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Eliane Cantanhêde: 2018 nas mãos do TRF-4

O processo contra Lula é hoje mais decisivo para a eleição do que os próprios eleitores

O ano do Executivo, do Legislativo e do Judiciário acabou na sexta-feira e 2018 já começou com a decisão do TRF-4 de julgar o ex-presidente Lula em 24 de janeiro pelo triplex do Guarujá (SP). É em torno de Lula que se movem todas as peças do tabuleiro da eleição presidencial. Logo, as articulações e expectativas estão em suspenso dentro e fora do PT. O cenário é totalmente nebuloso.

Mesmo que Lula seja absolvido – o que não é a principal aposta do mundo político e jurídico –, ele não estará livre, leve e solto para concorrer, pois ainda há possibilidade de uma série de recursos da acusação. E não se pode esquecer que ele responde a seis outros processos. Ou seja, se o TRF-4 inocentá-lo no caso do triplex, Lula continuará como está hoje: alvo da Justiça e com destino incerto e não sabido.

Da mesma maneira, uma condenação na segunda instância, confirmando o veredicto do juiz Sérgio Moro, ou até aumentando a pena de 9 anos e 6 meses, não significará o fim de Lula. As leis brasileiras permitem um festival de recursos da defesa, no próprio TRE e, depois, nas instâncias superiores. Na prática, Lula estará condenado, mas não estará; estará inelegível, mas não estará.

Seu maior risco nem é perder a candidatura a um terceiro mandato, é parar na cadeia, já que a prisão já pode ocorrer após condenação em segunda instância. Essa questão foi decidida com voto apertado no Supremo e pode ser revista com o recuo de ministros e com o novo equilíbrio do plenário da Corte. Mas, até uma nova votação no pleno, sabe-se lá se e quando, Lula que se cuide.

Pelo sim, pelo não, ele continua em campanha, não exatamente para ser o candidato, mas para ficar em evidência e manter mobilizados a tropa petista e o eleitorado lulista. Quanto mais em evidência Lula estiver, mais força terá o sucessor que escolher para sua vaga de candidato e mais poderá consolidar o seu papel de vítima das elites, da Justiça, da Lava Jato. É assim que sua plateia continuará pronta para defendê-lo contra qualquer evidência, contra a própria realidade.

O PT, porém, sabe que não pode esperar sentado a candidatura Lula evaporar de um dia para outro. Se não for para ganhar com Lula, que a eleição sirva para garantir vagas em governos estaduais, Senado e Câmara, depois da derrota acachapante em 2016 (a única capital onde ganhou foi Rio Branco, no Acre). Logo, o foco desloca-se de Fernando Haddad, em São Paulo, para Jaques Wagner, na Bahia. O Nordeste é questão de vida ou morte.

Com Lula, o cenário presidencial é um. Sem ele, é outro bem diferente. E isso vale não só para o PT, mas para todos os partidos e candidatos, que traçam suas estratégias a partir dele. Vejamos Jair Bolsonaro: ele se consolidou no segundo lugar das pesquisas muito por causa do “medo do Lula” e da percepção de que ele é o único com chances de evitar a volta do petista. E sem Lula?

Com ou sem a polarização Lula x Bolsonaro, continuará a busca por um candidato “novo”, de “centro”, distante do discurso dogmático da esquerda e da aventura oportunista da direita após a quebradeira dos partidos tradicionais com a Lava Jato. Mas não dá para prever se Geraldo Alckmin ou Marina Silva serão os beneficiados, porque há indefinição também sobre o futuro de Bolsonaro.

Se a Justiça inviabilizar a candidatura Lula, os eleitores potenciais de Bolsonaro perderão o “medo do Lula” e poderão se diluir entre outros nomes? Ou, ao contrário, muitos apoiadores de Lula darão um salto mortal para Bolsonaro? Nas redes sociais, já não está tão claro se os ataques mais agressivos partem dos lulistas ou dos bolsonaristas. É a velha história: os opostos se atraem. E podem ficar muito parecidos.

