Rodrigo Maia

Alon Feuerwerker: Governo Bolsonaro confirma amplas maiorias nas eleições algo diferentes da Câmara e Senado

A eleição para o comando da Câmara dos Deputados e do Senado foi igual, o governo confirmou sua maioria potencial. Mas foi diferente num aspecto importante de acompanhar no tempo: os deputados preservaram a liderança do establishment parlamentar, os senadores não.

Em consequência, o cenário da Câmara dos Deputados emerge mais organizado. Nada que no Senado não possa ser resolvido conforme os solavancos da estrada vão acomodando as melancias na carroceria do caminhão. Mas vai exigir algum trabalho do Palácio do Planalto.

No Senado, a liderança tradicional foi varrida, e o novo presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP), terá uma ampla base de apoio, mas não é um líder político automático. Foi mais um candidato “anti”. Mas um bom líder e um bom diálogo com Alcolumbre são caminhos ao alcance do governo.

Na oposição, a vida anda um pouco mais complicada, mas ela sobreviveu. Na Câmara, PT, PSB, PSOL e Rede entregaram a seus candidatos 80% de seus votos. Marcelo Freixo (PSOL-RJ) foi prejudicado pela luta interna do PT, mas mesmo aqui a ampla maioria seguiu a direção partidária.

O governismo na Câmara está distribuído em dois blocos. Um duro, com três centenas de deputados, e um mais dito centrista, com pouco mais de cem integrantes. Neste segundo, há uma minoria, PDT e PCdoB, que está ali por razões táticas. Mas a ampla maioria é governista na agenda.

Na Câmara, os votos que eventualmente faltarem ao governo na sua base dura poderão ser pescados no varejo da sublegenda light. Já no Senado, o “anti-Renan” mostrou-se esmagador ao final, mas é impossível saber agora quantos desses votos estão comprometidos com a agenda do Planalto.

De todo modo, o governo ultrapassou a primeira barreira. Na Câmara, uma situação relativamente pacificada. Já no Senado, além de tudo, será preciso observar como a “nova política” impactará o caso de Flávio Bolsonaro. Será, no curto prazo, um bom termômetro do grau de controle.

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A tragédia de Brumadinho é um problema para a agenda produtivista do governo Bolsonaro. Mas o avanço das investigações parece indicar que a causa está mais na esfera criminal que na conceitual, ou ideológica. Resta monitorar como o acontecimento vai refletir no Congresso.

Mais provável é os efeitos não serem sistêmicos. Um caminho possível é a caça aos culpados dominar a pauta. O que permitiria aos parlamentares da esfera bolsonarista dar uma satisfação à opinião pública sem abrir mão de políticas de desenvolvimento de forças produtivas.

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O realismo fantástico da política brasileira, com sua abundância de notícias atraentes todos os dias, impede que se preste mais atenção no cenário internacional. As tensões entre de um lado Estados Unidos e União Europeia e de outro Rússia e China escalam de maneira consistente.

Estados Unidos e Europa têm um problema. Não produzem quase nada que algum outro não produza, ou não possa produzir, melhor e mais barato. Em consequência, precisam apertar o torniquete, inclusive militar. Um cenário que tem semelhanças com um século atrás.

Não significa que vai haver guerra, mas uma pradaria seca pode pegar fogo num acidente.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Ascânio Seleme: Rodrigo Maia, o segundo

Rodrigo Maia tornou-se na sexta-feira a segunda pessoa mais importante da República, atrás apenas do presidente. Nenhum ministro, nem o vice-presidente podem rivalizar o poder que ele concentrou em suas mãos ao ser eleito para um terceiro mandato consecutivo na presidência da Câmara. No Senado, Renan perdeu para um novato que terá tantos problemas na condução dos trabalhos da casa que dificilmente conseguirá fazer política com a liberdade que terá Rodrigo Maia.

No final do ano passado, durante um debate realizado pelo GLOBO no Rio, Rodrigo disse ser a melhor opção para o presidente Jair Bolsonaro na Câmara. “Sou um liberal na economia e um conservador nos costumes”, afirmou o deputado. Bolsonaro pode entender a eleição do deputado do DEM como uma vitória, afinal Rodrigo era mesmo o melhor nome para conduzir a pauta do novo governo. Mas ainda é cedo para festejar.

Articulado, bom negociador, maduro e experiente, Rodrigo sabe o que quer, planeja bem quase todos os seus passos e mantém em sigilo a sua própria agenda. Sua eleição resultou de uma negociação impressionante, vista nesta amplitude talvez apenas uma vez antes, quando em 2001 o então deputado Aécio Neves conseguiu se eleger presidente da Câmara ao promover uma avalanche de traições partidárias, levando para o seu partido, o PSDB, diversos deputados de outras agremiações e obtendo a maioria que consolidou uma eleição improvável. Rodrigo teve votos de praticamente todos os partidos representados na Câmara, PT inclusive.

O fato de ser liberal e conservador ajuda o governo, mas não o torna um aliado incondicional. Na verdade, Rodrigo já mostrou mais de uma vez ao longo de seus dois mandatos anteriores na presidência da Câmara que tem ideias próprias e, mesmo sendo filho de um político importante, sabe caminhar sem o apoio de muletas. E, mais importante, conhece o tamanho das suas pernas quando desafiado a dar passos largos. Num momento crucial da história do Brasil, evitou ajudar a empurrar o presidente Michel Temer para o impeachment, no episódio da JBS, mesmo sendo ele o principal beneficiário do seu afastamento.

Logo depois de eleito, Rodrigo disse em entrevista para a Globo News que não tocaria a pauta econômica do governo federal pensado apenas na União. Disse que vai ouvir todos os lados, governadores e prefeitos inclusive, para tentar alcançar, segundo ele, um pacto que atenda a todos os interessados na saúde econômica do país. E sobre a Previdência, disse que cabe a ele e não ao governo determinar o tempo da votação da reforma na Câmara.

Também não deu mole ao ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni. Disse não acreditar que o ministro tenha trabalhando contra ele em razão do número de votos que teve e que o elegeram no primeiro turno, a menos que Onix fosse incompetente. O presidente da Câmara foi explícito ao condenar a manobra conduzida pelo candidato de Onix na eleição da presidência do Senado contra Renan. O interessante é que Onyx é do seu partido. Parece que Rodrigo Maia já elegeu seu principal adversário no governo.

De uma coisa se pode estar certo em relação ao presidente da Câmara, ele sabe o que quer e por onde deve ir para obter os resultados que precisa. Se o que ele quer será bom para o Brasil? Pode ser, pode não ser. O que importa é que o deputado se fortaleceu, ficou grande, ganhou autonomia e passará a dividir o poder com o presidente da República. O que significa que ele pode ser uma pedra no sapato do governo Bolsonaro, mesmo sendo explicitamente liberal e conservador.

PS: Dois pontos. 1) As cenas de golpes e contragolpes vistas no Senado na sexta-feira foram muito mais do que constrangedoras. Foram dignas de filme, tamanha a inverossimilhança. 2) O constrangimento da senadora Leila do Vôlei era inteiramente contrário da voluntariedade do aloprado Jorge Kajuru. A TV Senado vai bombar.


El País: “Temos que ter todas as correntes partidárias aqui, do PT ao PSL”, diz Maia

Deputado do DEM foi reeleito presidente da Câmara com 334 votos, 77 a mais que o necessário

Fazia alguns anos que a eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados não ocorria de forma tão suave. Após o furacão Eduardo Cunha, em 2015, da atribulada primeira eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) em meio a um processo de impeachment, em 2016, e da tumultuada reeleição em 2017, Maia se manteve seu cargo mais uma vez, agora com 334 votos. A folgada margem de 77 votos acima dos 257 necessários é prova da tranquilidade com que o democrata se reelegeu como presidente da Câmara — em sua primeira eleição, ele tinha recebido 285 votos, que foram ampliados para 293 em 2017.

