Temer

Foto: Beto Barata\PR

Cristiano Romero: As consequências nefastas do populismo

É populista quem promete o que não pode e estoura orçamento

Quando alguém afirma que o Estado brasileiro quebrou, não se trata de exagero. Desde 2014, o setor público consolidado, isto é, as contas da União e dos Estados e municípios registram déficits pelo conceito primário (receitas menos despesas, excluídos os gastos com os juros da dívida pública). Isso significa que, no Brasil, há cinco anos as despesas do Estado superam o total arrecadado com a cobrança de impostos.

Para honrar os gastos, uma vez que a carga tributária equivalente a 33% do Produto Interno Bruto (PIB) não é suficiente, o governo federal é obrigado a ir ao mercado tomar dinheiro emprestado. Em 2014, após série de 15 anos de geração ininterrupta de superávits primários, o setor público fechou o ano com déficit primário de 0,35% do PIB.

Nos anos seguintes, o buraco aumentou para um déficit primário de 1,95% do PIB em 2015, 2,55% em 2016 e 1,81% do PIB em 2017. Neste ano, o rombo volta a crescer - para 2,17% do PIB (cerca de R$ 155,5 bilhões), segundo estimativa do Ministério do Planejamento. A previsão oficial é que, apenas no início da próxima década, o setor público volte a gerar saldo primário positivo em suas contas.

Se não consegue arrecadar o necessário para bancar as despesas previstas nos orçamentos públicos e, por isso, é obrigado a pegar dinheiro no mercado via emissão de títulos públicos, o Estado se endivida. O resultado de cinco anos consecutivos de irresponsabilidade fiscal - produzida pela gestão Dilma Rousseff (de 2011 a maio de 2016) - foi o brutal crescimento da dívida bruta, que saltou de 51,5% para 76,5% do PIB entre dezembro de 2013 e outubro de 2018.

A chamada dívida bruta do governo geral abrange o total dos débitos de responsabilidade do governo federal, dos governos estaduais e dos governos municipais, com o setor privado, o setor público financeiro e o restante do mundo. Como se sabe, a elevação crescente da dívida, além de encarecer o custo da própria dívida, uma vez que os investidores exigem ao longo do tempo prêmios (juros) mais altos para continuar financiando o governo, tem o efeito perverso de reduzir e encarecer o crédito disponível a quem precisa dele - empresas e consumidores.

Quanto maior é a fatia da poupança privada destinada ao financiamento da dívida pública, menor é a poupança que sobra para financiar investimento e, portanto, geração de renda e emprego. Está nessa equação parte da explicação dos juros escorchantes a que são submetidos cidadãos comuns, que necessitam de crédito para comprar imóvel e outros bens, e pequenas e médias empresas, que precisam de dinheiro para financiar o capital de giro e tocar seus negócios - no país das desigualdades, funciona assim: quem menos precisa de dinheiro a custo favorecido, notadamente as grandes empresas e as multinacionais, ambas com acesso a crédito barato no mercado de capitais, é quem mais tem acesso a recursos oficiais subsidiados (do BNDES e outras fontes).

O forte crescimento da dívida pública foi, sem dúvida, o maior retrocesso provocado pelo governo Dilma à política econômica que prevalecia no país desde o primeiro ano do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. O Brasil levou, grosso modo, 26 anos - de 1982 a 2008 - para superar a chamada "crise da dívida". Foram três décadas com baixíssimo investimento público, falta de recursos para combater a pobreza e outras mazelas sociais, inflação crônica e hiperinflação em boa parte do período, aumento das desigualdades sociais, moratória da dívida externa, calote na dívida interna etc.

Em 2008, depois de dez anos de razoável disciplina fiscal, o país foi sagrado com o selo de bom pagador de dívida (grau de investimento, na linguagem das agências de classificação de risco). Apenas sete anos depois, perdeu o selo, em meio à escalada de gastos que não couberam mais no orçamento - esta é, aliás, a melhor definição de populismo: um governante é populista quando promete à população algo que não possa cumprir ou quando realiza despesas que não cabem dentro do orçamento, para aumentar a popularidade e, assim, fazer prevalecer um projeto de poder.

O custo visível (porque a deterioração fiscal é teimosamente vista por alguns como uma abstração acadêmica) do populismo abraçado por Dilma Rousseff está aí: nos últimos cinco anos, a economia brasileira perdeu mais de 7% do PIB na recessão mais longa de sua história (2014-2016) e nos dois anos seguintes (2017 e 2018) cresce a passos de cágado. Com crise fiscal, não há dinheiro para melhorar a educação e a saúde públicas, enfrentar o grave problema da segurança pública, investir onde o setor privado não tem interesse em investir.

O próximo governo enfrentará o desafio de melhorar esse quadro. Em pouco mais de dois anos, a gestão Michel Temer trabalhou com uma das melhores equipes econômicas de que o país já dispôs, o que permitiu fazer as coisas andarem um bocado em Brasília. Não fosse a perda de força política do presidente em maio do ano passado, o PIB estaria crescendo neste momento a um ritmo mais acelerado.

Os desafios são imensos. Como descreve o documento "Reformas Microfiscais e Rigidez Orçamentária", elaborado pelo Ministério do Planejamento, além da crise fiscal, a explosão do gasto agravou outro problema - o grau de rigidez orçamentária (ver gráfico), que compromete a execução de políticas públicas discricionárias, especialmente, os investimentos e gastos sociais.


Zeina Latif: Luz amarela

A fraqueza da indústria, se persistir, vai contaminar cedo ou tarde os demais setores

O potencial de crescimento do Brasil está bastante deprimido. Pode estar abaixo de 2%, devido à produtividade estagnada e a tantos equívocos de política econômica nos últimos anos. O governo Temer promoveu importantes avanços que abriram espaço para um ciclo de recuperação da economia. O fôlego desse movimento dependerá do empenho do próximo governo para dar continuidade e acelerar a agenda de reformas.

Há um misto de confiança e cautela entre empresários com o cenário econômico. O mesmo vale para o mercado financeiro. Basta analisar o desempenho modesto dos preços de ativos desde a eleição, e com alguma volatilidade, contrariando a expectativa de um “rally” nos mercados após a eleição de Jair Bolsonaro.

