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Rogério Furquim Werneck: A quem interessa que a reforma não passe?

Entre os minimamente bem informados, há amplo entendimento de que contas da Previdência se tornaram insustentáveis

No início desta semana, acumulavam-se sinais de que o governo poderia estar prestes a jogar a toalha e, para efeitos práticos, dar por oficialmente abandonada a longa batalha pela aprovação da reforma da Previdência no atual mandato presidencial. E já se notava certa tensão, entre o Planalto e o Congresso, em torno da ingrata divisão do ônus político de tal desfecho.

Nos últimos dias, o governo entendeu que era preciso desfazer essa impressão. Anunciou que o Planalto estava empenhado em novo e decisivo esforço de mobilização da bancada governista para tentar aprovar, até o fim de fevereiro, uma proposta um pouco menos ambiciosa de reforma. Será a última ofensiva do governo em um longo jogo que se revelou ainda mais difícil do que de início se esperava.

Aos trancos e barrancos, ao fim de mais de duas décadas de esforços, é inegável que o país adquiriu compreensão muito mais clara da inevitabilidade da reforma. E boa parte desse avanço deve ser creditada à equipe econômica do atual governo.

Entre pessoas minimamente bem informadas, já há amplo entendimento de que as contas da Previdência se tornaram insustentáveis. Os números falam por si. Só na esfera federal, o déficit do sistema chegou a R$ 269 bilhões no ano passado. E a esta cifra tão absurda ainda têm de ser adicionados os assustadores déficits previdenciários dos governos subnacionais, cujos orçamentos vêm sendo inviabilizados pelo crescimento descontrolado das folhas de inativos. O Estado do Rio Janeiro é só o líder de uma longa fila de estados e municípios quebrados.

Tem também se disseminado a compreensão de que, sem a reforma da Previdência, não há como superar o quadro de descalabro fiscal que vem impedindo uma retomada sustentável do crescimento da economia e a eliminação do drama que hoje enfrentam 12 milhões de desempregados no país.

Em entrevista concedida em meados de janeiro, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, assegurou que, se a proposta de reforma fosse aprovada, não mais que 9,5% dos trabalhadores teriam perdas superiores a 1% do seu benefício de aposentadoria (“Valor”, 15 de janeiro). Com a recémanunciada disposição do governo de flexibilizar em alguma medida a proposta de reforma, é bem provável que o percentual de trabalhadores significativamente afetados se torne ainda menor. E, no entanto, o governo está longe de estar convicto de que ainda será possível formar no Congresso a maioria de 60% requerida para aprová-la.

Entender por que uma reforma tão crucial — com resultados potenciais tão promissores e com custos mais significativos restritos a uma parcela relativamente pequena do eleitorado — continua a enfrentar tantas dificuldades para ser aprovada é tema para discussões intermináveis. Mas parcela importante da explicação tem a ver com a resistência ferrenha que as castas mais bem posicionadas de funcionários públicos vêm fazendo à reforma. Embora isso seja mais do que sabido, ainda falta compreensão clara de como tal resistência vem de fato bloqueando a formação da maioria requerida para aprovação da reforma no Congresso.

Não parece ser uma questão meramente eleitoral, que poderia advir de preocupações do parlamentar com possíveis reações da parte do seu eleitorado composta por funcionários públicos. Isto pode até explicar o comportamento das bancadas do PT e de outros partidos de esquerda. No caso dos partidos da base aliada, contudo, as razões da oposição à reforma parecem ser bem mais diretas.

Com frequência, o parlamentar está irremediavelmente enredado pela teia de interesses de toda uma extensa parentela de funcionários públicos — quase sempre bem posicionados — tanto em Brasília quanto nos estados: cônjuge, pais, irmãos, cunhados, filhos, genros, noras, sobrinhos e netos.

Seria muito bom se evidências mais objetivas e sistemáticas das reais proporções desse enredamento pudessem ser levantadas tanto pela mídia como em pesquisas de mais fôlego.

*Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

 


Roberto Freire: Sim à reforma, não aos privilégios!

Com a retomada das atividades do Congresso Nacional, as atenções da opinião pública se voltam para os debates sobre a proposta de reforma da Previdência, tão necessária quanto urgente, que pode ser votada pelo plenário da Câmara Federal no próximo dia 19 de fevereiro. Para que se tenha uma ideia da dimensão do problema para as contas públicas do país, o rombo previdenciário sobre a União, os estados e municípios atingiu, somente no ano passado, nada menos que R$ 305,4 bilhões. É evidente que, se nada for feito para promover uma maior racionalidade ao sistema, o Brasil não suportará tamanho déficit e chegará a um patamar insustentável em um futuro próximo.

O PPS teve um papel importante e contribuiu decisivamente para o aprimoramento do projeto da reforma, relatado com competência e responsabilidade pelo deputado Arthur Maia (BA). O parlamentar apresentou nesta semana o novo texto da proposta, que contém três modificações básicas em relação à versão anterior: a exclusão de regras na aposentadoria para os trabalhadores rurais, idosos de baixa renda e pessoas com deficiência que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC); a diminuição do tempo de contribuição de 25 para 15 anos para trabalhadores da iniciativa privada terem aposentadoria parcial; e a concessão de pensão integral para famílias de policiais mortos em serviço.

Até o dia da votação, em meio às discussões entre os parlamentares, é possível que sejam feitas outras emendas ao projeto. Dois pontos inegociáveis no texto, segundo o próprio relator, são a fixação de uma idade mínima para aposentadoria e a unificação das regras para os servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada, combatendo os atuais privilégios de determinados grupos. Trata-se, aliás, do ponto central da reforma: acabar com regalias inaceitáveis de corporações muito fortes, em especial no Legislativo e no Judiciário, e promover uma maior igualdade entre os brasileiros na questão previdenciária.