 

 


Merval Pereira: O pós-TRF-4

O anúncio de que o governo só colocará em votação a reforma da Previdência depois do carnaval, no dia seguinte ao término do horário de verão, não tem nada a ver com esses dois eventos, tem apenas uma razão: fingir que ainda existe uma esperança de aprovação após negociações no recesso parlamentar. Mas o que determinou mesmo a data foi o anúncio do julgamento do ex-presidente Lula em 24 de janeiro.

Com ele fora do páreo, é possível que alguns dos deputados recalcitrantes se encorajem, na esperança de que a reforma ajude a economia a melhorar e aumente a possibilidade de um candidato que reúna as forças políticas de centro.

Se a confirmação da sentença contra Lula não provocar grandes manifestações populares pelo país, como sonham os petistas e aliados, a campanha eleitoral ganhará outra dimensão.

O governo terá condições de reunir os partidos aliados em torno de uma candidatura, que tanto pode ser a do governador Geraldo Alckmin pelo PSDB, no caso de ele decolar nas pesquisas, ou outro do grupo que reúna as melhores condições de disputa, como 40% do tempo de televisão e apoio distribuído pelo país.

Sem Lula na cabeça de chapa, mesmo que ele lance um candidato de seu agrado, que parece hoje ser o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que, no entanto, não quer entrar nessa disputa, preferindo uma vaga quase certa no Senado, a briga ficaria mais fácil, na visão de governistas.

Isso na suposição de que o ambiente político ficaria menos radicalizado. Caso contrário, o cenário é imprevisível. O ex-ministro José Dirceu, solto aguardando recursos contra uma pena de mais de 30 anos, pretende incendiar o país a partir de Porto Alegre, conclamando a militância a uma reação que começaria no dia do julgamento de Lula no TRF-4 e se estenderia por outros cantos.

Mas da última vez em que tentaram tal manobra, não deu certo. E no Sul do país o ambiente político é antipetista, ainda que possa sair de lá o candidato a vice. O senador Roberto Requião, dissidente do PMDB do Paraná, estaria disposto a se filiar ao PT para se unir a Lula numa chapa de esquerda.

Só o tempo dirá qual será a capacidade de Lula de mobilizar movimentos radicalizados de protesto a seu favor. Enquanto isso, os governistas fazem contas para o caso de um cenário menos catastrófico, que permitiria a aprovação da reforma previdenciária e animaria a economia do país.

A reação do mercado financeiro ao adiamento foi ruim, e não há quem acredite na possibilidade de aprovação depois do carnaval. Se essa impossibilidade se confirmar, o cenário econômico pior ajudará uma candidatura de esquerda, seja o indicado por Lula, seja Ciro Gomes, do PDT.

A incógnita é Bolsonaro, que pode murchar com a saída da disputa de Lula, ou pode, como apontam algumas pesquisas, agregar a seu eleitorado uma parte de eleitores radicalizados do petista, sem marca ideológica. Outra que pode pegar petistas desiludidos ou em debandada é Marina Silva, da Rede.

Difícil avaliar a força de Lula para eleger um candidato, pois hoje a situação é bem diferente de quando ele tirou da cartola o nome de Dilma Rousseff, em 2010. Naquele momento Lula estava no auge de sua popularidade, o país crescendo a 7,5% ao ano, e ninguém conhecia bem aquela que viria a ser a primeira mulher presidente do país.

Na reeleição em 2014, com a Lava-Jato indicando um esquema de corrupção disseminado pelos governos petistas, o PT quase perde a eleição. O simbolismo do fracasso da indicação de Dilma por Lula pode afetar sua escolha para substituí-lo, embora as pesquisas mostrem uma tendência a segui-lo de boa parte de seus eleitores.

A aprovação da reforma da Previdência dependerá desse ambiente político pós-decisão do TRF-4.

 


Merval Pereira: Corrida maluca

A provável barração na Justiça eleitoral da candidatura presidencial do ex-presidente Lula devido à Lei da Ficha Limpa, caso venha a ser confirmada sua condenação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está alterando a corrida presidencial na quantidade de potenciais candidatos e no alinhamento ideológico.