Por um lado, há a avaliação de que o novo governo contará com a força das urnas, diferentemente do governo de transição de Temer; buscará políticas públicas na direção correta para melhorar a ação estatal; e adotará uma nova forma de fazer política que poderá elevar a qualidade e a eficiência de políticas públicas. Seria um governo que teria potencial de entregar mais reformas estruturais do que o de Temer.

De outro lado, há uma boa dose de cautela por se reconhecer a difícil combinação de fragilidade do quadro econômico, urgência de reformas impopulares e um núcleo de poder com pouca experiência administrativa e política, e com potenciais conflitos entre si.

O risco de uma agenda tímida de reformas é concreto, a julgar pela sinalização do núcleo duro do futuro governo. Nesse caso, não haveria uma efetiva aceleração do crescimento. Com a fragilidade do regime fiscal, não seria possível garantir taxas de juros do Banco Central baixas como as atuais.

Importante colocar na conta as sequelas da crise econômica ainda não superadas e que têm impacto na confiança dos empresários e consumidores. Basta olhar o ainda elevado patamar de pedidos de recuperação judicial e os frágeis números do mercado de trabalho.

Como se não bastasse, houve vários choques que fragilizaram ainda mais o setor produtivo e frustraram o crescimento do PIB em 2018. Tivemos a greve dos caminhoneiros, o indefensável tabelamento do frete, a pressão cambial (decorrente muito mais do ambiente externo do que das incertezas eleitorais) e a crise argentina reduzindo as exportações. Até incêndio em importante refinaria da Petrobrás teve. Não seria exagero afirmar que sem esses choques o crescimento em 2018 teria sido próximo de 2,5%.

O termômetro da capacidade de crescimento será a dinâmica da indústria. A indústria, que é o setor mais sensível ao custo Brasil, foi o primeiro setor a sentir a piora do quadro econômico, já em 2012, e o primeiro a sair da crise.

Os números recentes não são bons, praticamente interrompendo a tendência de recuperação, ainda que lenta. A indústria, como sempre, foi prejudicada pelos choques recentes. A produção industrial registrou crescimento de apenas 1,8% entre janeiro e outubro deste ano em relação ao mesmo período de 2017, ano em que o crescimento foi maior, de 2,6%. A indústria nitidamente perdeu o ritmo em 2018, enquanto era esperada uma aceleração por conta da redução dos juros pelo Banco Central.

O comércio varejista, por sua vez, conseguiu acelerar em 2018, diante da recuperação da massa salarial e da volta do crédito. No acumulado de 2018 até setembro, o crescimento do volume de vendas é de 5,2% ante 4% em 2017. Os serviços seguem no campo negativo, em parte pela própria fraqueza da indústria, mas exibem modesta tendência de melhora. Acumulam queda de 0,4% ante recuo maior de 2,8% em 2017.

Elementos transitórios, duradouros e estruturais se misturam e geram incertezas sobre a dinâmica econômica. Ha razões para posturas cautelosas.

A fraqueza da indústria acende luzes amarelas, pois se persistente, vai contaminar cedo ou tarde a performance dos demais setores, a geração de vagas e o aumento do investimento.

*Zeina Latif é economista-chefe da XP Investimentos


Temer e Moreira Franco

Bernardo Mello Franco: Temer, Moreira e a propina do Galeão

A Procuradoria acusa Moreira Franco de pedir R$ 4 milhões de propina na concessão do Galeão. O dinheiro foi repartido entre Temer e Padilha, dizem os delatores da Odebrecht

Segundo a propaganda da ditadura, o Rio entrava na era do “aeroporto supersônico”. O general Ernesto Geisel festejou a abertura do Galeão como “uma atualização do Brasil com o mundo moderno”. Construído pela Odebrecht, o terminal seria capaz de receber o Concorde, que voava a mais de 2.000 km/h. A obra não foi tão rápida assim. Terminou em 1977, quase três anos depois do previsto.

O aeroporto não demorou a apresentar problemas. No primeiro mês, o alarme de incêndio enguiçou. Depois foi a vez de elevadores e escadas rolantes. Abandonado pela Infraero, o Galeão virou um símbolo da degradação da cidade. Em 2010, o governador Sérgio Cabral o descreveu como “uma rodoviária de quinta categoria”. “É uma vergonha para o povo do Rio”, decretou.

Com a proximidade da Olimpíada, o governo Dilma Rousseff decidiu privatizar o terminal. A Odebrecht voltou à cena e venceu o leilão. “A gente teve a estratégia do Anderson Silva, de liquidar no primeiro lance”, gabou-se o executivo Paulo Cesena, em 2013. Quatro anos depois, ele contou outra história à Lava-Jato. Disse que a concorrência foi direcionada no gabinete de Moreira Franco, então ministro da Aviação Civil.

De acordo coma Procuradoria-Geral da República, o acerto rendeu R$ 4 milhões em propina. Os investigadores dizem que o dinheiro foi entregue a dois aliados indicados por Moreira: o também ministro Eliseu Padilha e o então vice-presidente Michel Temer.

Em outubro, o ministro Edson Fachin enviou o caso à Justiça Eleitoral. Ele aceitou uma alegação da defesa de Padilha: os repasses da Odebrecht teriam sido caixa dois de campanha, e não corrupção. Ontem a procuradora Raquel Dodge recorreu contra a decisão. Sustentou que Moreira exigiu os pagamentos para burlar a concorrência e favorecer a empreiteira .“Translúcida, portanto, a mercancia da função pública”, escreveu.

Se o recurso for aceito, as acusações contra Moreira e Padilha vão na mesa de um juiz de primeira instância. Temer se juntará à dupla em janeiro, ao deixara Presidência. Sema blindagem do foro privilegiado, o processo tende acorrerem velocidade supersônica.


Fernando Gabeira: Cuidado com dezembro

Agora é juntar os cacos, abastecer o motor econômico do Rio com o petróleo que restou, e subir de novo a montanha

O indulto de Temer e Pezão na cadeia são dois temas já batidos nesta manhã de segunda. Vejo um elo entre esses dois fatos, próximo de uma teoria conspiratória, mas não há razão para ocultá-lo. Tanto Temer quanto Pezão já trabalham de alguma forma com a ideia de uma passagem pela cadeia. É como se ja estivessem pensando numa próxima eleição, xerife da cela, quem sabe.

Temer sabe muito bem que incluir corruptos no seu indulto de Natal vai abrir um abismo maior ainda entre ele e a sociedade, que condenou pelo voto as velhas práticas da política brasileira. Mas, por outro lado, vai aumentar seu crédito junto aos presos, não só os que participavam da aliança no governo, mas também os do seu próprio partido: ex-ministros e parceiros.

