Temer

Ex-presidentes defendem democracia e pacificação do país

Sarney, FHC e Temer pregam diálogo entre Poderes para superação da crise institucional

João Rodrigues, da equipe da FAP

Nesta quarta-feira (15), primeiro dia do seminário “Um novo rumo para o Brasil”, os ex-presidentes da República José Sarney (1985-1990), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Michel Temer (2016-2018) defenderam diálogo para pacificação do país e apontaram a busca por entendimento como solução para a estabilidade do ambiente político. Os ex-presidentes também defenderam paz pelas vias constitucionais.

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Míriam Leitão: Três generais e uma desonra

A ida do general Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde sempre incomodou o Exército. O sentimento foi explicado por um oficial numa frase: “Qualquer que fosse o desempenho dele iria morrer gente e essas mortes poderiam cair sobre as Forças”. O general tem tido o pior desempenho possível, está sendo investigado e pode ter que responder a uma CPI. O general Eduardo Villas Bôas entregou ao pesquisador Celso de Castro da FGV uma informação explosiva: em 2018 ele não estava sozinho quando ameaçou o Supremo. Tudo foi feito junto com o Alto Comando do Exército. Ao aderirem à campanha e depois ao governo Bolsonaro, as Forças Armadas entraram num labirinto. Ainda não sabem a saída.

Villas Bôas revelou que o texto, no qual tentou intimidar o STF, foi escrito junto com o Estado Maior do Exército e depois enviado “para os comandantes de áreas”. Não foi um improviso inconveniente. Foi uma conspiração. Ninguém mostrou ao ministro da Defesa da época Raul Jungmann. O episódio ilustra que o poder civil, quando dirigiu o Ministério da Defesa, jamais se impôs.

Os fatos se passaram na terça-feira, 3 de abril de 2018, quando o então comandante do Exército postou dois tuítes. Era véspera do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula. Não creio que o STF tenha decidido por causa desse pronunciamento, mas o relevante é que o objetivo do Exército foi mesmo ameaçar o Supremo. O general disse, na rede social, que restava perguntar às instituições “quem estava pensando no bem do país” e quem “estava preocupado com os interesses pessoais”. Era um ato de apoio à candidatura de Bolsonaro. Um segundo tuíte dizia que o Exército compartilhava o anseio dos cidadãos de bem “de repúdio à impunidade, de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia” e terminava alertando que estavam atentos às suas missões institucionais. Soou como uma ameaça. Era. Villas Bôas luta contra terrível doença terminal e se afastou de tudo. Preserva, contudo, extremo prestígio dentro das Forças Armadas. Seus atos e palavras sempre ecoaram.

O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, disse em entrevista ao “Estado de S. Paulo” que não se envergonha do que fez. Deveria. Ele estabeleceu um balcão de negócios no seu gabinete para comprar votos em favor dos candidatos governistas no Congresso. Ele foi para o governo ainda na ativa. Depois de algum tempo foi para a reserva, mas acha até hoje que se sacrificou por ter passado para a reserva antes da hora.

O governo, defendido pelos generais, protegeu os interesses familiares do presidente, estimulou o conflito social, feriu a Constituição, ampliou a impunidade dos investigados por corrupção. Fez o avesso dos valores defendidos na postagem de Villas Bôas. Mas isso o general não define como “facada nas costas”. A expressão ele guarda para falar da Comissão da Verdade. A comissão não puniu um único militar, apenas recolheu as lembranças das vítimas do regime violento. Como disse a ministra Cármen Lúcia em memorável voto, dias atrás, contra o suposto direito ao esquecimento, “minha geração lutou pelo direito de lembrar”.

O terceiro Eduardo dessa trinca, o ministro Pazuello está sendo investigado pela lista enorme de irregularidades e atos de má gestão no comando da Saúde. As mortes no Brasil foram em número muito maior do que seriam se houvesse uma gestão responsável. Basta lembrar Manaus, cidade onde ele estava na escalada da crise. A cidade sufocava e o ministro prescrevia cloroquina.

As Forças Armadas continuam vivendo uma dualidade. Há os militares profissionais que não gostam da mistura com o governo e acham que o presidente é que faz questão de usar as Forças como se fossem instituições que o apoiam politicamente. E há os que foram para o governo ocupar cargos e para “ter protagonismo”, como me disse um deles.

Por coincidência, os três militares citados aqui se chamam “Eduardo”, os três chegaram ao generalato, e um deles permanece na ativa. Ajudaram, com vários outros, a construir uma desonra para a instituição, apoiam o governo que tira dos militares a exclusividade em armas pesadas, que podem estar sendo usadas na formação de milícias de extrema-direita como as dos Estados Unidos. Mostraram ao país que topam tudo pelo poder.


Bruno Boghossian: Ex-comandante deixa claro que Exército tentou intimidar STF em 2018

Villas Bôas relatou que quase toda a cúpula da Força elaborou mensagem divulgada na véspera de julgamento de Lula

A cúpula do Exército trabalhou por dois dias para redigir um par de tuítes que seria divulgado pelo general Eduardo Villas Bôas em 3 de abril de 2018. Naquela noite, o então comandante publicou mensagens que falavam em "repúdio à impunidade" e que ficaram marcadas como uma pressão sobre os ministros do STF que julgariam um habeas corpus do ex-presidente Lula.

Segundo Villas Bôas, o texto foi escrito por "integrantes do Alto Comando" e recebeu sugestões de “comandantes militares de área”. Da trama que envolveu a cúpula da Força, saíram 74 palavras que citavam um Exército "atento às suas missões institucionais", num aceno óbvio a defensores de uma intervenção militar.

O ex-comandante narrou o caso como se descrevesse os caminhos burocráticos de um memorando pelos escaninhos do Exército. Numa entrevista ao pesquisador Celso de Castro para o livro "General Villas Bôas: conversa com o comandante", ele tentou revestir a mensagem de boas intenções, mas o relato não escondeu a intimidação ao Supremo.

Villas Bôas afirmou que, na véspera do julgamento que poderia deixar Lula fora da cadeia, o Exército tinha preocupação com o "extravasamento da indignação" de grupos que pediam uma intervenção militar. Disse ainda que o "público interno" da Força tinha "ansiedade semelhante" e acrescentou que o objetivo dos tuítes era "um alerta, muito antes do que uma ameaça".

Faltou explicar a diferença entre uma ameaça e um alerta feito pelo comandante de tropas armadas. Além disso, se a intenção era acalmar militares irritados e os golpistas que ele mesmo já definiu como tresloucados, não faria sentido mandar nenhum alerta. O depoimento mostra que aquelas mensagens eram uma advertência com endereço certo: os 11 ministros do Supremo.

Páginas à frente, Villas Bôas comenta a eleição de Jair Bolsonaro e diz que o Exército tinha "preocupação de que a política voltasse a entrar nos quartéis". Faltou ao general emitir um segundo "alerta" em 2018.


Valor: Temer e FHC não veem risco institucional

Ex-presidentes dizem que Forças Armadas não desejam neste momento apoiar um eventual governo autoritário e militares descartaram uma nova ditadura militar no país

Por Cristiane Agostine, Valor Econômico

SÃO PAULO - Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer criticaram ontem as ameaças à democracia feitas durante o governo Jair Bolsonaro, em atos pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois ex-presidentes, no entanto, afirmaram que não veem nas Forças Armadas o ímpeto para apoiar um eventual governo autoritário e descartaram uma nova ditadura militar no país.

