Rodrigo Maia

Valor: 'Precisamos que o presidente assuma a cadeira de piloto do avião', diz Rodrigo Maia

Deputado diz que Câmara poderá mudar meta fiscal, mas teto de gastos será mantido

Por Marcelo Ribeiro e Fernando Exman, Valor Econômico

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu o Valor na residência oficial já alertando: “De longe”.

O avanço do coronavírus não impôs apenas uma nova dinâmica para a entrevista, mas também para a atividade parlamentar, num momento em que o Congresso terá que combater os efeitos dessa crise, e na relação entre os Poderes.

Maia se disse “perplexo” com a participação do presidente Jair Bolsonaro nas manifestações contra o Legislativo e o Judiciário. Fora da entrevista, na rede social Twitter, bateu sem piedade. Mirou na questão da saúde, e não nas críticas que os manifestantes fazem às instituições.

“ O presidente da República ignora e desautoriza o seu ministro da Saúde e os técnicos do ministério, fazendo pouco caso da pandemia e encorajando as pessoas a sair às ruas. Isso é um atentado à saúde pública, que contraria as orientações do próprio governo”, escreveu.

Na entrevista, Maia cobrou que o presidente da República assuma a “cadeira de piloto” para a qual foi eleito, e demonstrou como a Câmara pode ajudar.

“A PEC do Teto de Gastos limita os gastos e é importante que a gente dê clareza aos investidores que ela não será cancelada”, destacou. “Mas ela tem uma previsão que em caso de catástrofe o governo pode editar projetos ou medidas de créditos extraordinários.”

Ele sinalizou, por outro lado, que uma alteração da meta fiscal que garanta recursos para o enfrentamento da crise não terá dificuldades no Congresso: “Este é um caso de catástrofe e precisa ficar claro. O orçamento do Ministério da Saúde não pode estar limitado por nada”.

Perguntado se o comportamento do presidente é incompatível com o cargo, o que em tese pode embasar um pedido de impeachment, o presidente da Câmara afirmou que o Congresso não agravará a crise. “Às vezes, me dá a impressão que o governo quer isso. Nós não seremos responsáveis por isso”, disse.

Valor: Antes das manifestações, o senhor estava com um discurso pacificador. O que muda a partir do que ocorreu no domingo?

Rodrigo Maia: Pacificador pelo tema [coronavírus], não pela relação com o governo. Eu sempre deixei claro que uma coisa são esses próximos três meses e outra coisa é depois dos três meses. Por mais que o que ocorreu hoje [domingo] seja gravíssimo, nós temos que ter paciência para dizer o seguinte: nós precisamos do piloto do avião no lugar correto. Nós não podemos repetir o filme “Apertem os cintos que o piloto sumiu”. Nós precisamos do presidente da República na cadeira de piloto. Essa é a cadeira para a qual ele foi eleito. Comandar o Brasil na crise, esse é o papel do presidente e só ele pode comandar o país nesta crise.

Valor: Como o senhor avalia a reação do governo em relação à pandemia e aos impactos econômicos dela decorrentes? Como o Congresso deve interagir com essa agenda do poder Executivo?

Maia: A agenda de hoje é muito diferente da de quatro ou cinco semanas atrás. Se a reação não for bem organizada pelo governo, nós teremos aumento do desemprego e da pobreza. Não podemos esquecer que o Brasil tem uma informalidade enorme. Muitos vão precisar entrar em quarentena, mas não têm outra renda. O que a gente espera é que o governo possa se organizar não apenas na saúde, mas tomar decisões para que o impacto em alguns setores seja minimizado. O que vai acontecer no setor de serviços, entretenimento? O setor de aviação, o de turismo? Alguns setores já estão dando férias coletivas ou demitindo.

Valor: A participação do presidente na manifestação não prejudica essa reação contra a pandemia?

Maia: Em um momento como este, cabe a todos os Poderes trabalhar em conjunto, unidos, para que os impactos desta crise sejam reduzidos. Infelizmente, não é o que a gente vem acompanhando nos últimos dias. Primeiro minimizou demais, depois chegou perto do coronavírus e no dia de domingo deu uma demonstração de total irresponsabilidade em relação a milhões de brasileiros. Mais do que isso: mandou um sinal desautorizando o seu próprio ministro da Saúde e sua equipe, quando recebeu uma orientação dela. Fez uma gravação junto com o ministro dizendo que não pode haver aglomerações e dois dias depois desautoriza a própria equipe da pasta.

Valor: É possível trabalhar em harmonia, um mandamento constitucional, tendo um chefe do Poder Executivo atuando contra os outros Poderes?

Maia: É difícil imaginar, em uma crise que pode ser até mais parecida com a depressão de 1929, um chefe do Poder Executivo desrespeitando seu próprio ministro da Saúde, sinalizando para a sociedade algo que é completamente equivocado em relação a tudo que todos os especialistas estão falando. Quando no início do crescimento mais forte dessa pandemia no Brasil a gente não vê o presidente comandando as ações e dando o exemplo, certamente é um momento de perplexidade para todos nós que queremos e vamos ajudar.

Valor: Deve-se esperar alguma reação por parte do Congresso?

Maia: Não vamos olhar para essas coisas, apesar de gravíssimas. Nós temos vidas em jogo e, neste momento, vamos cuidar dessas vidas. A pauta política, do debate, ficará para momento onde essa situação da pandemia esteja estabilizada, quando a gente tenha garantido a passagem por essa fase. Vamos tratar da política depois. Tenho certeza que o Senado e a Câmara dos Deputados não serão instrumento para nenhuma crise institucional, mas nós queremos e chegamos ao ponto de exigir que o governo comande o Brasil de forma definitiva e coordene os trabalhos em harmonia com os outros Poderes, para que todos nós possamos dar a nossa contribuição.

Valor: O governo federal também deve enfrentar desafios para cumprir a meta fiscal. Com qual horizonte o senhor trabalha?

Maia: O governo federal certamente vai ter queda da arrecadação. Certamente vai precisar mudar a meta para garantir o Orçamento funcionando até o final do ano. Vai precisar de recursos extras, acredito que para saúde. Temos que estar com o Orçamento aberto. A PEC do Teto de Gastos limita de forma correta os gastos, mas há nela uma previsão de crédito extraordinário, de gastos extras em caso de catástrofe. Este é um caso de catástrofe e precisa ficar claro. O orçamento da Saúde não pode estar limitado por nada.

Valor: Do ponto de vista prático o governo está demorando o anúncio de mais medidas?

Maia: Na área da saúde está caminhando. Na área econômica, é claro que os impactos acontecerão. Mas ninguém tem a projeção correta. A Nova Zelândia reduziu mais uma vez a taxa de juros [a entrevista foi dada antes da decisão do Fed]. Esse é o caminho? Quais outras decisões? Se a arrecadação cair, vai ter que mudar a meta. É esse o caminho? Numa hora como esta, não adianta trabalhar com as regras que nós estávamos trabalhando até o final do ano passado.

Valor: Há uma pressão de alguns partidos para que se reveja o teto de gastos.

Maia: A PEC do Teto de Gastos limita os gastos e é importante que a gente dê clareza aos investidores que ela não será cancelada. Não. Não vamos cancelar a PEC do Teto, mas ela tem uma previsão que em caso de catástrofe o governo pode editar projetos ou medidas de créditos extraordinários. Tenho certeza que nenhum brasileiro vai achar que o governo desorganizou a suas contas porque amanhã o ministro Mandetta pode precisar de mais R$ 10 bilhões ou R$ 15 bilhões. Não estou dizendo que precisará, mas esta hipótese tem que estar garantida.

Valor: Podemos interpretar que a agenda pós-coronavírus vai impor dificuldades ao governo?

Maia: A dificuldade do governo é que a sua agenda, do meu ponto de vista, muitas vezes não está conectada com os problemas da vida real dos brasileiros. O governo focou numa agenda correta, mas não é a única agenda.

Valor: A decisão do presidente de ir às manifestações pode dificultar a aprovação de projetos que teriam consenso?

Maia: Acho que não. Acho que essa semana tudo que for relacionado ao coronavírus será aprovado, porque tudo terá consenso. Parlamentares estarão prontos para votar e construir acordo sobre projetos que venham do governo para proteção da vida das pessoas e dos empregos. Com votação por acordo, a gente não precisa de aglomeração no plenário.

Valor: Há um número crescente de pessoas dizendo que o comportamento pessoal do presidente da República está sendo incompatível com o cargo. Diante do fato de que o presidente da Câmara dos Deputados é o responsável pelo acolhimento ou não de pedidos de impeachment, qual é a opinião do senhor a respeito dessa visão?

Maia: Por esse motivo minha resposta tem que ser cuidadosa. Nós já temos muitos problemas no Brasil para a Câmara ou o Senado serem responsáveis pelo aprofundamento da crise. Nós não seremos responsáveis por isso. Às vezes, me dá a impressão que o governo quer isso. Nós não seremos responsáveis por isso. Todos nós fomos eleitos. O presidente teve 57 milhões de votos, os deputados tiveram 100 milhões de votos. Todos nós fomos eleitos de forma legítima. A legitimidade de cada um precisa ser respeitada, como a legitimidade dos ministros do Supremo, dos governadores, dos prefeitos, dos deputados estaduais e vereadores. Todos precisam ser respeitados. Num momento de crise que a gente está vivendo, não será da Câmara que vai sair nenhum instrumento para ampliar ainda mais a crise. Nós precisamos que o presidente sente na cadeira de presidente da República. O piloto do avião precisa sentar na cadeira e assumir o controle. Não pode transferir isso para o ministro da Economia nem para o ministro da Saúde nem para o ministro da Infraestrutura. A responsabilidade é dele. Não há delegação de poder no sistema presidencialista. O poder é dele, ele precisa exercê-lo e é isso que nós estamos aguardando.

Valor: Bolsonaro disse aos eleitores que aqueles que o colocaram na Presidência precisam ajudá-lo a permanecer. O senhor avalia que o recente comportamento de Bolsonaro representa um risco às instituições e à democracia?

Maia: Eu não sei, porque não vejo ninguém trabalhando para tirá-lo da cadeira. O que nós queremos é que ele comande o Brasil. São coisas diferentes. Talvez ele faça uma distorção na relação política entre Parlamento, Supremo e Poder Executivo, mas o que nós queremos, ele pode ter certeza, é avançar com a agenda de superar a crise de saúde pública, social e econômica do coronavírus. Essa agenda de “me ajudem a ficar aqui” é uma agenda diversionista. Queremos que ele sente na cadeira do piloto e comande esse grande avião que é o nosso país, que tem problemas e precisa de um presidente que assuma suas responsabilidades em harmonia com os outros Poderes.

Valor: Caso o Congresso ganhe novamente o protagonismo nesse processo, novamente setores irão dizer que está tentando se implementar, na prática, um parlamentarismo.

Maia: Os apoiadores do presidente reclamam nas redes que o Parlamento quer assumir um parlamentarismo branco. O que a gente grita agora, em nome de todos os brasileiros, é que precisamos de uma Presidência atuando, comandando esse processo.


Folha de S. Paulo: ‘Não podemos imaginar que Guedes tenha pensado de forma tão medíocre’, diz Rodrigo Maia

Segundo presidente da Câmara, lista de projetos enviada pelo ministro à Casa não resolve crise de curto prazo com coronavírus

Leandro Colon, Julia Chaib, da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que a agenda dos próximos 45 dias será focada no combate aos efeitos econômicos do coronavírus. Na sua opinião, o governo tem de apresentar medidas de curto prazo para discussão. Segundo ele, a ausência disso incomodou deputados e senadores que se reuniram com o ministro Paulo Guedes (Economia) na quarta (11).

“Guedes não tinha uma coisa organizada ou não quis falar. Se olhar os projetos, tem pouca coisa que impacte a agenda de curto prazo ou quase nada”, disse.

Maia recebeu a Folha nesta quinta (12) na residência oficial da presidência da Câmara.

As propostas econômicas em andamento no Congresso, listadas por Guedes em ofício enviado aos parlamentares na terça (10), segundo o deputado, não resolvem a turbulência dos próximos meses.

Para Maia, a reforma administrativa, ainda a ser enviada pelo governo, não é uma solução no momento.

“A reforma administrativa estar atrasada incomodava até 15 dias atrás”, afirmou.

