Míriam Leitão: Três generais e uma desonra

A ida do general Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde sempre incomodou o Exército. O sentimento foi explicado por um oficial numa frase: “Qualquer que fosse o desempenho dele iria morrer gente e essas mortes poderiam cair sobre as Forças”.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

A ida do general Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde sempre incomodou o Exército. O sentimento foi explicado por um oficial numa frase: “Qualquer que fosse o desempenho dele iria morrer gente e essas mortes poderiam cair sobre as Forças”. O general tem tido o pior desempenho possível, está sendo investigado e pode ter que responder a uma CPI. O general Eduardo Villas Bôas entregou ao pesquisador Celso de Castro da FGV uma informação explosiva: em 2018 ele não estava sozinho quando ameaçou o Supremo. Tudo foi feito junto com o Alto Comando do Exército. Ao aderirem à campanha e depois ao governo Bolsonaro, as Forças Armadas entraram num labirinto. Ainda não sabem a saída.

Villas Bôas revelou que o texto, no qual tentou intimidar o STF, foi escrito junto com o Estado Maior do Exército e depois enviado “para os comandantes de áreas”. Não foi um improviso inconveniente. Foi uma conspiração. Ninguém mostrou ao ministro da Defesa da época Raul Jungmann. O episódio ilustra que o poder civil, quando dirigiu o Ministério da Defesa, jamais se impôs.

Os fatos se passaram na terça-feira, 3 de abril de 2018, quando o então comandante do Exército postou dois tuítes. Era véspera do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula. Não creio que o STF tenha decidido por causa desse pronunciamento, mas o relevante é que o objetivo do Exército foi mesmo ameaçar o Supremo. O general disse, na rede social, que restava perguntar às instituições “quem estava pensando no bem do país” e quem “estava preocupado com os interesses pessoais”. Era um ato de apoio à candidatura de Bolsonaro. Um segundo tuíte dizia que o Exército compartilhava o anseio dos cidadãos de bem “de repúdio à impunidade, de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia” e terminava alertando que estavam atentos às suas missões institucionais. Soou como uma ameaça. Era. Villas Bôas luta contra terrível doença terminal e se afastou de tudo. Preserva, contudo, extremo prestígio dentro das Forças Armadas. Seus atos e palavras sempre ecoaram.

O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, disse em entrevista ao “Estado de S. Paulo” que não se envergonha do que fez. Deveria. Ele estabeleceu um balcão de negócios no seu gabinete para comprar votos em favor dos candidatos governistas no Congresso. Ele foi para o governo ainda na ativa. Depois de algum tempo foi para a reserva, mas acha até hoje que se sacrificou por ter passado para a reserva antes da hora.

O governo, defendido pelos generais, protegeu os interesses familiares do presidente, estimulou o conflito social, feriu a Constituição, ampliou a impunidade dos investigados por corrupção. Fez o avesso dos valores defendidos na postagem de Villas Bôas. Mas isso o general não define como “facada nas costas”. A expressão ele guarda para falar da Comissão da Verdade. A comissão não puniu um único militar, apenas recolheu as lembranças das vítimas do regime violento. Como disse a ministra Cármen Lúcia em memorável voto, dias atrás, contra o suposto direito ao esquecimento, “minha geração lutou pelo direito de lembrar”.

O terceiro Eduardo dessa trinca, o ministro Pazuello está sendo investigado pela lista enorme de irregularidades e atos de má gestão no comando da Saúde. As mortes no Brasil foram em número muito maior do que seriam se houvesse uma gestão responsável. Basta lembrar Manaus, cidade onde ele estava na escalada da crise. A cidade sufocava e o ministro prescrevia cloroquina.

As Forças Armadas continuam vivendo uma dualidade. Há os militares profissionais que não gostam da mistura com o governo e acham que o presidente é que faz questão de usar as Forças como se fossem instituições que o apoiam politicamente. E há os que foram para o governo ocupar cargos e para “ter protagonismo”, como me disse um deles.

Por coincidência, os três militares citados aqui se chamam “Eduardo”, os três chegaram ao generalato, e um deles permanece na ativa. Ajudaram, com vários outros, a construir uma desonra para a instituição, apoiam o governo que tira dos militares a exclusividade em armas pesadas, que podem estar sendo usadas na formação de milícias de extrema-direita como as dos Estados Unidos. Mostraram ao país que topam tudo pelo poder.

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