Ao participar de uma conferência virtual do Credit Suisse, Temer lembrou que “houve tentativas de ameaça à democracia” recentemente. “Não tem dúvida disso. Não poderia ignorar aqueles movimentos que se deram em certo momento do governo atual e que pleiteavam o fechamento do Congresso, fechamento do Supremo Tribunal Federal, até com razoável agressividade. Mas não sinto que haja clima para uma derrota da democracia no nosso país”, afirmou. A declaração foi uma resposta à pergunta feita pelo mediador da conferência, Ilan Goldfajn, presidente do Conselho do Credit Suisse no Brasil, se há ameaças à democracia no país e como tem sido a atuação das instituições.

Temer afirmou que é “inviável” um golpe de Estado se não houver apoio das Forças Armadas e disse que “jamais” sentiu nos militares “qualquer tentativa de romper com as estruturas democráticas”. “Convivi muito com membros das Forças Armadas e jamais senti neles qualquer tentativa de agredir a Constituição, ou seja, de romper com as estruturas democráticas”, disse. “Não vejo como pensar em golpe.”

O ex-presidente ressaltou o papel das instituições como o Legislativo e o Judiciário e afirmou que uma ameaça “não quer dizer” que vai resultar na derrubada da democracia. “As instituições estão funcionando”. Para Temer, a troca no comando dos Estados Unidos, com a eleição do presidente Joe Biden e a saída de Donald Trump, ajuda a manter o sistema democrático no Brasil.

Fernando Henrique avaliou que o país vive um “mal-estar”, com o agravamento dos problemas econômicos, sobretudo com o empobrecimento da população e o aumento do desemprego, e afirmou que o governo precisa agir para controlar a insatisfação popular. “Se houver desordem, ninguém segura”, declarou. No entanto, o tucano disse que os militares não desejam o poder neste momento. “Eles aprenderam”, disse. “Os militares se voltaram para o lado democrático, não acho que estão pensando em golpe.”

Ao discutirem os cenários para 2022, Fernando Henrique disse que Bolsonaro tem grande chance de se reeleger se o principal adversário na disputa for o PT. FHC avaliou que Bolsonaro continua forte, apesar de sua popularidade ter caído, e defendeu um nome que represente as forças políticas de centro para concorrer contra o presidente. O tucano afirmou ainda que se arrepende de ter viabilizado a reeleição no país.

Na avaliação de FHC, o candidato que concorrer contra Bolsonaro precisa aglutinar diferentes forças políticas. “Se ficar PT e Bolsonaro, a chance de Bolsonaro ganhar é grande. Atribui-se muita coisa errada ao PT”, afirmou. “Se quisermos ter possibilidade de vitória, tem que unir todas as forças. Todas as forças que se dispuserem a trabalhar. Isso vai depender de quem é o candidato.”

O tucano citou como eventuais candidatos os governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), ambos do PSDB, e o apresentador Luciano Huck, sem filiação partidária. “Eles têm que assumir posições que agreguem. Se estiverem desagregados, o outro lado ganha. Precisa ter capacidade de falar em nome da maioria”, disse FHC.

Temer evitou falar em nomes para 2022 e disse que é “importante encontrar alguém que saiba sensibilizar a vontade popular”. “Essa história de centro, direita, esquerda, isso não existe mais. O povo quer resultado. Se o resultado for positivo, o povo aplaude. Tanto faz de centro, direita e esquerda”, afirmou.

Durante a conferência, FHC fez “mea culpa” por ter articulado e aprovado a reeleição quando era presidente, para ter mais quatro anos de mandato. O ex-presidente disse que o ideal seria um mandato de cinco anos. “Acho ruim para o Brasil o instituto da reeleição. É uma autocrítica”, afirmou. Em seguida, voltou a falar que a possibilidade de Bolsonaro ser reeleito é “sempre grande”. “É um erro pensar que porque ele caiu na pesquisa, ele perdeu poder de aglutinar.”


Bernardo Mello Franco: O "enviado especial" de Bolsonaro

Quando Michel Temer anunciou a intervenção federal na segurança do Rio, em fevereiro de 2018, o então deputado Jair Bolsonaro cutucou: “Temer já roubou muita coisa, mas o meu discurso ele não vai roubar”. Quando o ex-presidente foi preso pela primeira vez, em março de 2019, o capitão sorriu: “Cada um tá fazendo por merecer”.

Nas palavras de Bolsonaro, a prisão de Temer era a consequência de um modelo que ele prometia não repetir. “O que levou a isso é aquela velha história de Executivo muito afinado com o Legislativo, onde a governabilidade vem em troca de cargos. São ministérios, são estatais, são bancos oficiais”, condenou.

Um ano depois, o presidente deixou para trás a pregação contra a “velha política”. Loteou a máquina em troca de apoio, barganhou com os suspeitos de sempre e fez a dança do acasalamento com o centrão. Agora um dos padrinhos da união será premiado com uma viagem oficial ao Líbano.

Bolsonaro convidou Temer a chefiar a comitiva brasileira em Beirute. O ex-presidente deve embarcar amanhã cedo em avião da FAB. Antes da viagem, um constrangimento: para deixar o país, ele precisou pedir autorização ao juiz Marcelo Bretas, que o mandou duas vezes para a cadeia.

Em 2017, o capitão votou duas vezes pelo afastamento do antecessor. “Pelo fim da corrupção”, discursou, ao apoiar a segunda denúncia do procurador Rodrigo Janot. Em 2020, ele busca conselhos com quem chamava de ladrão. “Meu enviado especial”, cortejou, em videoconferência no domingo.

Temer é mestre na arte da sobrevivência política. Delatado e gravado no subsolo do palácio, conseguiu resistir no cargo. Nem a imagem de um assessor correndo com uma mala recheada foi capaz de derrubá-lo. Agora ele dá lições a Bolsonaro, enrolado com cheques para o primeiro-filho e a primeira-dama.

A viagem ajuda o ex-presidente a lustrar a biografia, mas não resolve seus problemas com a Justiça. Absolvido num processo em Brasília, ele ainda é réu em cinco ações por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.


El País: 'Nunca traí nem Dilma, nem ninguém. Especialmente não traí a mim mesmo', diz Temer

Ex-presidente diz que não pretende seguir movimentos de oposição a Jair Bolsonaro e refuta a ideia de que tenha dado início à militarização da Esplanada dos Ministérios

Afonso Benites, Carla Jiménez e Rodolfo Borges, do El País

Quando Michel Temer (Tietê, São Paulo, 1940) deixou a presidência do Brasil em 2018, parte da população o via como um golpista, um traidor da presidenta Dilma Rousseff (PT), de quem era vice até 2016. Uma elite econômica cansada do PT e protestos da centro direita culminaram com o impeachment de Rousseff e alçaram Temer à presidência. Teve apoio dessa mesma elite e do Congresso, mas sempre teve a popularidade baixa. Deixou o Governo com 7% de aprovação.

Sucedido por Jair Bolsonaro, um radical de direita, o político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) passou a despertar nostalgia. Com gestos suaves , aos 79 anos volta ao debate público na onda das entrevistas por videoconferências que se multiplicaram na pandemia. Diz ter participado de mais de 60 entrevistas online nos últimos meses. Em todas, evita criticar seu sucessor diretamente. Sobre seu passado, nega que tenha traído a mulher que o fez vice-presidente, ou que tenha atuado a favor de sua destituição. “Eu fiz o que pude pelo Governo”. Temer é alvo de vários processos na Justiça por suspeita de corrupção, alguns derivados de investigações da Lava Jato. Leia os principais trechos da entrevista.