O presidente da Câmara disse ainda que terá sido “medíocre” se Guedes pensou em transferir a responsabilidade para os deputados sobre a solução da crise ao ter cobrado a votação da agenda. “Não posso acreditar que um homem de 70 anos, com a experiência dele, tenha mandado isso com essa intenção. A crise é tão grande que a gente não tem direito de imaginar que o ministro da Economia de uma das maiores economias do mundo possa ter pensado de forma tão medíocre.”

Os parlamentares ficaram frustrados com Guedes porque não ouviram medidas concretas e ele ainda tentou dividir a responsabilidade dizendo que a solução é política. Como o senhor avaliou o encontro e a reação dos colegas? 
Compreendi o que ele [Guedes] quis dizer. Precisamos continuar olhando projetos de lei e emendas constitucionais que ajudam a melhorar o ambiente de negócios no país. Em relação a essa parte da participação dele, entendi muito bem. O que preocupou os parlamentares é que certamente teremos impacto de curto prazo e que essas reformas de médio e longo prazo não vão resolver. Temos uma crise de pandemia de um vírus que começa a crescer no Brasil.

O que incomodou os parlamentares é que não sentimos e não vimos, se ele [Guedes] não podia falar ou se ainda não organizou, as soluções para os problemas de curto prazo, como nos setores da aviação civil e de serviços.

São dois eixos: como impacta a saúde dos brasileiros e como impacta a vida econômica e social. São duas urgências. Essa primeira está bem organizada. Por outro lado, como o governo vai reagir em relação à queda da atividade e a algum risco de perda de emprego? Essa parte incomodou os deputados e senadores. A falta dessa parte.

O que eu falei a alguns deputados é que certamente o governo agora está começando a fazer suas simulações. Nós queremos ajudar o governo também, claro, com a organização do diagnóstico feito por eles. A indústria automobilística, por exemplo, teve um resultado em setembro ruim. O setor de serviços vai desempregar muito? O setor de aviação precisa de apoio? Como faz com as empresas de turismo que compram assentos nos aviões, quartos de hotel olhando o futuro e vai começar a ter um cancelamento?

O setor de entretenimento vai começar a cancelar eventos como já está acontecendo nos Estados Unidos. Essas variáveis de curto prazo é que eu acredito que os deputados e senadores sentiram falta na apresentação do Guedes.

O que se entende da mensagem do Guedes é que as medidas do governo virão desde que o Congresso aprove alguma coisa que esteja lá, dividindo a responsabilidade. O senhor sentiu essa mensagem por parte dele? É possível aprovar alguma coisa a curto prazo para que o governo destrave suas medidas?
Não posso imaginar que, numa crise desse tamanho, o ministro tenha encaminhado uma lista de 19 projetos para transferir a responsabilidade para nós. Não posso acreditar que um homem de 70 anos, com a experiência dele, tenha mandado esses projetos com essa intenção. Não acredito nisso. A crise é tão grande que a gente não tem direito nem de imaginar que o ministro da Economia de uma das maiores economias do mundo, o com mais poder desde a redemocratização, possa ter pensado de forma tão medíocre. Eu tenho certeza de que não. Não imagino isso, e não tenho direito, com o risco de tantos brasileiros serem atingidos do ponto de vista da saúde e do ponto de vista econômico por essa crise, imaginar que alguém teve essa percepção. Naquele momento, como ainda não havia um plano de contingência na área econômica, talvez ele, para tentar suprir essa lacuna de curto prazo, tenha encaminhado os projetos de médio e longo prazo.

Bolsonaro não subestimou a crise?
Na área da saúde, o governo desde o começo tem tratado conosco o assunto de forma correta e competente. O que estou dizendo é que talvez ele [Guedes] tenha mandado esses projetos porque viu que a situação ia piorar muito mais rápido do que imaginou e resolveu encaminhá-los para dar uma sinalização de que tem uma agenda. Queremos que o governo construa as soluções que vão minimizar os efeitos na saúde pública e na crise na vida das pessoas na área econômica área social. O governo precisa liderar isso.

Foi uma forma de pressionar o Congresso, não?
Entre uma pressão do Guedes e o risco de perder a vida de brasileiros com o vírus, somado ao risco de ampliação de desemprego no Brasil, não vou estar preocupado se ele fez isso para pressionar. Essa não é a pressão que nos incomoda. A que nos incomoda é a gente ainda estar desconfortável em relação à resposta que o poder público, os três Poderes, precisa dar. Em relação ao curto prazo, ele [Guedes] não tinha uma coisa organizada ou não quis falar de anúncio a ser feito pelo presidente. Se você olhar os projetos, tem pouca coisa que impacta a agenda de curto prazo ou quase nada. Temos um problema de seis meses.

Incomoda a demora do envio das reformas administrativa e tributária?
A reforma administrativa estar atrasada incomodava até 15 dias atrás. Hoje, o que me angustia e preocupa é, sob a liderança do Poder Executivo, mostrar à sociedade brasileira uma união para superar os próximos seis meses. O que incomoda e angustia é que a gente ainda não tem um plano de contingência para superar essa crise e os impactos na vida das pessoas na economia. A reforma administrativa não é parte dessa solução. Nos próximos 45 dias, nossa prioridade vai ser a agenda com o governo e o Supremo para superar essa crise.

O próprio presidente havia minimizado a crise do coronavírus...
Parece-me que não, se o ministro da Saúde está sendo tão elogiado. Talvez ele (Bolsonaro) tenha minimizado para acalmar as pessoas.

Não é uma tática dele jogar a responsabilidade ao Congresso em meio a um cenário de agravamento da crise econômica?
Quanto mais a gente reafirmar que temos respeito pela pauta econômica do Executivo, a gente vai fortalecendo nossa posição tirando o discurso de alguns de transferir a responsabilidade ao Poder Legislativo. Reafirmando a responsabilidade, a gente tira as forças do discurso que às vezes passam por dentro do Palácio do Planalto e às vezes no ministério da Economia.

O senhor fala em responsabilidade do Congresso, mas o Congresso derrubou uma medida considerada importante pelo governo, um veto do presidente, e aumenta os gastos públicos em R$ 20 bilhões com o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Trabalhei para manter o veto e disse aos parlamentares que havia sido um erro a votação. Todo o mundo sabia que a crise do vírus estava crescendo. Nós estaríamos apenas colocando lenha na fogueira e de alguma forma ajudando o governo a fazer um discurso de transferir responsabilidades para o Legislativo.

O momento de gerar uma despesa de forma racional ou menos racional foi completamente equivocado. Geramos uma despesa de R$ 20 bilhões e sinalizamos que pode ter um risco de desorganização da pauta pelos próximos seis meses. Aí eu falo, como se faz para votar a PEC do Fundeb na próxima semana? Além do erro de ter votado um projeto que a gente sabe que não tinha previsão orçamentária.

Foi uma retaliação à questão dos protestos?
Da minha parte, não. Porque eu acho que isso [a nova despesa] deve ser inconstitucional.

Mas e o resultado?
O resultado acho que não foi uma retaliação ao protesto porque ninguém é contra o protesto. Foi uma retaliação a esse ambiente que dá a impressão de que alguma forma o governo estava patrocinando uma manifestação contra o Poder Legislativo. Pode ter sido isso, talvez.

O governo vai questionar a votação do BPC no Supremo e no TCU (Tribunal de Contas da União).
Certamente. Como presidente, eu tenho que respeitar o resultado da votação, mesmo não tendo ficado satisfeito, ter ficado incomodado, eu respeito muito o plenário da Câmara. Não é apenas o que eu gosto ou o que eu defendo que precisa ser aprovado. Vivemos numa democracia. Principalmente, porque era uma votação da sessão do Congresso, que não sou eu que presido,. Eu não posso tomar uma decisão que vá contra a decisão de 300 deputados. Mas eu acredito que o Poder Executivo está certo e tem as condições de questionar uma decisão que vai de fato desorganizar o Orçamento público brasileiro.


Folha de S. Paulo: Governo afasta investidores e atrasa reformas, diz Maia

Presidente da Câmara defende acordo de votações para enfrentar coronavírus

Eduardo Cucolo, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse nesta sexta-feira (6) que o governo Jair Bolsonaro tem contribuído para afastar investidores do país, ao gerar incertezas em relação ao seu compromisso com a democracia e com a defesa do meio ambiente, além de contribuir para atrasar o andamento da agenda de reformas.

A afirmação, segundo ele, tem como base conversas recentes com investidores estrangeiros, que têm mencionado essas questões.

Maia responsabilizou o Ministério da Economia pelo atraso no andamento das reformas, mas afirmou que líderes do Congresso irão se reunir com integrantes da Pasta para organizar uma pauta que ajude a aumentar a confiança no Brasil e a enfrentar os problemas econômicos gerados pela crise do coronavírus.

Disse ainda que há ministros que deveriam garantir o equilíbrio e passaram a ser ministros do desequilíbrio, citando nominalmente o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que declarou que o Congresso chantageava o governo.

“O governo gera uma insegurança grande para sociedade e para os investidores. As pessoas estão deixando de investir pela questão do meio ambiente e pela questão democrática”, afirmou Maia durante palestra no Instituto FHC sobre reformas econômicas.

Ele citou reunião recente com investidores europeus que manifestaram impedimentos para investir no país por conta da postura do governo na área de meio ambiente.

Maia disse que o país vive um momento difícil na relação entre os Três Poderes, ao qual se somam um baixo crescimento na economia e, agora, a desaceleração global e a incerteza provocada pelo cenário externo.

“Vivemos uma crise econômica, sem dúvida nenhuma. Os dados do ano passado confirmam isso. A agenda do Parlamento passa a ter outra preocupação. Teremos uma reunião da equipe econômica com o Congresso para que a gente possa compreender qual o tamanho da crise, e o que aqueles que têm uma cabeça racional no governo podem dialogar com a Câmara e o Senado e organizar uma pauta e um calendário priorizando aquilo que de fato vá gerar impacto e uma sinalização importante à sociedade e aos atores econômicos”, afirmou Maia durante palestra no Instituto FHC sobre reformas econômicas.

Sobre a agenda de reformas, citou a demora no envio das propostas do Executivo nas áreas tributária e administrativa. Também disse que a PEC Emergencial, que tem efeitos imediatos nos gastos públicos, já estaria mais avançada se o Ministério da Economia tivesse aceitado incluir sugestões em outra PEC que já tramita na Câmara, do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que tem muitos pontos em comum.

“O ministro Paulo Guedes diz que temos só 15 semanas [de votações até as eleições municipais]. É claro, perderam o ano passado inteiro. Já querem mais uma vez transferir para o Parlamento [a responsabilidade]. Só que a tributária não chegou, a administrativa não chegou. A PEC Emergencial só chegou em novembro, e perderam a oportunidade de usar a PEC do deputado Pedro Paulo, que já é muito mais dura. Perdemos um ano na PEC Emergencial, que é a mais importante para organizar as contas públicas."

Maia disse também que um governo sem base parlamentar dificulta o trabalho do Legislativo, o que resulta, por exemplo, em situações como a da aprovação em uma comissão do 13º permanente para o Bolsa Família, mesmo sem previsão orçamentária para isso.

"É importante que o governo entenda que já perdemos algum tempo. A responsabilidade do Congresso e do governo é colocar esses projetos para avançar. Temos um olhar para futuro de que precisa das reformas, mas temos também um problema de curto prazo, uma crise econômica que foi agravada pela questão do coronavírus. E cabe aos Poderes encontrar as soluções para que essa crise afete menos a sociedade brasileira."

Maia criticou diversas vezes o uso das redes sociais por pessoas próximas ao governo para “viralizar o ódio” e afirmou que isso não ajuda o país em um momento como o atual, “em que a economia parece que vai patinar”.

“Temos problemas concretos que afligem a vida das pessoas. Não podemos ficar discutindo uma coisa que não existe, que é criada para viralizar o ódio, que é essa questão de parlamentarismo branco. Essas teses são criadas para arranjar alvos, para que o presidente da Câmara, do Senado do Supremo sejam atacados, para que o ódio seja viralizado. Só que isso não resolver o problema dos brasileiros, só atrasa soluções que o governo e o Parlamento precisam construir”, afirmou.

“Temos de compreender que o governo está muito pressionado, que o governo prometeu muito e não entregou, tinha uma previsão de crescimento no início do ano passado de 2,5%, mas cresceu 1,1%. Nós entendemos a aflição do governo nesse momento. Estamos aqui para ajudar.”

