo do que deseja essa vã filosofia do golpismo das elites.

A partir de agora haverá mais espaços para que se atualize a compreensão das vias a serem trilhadas para que o País avance. Desfazem-se as ilusões de que tudo depende de alguém revestido de um magnetismo ímpar, que traz nas mãos o futuro da Nação. Um novo programa terá de frutificar para que se ataquem as mazelas socioeconômicas e se invista numa pedagogia cívica que tenha a marca do progresso social e da democracia. Uma nova cultura de governo e de prática política precisará avançar com rapidez. Os candidatos serão instados a tomar posição sem subterfúgios perante a exigência nacional de que a corrupção seja arquivada como conduta política, nas suas variadas manifestações, do ilícito administrativo à obtenção de vantagens pessoais, da formação ilegal de reservas eleitorais à cobrança de comissões obscenas nos contratos públicos.

Ao menos por um tempo a vida política continuará intoxicada pela polarização criada por Lula. O “nós” daí decorrente, porém, tenderá a encontrar um caminho menos grandiloquente. O mito vai sobreviver, mas seu brilho tenderá a esmaecer.

Um país sem mitos políticos, a rigor, não existe. Seria um arranjo imperfeito, vazio de simbolismo, carente de animação. Mas mitos não precisam ser levados como estandartes que cegam e vetam o pensamento crítico. Podem e devem ser humanizados, extraídos da esfera do sublime, fixados no chão da terra: uma pessoa igualzinha a todas as outras, que comete erros, tem suas paixões, suas taras e seus defeitos, seus méritos e deméritos, falha e envelhece como o mais comum dos mortais. Sua diferença específica não é mágica, mas funcional, de talento e de disposição ao sacrifício.

A condenação de Lula funciona como um soco no imaginário nacional. Mas está longe de representar uma tragédia ou o fim de uma época. Incentiva a reflexão e estende um convite a que se redefinam os personagens que ocuparão o palco principal. Não é razoável que o País continue a girar em torno de uma polarização que se reproduz por inércia. É preciso que a realidade seja reprocessada como um todo, para que suas contradições, que são muitas, saiam à luz do dia.

O desfecho do julgamento de Lula não causa mais indecisão do que já se tinha. Ao contrário, pode levar à recuperação de uma racionalidade reformadora que estava perdida. Não retira credibilidade do processo eleitoral de 2018: pode valorizar as escolhas eleitorais, chamar os cidadãos para a esfera pública e instituir uma relação de novo tipo com o Estado e a comunidade política.

Lula seguirá fazendo campanha País afora. Permanecerá com um recall importante, mas terá de elaborar o impacto da condenação e o risco de prisão. O PT vai mostrar se é ou não maior que sua liderança principal, se continuará fazendo dela o seu biombo e lhe transferindo todo o vigor partidário.

Será tentado a levar a candidatura de Lula às últimas consequências, pois não dispõe de um nome alternativo e precisa ganhar tempo para se reposicionar no território político das esquerdas que aceitaram seu protagonismo nos últimos tempos. Não poderá mais enquadrá-las por uma posição de força. Terá de se abrir ou para a formação de uma “frente de esquerda” desde logo, ou para uma multiplicidade de candidatos que convirjam num eventual segundo turno. Serão decisões difíceis, a serem tomadas por um partido que perdeu alguns de seus ativos nos últimos anos e costuma ter uma vida interna tensa e intensa.

Nas tratativas que haverá, o PT terá de redefinir o slogan “eleição sem Lula é fraude”, que provoca atrito com todos os que decidirem permanecer a sério na disputa. A estratégia mais afastou do que agregou. O slogan talvez alimente o radicalismo e a passionalidade de alguns militantes, mas é um bumerangue que precisará ser desativado. Sob pena de fazer o PT desidratar. A “radicalização” anunciada por Gleisi Hoffmann terá de se haver com a perspectiva de sobrevivência política do partido.

O problema é que a sociedade está saturada de polarização política. Há um cansaço cívico (ético-político) diante da manutenção do caso Lula no centro da vida nacional. O que coloca um ponto de interrogação na eventual manutenção da estratégia de judicialização radicalizada da candidatura do ex-presidente.

Apostar no desgaste das instituições, em particular da Justiça e das eleições, não é a opção mais razoável. Como, de resto, ficou evidente ao longo do próprio processo que culminou na condenação de Lula em segunda instância.


Míriam Leitão: Futuro imediato

As lutas de Lula nas frentes política e criminal. A visão mais frequente nos meios jurídicos é que existem espaços para adiar a prisão do ex-presidente Lula, mas não existem espaços para evitar a inelegibilidade. Pode-se evitar a prisão agora, com medida liminar suspensiva, tanto no STJ quanto no STF. Já a Lei da Ficha Limpa é de aplicação quase automática. A defesa precisará ser mais eficiente do que foi até agora porque os recursos têm que ser sólidos.