Pezão declarou que tinha saudades de Sérgio Cabral e gostaria de abraçá-lo na cadeia. Disse também que gostaria de encontrar Lula. Nunca se sabe para onde vão te levar após a prisão.

Não é correta, se essa ideia for verdadeira, a tese de que os políticos brasileiros não veem um palmo diante do nariz. Quando houver tempo, poderemos até investigar os reflexos da passagem de tantos dirigentes pelas cadeias que alguns até ignoravam como funcionam.

Por enquanto, ainda temos que lidar com os seus rastros em liberdade. O indulto é um deles. É possível indultar presos por corrupção? A maioria dos ministros disse sim, afirmando que não há restrições a esse crime. Tratam de um presidente abstrato. Temer é investigado, duas vezes a Câmara lhe forneceu uma blindagem. Ele vai libertar presos da Lava-Jato, a mesma operação que desmantelou toda a quadrilha da qual é um dos principais remanescentes em liberdade.

Nessas circunstâncias, só resta o protesto nas ruas. Mas, ainda assim, o tema nos colhe num mês ingrato para protestos. Há 50 anos, o regime militar lançou o AI-5, endurecendo sua política e realizando a censura nos jornais com a presença de seus agentes no interior das redações.

O aniversário de meio século do AI-5 será no dia 13. Uma das lembranças mais nítidas que tenho do período foi, precisamente, a dificuldade de protestar. Não nos prendiam por isso, mas era um período de Natal: o “blim blão” dos sinos, o farfalhar de papéis enrolando presentes, o panetone em promoção. Ninguém queria saber de AI-5. Ainda bem que dezembro de 68 está longe, tanto o país quanto o Natal devem ter mudado nesse período. De qualquer forma, cuidado com dezembro.

Mais próximo de minha memória está a aventura de ter feito política no Rio de Janeiro e tentar, de alguma, forma derrubar a máfia bilionária que acabou arruinando o estado.

Em 2010, por exemplo, Cabral já gastava fortuna com robôs na internet. Chegamos a reunir documentos para oferecer à imprensa. Os robôs não falavam inglês, mas tinham um forte sotaque, escreviam frases grosseiramente traduzidas. Ninguém se interessou. O tema era muito abstrato naquela época. Era o mesmo que falar do rombo na camada de ozônio: ninguém o notava a olho nu.

Apesar de tudo, não restou ressentimento. Sobretudo no caso de Pezão. Em muitos desastres, o encontrei trabalhando. Sérgio Cabral não visitava os locais de tragédia. Como jornalista, entretanto, não pude deixar de comentar um tema, naquela época do escândalo dos guardanapos. O apartamento de Pezão tinha sido assaltado no Leblon e, segundo a notícia, foram levadas muitas joias. Soou estranho para mim que um homem aparentemente simples tivesse muitas joias em casa. O tempo passou, eles foram sendo presos aos poucos, hoje quase todo o governo está na cadeia, inclusive sua base parlamentar.

O Rio quebrou, foi preciso uma intervenção federal na segurança pública, o estado elegeu um homem desconhecido do grande público até as vésperas da eleição. Às vezes tento esquecer todo esse período sinistro. Os principais atores estão presos. Isso conforta parcialmente a opinião pública. Mas o legado ainda vai nos assombrar durante muitos anos. Foi uma calamidade que passou em nossas vidas e algumas consciências se deixaram levar. Agora é juntar os cacos, abastecer o motor econômico do Rio com o petróleo que restou, e subir de novo a montanha. Pra cima, é preciso fôlego.

Pezão entrou, outros serão soltos por Temer, que um dia será preso também. Não é um caminho linear. Murilo Mendes tem um verso em que diz: “Ainda não estamos habituados com o mundo/ Nascer é muito comprido.”

No caso do Brasil, então, o parto é muito prolongado.


El País: G20 corre o risco de fracassar por causa da tensão com a Rússia e guerra comercial entre China e EUA

Washington e Pequim se esforçam para alcançar um consenso mínimo fora da agenda oficial

Vladimir Putin está há 18 anos no poder. Nenhum outro mandatário da cúpula G20 tem experiência comparável. Nem o mesmo cinismo ou a mesma habilidade para provocar e controlar conflitos, nem a crueldade quando se trata de exterminar adversários, nem a brutalidade bélica. Ao seu lado, opríncipe saudita Mohamed Bin Salman é um aprendiz. Putin, que parece ter iniciado uma nova fase em sua estratégia de devorar a Ucrânia, lança mão agora de seus talentos na reunião de Buenos Aires: vincula as sanções contra seu regime com o protecionismo, dedica uma efusiva saudação a Bin Salman (seu inimigo na Síria) e dá de ombros quando se fala da nova crise entre Moscou e Kiev. A cúpula do G20 iniciada na última quinta-feira, marcada pela guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e as divergências sobre a mudança climática, corre o risco de fracassar. É o ambiente de tensão em que Putin se sente à vontade.

A foto do Grupo dos 20 com a qual a reunião argentina começou mostra o príncipe Bin Salman relegado a um canto, junto com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e os primeiros-ministros da Austrália e da Itália. Cabe a ele exercer a função de rejeitado. A guerra com a qual ele assola o Iêmen (apoiado pelos EUA) e o assassinato em Istambul do incômodo jornalista Jamal Khashoggi (que os EUA consideram um assunto de menor importância) o transformaram num pária dentro da comunidade internacional. Trump o protege, mas prefere não se mostrar com ele numa atitude amistosa. Nessa mesma foto grupal, Putin posa impassível. Conhece bem os ritos e os truques desses encontros.

O príncipe Salman não recebeu outros abraços a não ser os do presidente argentino, Mauricio Macri, anfitrião e portanto obrigado, e os de Putin, seu inimigo no tabuleiro sírio (se é que se pode chamar tal matança de tabuleiro) e seu aliado ocasional no terreno energético. O francês Emmanuel Macron trocou algumas palavras com o príncipe saudita “sobre petróleo”, segundo o Palácio do Eliseu. Na verdade, foi um diálogo tenso, cheio de subentendidos (“você não me escuta quando falo”, “sou homem de palavra”) e sem nenhum sorriso. A primeira-ministra britânica, Theresa May, reuniu-se ontem à noite com o homem forte do regime de Riad. Segundo um porta-voz de Londres, May lhe expressou a necessidade de terminar com a guerra do Iêmen (um grande negócio para os fabricantes de armas europeus, com exceção dos alemães) e de “tomar medidas” para que “um incidente tão lamentável” quanto o brutal assassinato de Khashoggi não volte a ocorrer.