Presente ao mesmo evento, o economista Marcos Mendes, colunista da Folha, afirmou que o governo atualmente pratica um “presidencialismo de omissão”.

“Joga os projetos no Congresso e deixa a coisa rolar lá dentro sem coordenação nenhuma”, afirmou Mendes, citando como exemplo a alta taxa de rejeição de projetos do governo no Legislativo.

Ao falar sobre reformas, Mendes disse que as privatizações e a abertura comercial não estão andando, a reforma administrativa está sendo boicotada pelo próprio governo e que as PECs do ajuste fiscal caminham lentamente no Congresso.

“O presidencialismo de omissão pode levar ao estancamento de reformas. Não está descartada a mudança de rumo da política econômica em direção ao brejo, na direção que a gente tinha até 2015.”


El País: Bolsonaro e o Congresso, reinvenção ou morte do presidencialismo de coalizão?

Rodrigo Maia não parece vocacionado a articular um golpe parlamentar. Mas, como diz o chavão, na política não há vazio de poder

LEONARDO MARTINS BARBOSA, JOÃO FERES JÚNIOR e FERNANDO MEIRELES

O ano de 2020 se inicia como terminou 2019: marcado por episódios de conflito entre o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso. Desta vez, a razão da disputa gira em torno do controle de fatia bilionária do orçamento. A regulação do orçamento positivo, tal como aprovada pelos parlamentares na Lei de Diretrizes Orçamentárias e vetada por Bolsonaro, reservava ao relator do projeto o controle sobre 30 bilhões do orçamento do Governo federal. Em reação, Bolsonaro chegou ao ponto de convocar suas bases para uma manifestação que, dentre outras pautas, promete hostilizar abertamente o Congresso. O episódio é mais um exemplo da relação descompassada entre os dois poderes, para dizer o mínimo.

Bolsonaro de fato se negou a compor uma coalizão parlamentar de apoio ao seu Governo e, ironicamente para quem acusava o presidencialismo de coalizão de troca-troca imoral de favores, conduz as relações com o Parlamento da maneira mais obscura possível. Não é necessário doutorado em teoria da ação coletiva para saber que a agregação de preferências diminui o custo transacional, ou, em outras palavras, sem partidos fortes e aglutinados, a negociação com o parlamento fica muito mais complexa e cara. Mas Bolsonaro e sua turma não são conhecidos por dar importância à ciência, ainda mais à ciência da política —atividade que o “olavismo” associa ao comunismo.

Nesse contexto, é à primeira vista surpreendente o estudo elaborado pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), que identifica como característica marcante desse primeiro ano de mandato uma alta taxa de governismo no Congresso. Aplicando um método consolidado na ciência política para analisar clivagens parlamentares, a equipe do OLB não apenas averiguou que o apoio ou oposição ao governo foi o motivo central de conflito entre os congressistas, como também que uma maioria substantiva havia apoiado consistentemente as propostas legislativas do Planalto em 2019. Em uma escala de 0 a 10, em que 10 representa o máximo de apoio ao governo e 0 oposição total cerrada, nada menos do que 74,4% dos deputados e deputadas apresentaram notas maiores que 7. No Senado, praticamente 50% dos titulares registraram notas 9 ou 10.

Como explicar essa aparente contradição entre a alta taxa de governismo parlamentar e um cenário de hostilidade entre os dois poderes?

O estudo contém pista importante para a resposta. Verificamos também que os deputados se distribuem em três grandes grupos na Câmara (que se diferencia assim do Senado, onde apenas dois grandes grupos foram encontrados). O primeiro é formado por representantes que demonstraram apoio sólido ao governo, principalmente aqueles filiados ao Novo e ao PSL (a análise ainda não mediu os efeitos da tardia cisão no PSL). O segundo grupo é o de oposição, em que se encontram parlamentares do PT, PSOL, REDE, PCdoB e, em menor medida, PSB e PDT. O terceiro e maior grupo é constituído pela massa de partidos de centro-direita, tais como PSDB, PMDB, PP, DEM e tantos outros do denominado “centrão”. O grupo, em razão de seu tamanho, foi o principal responsável pelo relativo êxito legislativo alcançado até aqui das propostas do executivo. Contudo, embora governista, ele não apresenta uma taxa tão alta quanto à do primeiro grupo, demonstrando, assim, autonomia no trato com o Planalto.

Os dois projetos que até agora foram os mais simbólicos da agenda do novo governo, a reforma da previdência e o pacote anticrime, servem de exemplo para avaliarmos o comportamento desse terceiro grupo. Os projetos são oriundos dos dois mais poderosos ministros do Planalto, Paulo Guedes, a frente do Ministério da Economia, e Sergio Moro, Ministro da Justiça e Segurança Pública. Na reforma da previdência, houve certa convergência entre as principais lideranças do Congresso e o governo. De fato, a aprovação de reforma dessa envergadura deveu-se em grande parte ao protagonismo exercido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que articulou maioria sólida a seu favor. A atuação de Maia, entretanto, modificou o projeto em pontos importantes, limitando, por exemplo, as mudanças na previdência rural e reduzindo o tempo mínimo de contribuição originalmente proposto no projeto.

No pacote anticrime patrocinado por Moro, a interferência parlamentar foi ainda maior. Não foram aceitas, por exemplo, alterações nas regras do denominado excludente de ilicitude, a prisão após condenação em segunda instância e a criação do modelo de “plea bargain”.

Um terceiro exemplo de relativa autonomia parlamentar é o decreto de regulamentação do porte de armas editado pelo presidente Bolsonaro no começo de seu mandato. Ele foi revogado pelo próprio executivo, após o Congresso ameaçar fazê-lo por meio de decreto legislativo (aqui vale a leitura da análise da política dos decretos, também do OLB).

Desde o impeachment o Congresso tem se mostrado disposto a alterar a balança de poder do sistema político, movimento que se repetiu na disputa em torno à regulação do orçamento impositivo. O poder de iniciativa e autonomia sobre a execução do orçamento constituíram nas últimas décadas peça chave de um modelo centrado no executivo, que agora é questionado por lideranças parlamentares. Se em 2019 foi conveniente Maia e o Centrão que ele comanda uma atitude governista, nada garante que este ano e nos dois anos que resta a esse governo tal tendência vá se repetir.

Enquanto isso, Bolsonaro insiste em governar sem coalizão e praticamente sem partido. Junte-se a isso o fracasso das promessas de crescimento econômico e o torvelinho de absurdidades produzido diariamente pelo presidente e sua entourage, sempre dispostos a ofender gregos e troianos. A revolta do General Heleno e de Bolsonaro, e a chamada para a passeata do dia 15 de março, parecem sinais de um executivo que se enfraquece diariamente, frente a um Congresso que consegue se manter coeso e partidariamente disciplinado, a despeito de sua péssima reputação popular.

Rodrigo Maia não parece vocacionado a articular um golpe parlamentar. Mas, como diz o chavão, na política não há vazio de poder, e o comportamento do presidente está empurrando o Congresso e vários atores políticos a sonharem com o parlamentarismo como solução para uma crise profunda de governabilidade que criou. É bastante irônico ver um entusiasta do autoritarismo causar, por falta de virtude política, tamanha corrosão no poder do líder máximo da nação, o Presidente da República —cargo que acidentalmente ocupa.

Leonardo Martins Barbosa é pesquisador do Observartório do Legislativo Brasileiro, doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ e pesquisador sênior do NECON. Estuda partidos políticos e o sistema partidário brasileiro, com ênfase na inserção do PT no sistema político nacional. Tem graduação e mestrado em História.

João Feres Júnior é coordenador do Observartório do Legislativo Brasileiro e professor associado de Ciência Politica do IESP-UERJ e coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP).

Fernando Meireles é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pós-Doutorando no IESP-UERJ. É pesquisador do Centro de Estudos Legislativos (CEL/UFMG) e foi pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da University of Essex


Bernardo Mello Franco: Os limites da tesoura

Após o terceiro pibinho seguido, Rodrigo Maia defendeu a retomada do investimento público. O deputado disse o óbvio, mas o tema andava banido do debate econômico

“A gente não consegue organizar um país apenas fazendo as reformas e cortando, cortando, cortando”. A frase caberia na boca de economistas ligados à esquerda. Mas foi dita por Rodrigo Maia, um político afinado com o mercado financeiro.

Na quarta-feira, o presidente da Câmara apontou os limites da tesoura. Depois de o IBGE confirmar o mau desempenho da economia no ano passado, Maia disse que “o setor privado sozinho não vai resolver os problemas”.

“A grande mensagem do PIB é que a participação do Estado também será sempre importante para que o Brasil possa crescer”, afirmou. O deputado disse uma obviedade, mas defender o investimento público parece ter virado uma heresia desde a posse de Michel Temer.

Em 2016, os economistas ultraliberais prometiam uma nova era de prosperidade. A recessão ficou para trás, mas a fada da confiança não apareceu. O terceiro pibinho consecutivo mostra que a receita da austeridade fracassou em tirar o país do atoleiro.

Nos últimos três anos, o Congresso retalhou direitos trabalhistas, aprovou o teto de gastos e cortou as aposentadorias de quem não usa farda. Os resultados na economia real foram pífios, mas os fundamentalistas de mercado se recusam a fazer uma autocrítica.

O ministro Paulo Guedes gosta de atribuir os problemas à classe política ou aos servidores públicos, que já chamou de “parasitas”. Em outra fala memorável, ele reclamou que os pobres brasileiros “consomem tudo”, em vez de deixar o dinheiro no banco.

Ontem o doutor buscou novos bodes expiatórios. Em visita à Fiesp, ele disse que a tragédia de Brumadinho e a crise argentina prejudicaram o PIB de 2019. Há sete meses, o mesmo Guedes perguntou: “Desde quando o Brasil precisou da Argentina para crescer?”. Em breve, a desculpa será o coronavírus.

À medida que a epidemia avança, os países buscam formas de amenizar seus impactos na economia. A Itália acaba de anunciar um pacote de € 7,5 bilhões em estímulos. Por aqui, a doença continua a ser vista como um problema restrito ao Ministério da Saúde.


Eduardo Rocha: Fortunas e salários na reforma tributária

Quando crescem no mundo e no Brasil as críticas à desigualdade e os apelos à taxação dos ricos, é decepcionante a afirmação (Valor Econômico - 11/02/2020) do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), negando taxar as grandes fortunas na reforma tributária. “Nunca tratei [de taxação de] grandes fortunas e não vou tratar”, disse na saída de almoço com empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).

Em contrapartida, seguem vigentes os enormes prejuízos aos salários causados pela injustiça tributária expressa na defasagem da tabela do Imposto de Renda (IR) que atingiu astronômicos 103,87%, segundo estudo do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).

Entre 1996 e 2019, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) somou 327,37%, enquanto os reajustes realizados pelo governo chegaram a 109,63%. Nos últimos 23 anos, em apenas cinco as correções superaram a inflação: 2002, 2005, 2006, 2007 e 2009. Desde 2016, não há correção da tabela.

Hoje é isento de IR quem ganha até R$ 1.903,98. Se a tabela fosse corrigida pela inflação acumulada, cerca de 10 milhões de contribuintes que ganham até R$ 3.881,65 ficariam isentos de pagar o IR.

Entre 1976 e 1978, o Brasil tinha 16 faixas de renda nas tabelas do IR, o que garantia maior progressividade. Entre 1983 e 1985, a tabela tinha 13 faixas e a alíquota máxima era de 60% (já foi de 65% entre 1963-1965). A partir da década de 1990 - à exceção dos anos de 1994 e 1995 - o número de faixas caiu para três e a alíquota máxima reduziu-se para 25%. Em 2009, a tabela foi novamente modificada, com a adoção de cinco faixas de salário e alíquota máxima de 27,5%.

Enquanto os poderes centrais são imperdoáveis com os assalariados, pois arrocham o seu poder de compra e fazem que mais e mais trabalhadores entrem na faixa que começa a pagar IR, esses mesmos poderes são dóceis à ''moneycracy'' (dinheirocracia) - que não abrirá mão tão fácil de seus privilégios fiscais.

A Comissão Mista do Congresso Nacional a ser criada para formatar a reforma tributária deve ser pressionada por milhões de cidadãos para que a tabela do IR seja corrigida e que os que mais têm e ganham paguem mais.