Segundo estimativas do economista André Gamerman, da ARX Investimentos, em análise feita para o jornal “O Globo”, o eventual adiamento da reforma da Previdência para 2019 significaria um custo de ao menos R$ 177 bilhões (ou 2,4% do PIB) em um período de dez anos. Em 2017, o déficit do INSS – que abrange um contingente de 30 milhões de aposentados – alcançou R$ 182,4 bilhões. Se considerarmos somente os servidores públicos, o rombo foi de R$ 86,3 bilhões. A realidade inescapável, contra a qual se insurgem justamente aqueles que não estão enquadrados no sistema único do INSS e não querem perder as suas benesses, é que o déficit na Previdência hoje já ameaça a aposentadoria de milhões de brasileiros e o próprio funcionamento do sistema.

Não há como deixar de constatar que existe hoje, no Brasil, um escandaloso descompasso entre os regimes previdenciários dos servidores públicos e dos trabalhadores da iniciativa privada. O RGPS (Regime Geral da Previdência Social) abrange todos os indivíduos que contribuem para o INSS (trabalhadores da iniciativa privada, funcionários públicos concursados ou não, militares e integrantes dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo), enquanto o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) é organizado por Estados e municípios para servidores públicos ocupando cargos que exigem concurso. O teto atual do RGPS é de pouco mais de R$ 5,5 mil, ao passo que um servidor público pode receber uma aposentadoria de até R$ 33,7 mil, seis vezes mais. É necessário e urgente que esse processo seja equalizado, acabando com tamanha disparidade. Defendemos um regime único de aposentadoria que elimine privilégios, diminua o desperdício e reduza o enorme déficit nas contas públicas.

No caso dos servidores públicos das estatais, que contribuem de acordo com o regime geral do INSS, há também uma previdência complementar dos fundos de pensão – cujos valores são aplicados pela entidade que administra o fundo, com base em cálculos atuariais. Apesar da roubalheira que atingiu também essa área nos governos do PT, é inegável que os fundos de pensão exercem um papel importante, beneficiando quase 7 milhões de brasileiros, entre participantes ativos e dependentes. Entre esses fundos, estão a Funcef (fundo de pensão dos funcionários da Caixa), a Petros (Petrobras), a Previ (Banco do Brasil) e o Postalis (Correios). Esse sistema de contribuição previdenciária deve ser adotado como alternativa para os servidores públicos em geral.

Historicamente, o PPS sempre adotou uma posição reformista e se posicionou de forma francamente favorável às mudanças, inclusive na Previdência. Costumo lembrar que votei favoravelmente a todos os projetos de reforma previdenciária apresentados desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, passando até mesmo pelos períodos de Lula e Dilma. Em reunião realizada ainda em dezembro do ano passado, o Diretório Nacional do partido aprovou o fechamento de questão a favor da proposta do governo. Afinal, este é o momento de mostrarmos à sociedade que os partidos têm sua importância e responsabilidade com o país. A reforma da Previdência é uma questão de relevância nacional e será decidida pela política.

Apesar da necessidade premente de reformarmos a Previdência, sabemos que a aprovação do projeto não é uma tarefa simples. Para que se torne realidade, é preciso alcançar o quórum qualificado de 308 votos favoráveis na Câmara, o mínimo necessário para uma mudança constitucional. Há certa dificuldade neste momento, sobretudo por se tratar de um tema que provoca algum conflito e muita controvérsia, movimentando toda a sociedade. De qualquer forma, temos o compromisso de trabalhar no sentido de viabilizar a reforma já para este ano, oferecendo ao país novas perspectivas e elementos que solidifiquem ainda mais a recuperação econômica em curso.

Diferentemente que apregoam os adversários contumazes da reforma, arautos do atraso e defensores dos privilégios, o projeto não retira nenhum direito. Ao contrário: combate injustiças, promove maior igualdade, reduz o déficit e protege aqueles que mais precisam, garantindo a aposentadoria de todos os brasileiros hoje e no futuro. Não podemos mais perder tempo. É preciso agir. O Brasil não pode quebrar.

 


Murillo de Aragão: Melhor que a encomenda, o Brasil se salvou, e 2018 poderá ser bom

Termina 2017 melhor do que a encomenda e as expectativas mais prudentes. Avançamos significativamente na modernização das relações trabalhistas graças à proposta do Executivo acatada pelo Congresso, que também aprovou outras medidas relevantes para alentar a economia.

Entre elas estão a PEC destinada a conter os gastos públicos, a nova lei de exploração do pré-sal (quebra da exclusividade da Petrobras, que terá participação de um terço dos investimentos) e a mudança da taxa de juros do BNDES, agora referenciada no que o governo paga para se financiar no mercado, entre outros projetos voltados para o equilíbrio fiscal e o retorno à estabilidade.

O leitor já conhece uma série de estatísticas que demonstram as conquistas do programa de reformas que o governo pôs em prática como meta a alcançar. Mas alguns números funcionam como selo de validade dessa nova fase.

Entre janeiro e outubro, segundo dados que o presidente Temer mencionou – e sofreram depois pequeno ajuste – em artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, o superávit da balança comercial atingiu US$ 58,47 bilhões, com evolução de 51,8%. Até dezembro (segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), esse valor vai a US$ 64,3 bilhões. Depois de longo período estagnada, a produção industrial cresceu 1,6%.