Donald Trump, evidentemente, está no centro dos conflitos mais graves. Isso é inevitável. Ele é o presidente dos EUA, e é Donald Trump. Quando embarcou no Air Force One com destino a Buenos Aires, Trump enviou um tuíte para anunciar que cancelava seu previsto encontro com Putin. O motivo, supostamente, era o ataque russo contra navios militares ucranianos e o sequestro de seus tripulantes. Mas há muito mais entre Trump e Putin. Continua avançando a investigação sobre a possível cumplicidade do Kremlin com a campanha eleitoral do hoje presidente dos EUA. E Trump, que em seu jogo amigo-inimigo com Moscou, utiliza instrumentos tão perigosos quanto os arsenais nucleares (retirou-se do desarme) e prefere não se exibir muito na companhia do presidente russo.

Trump também protagoniza um dos conflitos potencialmente letais para essa reunião: sua guerra comercial com a China, que já freou o crescimento econômico mundial. Mas, como prova de que nesses encontros supostamente igualitários mandam os de sempre, a questão comercial será resolvida – de maneira boa, ruim ou regular – fora do tempo: com o comunicado oficial já emitido, Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, se reunirão para jantar (salvo imprevistos) na noite deste sábado e decidirão por conta própria. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu e representante de um terço da economia mundial, proclamou na quinta-feira que a União Europeia (UE) promove o comércio livre e justo. Sua voz foi ofuscada pelo atrito entre as duas hiperpotências.

Trump não quer ouvir falar de mudança climática, e nessa disputa está sozinho. Até mesmo Xi se une, pelo menos verbalmente, aos que consideram necessário agir com urgência contra o aquecimento global. O presidente Macron procura liderar, no que se refere ao clima, o campo contra Trump.

O que se pode esperar da reunião plenária deste sábado e da declaração final? Os técnicos de Washington e Pequim se esforçam para alcançar um mínimo de consenso fora da agenda oficial. A anfitriã Argentina carece de autoridade moral para promover acordos, pois seu sistema tarifário é um dos mais impenetráveis do mundo. E Putin esgrime cinicamente o livre comércio como argumento para desqualificar as sanções econômicas com as quais os EUA e a UE o pressionam para que deixe de abocanhar território ucraniano: essas sanções, diz ele, são manobras protecionistas. Para saber se a guerra comercial continuará se agravando ou se terá uma trégua, será necessário esperar a noite este sábado, e bem tarde. Sobre o clima, haverá palavras vagas – se é que será possível encontrar palavras vagas o bastante para não irritar Trump. Os acordos menores (promessas para os países em desenvolvimento, renovação do sistema de cotas do FMI, reflexões sobre o futuro do trabalho e coisas do gênero) poderiam se transformar no mais relevante de Buenos Aires.

TEMER ACREDITA QUE GOVERNO BOLSONARO VAI CONTINUAR NO ACORDO DE PARIS

POR AGÊNCIA BRASIL

O presidente Michel Temer reafirmou neste sábado em Buenos Aires, durante a cúpula do G20, o compromisso do Brasil com o Acordo de Paris e disse acreditar que seu sucessor, Jair Bolsonaro, não romperá este entendimento. "Evidentemente que essas questões são levantadas, mas depois são equacionadas. Não vejo que não terão apoio [as questões climáticas e ambientais] do novo governo", disse após reunião da Cúpula do G20.

Temer informou ainda que as colocações do presidente da França, Emannuel Macron, questionando o compromisso de Bolsonaro com o Acordo de Paris, não foram tratadas na reunião do G20. "Apenas o presidente da França falou disso [fora da reunião], fazendo uma relação com os possíveis acordos [do Mercosul] com a União Europeia, mas não houve uma palavra aqui sobre isso" , disse. "Não creio que haveria modificação da posição brasileira [no Acordo de Paris]", enfatizou.

Em entrevistas, o presidente francês, Emmanuel Macron, condicionou o avanço do acordo entre a a União Europeia e Mercosul ao apoio do governo brasileiro ao Acordo Climático de Paris. Bolsonaro respondeu que não fará acordos internacionais na área de meio ambiente que prejudiquem o agronegócio. Entretanto, ele ponderou que a posição não é definitiva.


Rogério Furquim Werneck: O governo Temer no retrovisor

Presidente conseguiu recrutar uma equipe econômica altamente respeitada, de excelente nível

Daqui a não mais que um mês, todos os olhos estarão voltados para o novo ocupante do Palácio do Planalto. E o governo Temer estará relegado ao retrovisor.

Levará algum tempo até que o país consiga desenvolver uma visão equilibrada do desempenho de Michel Temer, ao longo dos quase 32 meses em que ocupou a Presidência da República, quatro deles como interino. Mas nada impede que, ainda em meio às intensas controvérsias que Temer continua a despertar, sejam aqui recapitulados fatos essenciais de sua polêmica atuação no Planalto.

Fazendo bom uso da larga experiência que adquirira em três mandatos como presidente da Câmara, Temer logo conseguiu converter a ampla coalizão que respaldara o impeachment de Dilma Rousseff em sólido apoio a seu governo no Congresso. Tendo entregue boa parte dos cargos de primeiro escalão a parlamentares especialmente influentes, viuse posteriormente obrigado a afastar vários deles na esteira de denúncias de corrupção.

Não obstante todos os temores de que lhe seria difícil atrair gente competente que, naquelas circunstâncias, se dispusesse a lidar com o descalabro que lhe deixara a antecessora, Temer conseguiu recrutar uma equipe econômica altamente respeitada, de excelente nível. O que, para o país, fez toda a diferença.

Foi notável a rapidez com que a nova equipe conseguiu restaurar a credibilidade da política econômica. Restabelecido o controle sobre a inflação, taxas de juros puderam ser rapidamente reduzidas, abrindo espaço para a recuperação do nível de atividade que, afinal, pôs fim a três longos anos de recessão.

