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Cristiano Romero: Gasto é mais eficaz para reduzir iniquidades

Além da reforma, políticas sociais serão sempre necessárias

O Brasil, como se sabe, está entre as nações que mais concentram renda no planeta. Números do IBGE, referentes a 2017, mostram que o rendimento per capita médio mensal, que considera renda do trabalho e da aposentadoria, além de itens como pensão, aluguel e transferência direta de renda de programas sociais como o Bolsa Família, foi de R$ 6.629 para os 10% mais ricos da população. Na parcela dos 40% mais pobres, restringiu-se a R$ 376 por mês. A diferença entre as duas faixas revela, portanto, que os mais ricos recebem 17,6 vezes mais que os mais pobres e isso nos define como sociedade. A distância, vexaminosa, tem aumentado. Apesar dos avanços civilizadores dos últimos 30 anos, nosso "pacto social" é claramente insuficiente.

As razões para a concentração de renda têm variadas explicações, desde o modelo de colonização, baseado na concessão de "capitanias hereditárias" pela coroa portuguesa, até o domínio do orçamento público por grupos de interesses específicos (das multinacionais que fabricam automóveis à burocracia estatal autóctone), passando pela ignomínia da escravidão, com a qual convivemos durante quase quatro séculos e, sob disfarces, mantemos como característica imutável do nosso caráter. Um país que há décadas vê 50 milhões de seus habitantes (público-alvo do Bolsa Família), o equivalente a quase 25% de sua população, vivendo em condições de miséria e sem condição alguma de emancipação é uma nação derrotada.

No Brasil de tanta iniquidade, todas, isso mesmo, todas as políticas públicas deveriam ter caráter distributivo. E toda e qualquer iniciativa que demande gasto público deveria ser avaliada uma vez por ano, por entidades independentes, para verificar se estão servindo ao propósito prometido. O Bolsa Família, por exemplo, é reconhecido internacionalmente como um programa social meritório. Ajudou a diminuir a miséria, mas não emancipou as famílias - o número de beneficiários atualmente é praticamente o mesmo de 2004, quando a iniciativa foi lançada.

No momento em que o Congresso Nacional começa a debater a reforma tributária, o tema da regressividade da carga de impostos que os brasileiros pagam volta ser discutida. Presidente da comissão especial que analisou e deu o texto final à reforma da Previdência aprovada em primeiro turno na Câmara, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) adianta que é forte a ideia de usar as mudanças do sistema tributário como uma oportunidade para enfrentar as desigualdades do país. A preocupação é válida.

Especialistas, como Everardo Maciel, secretário da Receita Federal nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, identificam no regime tributário nacional elementos que, de fato, contribuem para agravar a desigualdade de renda. Ainda assim, defendem que o problema da concentração seja enfrentado pela redefinição dos gastos.

Esta coluna relacionou temas que, muito provavelmente, serão tratados durante a tramitação da reforma tributária. Seriam os seguintes:

1. Pobre paga mais imposto que os ricos porque o sistema taxa mais o consumo do que a renda. Isso corre por existe uma miríade tributos incidindo sobre o consumo e o faturamento e os mais pobres gastam a maior parte de sua renda com consumo.

2. A tabela é progressiva nas alíquotas, mas se torna regressiva no geral porque permite dedução da base de cálculo dos gastos com educação (com limite) e saúde (sem limite);

3. A alíquota efetiva do Imposto de Renda no Brasil é baixa - de 23,3%, podendo ainda ser bem menor após deduções -, quando comparada à das nações de economia avançada;

4. O IR não precisa ser tema da reforma porque mudanças podem ser feitas por legislação ordinária. Everardo Maciel fez a reforma do IR em seus oito anos à frente da Receita Federal;

5. O Brasil criou um IVA, o ICMS, em 1967, com alíquota única para todos os Estados. O problema é que, em 1969, emenda à Constituição permitiu que Estados mexessem em alíquotas e base de cálculo, via Confaz;

6. Não se resolve o problema da concentração de renda via reforma tributária, mas, sim, por meio do gasto. Decisões de governos eleitos pelo povo é que têm o poder de distribuir renda. Governantes são eleitos para isso: decidir onde alocar os sempre escassos recursos pagos pelos contribuintes. Cabe ao eleitor escolher quem considera melhor para essa tarefa. O eleitor define se quer um governante que invista mais em educação e saúde do que em áreas onde a presença do Estado não é ou nunca foi crucial;

7. Como a Constituição de 1988 criou atribuições para a União, mas não lhe deu as devidas receitas, o governo federal criou contribuições sociais, como a Cofins, cuja a receita não precisa ser distribuída a Estados e municípios. Os Estados, por sua vez, majoraram ao longo do tempo as alíquotas do ICMS e promoveram guerra entre si para atrair investimentos.