Sinal dessa virada, as exportações de veículos escalaram 55,7%, superando as 560 mil unidades nas contas do acumulado de 2017. A venda de veículos novos no mercado interno aumentou 9,28% em relação a igual período do ano anterior.

Ou seja: recuperamos o dinamismo econômico e vamos crescer mais de 1% depois da tragédia dilmista. A operação Lava Jato também avançou e continuou a promover alterações sistêmicas no cenário político. As ações do Judiciário, especialmente do Supremo e do TSE, apesar de seu ativismo, colaboraram com os ventos modernizadores encampados pela sociedade.

Não prosperamos mais por conta das ações atabalhoadas da Procuradoria Geral da República de Rodrigo Janot que, no afã de impedir Raquel Dodge, tumultuou a cena polícia com denúncias do tipo meio barro, meio tijolo. O saldo foi um desgaste injustificado para o país que custou meio ponto no PIB. Entre maio e agosto, o Brasil ficou em compasso de espera.

O comércio varejista viveu o melhor Natal desde 2010, segundo informações divulgadas nesta terça-feira pela Serasa Experian. As vendas realizadas na semana que concentra as atividades das lojas aumentaram 5,6% em relação a igual período do ano anterior. A previsão da Confederação Nacional do Comércio (CNC) também é otimista – crescimento de 5,2% neste ano.

Isso confirma a expectativa de que a economia chega ao final de 2017 melhor do que imaginavam os mais generosos especialistas. Muita gente começou o ano prevendo crescimento do PIB de apenas 0,5%. Agora, segundo “O Globo”, com a retomada mais intensa do nível de emprego e do consumo do público, melhoraram também as projeções econômicas para 2018. “Há estudos que indicam expansão acima de 3% no ano”, diz o jornal.

A reforma previdenciária poderia ter sido aprovada e consolidado melhores expectativas. Venceu, nesse ponto, o corporativismo e o obscurantismo.

Pelo menos o debate da reforma ganhou consistência, mesmo tendo sido sabotado pelo discurso pseudoprogressista de setores da oposição. Os brasileiros não devem se enganar. A Previdência pública consome bilhões para sustentar poucos. E o modelo é insustentável.

Assim, entre mortos e feridos, o Brasil se salvou e poderá ter um 2018 um pouco melhor.

* Murillo de Aragão é cientista político

 


Samuel Pessôa: Olhando para a frente e para trás

Na coluna com o mesmo título publicada em 1º de janeiro de 2017, destaquei que o cenário de 2017 seria contingente à tramitação da proposta da Previdência.

Meu cenário central era que três quartos do texto seria aprovado, o que posteriormente ocorreu na comissão da Câmara em abril, e que, a aprovação definitiva pelo Congresso, seria uma condição para o que então escrevi:

"O crescimento econômico será de 0,3%, a inflação, de 5%, e a Selic no final de ano estará na casa de 10,5%, com câmbio por volta de R$ 3,40 por dólar".

O cenário mostrou-se errado. A tramitação da Previdência engasgou -talvez seja aprovada em fevereiro- e, no entanto, o mercado aceitou confortavelmente esse revés. Diferentemente do que ocorreu no segundo semestre de 2015, o câmbio e o risco-país não explodiram.

Adicionalmente, o PIB será de 1%, e não de 0,3%; a inflação será de pouco menos de 3%, e não de 5%, e a Selic é 7%, e não 10,5%.

A surpresa positiva na atividade veio da agropecuária. Este setor cresceu 12,5% e contribuiu, portanto, com 0,6 ponto percentual (pp) para o crescimento. A expansão da economia excluindo a agropecuária -que representa 5% do total- foi de 0,4%. Por outro lado, a safra excelente gerou forte surpresa desinflacionária: 1,6 ponto percentual da diferença de 2 pontos entre meu prognóstico e a inflação observada deveu-se à desinflação de alimentos. O restante da surpresa desinflacionária veio dos serviços: esperávamos desinflação neste setor de 1,4 pp, e ela foi de 2,4 pp. Meus modelos não captaram a quebra da inércia inflacionária nos serviços.

Também houve surpresa positiva na inflação dos EUA: ficou 0,6 ponto percentual abaixo do projetado.

Entrementes a dívida pública se acumula e nos aproximamos da dominância fiscal (quando a dívida é tão grande que a política monetária perde a capacidade de conter a inflação). Temos um encontro marcado com as contas públicas no primeiro semestre de 2019.

As surpresas positivas na inflação doméstica e internacional nos deram tempo: transpusemos 2017 com relativa calma, mesmo sem a aprovação da reforma da Previdência. Trata-se de um interregno. De fato, o mercado aponta que em 2020 a Selic subirá para a casa de 11% a 12%.

Para 2018, minha projeção é de crescimento de 2,8%, com recuo da agropecuária de 2%. O crescimento da economia excluindo agropecuária sairá de 0,4% em 2017 para 2,9% em 2018. Aceleração liderada pelo consumo das famílias e com recuperação, por volta de 4%, do investimento. A inflação deve ficar em torno de 3,5%, com os preços administrados rodando a 5%, e os livres, a 3,2%. Deve haver queda adicional na inflação de serviços de pouco menos de 1 ponto percentual e a inflação de alimentos ficará relativamente baixa, na casa de 2,5%. A safra de 2018 será muito boa, mas não excepcional como a de 2017.

Há dois riscos para o cenário básico. Primeiro que haja surpresa inflacionária na economia americana ou na chinesa. Os juros internacionais subiriam mais cedo.