Repercussão mundial da covid-19 do presidente

Houve repercussão nacional e internacional, forte popularidade do seu nome — não quero dizer se é positiva ou negativa — dele e do Brasil. Não escondeu o fato. Esperamos que ele logo melhore, adote métodos científicos para se curar, importante para ele e para o país. O país precisa saber que o presidente adotou critérios médicos. [Bolsonaro falou publicamente que toma cloroquina, medicamento sem comprovação de que funciona no combate à doença].

Por que tirou o nome de um protesto pró-democracia

Não desisti da defesa da democracia. Toda vez que falo, saliento e enalteço o papel fundamental, é a derivação da própria Constituição. Me pediram um vídeo para o movimento Direitos Já. O condutor desse projeto, Fernando Guimarães, me telefonou para dizer que estava pegando declarações de umas 100 pessoas, que iam sustentar o conceito de democracia e vida, no confronto que houve entre vida e economia [debate aberto em função da pandemia]. Eu disse que faria. Mas depois eu vi que era um movimento de oposição a Bolsonaro. Um ex-presidente tem de ser muito discreto. Digo o que é importante ao país, mas eu não quero entrar numa campanha a favor deste ou aquele. Quando vi que era um movimento contra Bolsonaro, contra o presidente, eu decidi que não ia participar. Não porque eu seja a favor ou contra Bolsonaro, mas não quero participar de nenhum movimento a favor ou contra. O [ex-]presidente Sarney também não participou, nem o presidente do Supremo. Não tem lado. O lado é a favor da democracia. Mas quando vi que era movimento de natureza política eu confesso que não me senti à vontade.

Michel Temer, durante a entrevista concedida ao jornal, transmitida ao vivo.
Michel Temer, durante a entrevista concedida ao jornal, transmitida ao vivo.

Brasil e a democracia hoje

Falar da defesa da democracia é nada mais que cumprir a Constituição Federal. Veja que no Brasil não é apenas um Estado democrático ou um Estado de Direito. Na ciência política são expressões mais ou menos equivalentes. Como constituinte, queríamos tanto reforçar tanto a ideia da democracia que dizíamos Estado democrático de Direito. Quando me perguntam se a democracia corre risco, eu confesso que não acho que corre. Acho que as instituições estão funcionando adequadamente. Enquanto for assim, não há risco para a democracia. Em síntese, temos de defender a democracia, mas eu não entro em movimento político que vise derrubar a A ou B ou C.

Comportamento de Bolsonaro

Em entrevistas, e a interlocutores do presidente que me pediam alguns palpites, eu dizia com toda franqueza que ele não podia falar na saída do Palácio da Alvorada. Ele tem 50, 100 apoiadores, para um Brasil que tem 211 milhões de habitantes. A palavra do presidente no presidencialismo é muito forte. Ela faz a pauta do país. Você não pode fazer a pauta, a agenda do país às 8h30/9h00 da manhã. Entra muitas vezes num confronto. Não faz bem ao país. Ele tem de saber que é presidente da República, a palavra dele é fortíssima e repercute em todo o país. Eu sugeri o que fiz no meu Governo. Eu tinha um porta-voz que ao final do dia, começo da noite, dizia o que foi feito. E eu dava uma coletiva uma vez por semana. Mas não pode todo dia. Segundo ponto. Não tem sentido o presidente comparecer a eventos onde uns poucos defendem o fechamento do Supremo, do Congresso, porque contradiz a Constituição. Você pode até não dizer nada contra os poderes, mas um movimento em que há faixas negativas não pode ser prestigiado. Intervenção militar? Tire isso da frente. Não há a menor possibilidade.

Forças Armadas “não têm a menor intenção de tomar o poder”

Tive muito contato com as Forças Armadas durante a presidência da Câmara, a vice-presidência, e como presidente da República. Eles não têm a menor intenção de tomar o poder. Pelo contrário, sempre me diziam que eram servidores da Constituição Federal. Em 2016, houve no final do ano muitas rebeliões de presídio, eu chamei os comandantes das Forças Armadas, juntamente com o ministro da Defesa. Falei a eles que precisaria muito deles, para haver varredura nos presídios. O [comandante do Exército, Eduardo] Villas Boas me disse. “Presidente o senhor é o comandante das Forças Armadas. Diga o que devemos fazer”. A partir daí eu verifiquei que eles eram cumpridores rigorosos do texto constitucional. Não há a menor possibilidade [de intervenção]. De uns 20 dias para cá, o presidente acabou não fazendo mais esses gestos [participando de atos antidemocráticos] porque as palavras são comprometedoras, elas comprometem a sua ação.

Militarização em seu Governo

Eu não tive militares em um número imenso no meu Governo, ao ponto de dizer que eu inaugurei uma fórmula para trazer os militares ao Governo [Temer quebrou a prática, que existia desde o Governo FHC (1995-2002) de colocar um civil como ministro da Defesa] . Quero ressaltar o seguinte, eu nunca fiz e nem faço distinção entre militares e civis. São todos brasileiros. O militar quando vai ocupar uma função civil no ministério ele está desempenhando uma atividade civil. O risco, o perigo é que ele chegue lá como militar e se comporte como militar e daí queira dar golpe como militar. Isso é perigoso. Mas se você colocar um militar preparado, ajustado à democracia, numa função civil, ele passa a exercer uma atividade civil.

Calmaria depois da detenção de Fabrício Queiroz

Se essa detenção [do pivô do investigação de corrupção contra Flávio Bolsonaro] gerou isso no presidente, acho que foi um fato positivo. Se em função disso que ele parou, melhor para ele e melhor para o país. Não ajudava o país, nem o Governo e nem ele. Nesses 20 dias, ele percebendo que a coisas melhoram com mudança de atitude creio que, por sabedoria política, ele continua no mesmo diapasão. São palpites, mas sabedoria política revela que se deu certo, vamos continuar.

Aliança com o Congresso, que antes rejeitava

Executivo tem essa denominação porque executa a vontade popular. Quem vocaliza essa vontade? É a lei. Quem produz a Lei? O Legislativo. Essa coisa de achar que presidente pode tudo é fruto de nossa política institucional que vem do Brasil Colônia até hoje, achando que concentração de poder reside na figura do chefe do Estado e de Governo. Não é assim. A Constituição diz que quem governa é Executivo e Legislativo e se houver controvérsia, quem soluciona é o Judiciário. Necessariamente, acho que ele vai ter que trazer Congresso para governar com ele.

Entrega de cargos com o Centrão

Acho que isso é um preconceito que não deve existir. Veja, quando digo trazer Congresso para governar com ele, nada impede que congressistas indiquem nomes. Quando se assume a presidência, há 450, 500 cargos para preencher. Cargos de confiança, direções. O presidente não tem 500 nomes na cabeça para colocar no lugar. Nada impede que agentes públicos indiquem nomes. Cuidados a se ter são os critérios técnicos e éticos. Quem esta no Congresso não foi levado pela centelha divina. Foi levado por quem tem poder, que é o povo. O regime é republicano porque se ancora na ideia de temporalidade de mandato. Se não der certo, elimina e coloca outro. Sou contra rótulo. Centrão, direita, esquerda. Não existe mais. O que interessa ao povo é o resultado. Se for positivo, muito bem. É questão de coerência política também. Vamos dizer que tais partidos pertencem ao Centrão. Portanto, tomo liberdade de colocar entre aspas e dizer “é gente que não vale nada”. De “não vale nada” para indicar um nome também tem que coerentemente dizer “não quero o voto dessa gente, não”. Quando tiver projeto meu lá, quando tiver conversão de medida provisória, não quero esses votos. Você imaginou o que é perder 150, 160, 170 votos no Congresso Nacional?