Ciro Gomes, o candidato escolhido pelo PDT, já abriu mão de um acordo com o PT e, sobretudo, do apoio de Lula, a quem vem criticando cada vez com mais desembaraço. As acusações de Antonio Palocci a Lula, que deverão se transformar em uma delação premiada com mais detalhes e, sobretudo, provas, acabaram com as esperanças da esquerda de ter Lula como candidato.

Já não é mais segredo que o PT, confirmada a inviabilidade de Lula, deve lançar o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ou o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, como maneira de não virar um partido do segunda linha, apoiando candidato alheio do grupo da esquerda, cujo preferido já foi Ciro Gomes.

Mas o PT já não é uma aliança bem vista em parte da esquerda, e Lula, a cada revelação, perde a força de seu apoio, o que está levando Ciro Gomes a esconjurá-lo publicamente. Sem Lula na disputa, a corrida ficará aberta a todo tipo de candidato, enfraquecendo apenas um, o prefeito de São Paulo, João Doria, que se organizou desde o início de seu projeto para ser conhecido pelo eleitorado como o antiLula, embora ainda lhe reste uma identificação de gestor não político, que tem boa acolhida em parte do público que busca o novo pelo novo.

O DEM já lhe ofereceu legenda, mas, como diria Johnny Alf, o inesperado pode fazer uma surpresa. Mesmo às voltas com uma segunda denúncia contra si, que deve ser derrubada novamente pela Câmara, o presidente Michel Temer voltou a aspirar uma improvável reeleição pelo PMDB caso a economia confirme a recuperação. Nada mais antigo, mas a força da economia não pode ser desconsiderada.

Lula, aliás, quando se elegeu presidente pela primeira vez, em 2002, ganhou muitos eleitores centristas, ou mesmo de direita, por ter assumido publicamente, na Carta aos Brasileiros, um compromisso de não radicalizar à esquerda na economia.

Mas boa parte desse eleitorado também o escolheu por ser um candidato diferente de todos os que já haviam estado na Presidência da República. Não era um candidato novo, depois de disputar e perder três vezes a Presidência, sendo duas para Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno. Mas era o representante de uma novidade política, sobretudo no que se referia ao combate à corrupção. Deu no que deu.

Ao contrário, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, um político de antiga estirpe, pode ter a seu favor justamente sua experiência e, sobretudo, o equilíbrio com que conduz sua atividade política. Com tanta radicalização, talvez o eleitorado encontre nesse equilíbrio a segurança de que o país reencontrará seu caminho sem grandes choques.

Não ter sido denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelas acusações da Odebrecht foi um passo importante para firmar sua candidatura.

Assim como em 1989, na primeira eleição direta para presidente depois da ditadura militar, muitos candidatos, de várias tendências políticas, se apresentarão ao eleitor. Uns pela primeira vez na política, outros antigos políticos querendo representar a parte boa da política, como Marina Silva pela Rede, Álvaro Dias pelo Podemos, os ex-ministros do Supremo Joaquim Barbosa e Ayres Brito.

Também podem aparecer no páreo o atual presidente do BNDES, o economista Paulo Rabello de Castro, que nunca teve cargo eletivo, e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deputado federal eleito que nunca exerceu o mandato, pois renunciou para assumir a presidência do Banco Central no governo Lula.

Há ainda o deputado federal Jair Bolsonaro, que, para alguns, representa essa parte boa da política, mas, para muitos, é justamente o representante de uma atitude política regressiva, mesmo não havendo até agora nada que o comprometa em termos de corrupção.

O combate à corrupção, como se vê, por si só não pode ser a base de uma candidatura. Inclusive porque já tivemos exemplos de caçadores que acabaram cassados. O eleitorado estará confrontado em 2018 com uma diversidade de candidaturas que precisam apresentar muito mais do que uma vida pregressa sem deslizes éticos. Essa é uma condição essencial, mas não suficiente.