Caso contrário, a reforma será um teatro farsesco onde valerá a máxima do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em seu clássico “O Leopardo”: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está” – marcando mais uma vez, infelizmente, o triunfo e alegria da minoria e a derrota e tragédia da maioria.

*Eduardo Rocha é economista

 


Rodrigo Maia: O saldo de 2019 é positivo para o Brasil? SIM

Sociedade se organizou para corrigir ímpetos muito particulares

A quem está na vida pública não é dado o direito de ser pessimista ou a chance de deixar-se acomodar resignado ante os obstáculos. O ano de 2019 foi muito difícil para o Brasil; 2020 será ainda mais desafiador. Mas há um legado a ser celebrado no período que fica para trás.

Com alguma surpresa, o país descobriu a diferença entre governo e governança. Abriu os olhos também para a necessidade de fazer da ação política um catalisador permanente das forças da sociedade, e não apenas um elixir para animar períodos de campanha eleitoral. Por meio do Parlamento e contando com a moderação sempre bem-vinda do Judiciário, a sociedade se organizou para melhorar, corrigir e às vezes dar novos rumos aos ímpetos reformistas de quem tentou ler o resultado das urnas de 2018 com lentes muito particulares e sob prismas unipessoais.

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal encontraram caminhos para melhorar a reforma da Previdência e aprovar um conjunto de mudanças que renovará o ânimo de empresas e de empreendedores ansiosos por investir aqui. Também driblamos os antagonismos daqueles resistentes a um novo marco legal para estimular obras e entregas na área do saneamento básico, ponto nevrálgico de carências para os brasileiros. A partir do próximo ano deveremos comemorar avanços reais na coleta e tratamento de esgotos e no abastecimento de água potável —isso se converterá em redução da mortalidade infantil e de doenças endêmicas nos municípios de todo o território nacional.

Ao desempenhar o papel de moderador do ativismo legal de um governo que nem sempre escutou de forma ampla as diferentes vozes da sociedade num Brasil que é mosaico de culturas, de religiões, de credos, de etnias e de gêneros, o Congresso Nacional congelou (e também refreou) a tensão provocada por uma pauta conservadora na área dos costumes.

A coragem dos líderes no Parlamento, que tomaram a frente da resistência a um processo fadado a destruir pontes de diálogo historicamente construídas por organizações e entidades da sociedade civil, tem de ser enxergada como legado positivo de 2019.

Se fomos duros na pauta de costumes para conservar a vocação pluralista do nosso povo, soubemos ser proativos na fiscalização e no combate à degeneração dos indicadores de conservação da natureza e de preservação do meio ambiente. O governo tem falhado no desempenho de seu papel de uso da força para coagir agressores do patrimônio mundial que são a Amazônia e o Pantanal —e também as nações indígenas, que compartilham conosco o território nacional. Nós, congressistas, estabelecemos conexão direta com entidades e organismos internacionais cujo mister é justamente fiscalizar e denunciar agressões a fim de reprimir agressores. Usamos instrumentos legitimados pela diplomacia e pelas relações econômicas.

Perseverar nesse aprendizado e usar as mesmas ferramentas para conter retrocessos na área da cultura é nossa missão em 2020.

A atual legislatura foi a que mais rejeitou medidas provisórias baixadas pelo Poder Executivo. Assistir ao Parlamento impor limites a governantes é, sem dúvida, um aspecto a ser saudado. Diferentemente do reducionismo analítico a que muitos cederam, lendo a insurgência de um “parlamentarismo branco”, temos na verdade um Legislativo desempenhando suas atribuições constitucionais.

O aprendizado adquirido nesses embates não deixa dúvidas: o saldo de 2019 é positivo. Avançamos, aos trancos e barrancos —como lá atrás Darcy Ribeiro diagnosticara que faríamos.

*Rodrigo Maia, deputado federal (DEM-RJ), é presidente da Câmara dos Deputados


Guilherme Amado: O ano de Rodrigo Maia

“O Brasil havia eleito um presidente que abdicara de ao menos tentar ter relação com o Congresso. Foi aí que nasceu o Maia parlamentarista”

Boa parte das investidas com tintas autoritárias de Jair Bolsonaro em seu primeiro ano foi esvaziada pelo sistema de freios e contrapesos que o Brasil construiu em seus 34 anos de democracia. Ora com mais, ora com menos sucesso, o Judiciário, a imprensa, a sociedade civil, o Ministério Público e até o Tribunal de Contas atuaram como saudáveis amortecedores para quem, em muitos momentos, atuou “no limite” — palavras do próprio Bolsonaro ao publicar a primeira leva de decretos pró-armas. Mas este foi um ano em que o Congresso, sobretudo, teve papel medular para amenizar o desmonte institucional que Bolsonaro tentou levar a cabo. Embora o presidente do Senado seja constitucionalmente o chefe do Legislativo, na prática esse papel foi desempenhado por Rodrigo Maia. O presidente da Câmara voou em 2019.

Foi quase sempre o primeiro a se pronunciar — quando não o único — diante de despautérios da base bolsonarista, como os flertes golpistas de um filho e um par de ministros. Conduziu a aprovação da necessária reforma da Previdência. Articulou a derrubada de atropelos legais de Bolsonaro e teve de fazer até a vez de chanceler. Com a roupa de primeiro-ministro, porém, também vieram as responsabilidades. E não houve só acertos no ano Maia.

Desde janeiro, foi ganhando forma o que seria o governo do capitão, com sua notável inabilidade para a articulação com o parlamento, o que gerou um vácuo sem precedentes na história recente da República.

Ele tomou para si a articulação das reformas e boa parte da agenda econômica de Paulo Guedes, lidando com o temperamento difícil do ministro da Economia e muitas vezes se dirigindo diretamente a outros integrantes da equipe econômica. Garantiu a aprovação do pacote anticrime, ainda que no fim do ano, e buscou preencher buracos deixados pelo Executivo, como a falta de uma agenda de políticas públicas num país assolado também por uma crise social.

Enquanto Jair Bolsonaro dispara contra outros países e mira até a ONU, Maia tem tentado limpar a barra. Em tom oposto ao beligerante capitão, visitou da Suíça ao Azerbaijão, passando por Estados Unidos, Líbano e Inglaterra, entre outros. Uma ação desastrosa do presidente levava a uma reação diplomática de Maia. Bolsonaro criticou o presidente argentino e ameaçou ignorar sua posse? Maia foi até Fernández para sentar e conversar. Bolsonaro fez pouco caso das queimadas na Amazônia e acusou os países europeus de interesses escusos? Maia foi à Europa para remendar o estrago. Bolsonaro atacou a ONU? Maia voou à Suíça para tratar com os organismos da entidade, inclusive de direitos humanos.

A última viagem mostrou sua importância nesse papel. Na sexta-feira 13, reuniu-se em Genebra com Michelle Bachelet, a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, atacada pelo sempre diplomático Bolsonaro em diferentes situações. Nascido no Chile durante o exílio de seu pai, Cesar Maia, o presidente da Câmara tem muito em comum com Bachelet, cujo pai foi torturado e morto pela ditadura de Augusto Pinochet. Mais uma vez ocupando o vácuo deixado pelo governo, ele propôs à alta comissária a criação de um observatório parlamentar junto à ONU para acompanhar violações no Brasil.

Na mesma viagem, ouviu do presidente irlandês, Michael Daniel Higgins, um desabafo: ele, aos 78 anos, depois de inúmeras assembleias-gerais da ONU, surpreendera-se com o discurso de Bolsonaro nos Debates Gerais, em setembro. “Nunca pensei que fosse a uma assembleia da ONU para ser ofendido daquela maneira”, disse a Maia.

Essas posturas fazem parecer que Maia cumpre uma agenda de oposição a Bolsonaro. Afinal, por que o interesse em se contrapor ao presidente em tantos temas? Maia, ainda por cima, topou instalar duas CPIs que podem trazer problemas para o governo: a das Fake News, mista com o Senado, e a do Óleo, para investigar o vazamento no Nordeste e a lenta ação do governo para reagir à crise. Mas acreditar que ele é um opositor é um erro.

Maia tem um agenda própria e tem usado a cadeira para tocá-la. Deixa andar aquilo com que concorda — a agenda ultraliberal de Paulo Guedes, por exemplo — e freia os temas de que discorda, a exemplo das mudanças irresponsáveis na legislação sobre armas e os excessos do pacote anticrime.

O comportamento faz seus críticos o acusarem de estar confundindo o papel de presidente da Câmara com o de líder político. “Ele tem um discurso de que a direita e a esquerda são extremos e que o centro é o melhor, por ser capaz de aproveitar o melhor de cada lado. Mas o parlamento tem de dar espaço a todas as formas de pensar, e o presidente da Câmara não deve deixar andar apenas as matérias com que concorda. A pauta que ele está colocando para o parlamento é a pauta que ele acha boa. Isso não é democrático”, reclamou uma das principais lideranças da Casa.

Maia também é criticado por, em quatro anos na presidência da Câmara, ainda não ter conseguido fazer reformas administrativas na Casa. O inchaço contrasta com o discurso de austeridade pregado. Até dezembro, a Câmara já tinha custado mais de R$ 5 bilhões aos cofres públicos — em grande parte por causa de salários incompatíveis com a realidade do país.

Maia conseguiu um raro consenso entre esquerda e direita. O comunista Orlando Silva, seu amigo há anos, se derrete de maneira superlativa: “É um dos maiores políticos da história, o estabilizador da República”. Começa a trocar mensagens com os deputados em geral às 6 horas e vai quase todos os dias até depois das 23 horas. Mas é o centrão que está sempre na residência oficial, nos cafés da manhã de fim de semana ou nos jantares em dias úteis. A proximidade excessiva também gera críticas. “O centrão tem de ser como um judô. Você não pode ficar muito colado. Você tem de usá-lo”, ensinou um aliado.

Falar com os dois lados foi uma capacidade que Maia afiou já na primeira campanha pela presidência da Câmara, quando foi eleito a um mandato-tampão para suceder a Eduardo Cunha. No discurso de posse, fez uma menção elogiosa a José Genoíno. “Rodrigo tem caráter e cumpre palavra, o que, não querendo desmerecer meus pares, é algo raro”, disse um dos deputados mais próximos a Maia.

Além de cumprir sua palavra, Maia carrega também o traço da passionalidade. Chora com facilidade. Num levantamento recente, ÉPOCA contou pelo menos 11 vezes em que foi às lágrimas publicamente nos últimos três anos. Chorou até elogiando Eduardo Cunha na votação do impeachment de Dilma Rousseff. Reações mais quentes também são comuns, embora raramente públicas. Em 2019, boa parte dessa irritação foi causada por Carlos Bolsonaro e pelos ataques de sua tropa digital, que, se houver um terremoto no Japão, encontrará uma maneira de culpar Maia. Do gordofóbico Nhonho, como fazem com Joice Hasselmann, a Botafogo, alusão a seu suposto apelido na planilha da Odebrecht, Maia é achincalhado todo dia. Boa parte desses ataques foi iniciada e incentivada por Carlos.

O momento mais difícil na relação com Bolsonaro em 2019 foi em março, no dia em que o ex-ministro Moreira Franco, casado com a sogra de Maia, foi preso. O incendiário Carlos Bolsonaro correu para o Twitter e insinuou que o presidente da Câmara freava, com segundas intenções, a tramitação do pacote anticrime de Sergio Moro. Maia ameaçou abandonar as articulações da reforma da Previdência, que naquele momento já era deixada de lado pelo governo, e conseguiu um cessar-fogo temporário dos bolsonaristas. “Não uso as redes sociais para atacar ninguém”, disse. Todo mundo entendeu. Naquela semana, ficou irado e chegou a pensar em romper com a gestão Bolsonaro.

Maia tem uma visão mais negativa do governo do que a maioria do DEM e do centrão. Não gosta da família Bolsonaro, com exceção de Flávio, e, quando assume o Planalto no lugar do presidente e de Hamilton Mourão, não despacha do palácio, como sempre fez no período Temer. Diz que a energia atual do Planalto, com Bolsonaro, é “muito negativa”.