O segundo risco é repetirmos 2014: o processo eleitoral não discutir o problema fiscal e não haver, portanto, delegação da sociedade para enfrentá-lo.

A solução do problema fiscal demandará um cardápio que associará em doses variáveis elevação de receita e redução do gasto. Há diversas combinações que atendem ao princípio da estabilidade fiscal. Elas não são neutras do ponto de vista distributivo. Há espaço para a política. Que ela seja empregada com sabedoria.

* Samuel Pessôa é economista

 


Merval Pereira: O pós-TRF-4

O anúncio de que o governo só colocará em votação a reforma da Previdência depois do carnaval, no dia seguinte ao término do horário de verão, não tem nada a ver com esses dois eventos, tem apenas uma razão: fingir que ainda existe uma esperança de aprovação após negociações no recesso parlamentar. Mas o que determinou mesmo a data foi o anúncio do julgamento do ex-presidente Lula em 24 de janeiro.

Com ele fora do páreo, é possível que alguns dos deputados recalcitrantes se encorajem, na esperança de que a reforma ajude a economia a melhorar e aumente a possibilidade de um candidato que reúna as forças políticas de centro.

Se a confirmação da sentença contra Lula não provocar grandes manifestações populares pelo país, como sonham os petistas e aliados, a campanha eleitoral ganhará outra dimensão.

O governo terá condições de reunir os partidos aliados em torno de uma candidatura, que tanto pode ser a do governador Geraldo Alckmin pelo PSDB, no caso de ele decolar nas pesquisas, ou outro do grupo que reúna as melhores condições de disputa, como 40% do tempo de televisão e apoio distribuído pelo país.

Sem Lula na cabeça de chapa, mesmo que ele lance um candidato de seu agrado, que parece hoje ser o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, que, no entanto, não quer entrar nessa disputa, preferindo uma vaga quase certa no Senado, a briga ficaria mais fácil, na visão de governistas.

Isso na suposição de que o ambiente político ficaria menos radicalizado. Caso contrário, o cenário é imprevisível. O ex-ministro José Dirceu, solto aguardando recursos contra uma pena de mais de 30 anos, pretende incendiar o país a partir de Porto Alegre, conclamando a militância a uma reação que começaria no dia do julgamento de Lula no TRF-4 e se estenderia por outros cantos.

Mas da última vez em que tentaram tal manobra, não deu certo. E no Sul do país o ambiente político é antipetista, ainda que possa sair de lá o candidato a vice. O senador Roberto Requião, dissidente do PMDB do Paraná, estaria disposto a se filiar ao PT para se unir a Lula numa chapa de esquerda.

Só o tempo dirá qual será a capacidade de Lula de mobilizar movimentos radicalizados de protesto a seu favor. Enquanto isso, os governistas fazem contas para o caso de um cenário menos catastrófico, que permitiria a aprovação da reforma previdenciária e animaria a economia do país.

A reação do mercado financeiro ao adiamento foi ruim, e não há quem acredite na possibilidade de aprovação depois do carnaval. Se essa impossibilidade se confirmar, o cenário econômico pior ajudará uma candidatura de esquerda, seja o indicado por Lula, seja Ciro Gomes, do PDT.

A incógnita é Bolsonaro, que pode murchar com a saída da disputa de Lula, ou pode, como apontam algumas pesquisas, agregar a seu eleitorado uma parte de eleitores radicalizados do petista, sem marca ideológica. Outra que pode pegar petistas desiludidos ou em debandada é Marina Silva, da Rede.

Difícil avaliar a força de Lula para eleger um candidato, pois hoje a situação é bem diferente de quando ele tirou da cartola o nome de Dilma Rousseff, em 2010. Naquele momento Lula estava no auge de sua popularidade, o país crescendo a 7,5% ao ano, e ninguém conhecia bem aquela que viria a ser a primeira mulher presidente do país.

Na reeleição em 2014, com a Lava-Jato indicando um esquema de corrupção disseminado pelos governos petistas, o PT quase perde a eleição. O simbolismo do fracasso da indicação de Dilma por Lula pode afetar sua escolha para substituí-lo, embora as pesquisas mostrem uma tendência a segui-lo de boa parte de seus eleitores.

A aprovação da reforma da Previdência dependerá desse ambiente político pós-decisão do TRF-4.

 


Luiz Carlos Azedo: Fora de combate

No mesmo dia em que a Executiva do PSDB fechou questão a favor da reforma da Previdência, já sob o comando do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o governo jogou a toalha e desistiu da votação do substitutivo do deputado Arthur Maia (PPS-BA), que nem sequer chegou a entrar em pauta. O presidente Michel Temer, que muito batalhou pela votação, acabou fora de combate. Foi novamente internado na tarde de ontem no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde passou por novo procedimento cirúrgico para desobstruir a uretra.

Temer passa bem, mas terá que usar uma sonda. Entretanto, deve receber alta em 48 horas. Em outubro, o presidente da República passou por uma cirurgia no mesmo hospital. Na ocasião, ele foi internado com quadro de retenção urinária por hiperplasia benigna da próstata. Desde que recebeu alta, porém, voltou ao ritmo intenso de trabalho na Presidência, inclusive nos fins de semana. Não aguentou o tranco.

Com Temer no estaleiro, o esforço do governo para aprovar a reforma da Previdência não foi suficiente para convencer a base governista. Mesmo com as direções do PMDB, do PTB, do PPS e do PSDB fechando questão, as respectivas bancadas continuaram divididas. Além disso, o clima no Senado também não era dos melhores. Seu presidente, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), ao dizer na terça-feira que não votaria a reforma neste ano, deu mais um argumento para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desistir de vez de pôr a polêmica matéria em pauta.