Protesto contra reforma

Eu nunca tive povo na rua contra mim, né? Você vê as denúncias que houve, não havia um brasileiro na frente do Congresso Nacional. Houve, sim, na reforma da Previdência, que nós brigamos por ela. E tanto brigamos que conseguimos convencer o país e o Congresso de sua indispensabilidade, que no começo do Governo Bolsonaro nós conseguiram aprovar a reforma da Previdência. Ali, sim, houve movimentos o pretexto era o de que a reforma, falsamente se alardeou que nós íamos tirar direitos dos mais pobres, quando, na verdade, quem fez aquele movimento, foram os privilegiados do serviço público. Foram aqueles que ganhavam 30.000, 40.000, 50.000 [reais] e não queriam reforma da Previdência de jeito nenhum. Naquele período, sim, houve um movimento de rua. Mas não era contra o meu Governo, era contra a reforma da Previdência.

O movimento Fora Temer

O que era o Fora, Temer? Era um movimento político. Com muita legitimidade, até. Eu que sou um democrata, eu digo, é natural de quem perdeu o poder. Tem de combater mesmo que está no poder. Então, eu aceitava com maior naturalidade. Em uma das últimas entrevistas que eu dei antes de sair da Presidência, um colega de vocês me perguntou: “O que você vai mais sentir falta da Presidência?”. Eu vou sentir falta do Fora, Temer. Porque eu já estarei fora, mesmo. Quando eu estava aqui ainda tinha o fora, Temer.

O impeachment de Dilma

Às vezes querem insinuar que a ex-presidente Dilma é incorreta, eu faço questão de, nas entrevistas, dizer que a presidente Dilma no plano pessoal era extremamente honesta. Ela não tem uma desonestidade a macular a vida dela. Aqui no Brasil, a pessoa, quando está no outro lado, quer destruir o outro. Isso é muito ruim para a nossa cultura. Eu faço essa observação positiva em relação à senhora ex-presidente. É claro que ela teve problemas, as pedaladas [fiscais], as dificuldades com o Congresso, as milhões de pessoas [em protestos] nas avenidas. Porque quem derruba presidente não é o Congresso Nacional. Quem derruba é o povo nas ruas. O povo nas ruas sensibiliza o Congresso, e daí o Congresso derruba o presidente.

A atuação na destituição da presidenta

Ela [Dilma] vai se recordar que eu fui uma vez ao Palácio da Alvorada. O presidente da Câmara [Eduardo Cunha] tinha me procurado e dito: “O PT está me apoiando, portanto eu vou arquivar todos os pedidos de impeachment”. Eu fui a ela e disse: “Presidente, durma tranquila. O presidente da Câmara acabou de me dizer isto, etc., etc., etc.” Ela disse: “Ô, coisa boa, Temer. Excelente”. Até chamou um outro ministro para contar isso. Mas tempos depois o PT começou a fustigar o presidente da Câmara e o presidente que, tinha me dito que havia um dos pedidos que era quase impossível negar sequência, que ele achava que ia dar questão judicial, ele abriu o pedido de impeachment. Ou seja, com isto quero evidenciar que, evidentemente, não trabalhei pelo impedimento. Tem mais, quando começou o processo de procedência da acusação na Câmara dos Deputados, eu vim para São Paulo. Fiquei aqui um bom período. Só voltei uns três ou quatro dias antes da votação porque estava começando a pegar mal aquela história de eu não estar em Brasília. Em várias oportunidades eu era chamado exatamente para isso, e só para isso. Eu era chamado quando havia dificuldades junto ao MDB. Eu ia lá e acertava a situação toda. Portanto, apoiando o Governo. Eu fiz o que pude pelo Governo.

- Poderia ter feito algo mais?

Não sei o que poderia fazer. Vou dizer a vocês. Uma ocasião, o presidente Lula me ligou durante o processo [para falar] sobre o MDB. Eu disse: “Presidente, eu vou examinar”. Até encontrou-se comigo em Congonhas. E eu chamei o pessoal do MDB. Mas a coisa tinha tomado tal vulto que eu percebi que seria quase impossível segurar aquilo lá [o impeachment].

“Nunca traí nem a presidente, nem ninguém”

Essa palavra traição eu nunca ouvi no PT. Eu ouvi a palavra “golpe”. Eles até têm certa consideração por mim. Eles nunca individualizam demais. Quando falam em golpe, entendem que foi um golpe de vários partidos. Um golpe parlamentar, etc. Traíra, confesso que é a primeira vez que eu ouço a palavra. Eu nunca traí nem a presidente, nem ninguém. Especialmente não traí a mim mesmo, as minhas convicções.

Oposições aos presidentes

Qual foi o Governo que não teve um “fora presidente”? Eu não me lembro de nenhum, seja num governo autoritário, seja num governo democrático que não tenha tido um movimento fora fulano. Eu sei que essas coisas que eu digo as pessoas não levam a sério. Porque aqui no Brasil instalou-se muito essa coisa do punitivismo, do ódio contra ódio. Muitas coisas que eu digo, eu digo pensando o seguinte: quem está me ouvindo está achando que eu vivo em Marte.

Papel do Governo Bolsonaro

O papel do Governo Bolsonaro, e ele vinha fazendo, era dar sequência ao meu Governo. Você sabe que ele, em várias oportunidades até, ele critica os governos anteriores. Mas no meu Governo ele diz: se não fosse o Governo Temer ter feito isso, aquilo, etc., etc., etc. Ele deu sequência ao meu Governo. Ele levou para a Infraestrutura uma pessoa formidável, que me ajudou muito na Presidência, o Tarcísio de Freitas, que era o secretário-executivo do PPI (Programa de Parceria e Investimentos). Tempos atrás ele me disse: olha presidente, nós estamos fazendo as coisas que estavam pré-datadas no seu Governo. O meu Governo não foi de quatro anos, de oito anos. Foi um governo de dois anos e meio. Um Governo curto. Eu acho que ele estava dando sequência. E tanto é verdade que vocês viram que a inflação continuou estável, ficou em 3,75%, os juros continuaram a cair. O Governo ia caminhando. Aí, veio a pandemia. A pandemia, realmente, estragou tudo. Vai precisar começar do zero.

Centro não se une

Se formos nos ater a esses conceitos, de siglas, sabe o que acontece com o centro, ele é muito atomizado, ele não consegue se unir. Cada um quer tomar o seu caminho. Para voltar ao campo dos rótulos, a esquerda é muito unida. Quando ela consegue se unir, ela vai em frente. A extrema direita também consegue se unir. O centro, não. Pode pegar as figuras hoje detectáveis como “centráveis”. Pode verificar que cada um tem o seu projeto. Está difícil. Talvez, para ficar no campo dos rótulos, tivesse um de extrema esquerda, um de extrema direita e um de centro. Isso seria a razoabilidade eleitoral. Neste momento eu não vejo o centro capaz de ter essa unidade desejável, mas de difícil execução.