Por falar em energia, a coluna deseja um 2020 só de boas notícias. Assunto não vai faltar e, por isso, embora na versão impressa só estejamos de volta em janeiro, o site continuará a todo vapor, sem parar nenhum dia.
Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo às 08:18:00


Valor: Economia fraca se deve em parte a insegurança gerada por Bolsonaro, diz Maia

Presidente da Câmara disse ainda que entregará texto da reforma administrativa ‘independente da proposta do governo’

Por Gabriel Vasconcelos , do Valor Econômico

RIO - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ter convicção de que o fraco desempenho da economia brasileira neste ano se deve, em parte, à insegurança gerada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Maia criticou o governo mais de uma vez durante gravação do podcast "Ao ponto”, do Jornal O Globo, hoje no Rio de Janeiro.

"Tenho convicção que o crescimento [da economia] projetado no final do ano passado, de 2,5%, caiu para 1% muito em função dessa insegurança que o governo gerou nos primeiros seis, sete ou oito meses de governo", disse Maia.

Segundo o deputado, parte da equipe do governo, inclusive da área econômica, "mistura liberdade com libertinagem" e "trabalha sempre com a tese de tirar o Estado completamente da vida das pessoas".

"A gente sabe que não é isso. O que a sociedade quer é outro Estado, um Estado regulador que fiscalize e garanta serviços de qualidade, mas aí se mistura isso com uma certa libertinagem."

Ele citou o projeto da liberdade econômica enviado pelo governo ao Congresso. "Se fosse aprovar tudo que eles queriam, não ia ter mais fiscalização para nada no Brasil. Nesse extremo também não dá", disse.

A caminho da planície, Maia reforça pregação reformista
Questionado sobre os atritos entre os membros do PSL, antigo partido de Bolsonaro, Maia disse se tratar de uma briga por poder. "É uma briga pelo tempo de TV e pelo fundo partidário. Uma briga que acontece em todos os partidos, mas, como eles são o partido das redes sociais, é uma briga explícita, bem explícita mesmo. Todo mundo nu e se matando."

Sem citar nomes, ele disse que novos eleitos chegam a Brasília com uma expectativa da política sempre muito negativa e equivocada. "A pessoa vai para lá, acha que ninguém trabalha, que ninguém tem preparo, que você passa três dias lá à toa e depois vem pra cá na quinta-feira e fica na praia. Quando chegam lá, veem que não é isso. [A política] é a representação da sociedade. Tem gente boa, gente ruim, mas um ambiente de muito trabalho", afirmou.

Para o deputado, as propostas polêmicas do governo atendem nichos de opiniões mais radicais. Esses nichos foram a base da vitória de Bolsonaro nas eleições. Assim, na prática, o presidente "defende o que ele representa da forma que ele acha correta". Essa forma, disse, é "trabalhar com o micro", respondendo de forma objetiva ao anseio de determinados setores.

Nesse sentido, ele citou caminhoneiros, trabalhadores rurais, motociclistas e garimpeiros como os alvos de ação do presidente, ao responder esses anseios. “Quando a gente vai falar de caminhoneiro, vai dizer que o caminhoneiro precisa de infraestrutura, de um marco [regulatório] de trabalho correto e que a economia cresça para contratar frete. O presidente Bolsonaro pensa diferente. O 'tratar o caminhoneiro' dele é reduzir o preço do óleo diesel e aumentar a pontuação da carteira de motorista. Ele vai nos pontos objetivos e a gente fica no abstrato. E é por isso que ele mantém popularidade junto a um terço da população."

De forma análoga, Maia disse que a solução de Bolsonaro para os agricultores passa por armá-los para evitar invasões e, para motociclistas, acabar com o seguro DPVAT. "Se acaba o DPVAT e não coloca nada no lugar, quem é que vai pagar por acidentes contra terceiros, que acontecem todo dia? Mas o cara que tem a moto olha e acha que é bom. Esse formato dele trabalhar em termos micro dá resultado. Não sei se a médio e longo prazo, mas no curto prazo, dá resultado", analisou.

Reforma administrativa
O presidente da Câmara afirmou ainda ao participar das gravações do podcast que vai entregar uma proposta de reforma administrativa independente da proposta do governo - e disse esperar "tramitação fácil" da reforma tributária em 2020.

"Independente da proposta do governo, a gente vai ter a nossa, para enxugar isso [carreiras do funcionalismo], construir novas carreiras com o salário inicial mais baixo para chegar ao teto ao longo de 20 ou 25 anos. Porque não dá mais para isso acontecer da noite para o dia como é hoje nos três poderes".

Segundo Maia, uma consultoria contratada, a Falcone, entregará, na semana que vem, relatório com a análise das carreiras do poder Legislativo.

Maia disse que só não entregou a proposta ainda porque está discutindo a legalidade de legislar sobre a estrutura do Executivo e Judiciário. "Tenho conversado com a ministra Cármen Lúcia [do Supremo Tribunal Federal] porque tem uma dúvida constitucional, no caso de tratar da carreira de outro poder, se posso usar uma emenda constitucional de parlamentar. Uma parte dos ministros diz que não posso e a outra [parte], até por casos já julgados, diz que posso. Independente do governo eu acho que a gente pode avançar nesse tema", disse.

Ele ponderou, no entanto, que o melhor seria harmonizar a reforma entre os três poderes, que apoiariam as mudanças conjuntamente. Nesse sentido, convocou o governo a encaminhar seu pacote e o Judiciário a "vir junto".

"A reforma administrativa reduz a desigualdade porque, hoje, os recursos estão concentrados na atividade meio e não há recursos para investimento. Em 1993, o Brasil tinha uma capacidade de investimento de 30% do orçamento. Nossa capacidade de investir hoje é de 2% [do orçamento], mas, na verdade, é negativa porque você tem déficit", afirmou.

Na visão do deputado, fala-se muito na possibilidade de protestos de rua, como os que têm acontecido no Chile. Para ele, o meio de evitar que o Brasil caminhe para isso é, justamente, reorganizando o orçamento para reduzir desigualdades. Para tanto, disse, um primeiro passo já foi dado com a reforma da Previdência - e seguirá, agora, com a reforma administrativa. "Na Câmara existem 4 mil funções, até para colocar o broche tem uma pessoa", reclamou.

Ao falar sobre reformas, o deputado afirmou ainda que a tributária tem um "apelo muito forte" dentro da Câmara como uma proposta da Casa. "A origem é nossa, o trabalho foi feito junto com os quadros técnicos na área tributária e acho que ela vai caminhar com muita facilidade. Esse é o meu sentimento", disse.


O Estado de S. Paulo: 'Não podemos achar que segunda instância é a única urgência do Brasil', diz Maia

'Qualquer resposta precipitada que o Parlamento der, vai ser o responsável por gerar mais instabilidade política', diz o presidente da Câmara

Mariana Haubert e Camila Turtelli, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a discussão sobre a prisão após condenação em segunda instância “não é a única urgência do Brasil” e defendeu cautela na análise do assunto pelo Congresso.

“Qualquer resposta precipitada que o Parlamento der, vai ser o responsável por gerar mais instabilidade política”, afirmou o deputado, em entrevista exclusiva ao Estado.

Mesmo assim, Maia admitiu liberar o avanço do tema na Câmara porque o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, transferiu parte da responsabilidade da Corte para o Legislativo.

“Ele não terminou o julgamento quando ele diz 'o Congresso pode mudar'", disse. “É óbvio que, se ele não entende isso como uma afronta à regra da harmonia, não sou eu que vou dizer que esse tema não poderá ser debatido na Câmara”.

Maia avaliou o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após deixar a prisão, como "muito raivoso" e saiu em defesa do presidente Jair Bolsonaro. "Essa crise não foi inventada.

Vivemos dois anos de recessão com a Dilma", avaliou, em uma referência à presidente cassada, Dilma Rousseff.

Antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal, o sr. disse que a PEC da segunda instância poderia ser uma afronta à decisão da Corte. Depois, afirmou que poderia pautá-la. O sr. é contra ou a favor a aprovação dessa proposta?

São coisas diferentes. Não sabíamos como o STF ia julgar. O que tramita na Câmara é uma proposta de emenda (PEC) que muda o artigo 5º da Constituição, que é flagrantemente inconstitucional, porque é cláusula pétrea. Ninguém está discutindo isso. Nem aqueles ministros que votaram pela segunda instância acham plausível que uma mudança no artigo 5º, inciso 57, possa ser feita. Eu esperava que o resultado do julgamento pudesse cercar a questão e deixar claro que isso não era possível de ser modificado. Mas o Supremo se ateve ao artigo 283 (do Código de Processo Penal) e, no final, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de alguma forma transferiu a responsabilidade do julgamento dele. Ele não terminou o julgamento quando diz “o Congresso pode mudar”.

Foi, então, a fala do ministro Toffoli que deu essa liberdade para o sr. aceitar o avanço da PEC na Câmara?

Na hora que o presidente do STF compreende que o julgamento não acaba na decisão do Supremo e transfere para o Legislativo... É óbvio que, se ele não entende isso como uma afronta à regra da harmonia, não sou eu que vou dizer que esse tema não poderá ser debatido na Câmara. Mas, por lei eu sempre achei inconstitucional. Por PEC, tem de ser algo que respeite o que é cláusula pétrea na Constituição. Se (a proposta) for aprovada modificando o artigo 5º, vamos manter a instabilidade política. Se queremos dar uma solução definitiva para a 2ª instância, precisamos pensar em alguma mudança constitucional.

Qual seria a solução?

Há pessoas que acham que é mexer na interpretação do que é o trânsito em julgado. Uma outra tese é que poderia se mexer no recurso especial. Para gente seria muito fácil votar o artigo 5º, com urgência. E aí vai para o Supremo o quê? Uma matéria flagrantemente inconstitucional e vamos estar apenas empurrando apenas o problema para o STF.

Deputados anunciaram que vão obstruir outras votações até que a PEC da segunda instância seja votada. Isso pode atrapalhar o andamento das propostas econômicas?

Obstruir tudo é um erro. O Brasil não tem apenas a distorção na morosidade do Judiciário. O saneamento público está pronto para ir ao plenário. Vamos deixar de votar? Qualquer resposta precipitada que o Parlamento der, vai ser o responsável por gerar mais instabilidade política. Não podemos de forma nenhuma achar que essa é a única urgência que o Brasil tem. É uma das. O trabalho da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) é melhorar o texto. Falei já isso para o presidente do colegiado, Felipe Francischini (PSL-PR): ‘Acho que vocês deveriam melhorar, buscar outro caminho, outro artigo da Constituição, para que não se faça apenas um movimento político pragmático’.

Como deve ficar o pacote do ministro da Justiça, Sérgio Moro?

O que ele tratou de segunda instância por lei ficou claramente inconstitucional. Todo resto basicamente ele melhora, mas não resolve. O que vai resolver é a gente ter uma consciência de que precisa uma solução definitiva. Da mesma forma que a frase final do presidente Toffoli estendeu o julgamento para o Parlamento, o Parlamento não deve estender a votação para o Judiciário. Isso só vai gerar insegurança e isso só atrapalha a possibilidade de o País voltar a crescer.

A pressão em torno desse tema pode atrapalhar o andamento de outras pautas, como a reforma tributária?

Não vai ser um debate simples. Vai ter conflito em um momento em que o Parlamento está vivendo momento de muita tranquilidade na relação entre os partidos de direita, esquerda e de centro, mas foi um desafio que foi colocado. Até hoje era um momento de tranquilidade, excluindo alguma polaridade entre PSL e PT. É o melhor momento da Câmara, com certeza, desde que eu sou presidente.

O que o sr. achou do discurso do ex-presidente Lula de sábado, com os ataques ao presidente Jair Bolsonaro?

Foi um discurso muito raivoso, ruim. Ele é um ex-presidente da República, o presidente Bolsonaro não tem culpa pelos problemas que o Lula vive. É um discurso já politizando eleitoralmente e é ruim. O que mais me impactou é quando ele fala que nós não temos que nos defender, citando o Chile, (dizendo) ‘temos de atacar’. O Brasil já tem muitos problemas para ouvir um discurso desses. Algumas pessoas ficaram preocupadas com a virulência do discurso e vão aguardar as próximas semanas. Como também são os primeiros dias, é aguardar e ver qual vai ser a ação dele nos próximos, para ver se vai ser em um caminho de inviabilizar, de atrapalhar o governo.

O sr. disse não acreditar que o Supremo tornaria Lula elegível. Com o novo entendimento do STF sobre segunda instância e a soltura do ex-presidente, acha que esse será o próximo passo?