Coube ao líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciar que a votação da proposta de reforma da Previdência ocorrerá somente em fevereiro do ano que vem. Ele próprio negociou um acordo para isso com Eunício e Maia. No Palácio do Planalto, alimenta-se a expectativa de uma eventual convocação extraordinária do Congresso para isso, mas o risco é virar outra Batalha de Itararé. O governo não tem os 308 votos de que necessita para aprovar a reforma, esta é a verdade dos fatos que se impôs à cúpula governista.

Quem não gostou nem um pouco do recuo dos governistas foi o presidente Michel Temer, que acabou surpreendido após sair da cirurgia. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, também ficou pendurado no pincel, pois havia dado entrevista anunciando o propósito de votar a reforma ainda neste ano: “Continuamos trabalhando para aprovar o mais rápido possível a reforma. O objetivo, como tenho dito, é votar na semana que vem”. Meirelles virou dublê de ministro e pré-candidato, pois pretende disputar a sucessão de Temer pelo PSD. Acredita na possibilidade de reeditar o desempenho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, caso a reforma seja aprovada e a economia comece a bombar em 2018.

Derrubada

O veto do presidente Michel Temer que liberava o autofinanciamento irrestrito de campanha foi derrubado ontem pelo Congresso, em sessão conjunta, com 302 votos de deputados e apenas 12 favoráveis. Na votação entre os senadores, o placar foi de 43 votos a 6.

Com a decisão, os candidatos não poderão bancar a própria campanha com recursos próprios além do limite previsto para cada cargo. Serão enquadrados na regra de pessoas físicas, que podem fazer doações até o limite de 10% dos seus rendimentos brutos no ano anterior. A questão, porém, ficará sub judice, porque as regras precisam ser aprovadas um ano antes da eleição. O mais provável é que as dúvidas sobre o assunto sejam dirimidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O clima no Congresso quanto ao veto tem muito a ver com o desequilíbrio provocado pelas novas regras de campanha eleitoral, que acabaram com financiamento de pessoas jurídicas. Há uma interpretação generalizada de que as novas regras vão favorecer candidatos ricos, celebridades e políticos ligados às igrejas evangélicas.

 


Roberto Freire: Previdência, uma reforma inadiável

Vencida a etapa da aprovação das mudanças na legislação trabalhista, já sancionadas pelo presidente da República e que representam um enorme avanço, o Congresso Nacional deverá se debruçar sobre outro tema essencial da agenda de modernização levada a cabo pelo atual governo. A reforma da Previdência, tão necessária quanto urgente, vem sendo debatida pelas forças políticas no Parlamento e deve ser votada ainda este ano na Câmara, o que sinaliza o compromisso do Legislativo com medidas que consolidem a recuperação econômica do país e sedimentem uma maior racionalidade das contas públicas. Para que se tenha uma ideia, em 2016, o rombo causado pela Previdência sobre as contas da União, dos Estados e dos municípios atingiu nada menos que R$ 305,4 bilhões.

O deputado Arhur Maia (PPS-BA), que vem realizado um brilhante trabalho como relator da proposta de reforma (PEC 287/2016), concluiu recentemente uma nova versão do texto em que são garantidos dois pontos fundamentais para o andamento do projeto: a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria e a unificação das regras para os servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada. O novo relatório, um pouco menos abrangente do que o original, reduz o tempo de contribuição na iniciativa privada, mas mantém as regras de transição e as idades mínimas para aposentadoria no futuro.

A reforma da Previdência faz parte de um pacote de medidas fundamentais para tirar o Brasil do atoleiro. O texto é resultado de um amplo debate com as bancadas de todos os partidos e representa a possibilidade de o país economizar R$ 600 bilhões nos próximos dez anos – aliviando o déficit previdenciário que hoje ameaça a aposentadoria de milhões de brasileiros e a própria sustentabilidade do sistema. Para além de enfrentarmos a grave crise fiscal, há também a necessidade de coibirmos privilégios inaceitáveis de corporações muito fortes, em especial no Legislativo e no Judiciário.

É inegável que há no Brasil um descompasso entre os regimes previdenciários dos servidores públicos e dos funcionários de empresas privadas. Hoje, o RGPS (Regime Geral da Previdência Social) abrange todos os indivíduos que contribuem para o INSS (trabalhadores da iniciativa privada, funcionários públicos concursados ou não, militares e integrantes dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo); enquanto o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) é organizado por Estados e municípios para servidores públicos ocupando cargos que exigem concurso. O teto atual do RGPS é de pouco mais de R$ 5,5 mil, ao passo que um servidor público pode receber uma aposentadoria de até R$ 33,7 mil, seis vezes mais. É preciso equacionar e racionalizar esse processo, acabando com tamanha disparidade. Defendemos, ao fim e ao cabo, um regime único de aposentadoria, que elimine privilégios, diminua o desperdício e reduza o enorme déficit nas contas públicas.

No caso dos servidores públicos das estatais, que contribuem de acordo com o sistema do INSS, há também uma previdência complementar dos fundos de pensão – cujos valores são aplicados pela entidade que administra o fundo, com base em cálculos atuariais. Entre eles, estão a Funcef (fundo de pensão dos funcionários da Caixa), a Petros (Petrobras), a Previ (Banco do Brasil) e o Postalis (Correios). Aliás, esse sistema de contribuição previdenciária deve ser adotado como alternativa para os servidores públicos em geral. Este é um caminho já regulamentado hoje, mas que infelizmente não é aplicado em sua integralidade. Apesar da roubalheira desenfreada que atingiu também essa área nos governos de Lula e Dilma, é inegável que os fundos de pensão exercem um papel importante. São mais de 300 em todo o país, administrando um patrimônio de cerca de R$ 730 bilhões e beneficiando quase 7 milhões de brasileiros, entre participantes ativos e dependentes.