No front fiscal, anos de descarada contabilidade criativa cederam lugar a um padrão inédito de transparência na gestão das contas públicas, que finalmente revelou, com toda a nitidez que se fazia necessária, a real extensão do atoleiro fiscal em que o país fora metido.

Foi um grande feito da equipe econômica ter convencido o país e os mercados financeiros de que o ajuste fiscal requerido, da ordem de 5% do PIB, poderia ser feito aos poucos, ao longo de vários anos, desde que não houvesse dúvida acerca da determinação de levá-lo adiante.

A reconstrução da Petrobras, o desmantelamento do custoso esquema de concessão de crédito subsidiado que havia sido montado no BNDES, a imposição de um teto constitucional à evolução do gasto público federal e a submissão ao Congresso de um projeto ambicioso de reforma da Previdência ajudaram a dar credibilidade à ideia do ajuste fiscal gradual.

Em meados de maio de 2017, não faltava quem apostasse que o projeto de reforma da Previdência estava prestes a ser aprovado no Congresso. Foi quando sobreveio o deprimente escândalo do porão do Jaburu, que obrigaria Temer a gastar a maior parte do capital político que ainda lhe restava para se manter no cargo. Quando, quase no final de 2017, conseguiu bloquear a última denúncia da Procuradoria-Geral da República no Congresso, constatou que já não tinha mais como arregimentar o apoio requerido para a aprovação da reforma da Previdência.

Na esteira de um longo processo de fragilização, agravado por novas acusações de corrupção, Temer chegou ao final do mandato com níveis inauditos de impopularidade, incapaz de ter influência relevante na eleição do seu sucessor. Mas nada disso empanou o mérito de sua equipe econômica, cuja credibilidade e competência permitiram que o país atravessasse período tão tumultuado com surpreendente estabilidade econômica.

Noticia-se que Jair Bolsonaro está convencido de que “quem ferrou o Brasil foram os economistas”. Já é tempo de quem lhe incutiu essa ideia estapafúrdia dar o dito por não dito e esclarecer que se tratava de uma mistificação. Para começar, pode fazer ver ao presidente eleito quão notável foi o papel desempenhado pelos economistas que participaram do governo Temer. E, desde já, alertá-lo para as dificuldades que terá o novo governo para conseguir tripular a Fazenda e o Banco Central com uma equipe comparável à que agora está prestes a sair de cena em Brasília.


Elio Gaspari: Temer deveria zerar mimo do STF

Depois que o Senado aprovou o aumento de salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o presidente eleito Jair Bolsonaro disse o seguinte:

“Complica para a gente, quando fala em fazer reforma da Previdência, tirar dos mais pobres e aceitar um reajuste como esse. Está nas mãos do Temer. Não sou o Temer, se fosse, você sabe qual seria minha posição. (...) Não tem outro caminho no meu entender, até pela questão de dar exemplo.”

Faltam 48 dias para Temer passar a faixa a Bolsonaro. Será no mínimo um péssimo exemplo jogar uma bomba que poderá chegar a R$ 4 bilhões anuais no Orçamento de um governo que nem começou. Mas isso não é tudo.

O Senado aprovou o mimo ao apagar das luzes da legislatura por 41 votos a favor, 16 contra, 20 ausências e uma abstenção. A sessão foi presidida pelo senador Eunício Oliveira, que disputou a reeleição e foi mandado para casa. Metade da bancada que votou a favor do aumento perdeu a cadeira, como Romero Jucá, ou desistiu do Senado, como Aécio Neves. Por ordem alfabética, o primeiro senador solidário com o reajuste dos ministros foi Acir Gurgacz, que cumpre pena de quatro anos e seis meses na penitenciária da Papuda.

A votação foi uma clássica xepa de feira. O aumento tramitava no Senado desde 2016, mas Eunício Oliveira levou-o ao plenário em regime de urgência. O relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos, senador Ricardo Ferraço, deu parecer contrário e votou contra o reajuste.

Na sua conta, elevando-se o salário dos ministros de R$ 33.763 para R$ 39.293 provoca-se um efeito cascata que, com o tempo, vai se espalhar por toda a administração. Na mesma sessão, os senadores votaram também o aumento do salário da procuradora-geral da República. Por mais razão que tenham os ministros com seus salários, nenhum deles passará necessidades com um salário de R$ 33.763 e outros pequenos confortos. Na maioria, são pessoas patrimonialmente seguras por fortuna familiar, acumulação, sucesso profissional e mesmo por empreendedorismo.

O senador Eunício e muita gente boa garantem que o aumento irá só para os 11 ministros ou, quem sabe, só para os juízes dos tribunais superiores. Quem já viu uma comissão de frente entrar na Marquês de Sapucaí sem que houvesse atrás uma escola de samba pode acreditar nisso.

Juízes e desembargadores admitem a possibilidade de trocar alguns de seus penduricalhos depois que houver a propagação do aumento, mas não há quem garanta o sucesso dessa manobra. Muitos juízes, como Sergio Moro, recebem o auxílio-moradia e veem nele um complemento salarial. Seu derivativo carioca, o doutor Marcelo Bretas, acumula o mimo com o da mulher, que a ele tem direito pelos seus próprios méritos. (O fato de morarem no mesmo apartamento seria irrelevante.)

O troca-troca de mimos por penduricalhos nunca foi explicado direito. Se há aí um toma lá dá cá, alguém precisa mostrar a planilha com a conta, porque até agora a Viúva só dá, nunca toma.

Os salários da Justiça estão defasados, mas não se desembaralha o novelo com mimos para ministros acompanhados de inexequíveis promessas de contenções. Tudo ficaria melhor se, em vez de uma xepa de feira, Temer vetasse o aumento aprovado para os ministros, e Jair Bolsonaro chamasse sua turma para fazer a conta direito, mostrando-a aos contribuintes.

Um veto de Temer lustrará seu fim de governo e permitirá que a questão seja zerada, para ser discutida numericamente por um governo livre de ganchos processuais.


Aloysio Nunes Ferreira: A reconstrução do Mercosul

Legado do governo do presidente Temer reclama continuidade, para o bem do Brasil

Há um debate na sociedade brasileira em torno da relevância do Mercado Comum do Sul (Mercosul). De fato, há pouco mais de dois anos o panorama era desolador. A letargia do bloco, evidente. Os propósitos que levaram à sua criação soavam como uma vaga lembrança, ocupados que estavam Estados-membros em utilizar o bloco para ecoar preferências ideológicas, sem conexão com os reais interesses de nossas sociedades.