"Teremos muitos desafios", disse em seu discurso de vitória. "A Câmara, que é a Casa do povo, precisa de modernização, modernização e modernização na nossa relação com a sociedade, nossos instrumentos de trabalho: as novas ferramentas de comunicação". Maia disse que é preciso simplificar as leis e compactuar as reformas com governadores e prefeitos. “Nada vai avançar neste país se não trouxermos para o debate aqueles que estão governando e estão sofrendo pela inviabilização do Estado brasileiro como um todo. Por isso que nós temos que ter todos aqui, de todas as correntes partidárias, do PT ao PSL”, discursou após a eleição.

O presidente Jair Bolsonaro parabenizou Maia publicamente por meio de seu perfil no Twitter. "Parabenizo o Deputado Rodrigo Maia pelo resultado obtido na eleição da presidência da Câmara, fato que caracteriza o respeito à democracia e a independência dos poderes. Este cargo é de extrema responsabilidade para conduzir a votação dos projetos que o brasileiro tanto almeja", escreveu o presidente. "Os Deputados eleitos escolheram hoje o novo Presidente da Câmara Federal. Desejo-lhe sucesso e sabedoria, para que a população brasileira seja a voz soberana e que seus anseios prevaleçam dentro do parlamento, em prol do nosso Brasil e de nossa democracia", disse Bolsonaro em outra postagem.

Jair M. Bolsonaro

@jairbolsonaro
Parabenizo o Deputado Rodrigo Maia pelo resultado obtido na eleição da presidência da Câmara, fato que caracteriza o respeito à democracia e a independência dos poderes. Este cargo é de extrema responsabilidade para conduzir a votação dos projetos que o brasileiro tanto almeja.

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22:11 - 1 de fev de 2019
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O segundo colocado na eleição foi Fábio Ramalho (MDB-MG), com distantes 66 votos. Marcelo Freixo (Psol-RJ) ficou em terceiro, com 50 votos, seguido por JHC (PSB-AL), com 30 votos, Marcel Van Hattem (Novo-RS), com 23 votos, Ricardo Barros (PP-PR), com 4, e General Peternelli (PSL-SP), com 2.

A 1ª Vice-Presidência da Câmara será ocupada pelo deputado Marcos Pereira (PRB-SP), que foi eleito com 398 votos. A 2ª Vice-Presidência foi definida em segundo turno entre dois candidatos do PSL: Luciano Bivar (PSL-PE) bateu Charlles Evangelista (PSL-MG), por 198 votos a 184. A 1ª Secretaria ficou com a deputada Soraya Santos (PR-RJ), eleita com 315 votos. Já a 2ª Secretaria será responsabilidade do deputado Mário Heringer (PDT-MG), eleito com 408 votos. A 3ª Secretaria será do deputado Fábio Faria (PSD-RN), eleito com 416 votos. Na 4ª Secretaria, fica o deputado André Fufuca (PP-MA), eleito com 408 votos.


César Felício: No Legislativo, a tradição que se renova

Rodrigo Maia pode virar o negociador central da reforma

O resultado da eleição para o Congresso Nacional no ano passado, com o extermínio de lideranças parlamentares consagradas, prometia uma revolução nos usos e costumes das duas Casas. Nada indica que será assim nas eleições para as presidências das mesas diretoras da Câmara e do Senado, que começam hoje e podem se estender até sábado.

Entre os deputados, Rodrigo Maia caminha para uma reeleição tranquila. No Senado o quadro é mais nebuloso, com algum favoritismo de Renan Calheiros, o que significaria o prolongamento da hegemonia do MDB. Seus adversários a mais curta distância são Tasso Jereissati, Simone Tebet e Davi Alcolumbre. Salvo na hipótese de vitória deste último, a combinação de resultados na Câmara e no Senado indica um Legislativo que pode convergir com o Palácio do Planalto, mas não será dócil a ele. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, pode ficar muito fragilizado e perder relevância na negociação da reforma da Previdência.

Um articulador da candidatura de Maia relatou como o deputado resistiu ao vento renovador e construiu sua frente. O atual presidente da Câmara entrou em contato com todos os novos parlamentares, inclusive com os recém-chegados na atividade política, antes mesmo de começar a receber o aval das cúpulas.

O primeiro momento delicado envolveu o PSL. Uma briga interna no partido deixou evidente, em grupo de WhatsApp, que o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, operava contra Maia.

Para que o PSL fosse enquadrado, acionou-se o ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem Maia tem antiga relação. O ministro foi à luta, encontrou-se com a bancada do PSL e teria tratado do assunto também com o presidente. A mensagem foi a seguinte: para se aprovar a reforma da Previdência, era preciso reeleger Rodrigo Maia. Se a ideologia prevalecesse na escolha do novo presidente da Câmara, os obstáculos seriam muito mais relevantes.

Na condição de fiador da reforma da Previdência, será o deputado do DEM o negociador principal do texto que irá a voto na Casa. Onyx ficará escanteado na negociação como ficou no processo eleitoral do Legislativo, no que depender de Maia.

Para manter a rédea firme no processo, é provável que Rodrigo Maia trabalhe para que a relatoria da reforma da Previdência continue nas mãos de Arthur Maia, que é do DEM e que exerce a mesma função em relação à reforma encaminhada pelo ex-presidente Michel Temer.

O segundo obstáculo sério no caminho de Rodrigo Maia foi o PP. O partido reagiu mal quando se tornou pública a guinada do PSL em direção ao atual presidente da Câmara e em razão disso a candidatura de Arthur Lira (AL) ganhou impulso. Segundo o articulador de Rodrigo Maia, o PP é muito mais perigoso do que o PSL, por ser muito mais orgânico na Câmara. É um partido conhecedor dos meandros que poderiam forjar uma aliança letal com a esquerda.

No PSL há uma grande incidência de influenciadores digitais, mas para a alegria dos veteranos, seu peso político é muito relativo. Os 'youtubers", como é usual entre as subcelebridades, querem cada um brilhar por conta própria, não formam correntes entre si. Salvo os integrantes de movimentos suprapartidários, como o MBL, atuam de modo isolado. Com os deputados eleitos sem vida política ou partidária anterior, Rodrigo Maia jogou na retranca: os encontros foram amenos, sem uma barganha clara de favores por votos.

No Senado, Renan tenta se impor dentro de um paradoxo: é o candidato com mais aceitação e mais rejeição simultaneamente. Suas pretensões ganharam força conforme a evolução das desventuras do senador eleito Flávio Bolsonaro. O filho do presidente pode vir a necessitar de blindagem no Conselho de Ética para sobreviver como parlamentar, e ninguém poderá oferecê-la com mais desenvoltura do que Renan. O senador alagoano conta com três capacitações em seu currículo: é um especialista em sobreviver, em salvar aliados, como José Sarney na década passada, e em afundar aliados, como Collor, na década retrasada, e Dilma, há apenas três anos. Nestes campos, Tasso e Simone Tebet não se comparam a ele.

Embora o próprio Flávio Bolsonaro tenha acenado com neutralidade, o presidente e seu entorno foram longe demais nas articulações contra Renan, sobretudo Onyx Lorenzoni. No Senado, a preferência oficial foi para um dos candidatos, Davi Alcolumbre, que encontra dificuldades em se firmar como a alternativa anti-Renan. O alagoano ofereceu a paz ao Planalto, mas pode se eleger com o sangue nos olhos, a depender do que acontecer hoje no Senado.