Acho que não. Não gosto de ficar falando sobre essas coisas, não gosto de personalizar. Não gosto de que seja "Lula Livre", "Lula Preso". Nesse caso do Lula é quase um Flamengo x Corinthians. Então, nós que estamos aqui olhando o jogo, temos que ter cuidado para não deixar que as torcidas gerem conflitos ainda maiores do que já aconteceu nos últimos anos.

O senador Humberto Costa (PT-PE) disse, em entrevista ao Estado, que a esquerda e o centro deveriam se unir já em 2020 para evitar um avanço da extrema-direita. O sr. concorda?

Eu concordo em dialogar com todos que tenham convergência com a agenda que eu considero vital para o Brasil. Infelizmente, o PT não considera a agenda das reformas, pelo menos até o momento, pelo resultado da Previdência. Mas acho que na reforma tributária vamos ter convergência. Mas é difícil pensar um projeto da esquerda com o centro, na verdade, a centro-direita. Acho que o centro e a centro-direita é que têm de procurar um projeto. Um projeto que não seja dos extremos. É mais fácil construir com a centro-esquerda, mais fácil ter convergência com o PDT do que com o PT. Não me parece possível que eu consiga estar com o PT no Rio, São Paulo ou Salvador.

Então é impossível um diálogo do DEM com o PT em 2022?

É. Com o Lula não é possível. O DEM não tem condição. Fomos oposição ao governo do PT, respeitamos o partido, só não temos condição de apoiar o candidato à Presidência. Mas já estivemos com o PT em algumas eleições pontuais.

O sr. começa a vislumbrar um caminho para concorrer à Presidência da República?

Quero participar de um projeto em 2022. Não tenho a pretensão de achar que meu nome é majoritário no Brasil hoje. Meu nome melhorou muito. Eu tinha 8% de ótimo e bom no Datafolha e no último, tive 25%. É um número considerável, um ator relevante e posso ajudar. Agora, acho que está muito longe para eu falar ainda que sou candidato a alguma coisa. Em 2018, ninguém me queria como vice, hoje muitos me querem. Daqui a pouco vou dizer para todos que me querem como vice que me apoiem e eu sou o candidato (risos). Mas acho que está longe.

Existe de fato uma articulação para se aprovar a reeleição do presidente da Câmara? O sr. apoia?

Não. Essas coisas de você mudar a Constituição para se manter no poder é muito perigosa. Eu não penso e não articulo e não tenho pretensão. Chega um momento em que é preciso respeitar um ciclo.

Recentemente o sr. comparou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Heleno, ao escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. O sr. está decepcionado com ele? (Ao comentar declaração do deputado Eduardo Bolsonaro sobre um "novo AI-5", Heleno disse ao 'Estado' que 'se ele falou, tem de estudar como fazer')

Sou um grande admirador dele. Ele me mandou uma mensagem depois da minha crítica. Eu disse “Ministro, te peço desculpas, mas eu não tinha como. Para mim, o senhor acabou cometendo um erro, que é primário na política, e que eu aprendi com meu pai, logo com 26 anos, que não se usa ironia na política e a primeira resposta do senhor para mim foi uma ironia. Mas passou para a sociedade como se fosse uma coisa possível e, depois, o senhor ainda falou aquela coisa de que ninguém quer mudar nada, que não querem votar o projeto do Moro. Quase que eu falei que estou tendo de votar aqui, com essa pressão toda, o projeto das Forças Armadas, (então) o senhor pode querer que eu coloque isso para o último da fila e coloque do Moro para frente”. Nossa expectativa sempre foi de que ele conseguisse cumprir um papel de apoio ao presidente. Acho que essa entrevista (ao Estado) foi ruim, a ida à manifestação foi péssima. Quanto mais pontes o governo construir, mais forte vai ficar.

Após o deputado Eduardo Bolsonaro defender ‘um novo AI-5’ o sr. divulgou nota dizendo que a Constituição tinha instrumentos para punir quem não atente aos seus princípios. Essa punição se dará no Conselho de Ética da Câmara?

Não sei, porque não sou do Conselho de Ética. Sou deputado, não sou juiz. O AI-5 é um termo muito forte para um deputado brasileiro falar. A nota precisava ser dura para mostrar a ele que temos imunidade do que falamos, mas precisamos ter limite em relação ao que juramos que é a Constituição. Um País sem respeito a suas instituições democráticas vai caminhar para onde caminhou a Venezuela, que sei que não é o que Eduardo pensa. O tema é duro e para mim, pessoalmente, é muito pesado. Meu pai foi preso, torturado e exilado. A anistia foi pra todos e esse assunto tem de estar na nossa história para não cometermos os mesmos erros. O mais importante depois foi ele ter compreendido e ter pedidos desculpas. Da minha parte sim, foi o suficiente e espero que da parte do Conselho de Ética também, mas eu não estou no colegiado.

Presidente, em algumas situações neste ano, como na aprovação da reforma da Previdência, o sr. não escondeu lágrimas. Na semana passada, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), chorou na tribuna e foi criticada por colegas por supostamente ter demonstrado fraqueza. Há políticos que veem esse choro como demagogia para atrair apoio. Como o sr responde? O sr se considera um chorão?

Você nunca me viu chorar quando estou em conflito, fazendo uma disputa de um tema com muita agressividade. Só me viu chorar em momentos positivos da minha vida. Sou assim. Momentos como aquele da Previdência são históricos e geram emoção. É meu jeito de ser. Sempre fui assim, desde criança. Não vou esconder e ficar tomando calmante para não chorar. Uns que tratam isso como demagogia porque são machistas e acham que homem não chora, o que é algo meio ridículo. Entendo porque a Joice chorou. Ela não estava acostumada com aquilo vindo de pessoas que eram suas aliadas e é muito chocante e impactante. Principalmente para uma mulher, uma coisa machista. Uma coisa grosseira.

O escritor Yuval Harari esteve na Câmara e criticou o movimento de "políticos autênticos", que imediatamente dizem as coisas que vêm à cabeça. Foi um recado para a classe política brasileira?

Não acho que ele veio ao Brasil para falar para grupo A ou grupo B. Ele veio falar sobre o que está compreendendo, o que vai ser esse mundo. Ele fala que quem vai comandar a política é quem vai comandar o fluxo de dados. Se os governos controlarem os dados, corre-se o risco de se ter quase ditaduras. Esse é um debate que vai ter de se fazer no Parlamento com muita transparência e participação de todos. As plataformas digitais têm ojeriza a esse debate, sobre até onde vai a responsabilidade delas.

Existe algum projeto no Congresso sobre isso?

Temos a CPI Mista das Fake News, que deveria olhar muito mais para isso do que para o passado, sem querer contestar resultado eleitoral porque isso é uma besteira. A eleição foi legítima. (Devemos) ver o que está acontecendo no mundo e ver o que os outros Parlamentos estão pensando. Devemos ter um projeto e tentar discutir isso na CPI. Vai ter polêmica.

Mas o sr. acha que a CPI vai conseguir ter algum resultado prático?

Acho que deve olhar menos a eleição de 2018 e mais a preocupação com o futuro, exatamente nessa questão dos dados. Foi um erro do ex-presidente Michel Temer (MDB) ter encaminhado a Agência de Dados vinculada ao governo. É óbvio que não pode ser vinculado. Porque dados é o que vai mover a política. Também não poderia ficar na mão de uma empresa privada. Uma alternativa é uma agência de Estado, e não de governo. Tem de se pensar em um formato.


O Globo: Câmara dos Deputados vai conduzir reforma social, diz Rodrigo Maia

Após à aprovação da nova Previdência, presidente da Casa quer levar adiante agenda reformista, com revisão tributária e de programas sociais. Em entrevista ao GLOBO um dia depois da aprovação da reforma da Previdência, presidente da Câmara mira reformas tributária, social e reestruturação de carreiras

Geralda Doca, Martha Beck e Paulo Celso Pereira /

BRASÍLIA - Um dia depois de aprovar a reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), concedeu entrevista ao GLOBO na qual falou sobre os próximos passos daagenda econômica . Embora ainda seja preciso aprovar a proposta em segundo turno no plenário da Câmara, Maia apontou três novos eixos: reforma tributária ,reestruturação de carreiras do funcionalismo e reforma social . Essa última envolve ações para melhorar a alocação do dinheiro público. Segundo Maia, “para recuperar o respeito da sociedade, o parlamento precisa assumir seu protagonismo”.

Segundo Maia, é preocupante o governo não ter uma agenda num momento em que houve aumento da pobreza e do desemprego. Para ele, a liderança do governo no Congresso não tratou dos interesses dos mais pobres na reforma da Previdência e sim das corporações que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro.

- O que a gente quer é que o governo dê certo. Demos uma demonstração disso, e esperamos que eles possam olhar para os brasileiros mais pobres. O presidente Bolsonaro sempre representou corporações, que têm estabilidade no emprego. Esse é um eleitor que não passa fome, não fica desempregado - afirmou Maia.

Leia a íntegra da entrevista:

Aprovada a Previdência na Câmara, a agenda reformista veio para ficar?
Meu sentimento é que sim. A agenda das reformas tem um objetivo. Ninguém quer reformar por reformar. Os deputados estão brigando por R$ 10 milhões de emendas, enquanto a Previdência está tomando da gente R$ 50 bilhões a mais a cada ano. Estamos perdendo esse montante para financiar uma distorção em detrimento de podermos atender ao eleitor que nos trouxe ao parlamento.

Quais são os grandes temas que vêm pela frente?
Além da Previdência, reestruturação de carreiras, reforma tributária e reforma social. Esta última, a Câmara pode fazer. A (deputada) Tábata (Amaral) trouxe aqui o (economista) Ricardo Paes de Barros para falar sobre a rede de proteção dos trabalhadores. Estamos trabalhando para avaliar a aplicação desses recursos e qual é o melhor formato a ser proposto.

O que seria a reforma social?
Você precisa primeiro avaliar os programas que existem. A aplicação do Bolsa Família. Como ter um formato onde você possa, de fato, trabalhar com foco na educação da primeira infância e na evasão no final do ensino fundamental. Como estimular que as crianças entrem mais cedo na escola e fiquem mais tempo na escola. E estudar os incentivos. Por exemplo, o da cesta básica. Existem economistas que têm convicção de que os R$ 14 bilhões que nós damos como incentivos não chegam na ponta no preço do produto. Temos que pegar tudo o que existe e ver a melhor forma que alocar os recursos, criar programas com recursos existentes, discutir a melhor forma de usar o FGTS. A gente tem um idoso abaixo da linha da pobreza para cinco crianças por uma decisão política do BPC (Benefício de Prestação Continuada), que ninguém tem coragem de mexer. A gente tomou uma decisão de alocar recursos no idoso em detrimento da criança.

O senhor acha que se deve mexer no BPC?
Eu acho que hoje é impossível mexer no BPC. Mas ele é uma alocação de recursos numa parte da sociedade em detrimento de outra. Como não tem recurso para tudo, o volume que você tem para investimentos na criança está menor do que deveria em relação ao idoso.

Como estão as discussões sobre a reforma tributária?
Estamos esperando a proposta do governo e vamos apensar na nossa.

Por que o Congresso apresentou uma proposta?
O Marcos Cintra (secretário da Receita) foi muito agressivo com o parlamento lá atrás, dizendo inclusive que não precisava do parlamento para fazer a reforma tributária. Não sei em que país ele está, se ele está citando a Venezuela. Mas no Brasil é impossível a gente fazer sem o parlamento. Se o secretário é mantido numa relação de confronto com o parlamento, entendemos que deveríamos começar nosso processo de discussão da matéria. Não contra o governo, mas vamos tocar a nossa vida.

O que faz o senhor acreditar que vai ser possível tocar a reforma tributária, especialmente que inclua estados?
Os estados não estão contra uma legislação única de ICMS. A preocupação deles é que apenas uma alíquota é ruim. Só que você pode calibrar. Não é mais Brasil e menos Brasília? Também temos que ver como resolve a Zona Franca e o setor de serviços. Você está gastando muito dinheiro para ter muito menos emprego na Zona Franca. Não quero acabar com a Zona Franca, mas tem que ter uma alocação melhor de recursos.

A reforma tributária é viável para 2019?
Não tenho como aferir. O que eu disse é para tomar cuidado com debate no varejo.