Os pedidos de habeas corpus que certamente serão impetrados pelos advogados de Lula serão decididos pelos ministros Felix Fisher, no STJ, e Edson Fachin, no Supremo. Os HCs podem pedir a suspensão da ordem de prisão ou podem requerer anulação da condenação. Deferido ou indeferido o HC, os ministros vão querer levar imediatamente a plenário. Ninguém quer ficar com o peso de uma decisão solitária sobre essa questão. A liminar pode ser concedida, ou não, mas o ministro deve buscar a visão do colegiado. Há uma pressa políticoinstitucional de que isso seja decidido e a tendência dos juízes é distribuir o ônus da decisão com o pleno de cada tribunal. Uma fonte que acompanha detidamente tudo o que se passa nos julgamentos da LavaJato acha que há mais chance de o HC ser concedido no Supremo do que no STJ.

O fim do julgamento no TRF-4 é questão de semanas. A defesa tem um pouco mais de tempo do que se imagina, porque os dois dias para os embargos de declaração começam a contar a partir do momento em que os advogados abrirem os autos eletrônicos e eles têm dez dias para fazer isso. Certamente, os autos serão abertos só ao fim desse tempo. Mesmo assim, quem acompanha a maneira de atuação do TRF-4 acha que no final de fevereiro ou no começo de março devem estar julgados os embargos de declaração. Eles são, como se sabe, breves e simples. Têm que discutir apenas pontos obscuros da decisão, sem qualquer rediscussão de prova.

Aliás, mesmo nos tribunais superiores não se discutirá mais a validade das provas, porque do ponto de vista processual, explicam os juristas, toda a discussão “fática” acaba na segunda instância. Agora, os advogados podem alegar vícios do processo. Vão, certamente, discutir novamente se o juiz Sérgio Moro e a 13ª Vara tinham a competência de julgar o caso. A defesa alegou junto à segunda instância que não era o foro adequado porque o dinheiro da OAS para as obras no triplex não veio de contratos da Petrobras. Se não é Petrobras, não deveria ser Moro. Isso foi derrubado insistentemente no TRF-4, mas eles podem levar a mesma questão ao STJ. Se fosse aceito, o julgamento poderia ser anulado. Nos meios jurídicos, a avaliação é que isso tem pouquíssima chance de acontecer. A concessão de qualquer recurso não é automática, ele precisa ter alguma procedência para ser analisado.

A decisão do Supremo sobre prisão em segunda instância não é mandatória. Pelos termos da decisão do STF — que sempre pode ser alterada — foi permitido ordenar a prisão após condenação em segunda instância, mas não tornou a prisão automática ou obrigatória. Contudo, o que já foi determinado pelo desembargador Leandro Paulsen é que, esgotados os recursos no TRF-4, o juiz de primeira instância deve mandar cumprir a ordem. Em outras palavras, que Moro mande prender Lula. Para evitar isso, os advogados entrarão com Habeas Corpus.

Quanto ao Direito Eleitoral, a aplicação é tão clara que um ministro do TSE diz que Lula, no momento, tem “inelegibilidade aritmética”. Basta se cumprir essa curta reta final. A ideia de que será preciso esperar até 15 de agosto, prazo final do registro de candidaturas, para se saber se o ex-presidente será ou não candidato, não faz sentido, segundo essa autoridade. A Lei da Ficha Limpa é clara sobre a impossibilidade de qualquer condenado em segunda instância concorrer a cargo eletivo.

O PT só conseguiria manter a candidatura se tivesse êxito na tentativa de suspender a condenação criminal no STJ. Do ponto de vista da política real, os efeitos desse impedimento de se candidatar estão acontecendo agora. Na política, como no mercado financeiro, tudo acontece antes do fato. Os possíveis candidatos em cada estado já estão formando suas alianças neste momento, e, portanto, vão querer saber quem será o candidato do PT.


Roberto Freire: Lula, condenado e ficha suja

Uma elevada popularidade ou altos índices de intenção de voto em sondagens eleitorais não dão salvo conduto a Lula, nem a qualquer cidadão brasileiro, para praticar crime