Novos atores
Marcelo Ramos é um destacado integrante da elite de parlamentares que começa a emergir no Congresso. O Parlamento não é dominado por um ou mesmo por dois ou três partidos políticos. Estes já foram mais expressivos em número de representantes.

A fragmentação partidária intensificou-se durante a prevalência do chamado "presidencialismo de coalizão", marca do pragmatismo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010), mas sempre existiu. O fenômeno acaba por aumentar a importância de parlamentares como Ramos, que, isoladamente, influencia com sua liderança os votos de dezenas de deputados.

No momento em que o Congresso assume protagonismo inédito - e, diga-se, positivo - na condução das reformas institucionais, Ramos desponta como liderança a ser acompanhada. Comunista na juventude, não teve receio de liderar comissão que tratou de tema considerado "impopular".


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Agora é a vez da economia

Recuperação depende de uma gestão correta de curto prazo de variáveis como taxa de juros e oferta de crédito

A aprovação da reforma da previdência em primeiro turno, com uma votação muito acima da esperada por todos, abre espaço para que a economia brasileira busque finalmente a tão esperada recuperação cíclica e o fim da recessão que vivemos há mais de cinco anos. Entende-se aqui como recuperação cíclica de uma economia de mercado a volta natural do crescimento depois de um ajuste para baixo da atividade causada por uma recessão de forte intensidade.

No caso brasileiro de hoje, vivemos a conjugação de uma recessão provocada por erros de gestão da economia entre 2010 e 2014 e uma crise política grave criada pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff. Adicionalmente, as revelações da Operação Lava-Jato levaram ao colapso do sistema político que prevaleceu por mais de 30 anos, sem que uma alternativa tenha sido colocada em seu lugar. O resultado foi uma quase depressão econômica que trouxe a queda expressiva na arrecadação de impostos e um salto perigoso no déficit fiscal primário do governo central e dos estados.

Após a troca do comando do governo, com a posse de Michel Temer e a mudança radical na condução da política econômica, tivemos dois momentos em que a recuperação cíclica deu sinais de aparecer no horizonte para, logo em seguida, ser fragilizada por fatores externos à economia. A primeira, logo no início de seu mandato, foi abortada pelo escândalo político que se seguiu às gravações do empresário Joesley Batista. A segunda chance veio com a redução da crise política envolvendo o presidente da República depois da rejeição pelo Congresso de seu afastamento, mas que teve curta duração por conta da greve dos caminhoneiros.

Com a eleição de Jair Bolsonaro e a entrega do comando da economia a uma equipe de corte liberal - e com grande credibilidade junto às forças de mercado - uma nova janela para a recuperação cíclica abriu-se para a sociedade brasileira. Mas neste momento a crise fiscal herdada pelo novo governo e agravada pela deterioração adicional das contas da Previdência Social, gerou uma crise de credibilidade na solvência do estado brasileiro o que obrigou o governo a priorizar uma mudança constitucional profunda para obter um ajuste fiscal estrutural de longo prazo.

A decisão de concentrar toda a energia do governo, em um primeiro momento, na aprovação da PEC da previdência teve um parceiro fundamental para seu sucesso com a participação ativa de parcela da elite parlamentar na Câmara e no Senado. No final, a luta pela reforma da previdência transformou-se - como havia acontecido no Plano Real - em uma batalha pela sobrevivência da maioria da população brasileira, como mostram as pesquisas mais recentes e o número de votos obtidos em plenário.