Uma das maiores conquistas do governo Temer na área externa é ter colaborado para a reconstrução do Mercosul. Ao lado da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, o Brasil trabalhou com afinco para recuperar a vocação original de um regionalismo aberto. Os resultados apareceram rapidamente, tanto no interior do bloco como em sua articulação com o restante do Hemisfério e com a economia mundial.

Um passo importante foi a remoção de quase 90% dos 78 entraves que existiam no comércio intrabloco, como aqueles que dificultavam o acesso ao mercado argentino de carne bovina e banana. Não menos digna de registro foi a assinatura do Protocolo de Contratações Públicas, que abre uma valiosa frente de negócios para as empresas e reduz custos para os governos. Já o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos tornou o ambiente mais receptivo à atração de poupança externa. Adotamos, ainda, um plano de convergência regulatória em áreas como governo digital, governo aberto, segurança cibernética, assinatura eletrônica, direito do consumidor, pequenas e médias empresas e comércio eletrônico.

O diálogo foi destravado também com os países associados. O bloco subscreveu com a Colômbia acordo de complementação econômica que praticamente reduziu a zero as tarifas nas trocas bilaterais. Particularmente frutíferas foram as tratativas com o Chile. Formalizamos instrumentos para a liberalização das compras públicas e a facilitação de transações financeiras. Concluiremos até o final do ano um acordo de livre-comércio de segunda geração, harmonizando regulamentos e adensando os laços entre pequenas e médias empresas e em questões como propriedade intelectual e perspectiva de gênero.

Esses esforços renovaram a importância para o Brasil de um bloco que reúne 275 milhões de habitantes e representa a quinta economia do globo. Os benefícios para o setor industrial são expressivos. Mais de 90% de nossas exportações para os demais sócios no ano passado foram de bens industrializados (US$ 20,7 bilhões). Em 2017 foram para o Mercosul 18,5% de nossas exportações de manufaturas.

O bloco voltou a ser uma plataforma para uma inserção competitiva de seus membros na economia mundial. Se é verdade que teremos a partir de 2019, por causa dos acordos da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), uma área de livre-comércio de bens com a maioria dos países da América do Sul, também é verdade que ampliamos de maneira muito significativa os horizontes do Mercosul, a começar pela indispensável aproximação com a Aliança do Pacífico.

Na reunião de cúpula de Puerto Vallarta (México) foi adotado um plano de ação que prevê passos concretos em facilitação de comércio, cooperação regulatória, agenda digital e comércio inclusivo. Para aferir o potencial dessa aproximação basta lembrar que, juntos, o Mercosul e a Aliança do Pacífico respondem por 90% do produto interno bruto e dos fluxos de investimento externo direto na América Latina e no Caribe. O comércio entre os dois blocos alcançou no ano passado a cifra de US$ 35,3 bilhões, dos quais US$ 25 bilhões de transações do Brasil com a Aliança do Pacífico, um incremento de 21,4% em relação a 2016.

A abertura e a intensificação de negociações comerciais extrarregionais refletem com eloquência a reanimação do bloco. Vejamos o caso das tratativas para a assinatura de um acordo de associação com a União Europeia. Passamos da inércia dos últimos governos a um notável empreendimento negociador, que logrou concluir até o momento 12 dos 15 capítulos do acordo. Por mais árduo que seja o esforço final de dirimir diferenças em áreas como o acesso ao mercado agrícola europeu, jamais estivemos tão perto da criação de um espaço com 750 milhões de pessoas e um produto de US$ 19 trilhões.

Lançamos também negociações com parceiros importantes como Canadá, Coreia do Sul, Associação Europeia de Livre Comércio (Efta, que reúne Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e Cingapura. E estamos engajados em ampliar o acordo com a Índia e o escopo das tratativas com o Egito, o Líbano e a Tunísia. Estão dadas as condições para o início das negociações de um acordo com o Japão, perspectiva recentemente saudada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Federação Japonesa de Negócios (Keidanren). Ressalto a importância da aproximação com a Ásia, continente para onde, sabemos todos, se deslocou o eixo de gravidade da economia mundial. Pude constatar em visitas à região quão densa é a teia de acordos preferenciais firmados entre os asiáticos e com terceiros atores. Pleiteamos nossa entrada nesse circuito, onde estão em jogo oportunidades imensas de participação em cadeias globais de valor e de captação de investimentos.

É esse o legado do governo do presidente Michel Temer em relação ao Mercosul, que reclama continuidade para o bem do Brasil e de sua presença internacional. É por uma interação cada vez mais intensa com os vizinhos e com o mundo, e não olhando no retrovisor, que aumentaremos a eficiência e a produtividade de nossa economia, com ganhos óbvios na geração de renda e emprego. Concorremos, outrossim, para confirmar o comércio e a integração econômica como fatores de prosperidade e de bem-estar social, em contraponto a impulsos protecionistas que nada aportam a seus promotores e à comunidade internacional como um todo.

* Aloysio Nunes Ferreira é ministro das Relações Exteriores


Bruno Boghossian: Temer busca carona com próximo presidente para lustrar biografia

Emedebista tenta usar transição para preencher embalagem vazia do ajuste fiscal

Sem gasolina há meses, Michel Temer quer pegar uma carona com o próximo presidente. O passageiro já ousa dar orientações para o sucessor e chega a sentenciar que “dificilmente” o novo governo conseguirá seguir uma rota diferente da atual. “Quem poderá fazê-lo?”, perguntou, na semana passada.

Temer fala como se a escolha do próximo presidente e sua participação na transição pudessem ajudá-lo a recuperar algum poder. Foi sua impopularidade, no entanto, que contaminou as pautas elaboradas durante seu mandato —e não o contrário.

Em viagem a Nova York, Temer decidiu “anunciar” (e não “sugerir”) que faria uma reforma da Previdência logo depois da eleição. “Procurarei o presidente eleito, seja ele quem for, e tenho certeza de que ele atentará para o fato de que a medida é indispensável”, afirmou.

A intenção pode ser nobre, dada a situação precária das contas do país, mas Temer deixa de levar em consideração que o grupo eleito em outubro terá muito mais força do que ele para apresentar uma agenda ao Congresso, mesmo antes de subir a rampa do Planalto.