Resta claro, portanto, que a partir de fevereiro existe o risco de as duas casas do Congresso desencadearem uma ofensiva para derrubar o ministro da Casa Civil, com o endosso do ministro da Economia. A salvaguarda de Onyx é a de ser um bolsonarista de primeira hora, ao contrário da elite parlamentar. Chegou no entorno do presidente antes de Guedes, e a lealdade sempre é um ativo valorizado por presidentes sem uma base política muito ampla.

Para a reforma da Previdência trafegar com mais facilidade, o avanço de uma agenda conservadora no Congresso pode não ser suficiente. Haverá pressão para a distribuição de cargos nos Estados. A cúpula engoliu em seco não ter mais o comando dos ministérios, mas os cargos de menor escalão são vitais para a base. Vocalizar esta pressão de alguma maneira poderá ser a primeira missão que caberá a Rodrigo Maia desempenhar.


Adriana Fernandes: Maia no caminho de Guedes

Maia acumulou nas mãos um conjunto de projetos econômicos de peso

Sem conseguir o apoio que esperava do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para a sua reeleição ao cargo em 2019, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deu nos últimos dias sinais de que pode colocar muitas “pedras” no caminho das votações dos projetos mais importantes para o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, diminuir alguns dos problemas que o aguardam assim que assumir o cargo no dia 1.º de janeiro.

Já não há mais nenhum comprometimento com a agenda de votações.

Maia segue o caminho do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), que manobrou para uma votação relâmpago do reajuste dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com custo fiscal elevado para todo o setor público, e atrapalhou a apreciação do projeto de lei que permitirá a assinatura do contrato aditivo da cessão onerosa entre a Petrobrás e a União. Em público, cumprimentos e gentilezas. As articulações de bastidores, porém, mostram o oposto. De ambas as partes.

Com a bandeira de “menos Brasília e mais Brasil”, com descentralização de recursos da União para Estados e municípios, Paulo Guedes acabou caindo na armadilha montada por Eunício de vincular a votação do projeto de lei da cessão onerosa à partilha da arrecadação do dinheiro do leilão com Estados e municípios. E mais: atrelou o acordo a outro projeto que está na pauta de votação da Câmara, sob o domínio de Maia, que altera a divisão de recursos do Fundo Social do Pré-sal.

O baile duplo complicou a votação do projeto, que é “porta da esperança” para o futuro ministro conseguir cumprir a promessa de campanha de zerar do déficit primário das contas do governo federal até dezembro de 2019.

Maia deu seu recado. Tratou de dizer que “não estava sabendo” de acordo nenhum para que o texto da cessão onerosa não seja alterado e tramite mais rapidamente, em troca da votação na próxima terça-feira de projeto que reformula o Fundo Social do Pré-sal com mais recursos para Estados e municípios.

Tenta-se agora construir uma saída com a edição de uma medida provisória, como antecipou o Estado na quarta-feira, para fazer a divisão dos recursos com os governos regionais.

As articulações conduzidas nos últimos dias atropelaram a votação do projeto da cessão onerosa, que estava praticamente pronto para votação. É a velha tática de complicar para conseguir mais.

Maia acumulou nas mãos um conjunto de projetos econômicos de peso que potencializam o seu poder de atrapalhar. É o que acontece com as propostas de autonomia do Banco Central, securitização da dívida dos Estados e tantos outros.

Uma briga, por enquanto, silenciosa também avança em torno das emendas do Orçamento. A disputa é entre aqueles que querem garantir as emendas no ano que vem, mesmo dos parlamentares que não se reelegeram, e os que brigam por espaço para os novos deputados e senadores. Em 2014, o senador Romero Jucá (MDB-RR) conseguiu incluir no Orçamento uma brecha para emenda dos novos parlamentares eleitos. Há preocupação que apoiadores de Bolsonaro consigam o mesmo, com prejuízo para as emendas já acertadas.

Ainda aprendiz do jogo político que será obrigado a lidar com o Congresso, Guedes avisou que Estados e municípios poderão receber uma fatia maior de recursos repassados pela União “quanto mais rápida for a aprovação das reformas”. Recado dado, mas ainda não compreendido.

O alerta do futuro ministro mostra que ele pode ouvir os conselhos da equipe atual e condicionar a ajuda aos Estados e municípios a medidas de ajuste e reformas. Nesse cenário tão conturbado, talvez o melhor a fazer seja deixar a votação do projeto da cessão onerosa e a decisão da partilha para o próximo Congresso.

O acerto poderia ser mais bem costurado com os novos governadores e parlamentares em 2019. Até porque, ao contrário do que muitos do mercado tentam passar adiante como certo para consolidar suas apostas milionárias, ainda há muitos acertos a serem feitos para que o leilão ocorra e o dinheiro entre nos cofres de todos.

A discussão em torno da mudança do regime de partilha para a concessão nas regras do pré-sal, proposta pela nova equipe econômica, pode atrasar ainda mais o leilão.

Num retrospecto do que aconteceu no último ano, vale lembrar que, ao pé da letra, era para o leilão ter acontecido em 30 de abril. Esse era o cronograma anunciado pelo governo.


Bernardo Mello Franco: A bancada da bala dá o primeiro tiro

Para se aproximar de Bolsonaro, o deputado Rodrigo Maia quer enfraquecer o Estatuto do Desarmamento. A medida pode elevar os homicídios no país

A bancada da bala não esperou o fim da campanha para dar o primeiro tiro. Ontem a tropa parlamentar selou um acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Ele prometeu votar ainda neste ano um projeto que facilita a venda e a posse de armas no país.

Maia está em busca de apoio para continuar no cargo. Sua estratégia é agradar Jair Bolsonaro, favorito na corrida ao Planalto. O capitão tem uma ideia fixa: fuzilar o Estatuto do Desarmamento. Ele diz que a revogação da lei ajudaria a combater a violência.

“É um falso discurso”, contesta o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Para o sociólogo, a ofensiva contra o Estatuto vai aumentar as mortes provocadas por armas de fogo. “É como jogar gasolina numa fogueira que já está muito alta”, alerta.

De acordo com o Atlas da Violência, 71% dos homicídios registrados no Brasil em 2016 foram causados por armas de fogo. Felipe Angeli, coordenador do Instituto Sou da Paz, sustenta que o debate sobre o assunto não deveria ser ideológico.

“Não se trata de ser de esquerda ou de direita. Há um consenso científico de que o aumento da circulação de armas eleva a taxa de homicídios”, afirma.

Um estudo do economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sustenta que a cada 1% de aumento no número de armas, o número de assassinatos salta 2%.

A ofensiva contra o Estatuto preocupa os pesquisadores, mas tem feito a alegria dos fabricantes de armas. Com o favoritismo de Bolsonaro, as ações da Taurus subiram mais de 500% desde janeiro. Em vídeos que circulam na internet, o candidato atua como dublê de garoto-propaganda da empresa.

Fernando Haddad errou feio ao repetir, sem checar, a acusação de que o vice de Bolsonaro teria torturado o músico Geraldo Azevedo na ditadura. Para quem reclama da enxurrada de fake news na campanha, foi um verdadeiro tiro no pé.


Ricardo Noblat: Rodrigo Maia contra um vice do DEM

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, é contra a indicação de um nome do seu partido para a vaga de vice na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB).

Natural. Faz parte do acordo de Alckmin com o Centrão o apoio a Maia para que se reeleja presidente da Câmara no próximo ano como ele tanto quer.