Como dito no início desta coluna, a aprovação da chamada PEC da Previdência, nas condições que ocorreu, cria uma oportunidade única para que uma recuperação cíclica forte ocorra agora no Brasil. Os indicadores recentes dos mercados de títulos públicos e do chamado CDS da nossa dívida externa falam por si só. Somente um país com solvência fiscal de longo prazo reconhecida pelos agentes econômicos pode ter os preços de títulos públicos que são operados hoje no Brasil e no exterior.

Portanto podemos - e devemos - deixar de lado a paralisia que tomou conta de áreas importantes do governo nestes últimos meses sob a alegação de que a falta de credibilidade na economia por parte dos agentes econômicos internos e principalmente externos poderia levar-nos a uma crise grave de solvência.

Mas a recuperação econômica, em situações como as que existem no Brasil hoje, depende de uma gestão correta de curto prazo de variáveis como taxa de juros e oferta de crédito principalmente. Com o hiato do produto que existe hoje na economia, a volta do investimento produtivo só vai ocorrer se a recuperação da economia ganhar tração ao longo do tempo. Por esta razão é preciso entender que será principalmente via o consumo das famílias que nosso PIB vai voltar a crescer. Em outras palavras, temos que fortalecer o lado da demanda de consumo via os instrumentos tradicionais e medidas extraordinárias como devolução de poupança popular - FGTS e PIS/Pasep - e aumento da alavancagem do sistema bancário, seja ele público ou privado, via redução de compulsórios bancários. Adicionalmente podemos incorporar ao crescimento da demanda dos consumidores um programa abrangente de investimentos privados via privatização de projetos de infraestrutura econômica.

Ao mesmo tempo o governo tem mostrado corretamente que para fortalecer e perenizar a recuperação cíclica temos que modernizar nosso ambiente de negócios via reformas microeconômicas que criem um ambiente mais propício a ganhos de eficiência em vários mercados. Neste sentido temos reformas de maior fôlego a serem implantadas - como a dos impostos e tributos - ao lado de mudanças menos ambiciosas como a recente MP da liberdade econômica e a transformação de mercados oligopolizados como o da distribuição do gás natural. Outras tantas iniciativas fazem parte de um programa do governo que deve ser anunciado no segundo semestre do ano pela equipe do ministro Paulo Guedes.

Caso a recuperação cíclica se perenize como espero, o crescimento da economia a taxas próximas de 2,5% a 3% ao ano vai trazer uma consolidação fiscal vigorosa e dar tempo para que as medidas de mais longo prazo que o governo se dispõem a tomar suportem um crescimento de mais longo prazo.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Fernão Lara Mesquita: A guerra dos Brasis

No ‘apartheid’ nacional, o País Real continua à margem da lei, que é feita pelo País Oficial

Sob os repiniques da bateria em torno dos grampos do Joesley desta véspera de votação da reforma da Previdência (escrevo na quinta-feira 13/6), agora a cargo dos arrombadores a soldo de um certo The Intercept, uma das marcas-fantasia de PSOL, PT e cia., está consumado o tombo do costume na última tentativa do País Real de abolir a escravatura.

Com os Benefícios de Prestação Continuada de abre-alas, o velho bloco do Me Engana Que Eu Gosto passou batidos os “jabutis” que realmente lhe interessavam: o regime de capitalização, que mataria para todo o sempre o comércio de privilégios previdenciários, a mais produtiva mina de ouro de quem tem o poder de vendê-los, e a manutenção da constitucionalidade das normas da Previdência, a garantia vitalícia pela qual cobram caríssimo esses comerciantes. A reforma da Previdência já entra na avenida castrada, conforme o prometido, portanto, e com o favelão nacional com todos os “acessos” espetados nas suas veias mantidos para que o País Oficial possa continuar servindo-se na medida da satisfação dos seus luxos.

O apartheid brasileiro tem raízes profundas. O Brasil Real, o Brasil que deu certo, o Brasil que se fez sozinho escondido do outro, este Brasil continua, como sempre esteve, à margem da lei. A lei foi feita pelo País Oficial, o antiamericano, o que sempre viveu das “derramas”, o que enforcou Tiradentes, o que invadiu o Rio de Janeiro em 1808, de modo a não poder ser cumprida jamais. É a continuação do Brasil dos traficantes de escravos que compravam pedaços do Estado (feudos) e “títulos de nobreza” ao rei. São as deles as tais instituições que “estão funcionando”.