É importante lembrar que votei favoravelmente a todas as propostas de reforma da Previdência apresentadas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, passando pela gestão de Lula e, finalmente, agora com a iniciativa do presidente Temer. Se uma ampla reforma previdenciária já tivesse sido aprovada há algum tempo, o Brasil não estaria sofrendo com esse grave problema nos dias de hoje. Quando entreguei o cargo de ministro da Cultura, deixamos claro que o PPS assumiria uma posição de independência, mas continuaria a apoiar tanto a transição iniciada com o impeachment quanto as reformas necessárias ao país. Esse é o nosso compromisso.

O governo de transição, apesar de todas as suas fragilidades, está fazendo avançar, com a contribuição efetiva do Congresso Nacional, uma agenda de reformas estruturantes que nos levarão a um novo patamar de desenvolvimento. Ao contrário do que bradam os reacionários que sempre se opõem a toda e qualquer reforma, como se o Brasil vivesse um "nirvana" e não precisasse de nenhuma mudança ou transformação, a reforma da Previdência não retira direitos. Ela acaba com privilégios, proporciona maior igualdade, reduz o déficit e ajuda o país na superação da crise. Não devemos perder essa oportunidade. Vamos avançar.

 


Instituto Millenium: Reforma da Previdência é essencial para recuperar a economia do país

O temor de não conseguir votos necessários para aprovar a reforma da Previdência, o que prejudicaria a recuperação da economia brasileira, levou o governo a apresentar uma proposta mais enxuta à base aliada. A corrida agora é para conseguir o apoio de, pelo menos, 308 deputados, nos dois turnos de votação.

O novo texto é menos abrangente, mas mantém regras mais rígidas para os servidores públicos. No projeto, o tempo de contribuição mínimo do setor público ficou em 25 anos. No caso dos trabalhadores do setor privado, será preciso contribuir 15 anos para se aposentar.

A proposta não traz mudanças na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Na regra de cálculo, ficou mantida a exigência de 40 anos de contribuição para receber o benefício integral. Trabalhadores privados que contribuírem 15 anos e estiverem dentro da idade mínima recebem o equivalente a 60% da média salarial. Já os servidores públicos poderão receber 70% da média do salário após 25 anos de contribuição.

A idade mínima é igual para os dois setores, ficando em 62 anos para mulheres e 65 para homens, com exceção de algumas categorias.

Relembre a opinião de especialistas do Instituto Millenium sobre o tema

Segundo o economista Paulo Tafner, o sistema previdenciário atual constrange o crescimento econômico do Brasil. Para o especialista, caso não seja aprovada, a Previdência levaria o país a uma tragédia econômica e social.

“A despesa previdenciária que, hoje, é 12% do PIB, passará para algo entre 18% e 20% futuramente. Isso significa dizer que 1/5 de tudo o que for produzido no país vai para a Previdência”, acrescenta, ressaltando que a carga tributária no Brasil aumentaria consideravelmente.

 

Para o economista Manuel Thedim, a reforma da Previdência é essencial, já que o atual sistema causa uma “transferência do dinheiro de pobre para o rico”.

De acordo com Thedim, “A maior parte das pessoas que estão no sistema da Previdência no setor privado ganham muito pouco e se aposentam já com 65 anos de idade. Por outro lado, você tem privilégios inacreditáveis. É preciso reformar a Previdência para poder diminuir a desigualdade”.

Em entrevista ao Instiuto Millenium no começo do mês, a economista Solange Srourtambém reforçou a importância da reforma da Previdência para a saúde fiscal do Brasil, sendo ela essencial para colocar as contas públicas em uma trajetória sustentável em médio e longo prazos.

 

“Do jeito que está, a reforma da Previdência precisará ser complementada futuramente, tendo que fazer basicamente o que foi proposto na primeira tentativa e mais alguma coisa. Essa que está sendo apresentada agora é menor, mas é melhor do que não fazer nada”, salienta.

Em maio deste ano, durante entrevista ao Instituto Millenium, a economista Zeina Latifsalientou que a reforma da Previdência é a “espinha dorsal” do ajuste fiscal. Segundo a especialista, sem a sua aprovação, nós acabaríamos “morrendo na praia, pois não conseguiríamos reduzir o temor de um calote da dívida futuramente e nem um cenário de escalada da inflação”.

Confira abaixo algumas das apresentações sobre a Reforma da Previdência elaboradas pelos economistas do Instituto Millenium

http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/wp-content/uploads/2017/11/Apresentação-Paulo-Tafner_V_Nov-2017.pdf

 

 

http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/wp-content/uploads/2017/11/Apresentação-Marcos-Lisboa.pdf

 

 

http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/wp-content/uploads/2017/11/Apresentação-José-Marcio-22.11.2017.pdf


Conof: Nota Técnica trata das mudanças na Previdência

Confira a nota técnica da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (CONOF) sobre as mudanças na Previdência: Reforma Constitucional, ajustes legais, melhorias na gestão e controle externo.

 


Samuel Pessôa: Reforma possível

Na sexta-feira da semana retrasada (10), meu colega Nelson Barbosa lembrou em seu artigo neste espaço que haverá necessidade de reformar a Previdência mesmo que o governo consiga aprovar uma versão mais reduzida da atual reforma.