O tema da Câmara é a reforma tributária?
Não. Eu acho que tem muitos projetos em que a gente pode ajudar o setor privado. Tem o projeto de lei da recuperação judicial. Está pronto e a partir de agosto começa a tratar com líderes. O projeto de saneamento, que está pronto para votar em agosto. O projeto do Fundeb. Outro eixo, que é muito sensível, é o da saúde privada. Ela hoje inviabiliza o acesso de quem tem menos recursos. Há a necessidade de (o plano privado) cobrir tudo. A legislação, que deveria ser uma ampla desregulamentação, é uma regulamentação excessiva que prejudica a necessidade de ter mais pessoas na base do setor privado. O problema é que eu tenho certeza de que nenhum ente federado vai ter recursos para investir na área de saúde nos próximos 10 anos.

Tem projeto para isso no Congresso?
Tem um projeto que eu fiz com o Rogério Marinho (ex-deputado e atual secretário de Previdência). Nos últimos anos, os planos de saúde passaram a ter situação parecida com o setor público. A área de saúde tem que ter uma solução. E acho que a educação também. O acesso à creche não se dará pelo setor público nos próximos anos. Ou não vai acontecer nada ou vamos ter que construir um modelo híbrido entre público e privado, com referência pública, mas privado. Se eu resolver o problema de vaga em creche em todos os municípios, pelo menos 70% dos municípios não vão aceitar. É um problema de financiamento. O setor público não fará.

O senhor está apresentando uma extensa agenda que vai desde a tributária até políticas de ponta. O protagonismo que o Congresso ganhou na reforma também vai seguir para outras áreas?
Eu acho que há um divórcio da política com a sociedade. E a gente só vai acabar com esse divórcio quando a gente assumir a nossa responsabilidade. Por que eu entrei na reforma da administração pública? Em 2005, eu era líder do PFL e segurei 30 MPs para não deixar aprovar o plano de cargos e salários do Judiciário. Eu dizia que aquilo ia acabar com as carreiras do setor público porque eles colaram o piso salarial no teto. E essa aprovação, porque eu não aguentei a pressão e fiquei sozinho, desorganizou o setor público brasileiro nos três poderes.

Qual é o cenário hoje?
Hoje, não tem mais carreira nos três poderes. E vejo pela Câmara, onde um servidor público chega no teto em poucos anos. Não há estímulo para galgar para chegar no topo. O que aconteceu nos últimos anos? A AGU criou a sucumbência, a Receita criou o bônus. O ser humano precisa de estímulo. Na hora em que você já está no teto, qual é o estímulo que você tem para acordar de manhã e ir trabalhar? E o Estado ficou caro. O custo da mão de obra no serviço público, no governo federal é 67% mais caro que seu equivalente no setor privado. Na média dos estados é 30%. Tem que reorganizar. Não quero fazer reforma para trás, mas tem que fazer. A Câmara dos Deputados custa R$ 4 bilhões sem deputado. No total, custa R$ 5,5 bilhões.

E quem é o protagonista da agenda reformista?
Há um divórcio da sociedade com a política. A política sempre é comandada pelo Executivo. A gente só tem um encaminhamento para que a gente recupere esse protagonismo: é a gente ter coragem de enfrentar os temas áridos. O custo do estado brasileiro nos últimos anos aumentou 6%, 7% acima da inflação. Não tem como a sociedade brasileira pagar essa conta. Não é que eu ache que a Câmara quer um protagonismo, ela precisa recuperar seu protagonismo nessas agendas. Porque quando você atende todas as corporações - e não estou culpando ninguém - , mas poucos segmentos foram atendidos no orçamento público, ele está completamente engessado e eu não consigo recurso para o município que me elegeu. Nós fomos capturados pelas corporações públicas e privadas e não conseguimos fazer política social para nossos eleitores. É uma equação completamente irracional e que afastou o parlamento da sociedade.

E que impacto isso tem nos estados e municípios?
Para que serve o prefeito hoje além de tentar pagar salário e aposentadoria? Para nada. Não tem mais dinheiro para investir. Se nós não reformarmos, a gente vai continuar distante da sociedade. Porque qual a política pública que poderá ser implementada na qual o político vai estar valorizado? Nenhuma. A gente só vai conseguir, com o modelo que está colocado, sem reformar o Estado, estar mais longe da sociedade. Porque a saúde, a educação, a segurança vão continuar piorando. O estado vai continuar tentando tirar mais dinheiro da sociedade para financiar sua estrutura básica.

E o Orçamento vai ficando mais engessado…
Enquanto não jogarmos isso aqui (despesa) para baixo, a política vai continuar sendo atacada, não apenas pelos seus erros éticos, mas por seus erros políticos, de ter entregue o orçamento público a poucos. Aí fica essa briga: libera orçamento, emenda. A gente está discutindo um orçamento que tem, de fato, um capacidade de investimento de R$ 50 bilhões em cima de R$ 1,5 trilhão de orçamento. A política tem que ter coragem de falar assim: nós construímos esse monstro, vamos desfazer o monstro. Acho que o resultado da Previdência é a primeira votação de uma certa compreensão do parlamento disso. E o parlamento tem essa compreensão majoritária hoje porque a sociedade tem.

Tem espaço para aumento de impostos hoje?
A sociedade está vendo que cada dia vai ter mais necessidade de tirar da sociedade. Agora vem: recria CPMF, recria imposto... Essa parte de aumento de imposto não passa no parlamento, então nós temos de fazer a outra. Se a gente recuperar a capacidade de investimento do governo federal e voltar a poder investir 20% do orçamento, se voltarmos a ter um orçamento de R$ 250 bilhões, R$ 300 bilhões, a política vai estar se reaproximando da sociedade. Então, se eu quero estar na política, é para ser valorizado pela sociedade, não para estar sendo muitas vezes humilhado pela sociedade, porque a sociedade acha que isso aqui não serve pra nada. Se a gente for manter tudo do jeito que está apenas para ser aplaudido por pequenos grupos de interesses públicos e privados, que não serão nem atendidos no médio e longo prazo, vamos estar na política para quê? É melhor sair da política.

Como fica o pacote anticrime na agenda?
A comissão está votando os projetos e vamos avançar. O problema é que antes de reformar o estado não dá para tratar de investimento. Acho que a área de segurança precisava de uma grande reforma do sistema penitenciário, uma grande discussão sobre esse tema. A melhoria das leis é importante, mas você tem um problema no sistema que precisa ser resolvido. O pacote tem temas que vão ser aprovados, que são de boa qualidade, mas são coisas soltas. Ele não traz uma grande reforma na área de segurança pública no Brasil. Aliás, nós fizemos muita coisa nesse tema e foi desmontado no governo. Criamos sistema integrado de segurança que é fundamental, deu condições de as polícias trocarem informações. O presidente Michel Temer teve a coragem de criar o Ministério da Segurança Pública, que nenhum outro governo teve. Porque nenhum outro presidente quis assumir a responsabilidade da segurança pública, sempre quis transferir para os governadores, e isso foi desorganizado. Acho que acabar com o ministério da Segurança foi um erro. O projeto vai melhorar alguns pontos, mas, pelo que ouço de especialistas, ele não traz uma solução sistêmica para a área de segurança. Mas vai votar rápido, não vai demorar não.

A aprovação da reforma foi uma vitória para o governo, a quem o senhor disse faltar diálogo. Por que o parlamento vai se engajar em outras agendas que favoreçam o governo?
Para recuperar o respeito da sociedade, o parlamento precisa assumir seu protagonismo. A gente aprovou a reforma pelos brasileiros que nós representamos. Em um país com a pobreza no nível que está, com as campanhas de combate à fome voltando, não dá para a gente ficar preocupado se vai beneficiar o governo. A reforma da Previdência beneficia o Estado. E os projetos que beneficiem o Estado nós vamos aprovar. Projetos que beneficiem o governo, que deem caixa no curto prazo, terão muita dificuldade. Sem a reorganização do diálogo com o parlamento, as privatizações não vão andar. É simples assim, é bem objetivo. Porque estaremos dando ao governo recursos para ele continuar atacando o parlamento.

Mas o clima do Palácio é de comemoração: dizem que não cederam e ganharam…
Isso não me preocupa. O que me preocupa é o governo não ter uma agenda. No final do ano o projeto do Betinho voltou a ter que dar alimentos para as pessoas e o governo depois de seis meses não tem uma preocupação, uma palavra para o pobre brasileiro. Isso que me preocupa. Se eu estiver fazendo a reforma da Previdência e o governo conseguir se organizar para reduzir a pobreza e o desemprego, este é o meu papel. Não é o quanto pior, melhor. O que a gente quer é que o governo dê certo. Demos uma demonstração disso, e esperamos que eles possam olhar para os brasileiros mais pobres. O presidente Bolsonaro sempre representou corporações, que têm estabilidade no emprego. Esse é um eleitor que não passa fome, não fica desempregado. Quando a gente vai em uma comunidade, saímos de lá com 30 currículos, porque o desemprego só aumenta no Brasil nos últimos cinco anos. É para essa parte da sociedade que a gente está querendo falar. Ótimo que o governo seja beneficiado, mas que ele saiba usar o benefício da responsabilidade do parlamento, que ele saiba usar o benefício daquilo que a gente está fazendo. E rápido.

O parlamento fez sua parte?
A única clareza que todos têm hoje na sociedade é que o parlamento assumiu a responsabilidade, organizou a votação e aprovou. Se tivéssemos deixado na mão do governo, a reforma estava na comissão especial. Isso todo mundo já sabe. Espero que eles comemorem até domingo (hoje) e na segunda-feira eles comecem a pensar em como vão cuidar dos vulneráveis. Porque o governo, através de seu líder, só tratou das corporações na reforma da Previdência. A gente quer que eles cuidem dos brasileiros mais simples, é para isso que a gente aprovou a Previdência, é uma reforma de Estado. Ele é o presidente, eu não posso esperar até 2023 para fazer a reforma da Previdência, porque isso ia gerar 20 milhões de desempregados, um incremento dos brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza que já são quase 10 milhões. O lugar que representa de forma mais legítima toda a sociedade brasileira é o parlamento, não o poder Executivo.

Por que a reforma foi aprovada apesar de o presidente Jair Bolsonaro não ter demonstrado a convicção que o senhor cobrava dele?
Acho que a sociedade compreendeu a importância da reforma, mesmo sabendo que é um tema árido. Posso dizer que conseguimos aprovar "apesar do governo" em relação aos temas mais corporativos. O líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), é uma representação corporativa no caso das polícias e ele foi um dos que mais trabalhou a favor delas.

Os protestos de rua ajudaram?
Não. Você já tinha um ambiente mais favorável desde o início na Câmara. Não vou dizer que uma Câmara mais liberal, mas mais reformista. As manifestações falam para aquele ambiente da Câmara que foi eleito pelas redes sociais, que não é majoritário.

Foi melhor ter retirado estados e municípios da reforma?
Olhando hoje, depois de ter ficado isolado na defesa dos estados e municípios, foi decisivo ter tirado estados e municípios. O acordo para que o Novo retirasse o destaque (para incluir esses entes) foi fundamental para não dar confusão na hora da votação.

O senador Tasso fala em voltar com esse tema no Senado, o senhor acha que é inócuo?
Não. Uma coisa é você ter que enfrentar uma batalha, outra coisa é ter que enfrentar várias batalhas e uma contaminar a outra. Acho que devolver para a Câmara um texto sobre estados e principalmente aquilo que é prioridade para os governadores, alíquota extraordinária sobre toda a base, é mais fácil de enfrentar do que enfrentar polícias e professores. Numa PEC paralela, você trazer o que mais interessa a eles, é mais fácil do que ir para o enfrentamento com as categorias.

Qual foi o momento mais tenso da votação da Previdência?
O primeiro foi no início da orientação da votação do mérito, porque eu não tinha 100% de certeza se todos os partidos iam ao plenário votar. O segundo foi depois da votação, quando entrou o primeiro destaque eu vi que estava desorganizado demais. E o terceiro momento, que foi o que me preocupou mais, foi o primeiro destaque do PT que tratava de pensão.

Adiando o segundo turno para agosto não vai dar tempo para que quem está contra se organize?
E não vai dar tempo também para aqueles que estão a favor? Aqueles que votaram o texto principal, mas não alguns destaques... Claro que a oposição quando sentiu que o segundo turno seria em agosto não obstruiu mais, porque estava também todo mundo cansado. É claro que eles têm a expectativa de virar votos. Mas nós também temos agora o mapa do jogo e sabemos, dos 379, quantos votaram cada destaque. E nos destaques mais difíceis a gente também pode trabalhar até agosto, chamar cada um. Minha reunião hoje de manhã com o Rogério Marinho e a equipe dele foi para começar a organizar isso.