O governo atual deixa um legado de projetos não aprovados que podem ou não ser aproveitados pelo próximo presidente. Basta lembrar que o PT rechaça a ideia de Temer de mudança nas aposentadorias. O time de Jair Bolsonaro até concorda com o projeto, mas certamente tentará impor sua marca ao texto.

Temer até conseguiu reverter a recessão aberta pela gestão Dilma Rousseff e começou a reequilibrar os cofres públicos. O país, no entanto, está longe de retomar o crescimento e o emprego.

Na prática, o presidente quer diluir as fronteiras de seu mandato para insinuar que criou uma “doutrina” capaz de dar resultados nos próximos anos e lustrar sua biografia.

Depois de sofrer uma pane seca que paralisou a votação de assuntos importantes, Temer tenta deixar como legado a embalagem do ajuste fiscal, esperando que seu sucessor preencha o espaço vazio.


Míriam Leitão: O imenso rombo potencial do Fies

O estouro do Fies aconteceu no início do segundo mandato (Dilma), por isso começou a cair o número de novos financiados a partir de 2015

O potencial de perdas de receitas com o Fies, com os financiamentos concedidos entre 2010 e 2016, é de impressionantes R$ 116 bilhões. Crédito educativo é bom, mas o programa foi mal desenhado, sua expansão teve inúmeras distorções e ele foi usado eleitoralmente em 2014 quando teve o recorde de novos contratos. Em tempos de promessas de candidatos, e de verdades contadas pela metade,é importante olhar o caso de um bom projeto que ficou insustentável pelos erros no desenho e gerenciamento.

A forte elevação do programa no governo Dilma teve relação direta com a campanha da reeleição. Os novos contratos estavam entre 30 mil ou70 mil ao ano. Na primeira administração Dilma entraram numa escalada que levou a dar um salto de 10 vezes. Foi de 76 mil novos contratos no último ano Lula para 733 mil em 2014, ano eleitoral. Em 2015, ainda no governo da ex-presidente, caiu para 287 mil. Em 2017, o governo Temer o reformulou depois de um amplo estudo feito pelo Ministério da Fazenda que mostrou os erros.

Em 2010, foi criado o fundo garantidor e com base nisso o programa cresceu. O problema é que o fundo foi criado coma premissa errada. De que haveria uma taxa de inadimplência de 10%. No mundo inteiro é de 30%. No Brasil, se estima que os atrasos nos pagamentos dos empréstimos, entre 2010 e 2016, estejam entre 40% e 50%. Outro erro é que o calote era todo bancado pelo governo. E, de novo, em vez de ser um programa para os pobres,incluiu não pobres e virou uma fonte garantida de receita para as universidades privadas.

Os grupos maiores passaram a incentivar os alunos a procurar financiamento, porque achavam que isso reduziria o risco de não pagamento de mensalidades. Muito mais garantido era tudo ser pago por um fundo bancado pelo governo. Fizeram mais: aumentaram as mensalidades, cobrando mais dos beneficiários do programa.Virou uma bola de neve. O número de alunos era de 200 mil entre 2002 e 2010. Pulou para quase dois milhões.

Desses, 733 mil a mais só em 2014, não por acaso um ano eleitoral,em que este assunto foi objeto da campanha da reeleição. Os dados mostram que houve uma substituição de alunos pagantes por alunos financiados. São vários os custos do Fies. Ele é 100% financiado com emissão de dívida pública. Quando o financiamento não é pago, vira despesa primária do Tesouro.

E tem o custo financeiro do diferencial de juros.O orçamento do programa saiu de R$ 1,3 bilhão em 2010 para R$ 19 bilhões. O rombo potencial, se as projeções do calote se confirmarem, dá aquele valor escrito acima:R$116 bilhões. O estouro do Fies aconteceu no início do segundo mandato, por isso começou a cair o número de novos financiados a partir de 2015. Em 2016, já no governo Temer, o Ministério da Fazenda fez um amplo estudo do programa.

O desafio era como manter e fazê- lo sustentável. Foi criado um grupo de trabalho e durante seis meses foram chamados representantes das universidades privadas. Em seguida,ele foi alterado. O Fundo Garantidor do Crédito Estudantil agora é bancado pelos dois lados. O governo fará um aporte único de R$ 2 bilhões, e daí para diante as universidades privadas terão que pôr dinheiro, e as que tiverem mais taxa de inadimplência farão aportes maiores. Isso as obriga a melhorar a capacidade de empregabilidade dos estudantes.

Na contratação do empréstimo, a universidade tem que dizer quanto ele vai custar e qual será o indexador. Isso proíbe o aumento desordenado das mensalidades. E não poderá cobrar mais do aluno financiado que dos demais alunos.

Além disso, foi colocado um teto no valor que pode ser cobrado A concessão nova caiu para 170 mil em 2017. Ainda há um passivo a ser digerido, mas o programa entrou em nova rota.A lição que fica é que a demagogia e o uso político transformam um bom programa numa bomba fiscal.


André Singer: O putsch dos caminhoneiros

Enfraquecida e acuada, Presidência criou o mais perigoso vazio desde a redemocratização

No futuro, pesquisadores irão contar como, de fato, se deu o desarme da bomba autoritária que rondou o Brasil na boleia de um caminhão desgovernado entre a manhã da sexta (25/5) e a da terça (28). Na noite anterior às quatro jornadas semicaóticas, a Presidência da República, enfraquecida e acuada, havia feito concessões e firmado um acordo com os revoltosos. No entanto, durante 96 horas nada se mexeu, criando o mais perigoso vazio desde a redemocratização de 1985.

Parada, a nação assistiu grupos condicionarem a liberação das estradas a uma “intervenção militar”. Enquanto a sublevação ganhava o comando do espetáculo, um silêncio sepulcral emanava das instituições. Apenas quando o pior tinha passado, forças políticas saíram da letargia para defender o regime democrático.

No meio da paralisia, o desconcerto era tamanho que cheguei a pensar tratar-se de mera encenação temática para comemorar os 80 anos do putsch integralista contra Getúlio Vargas. Mas diferentemente de 1938, quando tentaram tomar o palácio presidencial à força, os manifestantes de 2018 não gritavam anauê nem usavam o sigma na camisa uniformizada. Contavam, porém, com um candidato a presidente que, em alguns cenários, beirava os 20% das intenções de voto, enquanto Plínio Salgado, líder das tropas de assalto verdes, só chegou a 8,3%, em 1955.