- Diário do Poder

O Estado Democrático de Direito prevaleceu. A Justiça brasileira e as instituições democráticas do país deram mais uma vigorosa prova de seu bom funcionamento no julgamento realizado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, que analisou o recurso apresentado pelos advogados do ex-presidente Lula contra a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão proferida em primeira instância pelo juiz Sergio Moro no processo referente ao triplex no Guarujá (SP). Para além de qualquer dúvida, o relator João Pedro Gebran Neto, o revisor Leandro Paulsen e o juiz federal Victor Laus foram categóricos ao corroborar a sentença condenatória inicial por unanimidade, inclusive ampliando a pena para 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Demolindo a narrativa mentirosa entoada pelos áulicos do lulopetismo nos últimos meses, o tribunal entendeu que não só havia provas que incriminavam o ex-presidente como elas eram abundantes e incontestáveis. Em seu voto, o desembargador Laus afirmou: “As provas resistiram, sejam as documentais ou as testemunhais. Estamos diante de provas que resistiram à crítica, ao contraponto, ao embate”. Seu colega Paulsen foi além: “Há elementos de sobra para demonstrar que [Lula] concorreu para os crimes de modo livre e consciente, para viabilizar esses crimes e perpetuá-los”. O relator Gebran também foi enfático: “As provas colhidas levam à conclusão de que, no mínimo, tinha ciência e dava suporte àquilo que ocorria no seio da Petrobras, destacadamente a destinação de boa parte das propinas ao Partido dos Trabalhadores”.

Apesar dos covardes ataques perpetrados pela militância petista contra os desembargadores do TRF-4 e o Judiciário em geral, a condenação em segunda instância, de forma unânime e da maneira contundente e afirmativa que se deu, sepulta o discurso fantasioso de que Lula é inocente e vítima de um complô que só existe na mente perturbada daqueles que perderam qualquer conexão com a realidade. E mais: de acordo com a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), o petista não pode ser candidato a nenhum cargo eletivo. Para desespero do PT, portanto, ele não estará habilitado a concorrer à Presidência da República nas eleições de outubro, e isso nada tem a ver com perseguição política ou ideológica – trata-se, simplesmente, do estrito cumprimento da lei.

A Lei da Ficha Limpa, aprovada no Congresso Nacional com o apoio enfático de todas as forças políticas – incluindo o PT e seus aliados –, é cristalina e não permite dúvidas: em caso de condenação por um tribunal colegiado, como é o caso do TRF-4, o possível candidato se torna “ficha suja” e fica impedido de disputar eleições.

É bom não esquecermos que, além de tudo disso, há um entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que um condenado em segunda instância já pode iniciar o cumprimento de sua pena (no caso de Lula, em regime fechado, de acordo com a sentença determinada pelo TRF-4) enquanto apela às instâncias superiores do Judiciário. Convém ressaltar que o próprio revisor do processo no TRF-4 já deixou claro, em seu voto, que a execução da pena a ser cumprida pelo ex-presidente se iniciará tão logo sejam examinados os embargos de declaração no próprio tribunal. Ou seja, não deve demorar muito para que o condenado seja detido e vá para a cadeia.

Uma elevada popularidade ou altos índices de intenção de voto em sondagens eleitorais não dão salvo conduto a Lula, nem a qualquer cidadão brasileiro, para praticar crimes. Não há nenhuma relação entre o potencial eleitoral ou mesmo um eventual bom resultado nas urnas e aquilo que se julgou na 13ª Vara Federal, em Curitiba, ou no TRF-4, em Porto Alegre. Fica a lição dada pelo juiz Moro, com uma frase lapidar, ao final da sentença na qual condenou o ex-presidente ainda na primeira instância: “Não importa quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”.

Nesse sentido, é importante denunciar a fragilidade de um discurso propagado por algumas figuras – muitas delas até críticas de Lula e adversários do lulopetismo – de que seria melhor derrotar o ex-presidente nas urnas, ao invés de nos tribunais. Trata-se, evidentemente, de uma estultice sem tamanho, além de uma grave concessão à impunidade, como se a aplicação do texto legal fosse dispensável e o processo eleitoral substituísse o império da lei e o julgamento da Justiça. Eleição, afinal, é para ser disputada por quem tem ficha limpa. Não é o caso do líder maior do PT, apontado pelo Poder Judiciário como o comandante máximo de uma sofisticada organização criminosa que assaltou os cofres públicos e tentou se perpetuar no poder a qualquer preço. Ao contrário do que bradam os simpatizantes do ex-presidente, eleição sem Lula não é “fraude”, mas apenas consequência natural de uma condenação indiscutível, em primeira e segunda instâncias, por crimes de corrupção. Tão simples quanto isso.

Apesar de todo o estrebuchar, Lula, hoje, é alguém que, “em algum momento, perdeu o rumo das coisas e passou a se confundir, a não compreender suas atribuições”, na definição do juiz Victor Laus durante a leitura de seu voto. O maior símbolo do PT passou a ser, definitivamente, um caso de polícia, embora com reflexos na política em função de um passado marcante para o bem e, principalmente, para o mal. É um ficha suja, nos termos da lei. Um criminoso condenado por suas malfeitorias. Uma triste e vergonhosa página da história. Ao virá-la, enfim, o Brasil se reencontra consigo mesmo e, de alma lavada, volta a olhar para frente e mirar o futuro.