Justiça parcial ou imparcial a partir da Lava Jato

Lava Jato é um vocábulo que se deu para uma coisa que a Constituição proíbe. A Constituição proíbe a improbidade administrativa. Resolveu-se rotular-se cinematograficamente, jornalisticamente aquele combate à impunidade como Lava Jato. Se for restringir-se à ação do pessoal que trabalhou na Lava Jato. De fato, a Justiça imparcial é uma coisa fundamental. Sabe para que existe o Judiciário? Para que não seja parte interessada no litígio. Isso é parte do sistema democrático. Você é um cidadão comum, você tem um problema qualquer, você sabe que pode bater às portas de um poder qualquer, o Judiciário, que é imparcial. O risco que eu corro aqui é dizer: Temer é contra a Lava Jato. Eu não sou contra a chamada Lava Jato. Tenho desprezo pelo vocábulo, mas não tenho desprezo pela ideia de combate à impunidade. Pelo contrário, acho que eles prestaram um papel. Eles despertaram bastante fortemente a ideia de combate à improbidade, à corrupção. Isso foi útil. Agora, quando começa a se tratar diferentemente pessoas da área pública, especialmente, é claro que fere esse princípio da imparcialidade.

Legado imediato do Governo Temer

Não é daqui a dez ou vinte anos, não. Eu estou sendo lembrado atualmente como um presidente que fez reformas no país, que recuperou a economia, ainda que palidamente. Eu espero que, mais adiante, realmente, as pessoas possam dizer que eu fiz as reformas indispensáveis ao país. Uma crítica que faço ao Governo Bolsonaro, não uma crítica, uma observação, é de ele ter juntado os ministérios da Justiça com o da Segurança Pública.


José Luis Oreiro: PIB de Bolsonaro é pior que o de Temer

O IBGE acaba de divulgar os dados de crescimento do PIB de 2019: a economia brasileira apresentou um crescimento de 1,1%, alcançando um patamar de R$ 7,3 bilhões de valor da produção de bens e serviços finais. Esse é valor inferior a média dos valores observados em 2017 e 2018, anos nos quais a economia brasileira cresceu a taxas de 1,32% e 1,31% respectivamente. Dessa forma o desempenho da economia brasileira no primeiro ano do mandato do Presidente Bolsonaro conseguiu a proeza de ser pior do que a observada durante os dois anos de mandato do Presidente Temer, a qual já foi bastante medíocre, ficando muito abaixo da média de 2,81% de crescimento do PIB no período 1980-2014.

Do lado da demanda, o crescimento do PIB foi puxado pelo crescimento do consumo das famílias que cresceu 1,8% ao longo do ano passado. Como o consumo das famílias cresceu num ritmo superior ao PIB, o resultado foi uma redução da (baixíssima) taxa de poupança da economia brasileira, a qual recuou de 12,4% do PIB em 2018 para 12,2% do PIB em 2019. A redução da poupança doméstica levou a um aumento da poupança externa (déficit em conta corrente do balanço de pagamentos), o qual passou de 2,8% do PIB em 2018 para 3,2% do PIB em 2019.

Do lado da oferta, o crescimento foi puxado pelo setor de serviços, o qual cresceu 1,3%, ao passo que a indústria de transformação permaneceu estagnada com um crescimento de apenas 0,1% ao longo do ano de 2019.

Em suma, a economia brasileira em 2019 desacelerou o seu ritmo de crescimento com respeito ao observado durante o governo Temer, amplificando o seu desequilíbrio externo e o peso do setor de serviços na economia, com reflexos negativos para as perspectivas de crescimento da produtividade do trabalho.

A evidência empírica está mostrando de forma bastante contundente de que a agenda de reformas iniciada com o governo de Michel Temer e aprofundada no governo de Bolsonaro simplesmente não está funcionando. Não adianta dizer que a economia ainda está sentindo os efeitos das administrações petistas. A crise de 2014-2016 foi muito profunda mas, ao contrário do que ocorreu em crises anteriores, a economia brasileira está apresentando um padrão de recuperação cíclica extremamente lento. Quantos resultados pífios de crescimento serão necessários até que a sociedade brasileira se convença que a agenda liberal de reformas simplesmente não funciona? Está claro que o Brasil precisa de várias reformas, mas ESSA agenda aplicada desde meados de 2016 (Teto de gastos, reforma trabalhista, reforma da previdência, etc) simplesmente não está funcionando. Chegou o momento da sociedade brasileira dizer NÃO ao programa liberal. Este país só terá um futuro quando discutir seriamente uma Agenda Nacional de Desenvolvimento.


Elio Gaspari: Juiz Bretas nega passaporte a Temer e retoma costume da ditadura

Juiz retoma costume da ditadura, que até 1975 fez a mesma coisa com Jango

No dia 12 de julho a Oxford Union, sociedade de debates criada em 1823 por estudantes daquela universidade, convidou o ex-presidente Michel Temer para uma palestra, agendada para 25 de outubro. No início de agosto Temer pediu ao juiz Marcelo Bretas que liberasse o seu passaporte por seis dias, para um bate-e-volta. A decisão demorou mais de dois meses e, no último dia 18, o doutor negou o pedido.

Negando passaporte a um ex-presidente, Bretas retomou o costume da ditadura que até 1975 fez a mesma coisa com João Goulart. (Ele viajava com um documento que lhe havia sido dado pelo presidente paraguaio Alfredo Stroessner). Jango, bem como todos os exilados a quem a ditadura negava passaportes, era adversário do regime e tinha atividade política no exterior.

Temer é um ex-presidente que deixou o palácio depois de entregar a faixa ao seu sucessor eleito democraticamente. Mesmo depois de banida pela República, a família imperial tinha documentos brasileiros e, em 1922, foi mimada com passaportes diplomáticos.

Já passaram pela tribuna da Oxford Union figuras como Winston Churchill, Elton John, Ronald Reagan, Madre Teresa de Calcutá, Albert Einstein e Marine Le Pen. Como toda sociedade de debates, ela estimula a controvérsia.

Negando a Temer o direito de viajar por poucos dias, o juiz Bretas arrisca entrar para a história da Oxford Union como um patrocinador de silêncio. Felizmente existe a possibilidade de um recurso.

O regime democrático brasileiro mostra seu vigor quando se vê que Lula, condenado em duas instâncias, cumpre sua pena em regime fechado, mas dá entrevistas periódicas a jornalistas.

Temer não foi condenado em qualquer instância. Bretas tornou-o réu em dois processos e chegou a prendê-lo numa decisão, revertida pelo Superior Tribunal de Justiça, que lhe delegou o controle do passaporte.

Durante os dias do espetáculo da prisão de Temer apareceram histórias segundo as quais poderia fugir do país. Ele nunca trocou de endereço.

No despacho em que negou o pedido, Bretas diz que “não fosse a decisão contrária de instância superior (...) o peticionante provavelmente ainda estaria preso preventivamente, pois os argumentos que aqui apresentou não foram capazes de alterar meu convencimento quanto à necessidade de sua custódia”.

Não fosse o segundo gol do Uruguai, o Brasil teria ganho a Copa de 1950. Ele prendeu Temer, e o STJ, instância superior, mandou soltá-lo, bola ao centro.

A vida da lei não está só na lógica, mas na experiência. A experiência mostra que negar passaportes (no caso, para uma palestra) faz mal à história de um país. Na direção contrária, faz bem àqueles que se afastam do absurdo disfarçado de lógica.