Convém notar, igualmente, que os atuais defensores da ditadura não se encontram (ainda) estruturados em milícias com treinamento militar, como ocorria com os integrantes da Ação Integralista Brasileira (AIB). O uso da violência, contudo, vem-se tornando recorrente. Tiros sobre a caravana de Lula no sul, disparos contra membros do acampamento de Curitiba e a pedra que matou um motorista em Rondônia na quarta (30) constituem indícios suficientes.

Também a proximidade entre civis e militares chamava a atenção. Assim como o capitão Olympio Mourão Filho —futuro detonador do golpe de 1964— era o chefe do estado-maior da milícia integralista, há generais da reserva que apoiam Jair Bolsonaro.

Mas de repente, sem que fosse necessário prender as lideranças do levante, a normalidade começou, lentamente, a se restabelecer. Será que o anúncio, pela presidente do STF, de que em três semanas seria julgada a ação relativa ao parlamentarismo teve algum papel indireto na desmobilização das rodovias? Ou, apenas, como escreveu o jornalista Bruno Boghossian, “os políticos alinhados à farda querem assumir o poder pela porta da frente” (eleições)?

Por ora, ignorantes, fiquemos com a impagável frase de Michel Temer: “Graças a Deus estamos encerrando essa greve”. Só a Deus.

André Singer é cientista político e professor da USP, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.


El País: Cortes em saúde e educação ajudarão a pagar diesel mais barato para caminhoneiros

Programas voltados para a juventude e de combate a violência de gênero também sofrerão cortes. Governo Temer também arrecadará mais impostos de diversos setores 

Por Felipe Betim, do El País

O presidente Michel Temer (MDB) cedeu às demandas dos caminhoneiros em greve ao anunciar uma redução de 46 centavos no preço do diesel, o congelamento da tarifa por dois meses, entre outros pontos e, nesta sexta-feira, as autoridades finalmente comemoraram não haver mais pontos de protesto ligados à paralisação que deixou o país e o Governo à beira do colapso. Mas Temer e a Petrobras, que até segunda-feira já havia perdido 126 bilhões em valor de mercado, uma queda de 34,6% na cotação de suas ações, não são os únicos derrotados pela greve.

Na disputa pelo colchão curto do Orçamento, que já amarga redução em investimentos e em atendimento médico e educacional, o Planalto resolveu pulverizar as perdas, de preferência a serem absorvidas por grupos menos organizados e menos fortes politicamente, para evitar mais resistência. Atender aos grevistas custará aos cofres públicos aproximadamente 13,5 bilhões de reais — 9,6 bilhões em subsídios e mais 4 bilhões na redução das alíquotas do Cide e PIS/COFINS do óleo diesel. Para isso, o mandatário anunciou uma série de medidas que preveem uma maior arrecadação de impostos de determinados setores e cortes que somam 3,4 bilhões de reais. Programas sociais e políticas públicas, especialmente as voltadas para saúde e educação, estão entre os afetados.

Na pasta da Educação, o corte será de 55,1 milhões de reais, destinados inicialmente para a concessão de bolsas do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies). Também haverá, segundo informou o jornal Folha de S. Paulo, um corte de 135 milhões de um programa destinado para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Políticas públicas voltadas para a juventude, repressão e prevenção ao tráfico de drogas e enfrentamento à violência contra as mulheres também sofrerão cortes em seus orçamentos.

Além das políticas e programas sociais listados acima, o Governo prevê um corte de 368,9 milhões em programas de transporte terrestre do Ministério dos Transporte que envolvem 40 obras. O policiamento ostensivo em rodovias federais também perdeu 1,5 milhão, apesar de que umas das queixas dos caminhoneiros, segundo os relatos ouvidos pelo EL PAÍS, era que falta segurança nas estradas.

Outras áreas também tiveram recursos cortados. A reserva para capitalização de empresas estatais federais é a que perde o maior volume de recursos, 1,667 bilhão. A reserva de contingência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional teve um corte 979,297 milhões. O Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação também saiu perdendo, com um corte de 21,75 milhões de seu já dilacerado orçamento.

No setor rural, também afetado pelo Bolsa Caminhoneiro, o Programa de Reforma Agrária teve um corte 30,779 milhões; o Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural Para Agricultura Familiar perdeu 5,443 milhões; a Defesa Agropecuária também contará com 2,996 milhões menos; por fim, Pesquisa e Inovações para a Agropecuária perdem outros 2,729 milhões.

Maior arrecadação de impostos

Para fechar a conta, Temer também elevou a arrecadação de impostosprovenientes de alguns setores. A principal medida diz respeito ao Reintegra, um programa de incentivo fiscal voltado aos exportadores de produtos industrializados em que o Governo devolve parte dos tributos pagos por eles. Um decreto presidencial reduziu de 2% para míseros 0,1% o tamanho desta devolução. Com isso, o governo arrecadará até o final do ano 2,27 bilhões de reais. A previsão, caso não haja mais mudanças, é de que o percentual de devolução seja de 3%, como era até 2014.

O Governo também aumentará sua arrecadação a partir da reoneração da folha de pagamento de alguns setores. Isso porque a Câmara votou um projeto de lei em que previa que 28 áreas estariam isentas dessa reoneração, mas Temer vetou a isenção para 11 desses setores, como empresas estratégicas de defesa, empresas de transporte aéreo de carga e de passageiros regular, empresas de serviços auxiliares ao transporte aéreo de carga e de passageiros regular, empresas de manutenção e reparação de aeronaves, empresas de manutenção e reparação de embarcações e as empresas do comércio varejista de calçados e artigos de viagem. Outros 17 setores, como o de calçados, construção civil, fabricação de veículos, transporte rodoviário e indústria têxtil, mantiveram o benefício.

O Governo ainda revogou, a partir de uma medida provisória, incentivos fiscais a produtos destinados a centrais petroquímicas, garantindo assim mais recursos. Também reduziu a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 20% para 4% sobre os concentrados de refrigerantes. Essa medida fará com que os fabricantes gerem menos créditos para abaterem impostos, o que permitirá um ganho de 740 milhões para o Governo até o fim do ano.

Outras duas medidas provisórias trataram da concessão de subsídio à comercialização de óleo diesel e, finalmente, da abertura de um crédito extraordinário para os ministérios de Minas e Energia, que leva 9,5 bilhões; e de Defesa, que fica com 80 milhões para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), nas quais o Exército é acionado.