Um candidato a vice do DEM, a presidência da Câmara para o DEM… Seria colher de chá em excesso para o DEM, o que desagradaria os demais partidos do Centrão.

Alckmin quer escolher um vice o mais rápido possível. A demora só serve para desgastá-lo.

Jaques Wagner, o candidato de Lula
Por ora, ele nega para ficar a salvo de ataques

O ex-ministro de Lula e Dilma, e duas vezes governador da Bahia Jaques Wagner está pronto para ser o candidato do PT a presidente da República. Lula quer, Wagner topa, e ele só não será se até lá Lula mudar de ideia. Não parece provável.

Antes de ser encarcerado em Curitiba, Lula gravou um vídeo onde declara seu apoio a Wagner. O nome de Wagner é mais bem aceito dentro do PT do que o nome de Fernando Haddad, vice-prefeito de São Paulo, que não conseguiu se reeleger.

O marqueteiro que cuidará da campanha do candidato do PT à sucessão de Michel Temer é o mesmo que cuidou das campanhas passadas de Wagner, e também da que elegeu Rui Costa (PT) governador da Bahia, agora candidato à reeleição.

Wagner é um político que não teme correr riscos. Antes de se eleger e se reeleger governador da Bahia, havia sido candidato a prefeito de Salvador contra a vontade de Lula – perdeu. E uma vez candidato ao governo também contra a vontade de Lula – perdeu.

Na próxima semana, ele será lançado candidato ao Senado. Sua eleição é considerada certa até por seus adversários. Começará sua campanha de imediato. E aguardará a convocação para substituir Lula. Se ela não vier, tudo bem do mesmo jeito.

Seu rolo com a Lava Jato não o preocupa. Se disputar a perder a vaga de Temer, ocupará alguma secretaria de Estado no futuro governo Costa, o que lhe garantirá proteção especial da Justiça. Como senador, estará protegido da mesma maneira.


Rosângela Bittar: A fratura do DEM

Uma vez vitorioso, Ciro vai se jogar nos braços do PT

O DEM voltou à situação emocional de duas eleições passadas, quando o deputado Rodrigo Maia (RJ) cruzou longas distâncias, expondo-se nacionalmente, para exigir, do candidato a presidente José Serra (PSDB), em campanha em São Paulo, uma definição sobre o candidato a vice, sobre os espaços do partido, sobre as relações políticas, angustiados que estavam com os silêncios pré-eleitorais de Serra num momento em que os partidos tinham que definir alianças.

Abalado também estava o DEM por um esfacelamento político, com a saída de muitos e as derrotas eleitorais. E a fúria destrutiva do ex-presidente Lula, que prometeu acabar com o então PFL e conseguiu.

A situação hoje é outra, o DEM se fortaleceu um pouco por obra exatamente da presidência da Câmara exercida por Rodrigo Maia, mas não ao ponto de evitar uma divisão drástica em torno de quem apoiar entre os candidatos a presidente da República.

Há uma variedade de opções, nesses tempos modernos em que não são as afinidades ideológicas que unem as legendas. Onyx Lorenzoni (RS) e Alberto Fraga (DF) escolheram apoiar Jair Bolsonaro; o presidente do partido ACM Neto, o lider no Senado José Agripino Maia, não por acaso políticos com domicílio eleitoral no Nordeste, escolheram Ciro Gomes. A maioria da bancada da Câmara está com Geraldo Alckmin, mas o também nordestino Mendonça Filho, leva o DEM pernambucano para Alckmin.

E há indefinidos em todas as facções.

A situação em Minas Gerais, por exemplo, que estava praticamente resolvida, deu para trás: Rodrigo Pacheco, neo-DEM e ex-MDB, que presidiu a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nas denúncias contra Michel Temer, resolveu ser candidato a governador. O partido se encaminhava para uma aliança com Alckmin, mas o candidato a governador do PSDB, em Minas, é Antonio Anastasia. O candidato a presidente de Fernando Pimentel (PT) é Fernando Haddad. Nesses dois partidos não tem lugar para Pacheco. Só está sobrando Ciro Gomes sem um palanque de governador em Minas. Se o DEM de Minas for para Ciro Gomes, será uma mexida de peso no cenário das alianças.

Outros diretórios importantes, como o de São Paulo, ainda podem reforçar essa opção, mas a disputa pela aliança está desequilibrada e o presidente do partido não se sentiu seguro ainda para arbitrar ou definir logo para onde vai o DEM.

O impasse repetido deve-se à falta de liderança, segundo as avaliações internas. Não surgiram novos nomes fortes desde que houve a debandada e o ex-presidente Lula decretou que iria acabar com o então PFL, depois rebatizado de Democratas, impedindo a reeleição de vários políticos tradicionais do Nordeste que lideravam o partido.

Agora o DEM é visto como um partido forte porque tem o presidente da Câmara, sua bancada cresceu, mas apresenta-se com evidentes sinais de fraqueza. Para começar, tem seu destino atrelado a siglas que despertam pouca admiração no Parlamento, como o PP, de Ciro Nogueira, e outros expoentes do Centrão que se reuniram em volta de Rodrigo Maia. A recuperação das bancadas não foi acompanhada pelo surgimento de nomes de comando como os que já teve: Jorge Bornhausen, Marco Maciel, ACM e Luis Eduardo Magalhães, entre outros participantes do grupo que se aliou a Fernando Henrique Cardoso e venceu duas eleições presidenciais, ganhando de Lula, que iniciava seu crescimento, no primeiro turno.

As lideranças de hoje pensam pequeno, na análise das correntes divergentes da cúpula. Só querem tratar do seu mundo político regional. Por exemplo: ACM Neto quer apoiar Ciro Gomes não porque seria o melhor presidente para o Brasil, mas porque tem mais chance de vencer, segundo as pesquisas de hoje. Tendo perdido o governo baiano para o PT, novamente, se vitorioso o atual governador Rui Costa, Neto olharia a derrota por cima do poder federal que ganharia com Ciro.

Os alertas não têm encontrado eco na presidência do partido. E eles são, primeiro, que muitos querem o Ciro pensando em Cid, seu irmão, que poderia lhe dar equilibrio e calma para estabelecer uma aliança política. O problema é que Cid não é candidato e também saiu do governo Dilma, onde ocupava o Ministério da Educação, fazendo muito barulho. O outro é mais arriscado: uma vez eleito, Ciro Gomes se jogaria nos braços do PT e não do DEM. O êxito lhe reduziria a rejeição o que, somada ao seu capital político na vitória e os 30% que o PT tem no eleitorado brasileiro, o tornaria imbatível em disputas posteriores. E o DEM desidrataria novamente.

Quem quer Ciro não aceita discutir apoio a Alckmin, quem quer Bolsonaro - número crescente no partido - também está irredutível. E quem está com Alckmin espera que as coisas se definam para acompanhar a decisão partidária ou sair do partido. A convenção será em 5 de agosto, dentro de 25 dias.

Falha dos astros
O plano dos três deputados advogados filiados ao PT, Wadih Damous (RJ), Paulo Teixeira (SP) e Paulo Pimenta (RS) era mais cinematográfico do que acabou sendo possível, por falha dos astros que protegem a seleção. Se tudo tivesse corrido como queriam, os fatos que movimentaram o fim de semana aconteceriam com o Brasil classificado na Copa, vencendo o jogo contra a Bélgica na sexta-feira, para disputar com a França a semifinal de ontem. Imaginavam que em plena comemoração da vitória, ninguém prestaria atenção a um despacho dado por um plantonista aos dois minutos do recesso do Judiciário.