O chanceler Oswaldo Aranha mandou dar passaportes brasileiros aos comunistas que lutavam na guerra civil espanhola e refugiaram-se na França. O senador baiano Luís Viana ajudou a dobrar o SNI, que negava passaporte ao cineasta Glauber Rocha.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Valor || Para Temer, povo pode relativizar democracia

"Chamei o Congresso para governar comigo e deu resultado. As reformas foram fruto desta conjugação". "Se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros... você quer resultados"

Por Malu Delgado, do Valor Econômico

SÃO PAULO - Em seu escritório no bairro paulistano do Itaim, o ex-presidente Michel Temer ainda mantém uma rotina de contatos políticos com ex-ministros e articulações internas do MDB, sigla que presidiu por 15 anos e que está representada no primeiro escalão com o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Na última semana, recebeu a visita da senadora Ana Amélia (PP-RS) e do ex-ministro Antonio Imbassahy (PSDB-BA).

No dia em que recebeu o Valor para esta entrevista exclusiva, pediu à secretária que ligasse ao ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Temer contesta em detalhes os argumentos jurídicos que embasaram sua prisão preventiva, em março, e cobra retratação dos procuradores.

O ex-presidente critica excessos de órgãos subordinados aos Três Poderes e prega abertamente a mudança de regime do presidencialismo para o semipresidencialismo, a partir do final do mandato de Jair Bolsonaro, em 2022. Somente um novo regime, em sua visão, poderá evitar "traumas institucionais" como os provocados por impeachment, dos quais ele diz ter sido vítima.

O ex-presidente afirmou que Bolsonaro, na área econômica, pegou uma "estrada asfaltada" e continua políticas iniciadas em seu governo. Ele nega que o atual presidente tenha pendor autoritário, mas pontua que o eleitorado relativiza este fator: "O povo quer é resultado. Lamento dizer: se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros... você quer resultados". Segundo o presidente, há um ambiente de "violação institucional" no país.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como foi, na condição de ex-presidente da República, ter sido preso? Qual foi a sensação?

Michel Temer: No plano pessoal, extremamente desagradável. No plano jurídico, foi marcado pelo absurdo. Neste caso não havia sequer processo formado. Já pedi aos senhores procuradores, que fizeram um alarde extraordinário com a prisão, que tenham a dignidade funcional - não digo nem pessoal - de dizer que se equivocaram [nos argumentos de pedido de prisão preventiva]. Não fizeram isso. Vejo como um gesto equivocado juridicamente, punitivista e com objetivo de fazer alarde. É prejudicial evidentemente para mim, no âmbito moral, mas prejudicial para as instituições brasileiras. O que mais temos no Brasil é a violação de natureza institucional.

Valor: O que quer dizer exatamente com violação institucional?

Temer: Quebra da ordem constitucional. Pode parecer pretensioso, mas eu recomendaria que as pessoas, especialmente os que ocupam as mais variadas funções públicas, que leiam a Constituição. Tem que se manter a harmonia entre os Poderes não porque queiramos, mas porque nós somos autoridades constituídas. A única autoridade existente no país chama-se povo. Quando a Constituição diz que "todo poder emana do povo" não é regra de palanque, é regra jurídica. Quando a soberania nacional se manifesta, criando o Estado, como em 5 de outubro de 1988, ela disse: olha, vou criar vocês três. Ajam com independência administrativa, mas harmonia. Ou seja, toda vez em que há uma desarmonia o que há é uma inconstitucionalidade. Em vez de haver um único poder no Estado, como no absolutismo - "L'état est moi", dizia Luiz XIV -, há três órgãos para se exercer o Poder. A partir deles é que há os órgãos inferiores. E esses órgãos inferiores não podem estar em busca de poder. Eles têm que acompanhar o que a estrutura do poder constitucional estabelece, por meio do Legislativo, Executivo e Judiciário. Neste sentido que digo que há equívocos institucionais muito acentuados. Meu dever agora, como de muitos, é tentar compor institucionalmente o país. Mais do que nunca o Brasil precisa de um grande pacto político.

Valor: Que tipo de pacto?

Temer: Político-institucional, entre os Poderes. Um grande concerto nacional para a pacificação do país. Um diálogo do presidente, com os Poderes do Estado, com governadores, com todos presidente de partido. Para não ficar esse permanente embate, sempre essa disputa. Surgiu a ideia, mesmo no plano jurídico, de saber quem é que vai ganhar. E não é isso. Você tem que promover Justiça. E Justiça significa certa harmonia.

Valor: O senhor diz que qualquer desarmonia é fruto de alguma inconstitucionalidade. Há violações institucionais praticadas a partir dos próprios poderes?

Temer: Acho que hoje não. Vejo um diálogo muito intenso entre o presidente [do STF] Dias Toffoli, o [presidente da Câmara] Rodrigo Maia, o [Davi] Alcolumbre [presidente do Senado] e o presidente Jair Bolsonaro. O que tem acontecido é que órgãos integrantes desses Poderes muitas vezes disputam coisas entre si, agridem os poderes constituídos. Entre eles acho que há harmonia. Veja o caso da Previdência. Lutei por isso por dois anos. Foi aprovado por força de um diálogo muito intenso que fez o Rodrigo Maia, naturalmente conversando com o Alcolumbre e o Executivo.

Valor: O presidente Bolsonaro tem dito que quem manda é ele. Há nesta retórica alguma exorbitância de poder?

Temer: Quem manda no Executivo, quem faz a agenda do país, é o Executivo. Isso está na Constituição. Ele não está dizendo que vai mandar no Legislativo e nem no Judiciário. Nem vai fazer lei nem vai fazer julgamentos. Cada um tem seu estilo. O dele é mais objetivo, mais direto. O meu era mais conciliador. No fundo ele poderia dizer: olha, com base na Constituição, quem determina as coisas no Executivo sou eu, não é o ministro, não é o diretor de departamento. Ele pode fazer isso. Quando eu invoco o Luiz XIV, é que o absolutista, o rei, o soberano, exercia todas as três funções: Executivo, Legislativo e Judiciário. Temos que interpretar as palavras de Bolsonaro.

Valor: Então para ficar claro, quando o senhor fala em violações institucionais, refere-se a órgãos submetidos aos três Poderes, e não a eles próprios?

Temer: Isso, é claro, está estampado no noticiário.

Valor: O senhor está se referindo à Vaza-Jato?

Temer: Veja, preciso tomar cuidado aqui para não parecer que estou combatendo a Lava-Jato. Ela visa apurar e combater a corrupção. Claro que eu sou a favor. Agora, é preciso cumprir o ritual processual constitucional. Os órgãos da Receita, todos eles, devem cumprir o que a Constituição estabelece. Quando o Bolsonaro diz isso, ele está retratando uma determinação constitucional. Eu, por exemplo, estou propondo muito uma espécie de semi-presidencialismo, em que o presidente e o primeiro-ministro exercem as funções governativas. Por que digo isso? Eu exerci, durante meu governo, esse quase semipresidencialismo. Chamei o Congresso para governar comigo, e deu resultado. As reformas que foram feitas, todas elas, foram fruto desta conjugação entre o Legislativo e o Executivo. Os fatos estão começando a indicar que em período próximo, daqui a algum tempo, a alguns anos, talvez se estabeleça um sistema semipresidencial ou semiparlamentar, em que o presidente da República e o primeiro-ministro exercem funções executivas. Isso evita grandes traumas institucionais. Você tem a mudança do governo com a maior tranquilidade e dentro dos moldes estabelecidos.