Nelson afirmou: "As principais linhas da reforma devem ser a recuperação da receita do INSS, o aumento do tempo mínimo de contribuição, a fixação da idade mínima para a aposentadoria e, mais importante: o alinhamento entre regras aplicáveis ao trabalhador do setor público e do setor privado".

Noticia-se na imprensa que o governo desenha um modelo reduzido (em comparação ao relatório que havia sido aprovado na comissão da Câmara em abril) de reforma previdenciária, excluindo os temas mais polêmicos da elevação da idade de elegibilidade ao benefício assistencial, BPC/Loas, e das alterações na aposentadoria rural.

Adicionalmente, espera-se que, nessa versão reduzida, mantenha-se um importante passo em direção ao alinhamento dos dois sistemas. Refiro-me ao dispositivo que estabelece que os servidores que ingressaram no serviço público federal antes de 2003, ou seja, aqueles que têm a expectativa de direito à integralidade do salário na aposentadoria e à paridade do benefício com o salário da ativa, tenham que trabalhar até 65 anos –homens– e 62 anos –mulheres.

Finalmente, o governo faz grande esforço para reduzir a desoneração da folha de salários, iniciativa do primeiro mandato da presidente Dilma, que custou muito à Previdência e não teve impactos apreciáveis sobre o desempenho da economia. A aprovação do projeto de reoneração da folha de salários recuperará em R$ 11 bilhões por ano a receita da Previdência.

Parece-me, portanto, que há espaço para a construção de um projeto reduzido que seja consensual, inclusive para a atual oposição, que, como nos lembra Nelson, era governo até meados de 2016 e trabalhou por uma reforma muito parecida com a que tramita atualmente no Congresso.

Em sua coluna, ao recuperar o histórico das reformas das últimas duas décadas, um fato escapou a Nelson. A reforma tucana, que, após não conseguir aprovar a idade mínima, teve que se contentar com o fator previdenciário, contou com a oposição vigorosa do petismo. Diferentemente, as reformas no período do petismo contaram com o apoio tucano.

É possível que a oposição se recuse a aprovar essa versão reduzida da proposta, que, como nota Nelson, representa um compromisso que, em princípio, congrega praticamente todas as forças políticas do Congresso Nacional -inclusive a oposição, incluindo o petismo, os deputados da Rede etc.

Afirmar que essa é uma reforma golpista não parece ajudar. Temos um enorme deficit público. Quem vencer em 2018 receberá de Temer um deficit primário de 2% do PIB, e não o superavit de 3% que Malan legou a Palocci. Adiar a reforma para o próximo governo significa aprofundar esse buraco em mais 0,2% do PIB, com consequências negativas sobre expectativas, crescimento, juros e inflação.

Quem tem alguma perspectiva de poder precisa apoiar a versão reduzida da reforma. Aliás, essa é a melhor alternativa para o país qualquer que seja o projeto eleito em 2018. A ausência de reforma resultará em uma imensa crise fiscal.

Insistir no discurso golpista tendo pela frente um ajuste fiscal relevante e necessário, de cinco pontos percentuais do PIB, significa apenas manter a lógica da vendeta na política que tanto tem custado ao país.

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia

 


Roberto Freire: Uma reforma para modernizar o Brasil

Apesar de todas as dificuldades próprias de um momento ainda delicado, o país dá sinais cada vez mais consistentes de que está no rumo certo para a retomada do crescimento. Depois de superar a maior recessão de sua história republicana, o Brasil pavimenta o caminho das reformas e fundamenta as bases para a superação da crise e o início de um ciclo mais próspero na economia. Nesse sentido, a entrada em vigor da reforma trabalhista é fundamental para a modernização do país e um melhor andamento do ambiente de negócios.

Foram nada menos que 74 anos sem praticamente nenhuma alteração significativa na legislação trabalhista brasileira, o que só revela o seu grau de anacronismo. Aprovada por decreto-lei em 1º de maio de 1943, em pleno Estado Novo de Getúlio Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já não dava conta de um novo mundo que emergiu a partir do processo de globalização e se modifica continuamente em meio à revolução tecnológica experimentada pela sociedade.

As novas regras aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo presidente da República alteram mais de uma centena de dispositivos da CLT e se orientam por um entendimento que hoje é seguido pelas democracias mais avançadas do mundo: o acordado entre empregador e empregado sempre deve prevalecer diante do legislado. Na prática, a partir de agora, o término do contrato de trabalho poderá ser definido de forma consensual – a demissão por acordo, antes uma ferramenta meramente informal, passa a estar abrigada na lei e com vantagens para o trabalhador.

A reforma trabalhista se conecta com um mundo marcado pelas novas relações profissionais que já se estabeleceram há algum tempo, mas careciam de regulamentação. As mudanças nas regras protegem os trabalhadores terceirizados e oferecem um leque maior de opções de jornadas e serviços. Enquanto estive à frente do Ministério da Cultura, acompanhei com especial atenção o setor que se convencionou chamar de indústria da cultura e tive a dimensão de seu grande impacto sobre a economia brasileira.

Nesse setor da cultura e da comunicação, já há muito tem se buscado novas maneiras de contratação de profissionais por meio do formato da pessoa jurídica, popularmente conhecido como “PJ”. Trata-se de um mecanismo utilizado para que essas contratações não sejam prejudicadas por entraves burocráticos de modelos arcaicos e superados que datam da sociedade industrial. Hoje, afinal, os trabalhadores exercem sua atividade em uma realidade que nada tem a ver com os antigos moldes previstos na velha CLT.