"Se Lula fosse solto, imagina a dificuldade para frustrar o resultado da operação", diz um especialistas que conhecia os meandros da invenção.

O plano era apresentar escondido o habeas corpus, conseguir escondido a decisão, e o ex-presidente Lula sair escondido da cadeia, dificultando a reação dos opositores diante da situação consumada.

Muitos políticos não estranharam a esperteza dos advogados. Acham que a partir de agora é isso mesmo, o jogo bruto. A maioria da população ainda está sem candidato e nesse lusco-fusco do desconhecido, uma manobra dessas, se tiver êxito, muda completamente a sucessão.

A avaliação no Congresso é que, quanto mais demorar a se definir quem são os candidatos e como se desenvolverá a campanha, mais aparecerão esses artefatos.


Folha de S. Paulo: Serei candidato até o fim, mesmo contra Temer, afirma Maia

Presidente da Câmara diz que não será garoto-propaganda do Planalto, mas não esconderá acertos

Por Daniel Carvalho e Marina Dias, da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a possível candidatura à reeleição de Michel Temer é legítima, mas que, caso esse projeto se concretize, disputará com ele até o fim.
Em entrevista à Folha na véspera do lançamento de sua pré-candidatura para as eleições, nesta quinta-feira (8), ele escolheu o PSDB como seu principal adversário e disse que formar uma chapa com Geraldo Alckmin, hoje, seria, em suas palavras, "uma negligência política".
O deputado, que fez críticas à atual política econômica, disse que não será garoto-propaganda do Planalto, mas que também não esconderá acertos do governo.
• Folha - Aliados do sr. dizem que sua pré-candidatura ao Planalto é só uma forma de angariar força política para entrar na chapa do PSDB. Como responder a essa tese?
 
Rodrigo Maia - Há um caminho no nosso campo que rejeita a polarização entre PT e PSDB e entende que esse ciclo pós-redemocratização acaba com a transição feita pelo presidente Michel Temer. Tenho responsabilidade de construir um projeto para que a gente não entregue o governo para partidos de esquerda.
A rejeição ao PSDB, e o [pré-candidato] Geraldo Alckmin é vítima disso, inviabiliza sua vitória. Representamos um novo ciclo, com a certeza de que compor chapa com o PSDB hoje é participar de um projeto em que entregaremos o governo para aqueles que não governarão da forma que acreditamos.
 
• É um erro compor com o PSDB?
Participar de uma aliança com o PSDB para perder pode ser uma decisão política, mas, neste momento, em que a eleição está aberta, com a rejeição ao PSDB que inviabiliza seu candidato de vencer, não tentar construir outro projeto que represente um novo ciclo seria negligência política da nossa parte.

• Hoje o senhor tem 1% das intenções de voto. Acha que vale a pena disputar o Planalto para ser derrotado e ganhar força para a eleição de 2022?
A reeleição foi o grande câncer que o PSDB gerou para o Brasil. O país precisa que as pessoas que queiram construir um projeto possam colocar seu nome na disputa.
• É mais importante agora uma vitória política ou eleitoral?
As duas são possíveis. Essa é uma eleição de mudança na geração da política brasileira. Nossa geração tem que se colocar e tem chance de vitória.
• O seu principal adversário hoje é Geraldo Alckmin?
Se a situação do PSDB não fosse a colocada hoje, com essa rejeição, seria muito difícil que eu tivesse o apoio dentro do meu partido e de outros partidos que querem construir comigo esse projeto.
• Essa pulverização no campo de centro vai até quando?
Sem Lula, é uma eleição menos radicalizada, mas menos previsível também. Nós vamos construir um projeto que vai representar o nosso campo no primeiro turno.
• E por que o senhor não inclui o governo do presidente Michel Temer quando fala 'nós'?
Quando sinalizou que estava preparado para assumir o poder na hipótese de impeachment de Dilma Rousseff (PT), Temer disse que faria uma transição. O governo está fazendo essa transição, da qual o DEM participou. Temos que construir um projeto para um novo ciclo.
• Esse governo acaba obrigatoriamente em dezembro?
Se o presidente Temer quiser ser candidato, é um direito legítimo dele. O governo tinha o projeto de fazer a transição, se mudou esse projeto, é um direito que tem.
 
• O senhor não se interessa pelo apoio do Planalto ou do MDB à sua candidatura?
O governo sinalizou claramente que vai tentar viabilizar o projeto de reeleição do presidente. É legítimo. Como o DEM está lançando candidato, é um nome por partido.
• E o ministro Henrique Meirelles (Fazenda)?
O que tem?
• Se o candidato do governo é Temer, como avalia as articulações do MDB em torno do nome do ministro?
O tal do Palácio do Planalto está trabalhando com esse cenário [de Temer].
• A candidatura de Temer é viável mesmo após a autorização para a quebra de seu sigilo bancário e o avanço de algumas investigações contra ele?
É legítimo que todo brasileiro que queira disputar a eleição coloque seu nome.
• Se houver uma nova denúncia contra Temer, a Câmara terá a mesma boa vontade de enterrá-la, como das outras vezes?
A Câmara teve responsabilidade para não gerar mais instabilidade no país.
 
• Temer tem popularidade baixíssima. Qual foi o erro do presidente?
Foi aprovar um aumento salarial para 16 categorias, sinalizando que tinha recebido um governo equilibrado do ponto de vista fiscal. A comunicação foi ineficiente. Outro erro foi não pensar políticas econômicas para compensar medidas ortodoxas.
• O sr. não está disposto a ser um garoto-propaganda do governo.
Nem posso. No projeto que foi colocado para fazer a transição, tem muitas coisas positivas que eu não tenho problema nenhum de defender.
• O presidente do seu partido, ACM Neto, disse que, se a pulverização de centro for longe demais, é possível uma convergência de candidaturas. O sr. vê possibilidade de se unir a um projeto do Planalto?
Ele disse, inclusive, que o PSDB pode dar o nosso vice.
 
• Se Temer for candidato, o sr. vai disputar com ele até o fim?
Se ele for candidato, vou disputar contra ele. Serei candidato até o fim, mesmo com a participação de Temer.
• O sr. acha que o governo tem uma dívida com o sr. por tudo o que o fez nos últimos anos?
Não acho que ninguém tem dívida comigo. Não fiz porque era o Michel. Fiz porque tinha convicção de que era melhor para o Brasil eu não gerar uma instabilidade. Mais do que isso: eu tenho o sonho de ser presidente do Brasil, mas nunca manchando meu currículo.

Hubert Alquéres: O condestável de Temer

Reza o folclore político que, ao passar a faixa presidencial para seu sucessor, Hermes da Fonseca teria dito a Venceslau Brás: “olha Venceslau, Pinheiro Machado é tão bom amigo que governa pela gente”. O mesmo pode-se dizer de Rodrigo Maia. Ele está tão próximo de Michel Temer que governa pelo presidente. Nomeou o novo ministro das Cidades, definiu como será a repartição do butim da pasta entre o “Centrão ampliado” e vai fazer o presidente do BNDES. Ai do ministro que não cair em sua graça. É tombo certo.

O fortalecimento do condestável de Temer foi uma decorrência natural do papel que jogou na votação das duas denúncias contra o presidente. Ainda que tenha sobrevivido ao seu Waterloo, Michel Temer saiu da refrega extremamente enfraquecido. Sua base de sustentação, antes estimada em 80% dos parlamentares, desidratou.