Valor: Por sua experiência, no Executivo e no Congresso, o senhor vê hoje possibilidade de este tema prosperar?

Temer: Não agora, né? Quem hoje foi eleito, tanto do Executivo quanto do Legislativo o foram com base na Constituição vigente. Mas quem sabe para 2022? Poder-se-ia começar a discutir esse assunto. É o que tenho posto.

Valor: Mas uma mudança que vigorasse já em 2022 ou começar a discussão para que isso tenha validade após 2022?

Temer: Talvez discutir agora para aplicar para 2022 ou quem sabe para depois de 2022. Você sabe que seis, sete, oito anos na vida de um país não é nada. Temos que aprimorar as instituições. O semipresidencialismo seria um aprimoramento.

Valor: Há muito questionamento no mundo hoje sobre as fragilidades democráticas num processo de erosões das instituições. O senhor acha que cabe esta leitura no Brasil?

Temer: Há sempre esse risco. O importante é que estejamos conscientes dele. Quando eu digo assim: nós temos que pregar uma outra fórmula de governo, é exatamente pautado pela ideia da preservação da democracia. Você me perguntará: aqui no Brasil há esse autoritarismo? Eu acho que não. Acho que há uma leitura equivocada daquilo que o presidente diz. O presidente está dizendo o óbvio. Segundo a Constituição, quem determina quem ocupa o cargo tal é o presidente da República. A democracia, de 1988 pra cá, vem sendo construída paulatinamente. Cada governo exerceu seu papel. Pode ter uma ou outra autoridade que seja mais, digamos, entusiasmada. Mas não creio que caminhamos para autoritarismo. Não há clima para isso.

Valor: O senhor foi acusado por setores políticos, ligados ao PT, e acadêmicos de participação de um golpe parlamentar. Já com Bolsonaro eleito, o senador Tasso Jereissati disse que o maior erro do PSDB foi ter entrado no seu governo. O senhor considera o impeachment um erro histórico?

Temer: Eu até torci, quando começou o impeachment da senhora ex-presidente, para que não acontecesse nada. Sempre achei que o impedimento, embora previsto na Constituição, é traumático. Impeachment não é julgamento jurídico. No julgamento político o juiz não tem que se pautar por provas. É juízo político, de conveniência, não jurisdicional. A regração constitucional foi obedecida. Se você me disser: mas você se sentiu confortável? Aprendi muito cedo que você tem que exercer adequadamente o papel que a vida te entrega. Confesso que se pudesse ter evitado, eu evitaria. Com toda franqueza, fizemos muito. Quando o presidente Bolsonaro me visitou gentilmente depois das eleições, eu disse: olhe, presidente, eu asfaltei o terreno. Claro que fui até certo ponto, mas o senhor vai pegar a estrada asfaltada. Peguei uma estrada esburacada e asfaltei. Desejo muito sucesso.

Valor: O impeachment tornou-se politicamente inevitável, na visão do senhor?

Temer: O impeachment é sempre traumático. Opto hoje pelo semipresidencialismo para evitar o impeachment. Aí tem voto de desconfiança, é mais tranquilo ao país. Poderia ter sido evitado [o impeachment] pelo antigo governo. Mas não foi.

Valor: O senhor conspirou pelo impeachment?

Temer: Conspiração alguma. Em uma certa ocasião eu até conversei com a ex-presidente, que pode testemunhar isso, dizendo que os pedidos de impedimento, e eu trabalhei nisso, seriam todos arquivados. Comuniquei isso a ela numa tarde no Palácio da Alvorada. Até disse: a senhora pode dormir tranquila. Depois, por eventos de natureza política, não foi possível evitar a deflagração do impedimento. Sempre trabalhei para evitar.

Valor: O senhor diz que asfaltou o país para o governo Bolsonaro. Acredita que ele está no caminho correto?

Temer: O governo Bolsonaro está dando sequência ao que eu fiz, em todos os setores. No Acordo União Europeia-Mercosul, no caso da Previdência, no caso das privatizações. As privatizações feitas neste primeiro momento tinham sido todas planejadas e documentadas pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio [Gomes de Freitas], que era da PPI e trabalhava com o [Wellington] Moreira Franco. Tudo aquilo já estava organizado para ser feito.

Valor: E o papel do Estado, o debate sobre liberalismo democrático, liberalismo progressista, persistência das desigualdades?

Temer: Sou contra qualquer rotulação. Liberalismo, socialismo. O que interessa é o resultado. O povo quer é resultado. Lamento dizer: se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros... você quer resultados. É sempre preciso conjugar os dois setores. Precisa ter privatização, liberalização, empresarial, com vistas à questão social. Vai liberar para ter emprego. Se isso criar empregos, se fizer melhorar a economia, muito bem. Não pode dizer simplesmente: agora só tem pobre no país, eu só vou cuidar da área social. Ou: ah, agora só tem rico então só vou cuidar do empresariado. Não pode.

Valor: Mas se se tolera um autoritarismo de resultados porque tem pão na mesa de todos não se abre mão de princípios democráticos?

Temer: Disse isso como exemplo. Quero dizer o seguinte: quando a economia vai bem, quando todos estão satisfeitos, você tem mais estabilidade no país. Insatisfação deriva do fato de que nem todos estão acolhidos.

Valor: Sobre essa cultura do punitivismo que o senhor cita, faria algum paralelo entre o que o senhor viveu e a situação do ex-presidente Lula?

Temer: É preciso examinar o caso do presidente Lula por inteiro. No meu caso não houve sequer processo, não houve sentença, não houve decisão, não houve audiência. Nada. No caso do presidente Lula é preciso verificar os pormenores. E aí, sob o foco jurídico, eu tomo cuidado para não dizer bobagem.

Valor: Todas as acusações contra o senhor de alguma maneira envolvem relação com construtoras, corrupção em obras (Eletronuclear, Angra 3, reformas na casa da sua filha, Porto de Santos etc). Como responde a acusações de propina, laços espúrios, ilícitos, de corrupção?

Temer: A pergunta que eu sempre faço é a seguinte: cadê a prova? Viram todas as minhas contas. Não encontraram nada. Tanto que não tocaram mais no assunto. Sigilo fiscal: quebraram. Nada. Afirmaram que eu há 45 anos organizei uma quadrilha para assaltar o Brasil e amealhei R$ 1,8 bilhão. Onde está a prova de um centavo disso? São barbaridades que acontecem hoje no Brasil. Se fazem isso comigo, imagine o que podem fazer com outras pessoas.

Valor: O senhor tem medo de ser preso novamente?

Temer: Com toda franqueza, nem vou responder.

Valor: O senhor vê o futuro do MDB como um balizador de centro? Imagina o MDB apoiando a reeleição de Bolsonaro?

Temer: A história do MDB sempre foi a de alguém importante para o governo. Não se sabe o que vai acontecer. Estão antecipando muito as eleições, só se fala em 2022. Não é bom. Não é útil. Essas coisas se decidem no último ano. Às vezes, nos últimos oito meses de governo.


Bernardo Mello Franco: No Supremo, tempo é poder

O STF levou dois anos para decidir que uma manobra de Temer e Moreira foi ilegal. Enquanto o tribunal cochilava, a dupla trocou o palácio pela cadeia

Na quarta-feira, o Supremo considerou inconstitucional a medida provisória de Michel Temer que criou um ministério para Moreira Franco. O tribunal levou quase dois anos para julgar a ação. Enquanto ela adormecia na gaveta, os dois amigos desfrutaram de mais 18 meses no poder.