Vocês já estão trabalhando nessa organização?
Claro. Vamos ver cada destaque onde a gente perdeu e como pode recuperar. Eles vão trabalhar e nós vamos trabalhar.


Veja: O governo paralelo liderado por Rodrigo Maia

No vácuo da desarticulação política do Executivo, o Congresso prepara uma agenda que será implementada após a aprovação da reforma da Previdência

Por Daniel Pereira, Marcella Mattos e Nonato Viegas

A imagem ao lado retrata o aperto de mãos entre dois dos mais poderosos homens da República. À direita, está Paulo Guedes, o superministro da Economia, o “Posto Ipiranga” do presidente Jair Bolsonaro. À esquerda, Rodrigo Maia, comandante da Câmara e senhor do destino de todas as votações importantes no plenário da Casa. Na foto, o clima é de cordialidade, mas longe dos holofotes a relação entre ambos, que ainda pode ser classificada de parceria, está se esgarçando. Os sinais são evidentes. Guedes reclamou publicamente do fato de os deputados terem mudado a proposta da reforma da Previdência do governo, retirando do texto o regime de capitalização, a menina dos olhos do ministro. Maia respondeu defendendo a autonomia do Legislativo e tachando o governo de uma “usina de crises”. Os dois também se estranharam sobre a demissão de Joaquim Levy do cargo de presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A reação de Maia foi acima de seu tom habitual. Ele considerou a exoneração de Levy “uma covardia sem precedentes” por parte de Guedes.

Os dois episódios não são casos isolados. Pelo contrário, refletem uma disputa de poder entre o Executivo e o Legislativo para ver qual deles receberá os créditos pela aprovação de projetos capazes de reaquecer a economia brasileira, que registrou retração no primeiro trimestre deste ano. No modelo político brasileiro, o protagonismo cabe, em tese, ao presidente da República. O problema é que Jair Bolsonaro propôs a reforma da Previdência e, até aqui, nada mais falou sobre como destravar investimentos, gerar empregos, aumentar a produtividade. Sua agenda se restringe a temas caros a nichos bolsonaristas, como porte de armas, multas e cadeirinhas de trânsito. Empresários, banqueiros e trabalhadores, então, passaram a levar suas demandas e esperanças a outro guichê, o gabinete de Rodrigo Maia, que está preparando um pacote de medidas econômicas para ser votado tão logo a reforma da Previdência seja aprovada. As propostas estão sendo elaboradas por um grupo de especialistas que forma uma espécie de equipe econômica paralela do presidente da Câmara.

Maia acha que, se seu plano der certo, atingirá dois objetivos: terá sido responsável pela recuperação da economia e pavimentará o caminho para alçar voos maiores na eleição de 2022. Em 2018, ele chegou a cogitar uma candidatura à Presidência. Cauteloso, o deputado afirma que não quer ocupar o espaço do governo, mas apenas colaborar. Em entrevista a VEJA, deixou claro, no entanto, que tocará seu Calendário Maia mesmo quando houver discordância do Planalto, já que o Legislativo é independente — e não submisso — na relação com o Executivo. “O presidente tem uma agenda muito voltada para os segmentos da sociedade que o levaram ao Palácio do Planalto. Fala a nichos bem específicos”, declarou. “Ele nunca falou aos brasileiros mais simples. O ministro Paulo Guedes menos ainda. Está faltando alguém que consiga elaborar uma política para a base da sociedade, para as famílias que ganham dois ou três salários mínimos.” O cronograma, por sinal, já foi definido. Maia pretende que a reforma da Previdência seja aprovada pela Câmara até julho.

No segundo semestre, será a vez de votar a reforma tributária e uma reformatação ambiciosa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além da autonomia do Banco Central e de mudanças destinadas a baratear o custo dos empréstimos feitos pelas instituições financeiras, por meio da redução do chamado spread bancário. Esse ponto tem forte apelo popular, já que, segundo dados do Banco Central, 40% das famílias que ganham até dois salários mínimos entram no cheque especial pelo menos uma vez por mês. “O Paulo Guedes vendeu uma imagem que já foi perdida. Todos reclamam da instabilidade do governo. O pedido do setor produtivo ao Congresso é: tomem conta”, diz o deputado Aguinaldo Ribeiro, braço-direito de Maia e líder da maioria na Câmara, posto que, em tese, deveria estar alinhado ao presidente da República. Sob a batuta de Maia, os deputados estão, de fato, tomando conta. Nas próximas semanas, será instalada a comissão especial para analisar a reforma tributária. Embora o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, esteja preparando um texto sobre o assunto, a Câmara está tocando uma proposta de autoria formal do deputado Baleia Rossi, líder do MDB, mas que foi desenhada pelo economista Bernard Appy.

O texto reúne cinco impostos e contribuições que incidem sobre o consumo num único tributo e resultaria em benefícios como o fim da guerra fiscal e a simplificação da vida do contribuinte. “Essa proposta vai eliminar uma quantidade brutal de distorções e dos problemas no sistema tributário atual. Ela tem potencial enorme de impacto no crescimento da economia, no poder de compra do cidadão, na geração de emprego, o que facilita a constatação de que todos sairão contemplados”, disse Appy a VEJA. Já a reforma do FGTS está a cargo do economista Samuel Pessôa. Os objetivos são aumentar a rentabilidade do fundo, cuja gestão passaria para o Tesouro Nacional, e fomentar a poupança no Brasil a longo prazo. Pelo modelo que está em estudo, o FGTS deixaria de ser um instrumento de proteção ao desempregado, função que seria exercida por outras políticas públicas. O trabalhador não poderia mais sacar o FGTS em caso de demissão, mas apenas na compra da casa própria e na aposentadoria. Ou seja: faria uma poupança ao longo da vida que poderia ser embolsada quando ele deixasse a ativa.

Ao saber que Maia considera as mudanças no fundo a grande pauta do Congresso para o segundo semestre, o governo pediu para participar dos debates. “De modo geral, o trabalhador acumularia o FGTS para a aposentadoria, constituindo uma renda vitalícia. Essa poupança seria uma complementação à aposentadoria do Regime Geral da Previdência. Nada disso teria custo para o Estado, já que está sendo arrecadado”, afirmou a VEJA o economista Samuel Pessôa. Desconfiado de que Bolsonaro, até pela queda em sua popularidade, radicalizará o discurso e falará cada vez mais para segmentos específicos da sociedade, como militares e policiais, Maia — que acena ao topo da pirâmide social com a agenda econômica — prepara também ações sociais voltadas aos mais pobres. Ao receber VEJA na quarta-feira 19 na residência oficial da presidência da Câmara, ele fez questão de sublinhar, numa das centenas de folhas espalhadas sobre a mesa, o que considera quatro áreas prioritárias: primeira infância, inclusão produtiva (“complementar ao Bolsa Família”), sistema de governança da educação (“hoje não temos”) e rede de proteção social.

Enquanto Bolsonaro enfrenta protestos contra o bloqueio de verbas na Educação, o deputado quer aprovar iniciativas que ampliem as vagas para crianças de até 3 anos nas escolas e turbinem o ensino técnico no país. Para facilitar seu plano, convocou um grupo de deputados de diferentes partidos para tocar pontos específicos da agenda social. Assim, semeia os votos favoráveis aos textos quando estes chegarem ao plenário. Hoje, o presidente da Câmara controla mais votos do que o governo na Casa. Bolsonaro, segundo o deputado, tem entre 100 e 150 votos, num universo de 513 deputados. A reforma da Previdência requer o apoio de pelo menos 308 parlamentares. Eleito com um discurso de rejeição à política, o capitão pouco faz para reverter esse quadro. Até aqui, a estratégia de seu governo foi basicamente usar as redes sociais para pressionar deputados e senadores a votar favoravelmente às medidas de interesse do governo. Não tem dado certo. Na semana passada, por exemplo, o Senado, comandado por Davi Alcolumbre, rejeitou por 47 a 28 o decreto de Bolsonaro que ampliou o porte de armas. O texto segue para a Câmara, que também deve impor derrota ao presidente.

Com a derrubada do decreto, os congressistas querem mandar um recado a Bolsonaro: na base da ameaça, ele só colherá derrotas. Em 26 de maio, 1 milhão de pessoas foram às ruas para protestar contra os políticos tradicionais e defender a reforma da Previdência. No próximo dia 30, nova manifestação a favor de Bolsonaro tomará as ruas. Numa conversa reservada, Rodrigo Maia afirmou que as críticas de Guedes ao texto dos deputados para a reforma da Previdência tiveram o objetivo oculto de incendiar tais manifestações. Tal atitude seria desnecessária, uma vez que os deputados estão comprometidos com as mudanças previdenciárias, apesar de não defenderem integralmente aquilo que Guedes quer. Nas redes sociais, os bolsonaristas atacam Maia com virulência e o tratam até com apelidos jocosos. A VEJA, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, revelou sua opção pelo caminho da conciliação: “O presidente está disposto a manter a paz. Ele já disse que não pretende contestar as coisas do Rodrigo Maia, porque o Rodrigo é presidente da Câmara e a agenda é dele”.

Com a pouca habilidade do governo em termos de articulação política, que sofreu alterações nesta semana (saindo de Onyx Lorenzoni e indo para o general Luiz Eduardo Ramos), o Congresso vem ganhando espaço. Derrotas como a derrubada do decreto que flexibilizava o porte e a posse de armas, um projeto-vitrine do governo, acumulam-se desde o início desta administração. Embora o descompasso entre os poderes possa gerar alguma turbulência, o movimento pode ser encarado também pelo lado positivo. “Acho muito importante que o Congresso retome seu protagonismo”, diz o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-RJ. Na história recente da República, poucas vezes a Câmara e o Senado exerceram papéis decisivos na construção de propostas para o país (leia a Carta ao Leitor). A verdade é que o presidencialismo de coalizão, em quase todos os governos, acabou transformando o Parlamento em linha auxiliar do Executivo e, até por causa disso, no protagonista de diversos escândalos. Um Legislativo forte e independente pode mudar essa dinâmica e, simultaneamente, contribuir de maneira significativa para o avanço do país. Em seu sexto mandato de deputado federal, Rodrigo Maia ocupa pela terceira vez a presidência da Câmara e tem esta oportunidade nas mãos. Ele sabe que o resultado da empreitada pode mudar não apenas o destino do Brasil como o seu próprio destino. Afinal, faltam apenas três anos para 2022.

Um ministério para chamar de seu
O presidente da Câmara reuniu uma equipe de economistas para trabalhar na elaboração das propostas que serão levadas ao plenário

Bernard Appy
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula, Appy é especialista em tributação. Ele coordenou os estudos que deram origem ao projeto que pretende unificar cinco impostos — três federais (PIS/Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) —, sem aumento da carga tributária. A pedido de Rodrigo Maia, o economista já promoveu diversas reuniões com líderes partidários para explicar a importância das mudanças

Samuel Pessôa
Especialista em desenvolvimento econômico, Pessôa é pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Maia o convidou há dois meses para formatar uma proposta de reforma do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. O FGTS não poderá mais ser sacado em caso de demissão e se tornará uma complementação da aposentadoria. A ideia é criar mecanismos que aumentem a rentabilidade dos recursos

Marcos Lisboa
Também ex-secretário de Política Econômica durante o primeiro governo Lula, o economista, por solicitação do presidente da Câmara, está elaborando estudos que apontarão caminhos por onde o Congresso pode atuar para destravar a economia, principalmente nas áreas de infraestrutura, incentivo à instalação de indústrias e comércio exterior. O objetivo é fazer um mapeamento de projetos e medidas capazes de alavancar o crescimento no menor prazo possível

Marcos Mendes
Consultor do Senado, Mendes já ocupou cargos importantes na Secretaria do Tesouro Nacional, no Banco Central e no Ministério da Fazenda durante o governo Michel Temer. Ele é especialista em políticas de inclusão social. Sua tarefa é propor medidas para uma agenda de emergência, com metas para o combate à pobreza e ao desemprego. Há propostas para aumentar a eficiência dos programas de distribuição de renda.

Colaborou Hugo Marques
Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640