Sem votos para aprovar um mínimo de uma reforma da Previdência para chamar de sua, passou a depender dos parlamentares que sabem jogar o jogo do toma lá, dá cá. Deu-se a repetição de uma velha lei da política: presidente fraco, parlamentares vorazes. Mesmo se submetendo a essa lógica, ficou sem a garantia de que levaria adiante seu programa de reformas.

O jeito foi apelar para a figura emergente do presidente da Câmara, estabelecendo com ele um governo de coabitação, uma espécie de “parlamentarismo a lá Temer”, com Maia exercendo, de fato, o papel de primeiro ministro. Nada de substancial importância será implementado pelo governo sem o seu nhil obstat. É dele a responsabilidade de viabilizar qualquer votação, incluindo as mudanças na Previdência.

A assunção de Maia é produto da conjunção de uma série de fatores. A começar da mudança de perfil do governo Temer. Inicialmente o governo se sustentava em um tripé: o seu núcleo duro formado por velhos camaradas do PMDB, pela equipe econômica e pelo PSDB, que lhe emprestava credibilidade junto ao mercado e à sociedade.

Esse suporte ruiu. Não só porque alguns dos membros do núcleo duro foram abatidos pela Lava Jato, mas também porque a crise levou de roldão o PSDB, com os tucanos perdendo credibilidade e densidade. Reféns da dúvida existencial de ser ou não ser governo, os tucanos deixaram de ser um parceiro confiável. De fininho, estão saindo do governo.

Como em política não há tempo para o vácuo, o DEM ocupou o espaço, avançando na ampliação do Centrão com seu partido e mesmo com parlamentares do PMDB. O papel de Maia foi o de ser a argamassa desse novo pacto, transformando-se na liderança natural do chamado “Centrão ampliado”.

A dúvida é se é um movimento de fôlego curto ou se é de longo alcance, com vistas a 2018. O “Pinheiro Machado” de Temer pensa grande. De imediato quer turbinar seu partido, ampliando sua bancada de 29 para 45 deputados. Por sua vez, o presidente sonha em ter alguém na urna eletrônica que defenda o seu legado.

Com o PSDB perdendo protagonismo -- por enquanto não oferece expectativa de poder --, potencializa-se a centrifugação do centro, com os partidos deste campo buscando outras alternativas. Nesse quadro, a confluência dos interesses de Temer e Maia poderia desembocar em uma candidatura de centro-direita, com nome, RG e CPF: Henrique Meirelles.

Qual o grau de competitividade dessa candidatura, difícil prever. Teria, claro, o handicap de um tempo televisivo mastodôntico, o que em uma campanha eleitoral não é pouco. A certeza deste trunfo estaria na aliança do DEM, PMDB e as siglas do Centrão - PP, PR, PSD, entre outros.

Os estrategistas do Palácio do Planalto incensam a candidatura Meirelles confiantes na recuperação da economia e no seu impacto na população até as eleições. Temer seria, portanto, um cabo eleitoral não desprezível. Na hipótese de tudo dar certo, Rodrigo Maia se reelegeria presidente da Câmara em 2019 e continuaria como o condestável do novo governo, assim como Pinheiro Machado foi em vários governos da República Velha.

Sonhar não custa. Mas a vida costuma contrariar os sonhos. Além de Meirelles ser um andor pesado de se carregar, dada principalmente à sua falta de carisma, o grau de rejeição do governo Temer é de tal envergadura que seria suicídio político alguém disputar eleição como seu candidato.

Mais: o ritmo lento da recuperação da economia não justifica projeções triunfalistas para o horizonte de 2018. Se a economia crescer 2% no próximo ano, como estima a equipe econômica, não será nenhuma Brastemp. Dificilmente a melhora terá impacto profundo no humor dos brasileiros.

O governo de coabitação implica em riscos para o próprio Rodrigo Maia. Se a reforma da Previdência não for aprovada, será responsabilizado pelo fracasso. Dada a inanição do governo em matéria de popularidade, seu próprio partido pode pressioná-lo para descolar de Temer para não sofrer uma hecatombe eleitoral. Sem falar que terá de administrar a ciumeira do Senado e as armadilhas montadas por caciques peemedebistas.

Na linha fina em que terá de se equilibrar, convém ao condestável de Temer levar em conta o velho conselho de Pinheiro Machado: “nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


Eliane Cantanhêde: O filho de Cesar Maia

Temer desce, Rodrigo Maia sobe. Cresceu, encorpou e está cheio de minhocas na cabeça

Michel Temer foi o grande vencedor na votação das duas denúncias de Rodrigo Janot, certo? Nem tanto, porque Temer vem encolhendo a cada pesquisa, a cada delação e a cada ginástica para salvar o pescoço na Câmara. E, quanto mais ele encolhe, mais Rodrigo Maia infla.

Derrotada a segunda denúncia na Câmara, quem ocupou os espaços na mídia não foi Temer, foi Maia. Isso diz muito. Diz, por exemplo, que Temer venceu, mas está em contagem regressiva para virar passado, enquanto Maia afirma-se no presente e se lança para o futuro.

Há uma fatalidade histórica nessa balança entre Temer e Maia: presidentes fracos, Congresso forte. Foi assim com Sarney e Ulysses o tempo todo, com Fernando Henrique e Antônio Carlos Magalhães em alguns momentos e com Dilma e Eduardo Cunha, principalmente no fim da era PT.

Como o próprio Maia repete, por mais fraco que seja, um presidente sempre é forte, porque tem os “instrumentos” – a caneta, por exemplo. Mas, se a principal meta de Temer é a reforma da Previdência, ele só tem alguma chance se Maia usar seus próprios “instrumentos”.

É Maia quem define a pauta, “esquece” ou não pedidos de impeachment, articula com os líderes, conhece cada deputado, sabe ler (e, quando necessário, manipular) o regimento. Temer tem o pão e quer fazer um sanduíche, mas é Maia quem está com a faca e o queijo na mão.

Até o impeachment de Dilma, só quem acompanha a política de perto sabia quem era Rodrigo Maia, “o filho do Cesar Maia”, que tem eleições apertadas no Rio e teve míseros 3% para a prefeitura em 2012. Mas o menino cresceu, encorpou, está cheio de minhocas na cabeça. Depois de abanar a mosca azul na primeira denúncia, não voltou a ser cotado para o lugar de Temer numa “emergência”, mas, dia sim, dia não, tem de negar que seja candidato ao governo do Rio ou à Presidência em 2018.

Terra arrasada, o Estado de Cabral e Pezão é propício a novos nomes, e a presidência da Câmara é alavanca poderosa e chance única de exposição. A primeira entrevista após a votação da denúncia de Temer foi de Maia, que não saiu mais de TVs, rádios, jornais e blogs. Ele, porém, está convencido que a calamidade no Rio exige a experiência dos ex-prefeitos Cesar Maia e Eduardo Paes.

Quanto à Presidência: se até o Luciano Huck é lembrado, por que não quem já é o segundo na linha sucessória? O campeão das pesquisas é réu em sete processos, já condenado em um, seguido de um deputado cuja principal credencial é ter sido militar há décadas. E, quando há tantos nomes, é porque nenhum é levado a sério. Sempre cabe mais um.

Rodrigo Maia, porém, demonstra alguma maturidade ao repetir sempre que conhece sua real dimensão e que, ao contrário de um Ulysses, não tem estatura, por ora, para tal audácia. Sua obsessão é encorpar o DEM, tenha que nome vier a ter, e ele se enfurece quando o PMDB de Temer e Romero Jucá intercepta potenciais adesões ao seu partido. Mexeu com o DEM, mexeu com Maia. Mas o DEM errou ao não aproveitar o excesso de exposição e o vento a favor para soltar o balão Maia para 2018. Não para ganhar, mas para fortalecer a sigla e os trunfos de negociação.