O episódio ilustra uma das maiores distorções no funcionamento da Corte. Ao não decidir em tempo razoável, os ministros também decidem. Neste caso, a inércia favoreceu os emedebistas.

O Supremo deu a primeira ajuda à dupla em fevereiro de 2017. Na semana em que a delação da Odebrecht foi homologada, Temer ressuscitou a Secretaria-Geral da Presidência. A canetada blindou seu velho parceiro com o foro privilegiado.

O ministro Celso de Mello não considerou o ato ilegal. Numa situação semelhante, seu colega Gilmar Mendes havia anulado a nomeação de Lula para a Casa Civil, às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff.

Três meses depois, Temer renovou a “MP do Moreira”, que corria o risco de ser derrubada pelo Congresso. A manobra atropelou o artigo 62 da Constituição, que proíbe o governo de editar duas MPs com o mesmo teor.

A Procuradoria-Geral da República pediu a anulação do texto, mas o Supremo não se mexeu. Quando os juízes resolveram trabalhar, Temer e Moreira já haviam deixado o palácio e experimentado a vida na cadeia.

A votação de quarta terminou em dez a zero pela ilegalidade da MP. O julgamento se limitou a reafirmar o texto da Constituição. Como os interessados já estavam longe do Planalto, produziu-se uma unanimidade sobre o nada.

Na quinta, o tribunal arquivou um recurso de Lula para reconhecer a validade da sua nomeação. Passados quase três anos, os ministros consideraram que o pedido estava “prejudicado”.

O professor Joaquim Falcão, que estuda o labirinto dos processos na Corte, observa que a demora para julgar uma causa pode ter mais importância do que o resultado do julgamento.

“No Supremo, tempo é poder. O timing político decide o que é justo e o que não é”, ironiza.


Eliane Cantanhêde: Alívio no STF, por ora

Soltar Temer faz sentido, Athié soltar Temer vem sendo questionado

Ao mandar soltar o ex-presidente Temer, o desembargador Antonio Ivan Athié tirou um imenso peso do Supremo Tribunal Federal, que vem sendo atacado pelos bolsonaristas de internet e criticado duramente pela opinião pública em geral. Foi um alívio.

Há um certo consenso entre políticos e juristas de que Temer pode não ser nenhum santo e que, mais cedo ou mais tarde, irá responder pelas acusações que pesam contra ele em dez inquéritos. Mas também é consensual que a sua prisão preventiva foi excessiva.

A comparação foi inevitável desde o primeiro momento: o ex-presidente Lula, que também coleciona inquéritos, prestou depoimento, foi indiciado, virou réu, foi condenado em primeira instância e finalmente pelo TRF-4 até ser preso. Temer nem sequer tinha sido ouvido e já foi parar atrás das grades preventivamente.

A pergunta cruzou os ares de Brasília: o que justifica a prisão cautelar, se ele por ora não tem ficha corrida, mantém endereço fixo e conhecido, não deu nenhum indício de que pretendia fugir do País nem estava, diretamente, obstruindo a justiça? Os muitos que fizeram essa pergunta ofereciam em seguida a resposta: Temer é um troféu, uma demonstração de força da Lava Jato, uma retaliação à decisão do STF de jogar para a Justiça Eleitoral crimes de corrupção e lavagem de dinheiro conexos a caixa 2 de campanha.

Em seu despacho determinando a prisão, o juiz Marcelo Bretas fez um duplo “hedge”: disse explicitamente que as imputações contra Temer não têm nada a ver com caixa 2 e tentou desviar a relatoria do caso do ministro Gilmar Mendes para um outro ministro mais, digamos, implacável: Luís Roberto Barroso.

Fosse Gilmar ou Barroso que mandasse soltar Temer, a turba da internet iria à loucura e as pessoas comuns ficariam ainda mais indignadas contra o Supremo. Se fosse Gilmar, sempre apontado como o ministro que “solta todo mundo”, a coisa ficaria ainda mais feia. Nessas horas, não importam as razões, o julgamento técnico, as argumentações. Os partidários querem massacres em praça pública, os leigos querem sangue.

O primeiro teste do STF foi com o pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Moreira Franco, do mesmo partido, o MDB, e do mesmo grupo político de Temer. Mas, nesse caso, o relator Marco Aurélio Mello saiu-se muito bem: alegou que não fazia sentido queimar etapas (o TRF-2 e o STJ) e a decisão não cabia ao STF.

É aí que entra a polêmica figura do desembargador Athié, que, entre tantas façanhas, já ficou afastado por sete anos da magistratura, sob acusação de estelionato. Sete anos?! Estelionato?! E foi ele também que reclamou da mania de chamarem propinas de propinas, já que em muitos casos não passam de “gorjeta”. É muita cara de pau. Logo, desqualifica e turva a decisão favorável ao ex-presidente.

Pode fazer o maior sentido mandar livrar Temer da prisão provisória, não só do ponto de vista político, mas principalmente jurídico, além de ser um enorme alívio para o Supremo e seus ministros, que se livraram de ter de anunciá-la. O fato de ter sido Athié, porém, enfraquece a decisão pró-Temer, aumenta o clima de desconfiança, joga ainda mais irritação sobre a Justiça. O STF se livrou por enquanto, a Justiça não. As instituições se confundem com seus personagens.

Círculo virtuoso. Viagem aos EUA, Bovespa em 100 mil pontos, o sucesso dos leilões de aeroportos... Era o momento certo para o presidente Jair Bolsonaro decolar, mas parece que ele gosta mesmo é de ficar patinando nos ataques ao Congresso, à política, ao presidente da Câmara. Prefere manter a guerra na internet e abortar o círculo virtuoso.


Vera Magalhães: Desembargador demole decisão de Bretas

O desembargador Antonio Ivan Athié levou quatro dias desde a prisão do ex-presidente Michel Temer e de outras nove pessoas na Operação Descontaminação para ler as 384 páginas do requerimento do Ministério Público, as 46 da decisão do juiz Marcelo Bretas, outras tantas dos habeas corpus impetrados pela defesa dos presos e os documentos juntados.

Quando finalmente o fez, no recesso do lar, tratou de perceber que não havia sequer uma justificativa amparada pelo Código de Processo Penal a norteá-las, como diz, cheio de “vênia”, na sua própria decisão, e tratou de demolir a peça do juiz, a nova “estrela” da Lava Jato na ausência de Sérgio Moro.

É um escândalo que um desembargador de segunda instância alegue falta de tempo de ler o processo para marcar para uma quarta-feira da semana seguinte a análise de habeas corpus de pessoas presas preventiva e temporariamente.

Graças à falta de tempo do integrante do TRF-2, as pessoas passaram quatro dias presas. Não houve nenhuma circunstância posterior às dadas na quinta-feira para que Athié antecipasse sua decisão, dispensando a decisão colegiada que convocara para amanhã.

Assim, se com argumentos ele mostra que era no mínimo frágil – para não dizer “exagerada” na narrativa ou baseada em “confusão ou “deturpação deliberada”, como ele mesmo aventa – a decisão de Bretas, com a demora em revogá-la investe também ele, juiz de segundo grau, contra as garantias e os direitos individuais que a Justiça deveria preservar.

E presta um descabido tributo à Lava Jato, que soa como uma tentativa de se blindar preventivamente das críticas por soltar Temer e contrariar a opinião pública.