Especificamente na área cultural, o trabalho intermitente é muito comum e disseminado em amplos setores – tais como a música, a dramaturgia etc. A regulamentação da atividade exercida por esses profissionais pode levar à formalização de quase 18 milhões de trabalhadores que hoje se encontram na informalidade, como autônomos ou empregados sem carteira assinada.

Para citarmos apenas um exemplo, o meio televisivo, com uma série de produções e núcleos de dramaturgia, também adota essa maior flexibilização – artistas são contratados para trabalhos específicos e temporários. A partir de agora, esses funcionários estarão protegidos e amparados legalmente como jamais estiveram. Até a entrada em vigor da reforma, o trabalho intermitente não era regulamentado pela CLT – o contrato com menor número de horas reconhecido pela legislação era o parcial, que previa, no máximo, 25 horas semanais de trabalho. Agora, poderá ser estendido para até 30 horas por semana, o que aumenta a flexibilidade e beneficia o empregado.

Ao contrário do que propagam as forças do atraso que se opõem a toda e qualquer reforma, as necessárias mudanças na legislação trabalhista não retiram nenhum direito do trabalhador. Todos eles estão absolutamente assegurados: férias, 13º salário, seguro-desemprego, licença-maternidade e os demais direitos históricos previstos na Constituição de 1988 estão preservados.

Também é importante ressaltar que a modernização levada a cabo pela reforma trabalhista tem um enorme potencial para aumentar a produtividade e gerar novos postos de trabalho. Recentemente, uma renomada instituição financeira que atua no Brasil e em outros países fez uma estimativa de que, apenas em função das novas regras, podem ser criados de 1,5 milhão a 2 milhões de empregos nos próximos anos.

Com um cenário menos hostil para empregados e empregadores, em que se dê prioridade para os acordos e a negociação direta entre funcionários e empresas, o país dá um passo fundamental em direção ao mundo do futuro. Só daremos o salto necessário para o desenvolvimento se desburocratizarmos as relações trabalhistas, oxigenarmos o ambiente de trabalho e conectarmos essas relações profissionais àquilo que de mais avançado existe no mundo. É hora de superarmos as amarras do passado. Um Brasil mais moderno é um Brasil mais desenvolvido.

 


Samuel Pessôa: O poder das corporações no Orçamento dos Estados

O jornal "Valor Econômico" de quarta-feira passada (28) tinha uma pequena notícia perdida à página A4, no meio do caderno principal. Dizia o título: "Rio aprova lei orçamentária de 2018 com rombo de R$ 20,3 bi".

Como um ente da Federação que não tem capacidade de se endividar nem de emitir moeda é capaz da aprovar Orçamento com deficit?

Para entender essa bizarrice, é necessário compreender a forma como se dá o relacionamento orçamentário dos diversos Poderes e órgãos estaduais.

O Orçamento do Estado compreende o orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo (que inclui o Tribunal de Contas Estadual) e Judiciário e o dos demais órgãos que têm autonomia orçamentária: Ministério Público Estadual e Defensoria Pública.

O Poder Executivo é responsável pela arrecadação. Os demais Poderes, em razão de seu orçamento, têm por direito a transferência até o dia 20 de cada mês de um duodécimo do gasto previsto no orçamento para aquele ano.

Alguns Poderes ou órgãos têm receita própria. Nesse caso, o Executivo transferirá mensalmente, até o dia 20, para o Poder ou órgão, o duodécimo do saldo entre o gasto orçado para o ano e a previsão de receita própria também para o ano.

Com ou sem receita própria, percebe-se que qualquer deficit ou frustração de receita dos demais Poderes ou órgãos é empurrado para o Executivo.

Explica-se a economia política do Orçamento estadual: as corporações mais poderosas do setor público pressionam o Legislativo a aprovar Orçamento com gasto compatível ao que elas, corporações, consideram que seja desejável, seja lá por que critério, e independentemente de haver receita ou não.

Não havendo receita —ou porque a receita foi menor do que a orçada ou porque o Orçamento já previa deficit—, os Poderes e órgãos estão blindados. A falta de recursos fica na conta do Executivo. Executivo significa saúde, educação e segurança. A conta do privilégio das corporações é jogada para a população.

Na quinta passada (29), a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) aprovou a lei complementar que estabelece um teto para o crescimento do gasto em função da inflação passada. O teto do gasto era um item importante e previsto pela lei complementar 159, que instituiu o regime de recuperação fiscal (RRF).

O RRF permite que o Estado fique três anos sem pagar sua dívida com a União e com os organismos internacionais cujas dívidas têm aval do Tesouro, além da possibilidade de o Estado contrair empréstimo no valor de até R$ 3,5 bilhões com aval do Tesouro, dando como garantia as ações da Cedae, sua companhia de saneamento.

Diferentemente do teto federal, o teto do gasto para o Estado do Rio não estabelece um limite de gasto por Poder. Novamente, se o gasto de um Poder subir muito, o Executivo terá de se ajustar. Joga-se o ajuste na saúde, na educação e na segurança, em vez de permitir um compartilhamento mais equânime entre os Poderes da crise fiscal que assola o setor público brasileiro.

Para aqueles que acreditam que a reforma da Previdência foca os benefícios dos trabalhadores do setor privado, vale lembrar que um item importante da atual reforma que tramita na Câmara é o fim do princípio da paridade no serviço público entre benefício de aposentados e salário dos servidores ativos, um primeiro passo para conter os privilégios das corporações. Entende-se o motivo de tanta resistência à reforma da Previdência.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2017/07/1897715-o-poder-das-corporacoes-no-orcamento-dos-estados.shtml

 


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