Independente do que o futuro lhe reserva, Rodrigo Maia, aos 47 anos, assumiu protagonismo na crise e Temer não tem alternativa: com ele, a reforma da Previdência já é muito difícil; sem ele, fica praticamente impossível. Como, aliás, fica muito difícil até governar.

PUGILATO
Assim como Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso dividem o ringue na Lava Jato. Quem ganha? Ninguém. Todos perdem, mas quem perde mais é o Supremo Tribunal Federal do nosso pobre Brasil.


“Temer é um governante fraco”, diz Monica de Bolle

Rosana Hessel

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington (EUA), não tem medo de demonstrar opiniões e de criticar o atual governo e os equívocos cometidos pelo presidente Michel Temer e a equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que serão sacramentados com a mudança das metas fiscais deste ano e do próximo até o fim deste mês. Os 263 votos na Câmara dos Deputados que arquivaram a denúncia de corrupção passiva contra Temer feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não indicam um recomeço, avalia. Para ela, as prometidas reformas ficarão a cargo do próximo presidente. “A margem estreita de 36 votos que lhe deu vitória, combinada com as rachaduras do PSDB, revela que a batalha pela reforma da Previdência será sangrenta, caso o governo deseje mesmo peitá-la. Temer gastou imenso capital político para manter-se no poder, por meio de concessões diretas e de compra de apoio de ‘aliados’”. Monica, em alguns momentos, compara os erros cometidos pelo atual governo aos praticados pelas equipes da ex-presidente Dilma Rousseff e se surpreende com a calmaria do mercado, porque nada mudará até 2018 do ponto de vista fiscal. “O quadro externo tem ajudado, mas, em alguma hora, os temores de descontrole fiscal que vimos em 2015 retornarão com força expressiva”, alerta. “Está tudo montado para que a bomba fiscal exploda no colo do próximo governo. Essa bomba não pode ser colocada apenas na conta da Dilma, uma parte é do vice dela que assumiu o poder e não está cumprindo o que prometeu fazer, deixou as promessas de lado para continuar no poder”, afirma a economista, que acredita que o Brasil ainda tem jeito. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio:

Como o governo vai conduzir as reformas após o resultado da votação da denúncia da PGR contra Temer?
O governo saiu da votação da denúncia anunciando que, agora, o Brasil terá a chance de um “recomeço”. Contudo, a retórica não tem sustentação política ou econômica. A margem estreita de 36 votos que lhe deu a vitória, combinada com as rachaduras do PSDB, revelam que a batalha pela reforma da Previdência será sangrenta, caso o governo deseje mesmo peitá-la. Temer gastou imenso capital político para se manter no poder, além das concessões diretas e compra de apoio de ‘aliados’. Em razão do altíssimo custo pago para evitar a remoção, as metas fiscais de 2017 estão comprometidas, como Meirelles já deu a entender. Portanto, o Brasil provavelmente ficará sem as reformas na forma que foram prometidas, e sem ajuste fiscal, ainda que tenha elevado impostos — algo que dissera que não faria.

 

Qual é o custo da operação orquestrada pelo governo para não deixar o poder? A mudança da meta fiscal é inevitável?
Aumentou sobremaneira o risco de descumprimento da meta. Pelo visto, ficará para o próximo governo, após 2018, a dura tarefa da consolidação fiscal, além da agenda de reformas. Como não temos ideia do que sairá das urnas no ano que vem, surpreende-me a calmaria dos mercados. O quadro externo tem ajudado, mas, em alguma hora os temores de descontrole fiscal que vimos em 2015 retornarão com força expressiva.

 

Há um embate dentro do governo por mudanças na meta deste ano e do próximo. Como os investidores reagirão a isso?
Por ora, dizem que ‘está no preço’. Contudo, acho difícil acreditar que mudanças na meta, somadas à incerteza política relativa ao ano que vem, ajudarão a sustentar a fleuma que hoje caracteriza o comportamento dos mercados.

 

A crise política não dá trégua, mas, a economia indica que está saindo do atoleiro. Dá para esperar crescimento econômico consistente este ano?
A retomada sem reformas ou ajuste fiscal não tem sustentação. É até possível algum crescimento este ano — bem abaixo de 1% — e no ano que vem, mas se trata de voo de galinha sem o respaldo de tudo o que o governo Temer havia prometido antes da realidade solapá-lo no porão do Palácio do Jaburu. O resultado da Câmara muda um pouco, pois acentuou a deterioração fiscal. Pergunto-me o que acontecerá com o teto dos gastos em futuro não tão distante. Como ficarão as coisas para o próximo governo? Está parecendo que herdarão de Temer uma brutal crise fiscal.

 

A equipe econômica assumiu com o selo de excelência do mercado, mas tem repetido erros das equipes de Dilma Rousseff. Não está conseguindo entregar o ajuste fiscal que prometeu e recorre ao caminho mais fácil, o aumento de impostos. Como a senhora avalia isso?
A equipe econômica não é dona de seu destino é está sujeita às vicissitudes da política. Tenho dito isso há meses, desde a discussão e aprovação afoitas do teto de gastos. Não me surpreende que as semelhanças com o fim do governo Dilma tenham começado a surgir. Afinal, quem determina a viabilidade política das reformas e do ajuste é o ocupante do Planalto. A ele interessa proteger-se de acusações mantendo-se no poder. Não é prioridade melhorar de fato as perspectivas do país.

 

A máquina pública está a ponto de entrar em colapso, mas o governo deu aumentos generosos a servidores públicos. A situação pode sair do controle?
Pode, sem dúvida alguma. Temer é um governante fraco, que sangrará até sair do cargo. Temo que, se ele ficar até 2018, o estrago fiscal será considerável. E, já não adianta querer pôr tudo na conta de Dilma. A conta será dele e daqueles que a ele se associaram.

O governo fala em austeridade fiscal, mas, em busca de apoio, liberou mais de R$ 4 bilhões em emendas parlamentares desde o início de junho. Dá para acreditar no compromisso com o ajuste fiscal?
Estamos no vale tudo e no salve-se quem puder. Nesse contexto, não há ajuste fiscal possível.

 

Há divergências entre os integrantes da equipe econômica. Até que ponto a guerra entre Meirelles, de um lado, e Dyogo Oliveira e Romero Jucá, de outro, pode minar a confiança na política econômica?
As rachaduras refletem as pressões políticas que tendem a prevalecer. A aparente ingenuidade dos que não querem enxergar isso é espantosa.

 

Os cortes de gastos são suficientes para o cumprimento das metas fiscais ou os brasileiros terão de conviver com mais aumentos de impostos?
Os cortes de gastos sem uma profunda e cuidadosa reforma da Previdência não serão suficientes para reverter o desmazelo das contas públicas. Desde o início do governo Temer, já havia dito que o foco nas reformas de médio prazo não era suficiente, que era também necessário o ajuste de curto prazo. Não houve ajuste de curto prazo — ao contrário, os gastos aumentaram antes e depois do episódio no porão do Jaburu. Portanto, com o aumento das despesas e a deterioração da arrecadação agravada pela crise econômica, o único jeito de fazer um ajuste de curto prazo é via aumento de impostos. Na verdade, o governo deveria estar discutindo a reversão completa das desonerações da era Dilma — mas isso levaria atuais “aliados” a abandonarem Temer.

 

Com tanto deficit primário consecutivo desde 2014, para onde vai a dívida pública? Existe risco real de o país ficar insolvente?
O próximo governo haverá de herdar situação fiscal para lá de indigesta. A dívida pública deve alcançar patamar próximo aos 80% do PIB até o fim do ano que vem, sem qualquer perspectiva de reversão. Ou seja, do jeito que estamos hoje, caminhamos para algum tipo de crise fiscal no pós-Temer. Evitar que isso aconteça exigiria do governo tudo o que ele não está disposto a fazer: reverter os aumentos de salário do funcionalismo público, congelar emendas parlamentares, acabar com as desonerações da era Dilma. Além, é claro, de conseguir a proeza de passar uma reforma da Previdência abrangente no Congresso.

 

O governo considera fatiar a reforma. Quais os riscos desse fatiamento para o equilíbrio fiscal?
Não sei se haverá reforma alguma, mas supondo que seja fatiada, é quase o mesmo que não fazer nada. Claro que aprovar uma idade mínima para a aposentadoria é importante, mas os problemas fiscais são tão grandes que isso trará pouco alívio.

 

Quais os riscos de a dominância fiscal retornar? Aliás, ela foi dissipada?
A dominância fiscal está dormente, sobretudo, por causa da recessão brutal pela qual ainda atravessa o país. Alguma hora, entretanto, ela tornará a aparecer quando ficar mais visível a insustentabilidade fiscal brasileira. Temer nada fez para mudar o quadro que assombrava o Brasil em 2015, mas os mercados se acalmaram acreditando que a equipe econômica seria capaz de controlar aquilo que, no fundo, era incontrolável: o instinto de autoproteção e sobrevivência dos políticos.

 

O Banco Central cortou os juros em mais um ponto percentual, para 9,25% ao ano. A taxa básica pode cair mais um ponto na próxima reunião do Copom. Diante do forte recuo da inflação, o BC atrasou demais o alívio monetário? O BC está sendo conservador em excesso?
Sim, o Banco Central ficou demasiado atrasado. Contudo, o papel do BC hoje é bem menos relevante do que já foi. Diante da gravidade da recessão e dos imensos desajustes fiscais brasileiros, a política monetária é mera coadjuvante. Ainda que o BC decidisse abandonar o excesso de conservadorismo, não seria ele o salvador da Pátria, não mudaria em quase nada o quadro que enfrentaremos pela frente. Essa irrelevância me parece única na história econômica recente brasileira. Não deixa de ser uma faceta da dominância fiscal.

 

A senhora acredita em outras denúncias contra Temer? Trabalha com alguma mudança no comando do país? O que significaria para a economia a substituição de Michel Temer por Rodrigo Maia?
Por ora, acho mais plausível o cenário em que Temer só sai depois das eleições, o que significa que entregará para o próximo governo não só parte da herança maldita da antecessora de quem foi vice, mas a sua própria, resultante das articulações para permanecer no cargo.

 

O mercado financeiro tem mostrado certa tranquilidade em relação à crise política. Por que não vemos sinais de pânico entre os investidores? Nem as dificuldades na área fiscal estão mexendo tanto com os preços ativos. Qual é a interpretação dos agentes sobre a crise política?
Por enquanto, parece que estão convencidos de que existe um descolamento entre a crise política e a economia, hipótese que creio estar equivocada. Imagino que a situação mude quando os riscos fiscais ficarem mais claros à frente.

 

Qual é a avaliação dos investidores estrangeiros em relação à crise política e a economia?
Para o investidor estrangeiro, o Brasil é lugar para especular e para comprar um ou outro ativo barato. De resto, estão mais interessados nas reviravoltas da Casa Branca e do Congresso norte-americano, na agenda legislativa daqui dos EUA, do que no Brasil.

 

O país perdeu todos os bondes da história para poder virar um país realmente desenvolvido? Estamos condenados a sermos um país de renda média baixa?
Não acho que estejamos condenados a nada. Há chance de o Brasil voltar a crescer, de melhorar a produtividade, de passar reformas importantes. Para que isso aconteça, é preciso que o que aí está se vá — isso ocorrerá naturalmente em 2018. É preciso, também, que a sociedade se mobilize para exigir dos políticos que venham a eleger em 2018 — espero que tenhamos ampla renovação no Congresso — uma agenda de políticas públicas que revelem real compromisso com o futuro do país, não com seus umbigos. Depois do imenso sofrimento dos últimos anos, não acho que seja ingenuidade pensar assim. Mas, vamos ver o que acontece nas urnas.

 

No livro Como matar a borboleta azul, a senhora faz uma analogia ao governo Dilma e como ela conseguiu destruir a saúde das contas públicas com medidas equivocadas, que levaram o país à recessão. Olhando para o governo Temer, que borboleta azul ele está matando?
A metáfora do meu livro é em relação ao crescimento e como se mata a capacidade de um país crescer fazendo coisas em tese bem intencionadas, porém que acabam por ter efeitos horrorosos. E foram essas coisas que mataram o crescimento no Brasil durante os anos Dilma: as políticas de campeões nacionais, o desinteresse pelo controle fiscal, o aumento desenfreado do crédito público, as desonerações tributárias, a ideia de que se podia tolerar um pouco mais de inflação para ter mais crescimento. No fim do livro, há um capítulo que pergunta se os morcegos seriam capazes de ressuscitar a borboleta do crescimento, referência ao recém-empossado Temer. Mas, passado um ano e pouco de governo, dá para dizer que ainda não houve ressurreição. O morcego não conseguiu ressuscitar nada e está matando o crescimento de uma forma muito pior, porque os deficits primários das contas públicas estão maiores do que antes e há um risco considerável de a meta fiscal não ser cumprida. Temer não fez nenhuma das reformas prometidas. A trabalhista que passou foi uma promessa parcialmente cumprida. A fiscal não foi feita porque o teto do gasto não é reforma. A da Previdência não deve passar. Está tudo montado para que a bomba fiscal exploda no colo do próximo governo. Essa bomba não pode ser colocada apenas na conta da Dilma, uma parte é do vice dela, que assumiu o poder e não está cumprindo o que prometeu fazer, deixou as promessas de lado para continuar no poder.

 

Diante desse quadro nada animador, a senhora acha que o Brasil tem jeito? É possível ser otimista?
Apesar de tudo, acredito que o país tem jeito. Prefiro pensar em coisas positivas para parar um pouco com essa negatividade de só falar de coisa ruim. É preciso uma mudança de mentalidade não só dos políticos e dos governantes, mas da sociedade também. Ela precisa se engajar no processo de eleger novas pessoas para o Congresso e para a Presidência nas eleições de 2018. Essa é uma chance de dar um reboot no Brasil, ainda que o país enfrente os problemas que estão aí. É preciso escolher um novo governo razoável, que saiba se articular e comunicar para a sociedade quais são os verdadeiros problemas que precisam ser enfrentados. Assim, as pessoas vão entender que a situação é muito ruim e não dá para fazer mágica. Certas reformas precisam ser profundas e abrangentes. E cabe àqueles que querem concorrer mostrar propostas sérias, apesar de haver muitos oportunistas. Em razão dos oportunistas, é preciso explicar de forma bem clara quais são os problemas e como eles precisam ser enfrentados. Tem gente que não vai querer perder benefícios ou privilégios, mas isso será inevitável. E a sociedade precisará avaliar as prioridades. Tenho esperança de que as pessoas estão preparadas para enfrentar esse desafio desde que seja na mão de um governo confiável, um governo eleito, não herdado. A lição do governo Temer é que nada se faz nas mãos de quem não tem crédito algum, pois, além de não ter sido eleito, está sob suspeita — durante o mandato — de ter se envolvido no que não devia. Temer não é Itamar. Tampouco é Sarney.

*Rosana Hessel é jornalista