Só dois pontos destes dois Brasis sempre estiveram conectados: as mãos de um e os bolsos do outro. No mais, são antípodas em tudo. Na educação, bola da vez, há os nédios professores das universidades públicas que comem o grosso da verba nacional, aposentam-se na flor da idade e dão aulas nos enclaves privatizados do território brasileiro onde polícia não entra (Coafs e tribunais de contas, menos ainda) e se formam, “de graça” e sem lei, os quadros da elite do País Oficial. E há as professorinhas miseráveis, que não se aposentam nunca, das escolas básicas varejadas de balas perdidas, caindo aos pedaços, creches de quase adultos que vão lá para comer da mão do País Oficial o pão que a “educação” que ele lhes serve não consegue comprar.

O sindicato desses diferentes professores é, no entanto, o mesmo. Com estrutura nacional, vem a ser o núcleo duro da defesa da privilegiatura. Escudados na miséria das professorinhas, são os professorões que organizam aquela rede que sai em passeatas milimetricamente cronometradas com as pautas em tramitação no Congresso Nacional e nas redações que empregam seus parentes, amigos e correligionários, para “provar” a “impopularidade” de acabar com os salários e as aposentadorias 100 vezes, 50 vezes, 30 vezes na média nacional maiores que as do favelão que paga a conta.

Mas não foi a derrota desse Brasil que saiu nas manchetes. Já não é mais nem “o governo” que “perde” ou “ganha” as batalhas entre os dois Brasis. Agora é só “o presidente Jair Bolsonaro” que “sofre derrotas no Legislativo e no Judiciário”, seja na batalha para o favelão nunca mais ter de pagar lagostas e vinhos tetracampeões aos STFs de sempre, seja para que o Estado conceda à plebe a graça de não ser enjaulada quando recusar-se a deixar-se mansamente matar e insistir em defender a própria vida contra quem resolver atentar contra ela.

As redações congregam os últimos brasileiros que ainda não entenderam com quem estão lidando. A bandidagem mata 65 mil. A bandidocracia mata milhões por ano. O conluio entre as duas é aberto a quem interessar possa, do grande tráfico de entorpecentes, hoje privilégio de governos praticantes do tipo de “excesso de democracia” que o lulopetismo prega, para baixo. Mas a imprensa tem mais medo do povo obediente à lei, da polícia, dos promotores e dos juízes que realmente apitam faltas do que deles. Nem a “epidemia de ansiedade” que acomete o povo brasileiro como a nenhum outro do planeta é associada ao que quer que seja de especial. É mais uma daquelas notícias que os âncoras de TV leem com cara de paisagem. Uma doença sem causa. Nada a ver com os 40 milhões de desempregados e subempregados nem com a montanha de assassinados.

Para a unanimidade da imprensa brasileira essa carnificina só tem a ver com o “acesso a armas” que – advertem – ou nega-se terminantemente à sub-raça tupiniquim ou ela sairá matando desbragadamente por aí. É como se esse acesso já não estivesse drasticamente proibido há 14 anos, contra a vontade expressa em voto pela população, e não estivesse sendo provada 65 mil vezes por ano, 5.342 vezes por mês, 178 vezes por dia a mentira de associar desarmamento com segurança pública.

No quesito segurança, aliás, o esforço concentrado da ala mais “progressista” do nosso jornalismo é para discriminar cadáveres. Depois de todo o resto a desigualdade em nome da igualdade chega, finalmente, aos necrotérios. Cadáver de mulher vale mais – e dá pena mais pesada – que cadáver de homem e menos que cadáver de homossexual ou de transgênero. E, em todas essas subcategorias, ganham “peso 2” os que acumulam a qualidade de não brancos.

Tudo isso tem precedência, no jornalismo pátrio, sobre a guerra aberta entre os dois Brasis cuja existência ele nem sequer reconhece. Ele permanece surdo ao País Real, mas sempre pronto a disparar sem pensar uma vez e meia todo e qualquer petardo que a bandidocracia houver por bem enfiar-lhes nas culatras “de acesso”, e a invocar a lei escrita pela bandidocracia para manter eternamente intactas as leis escritas pela bandidocracia, para julgar todo mundo que ousar tratar de alterá-las.

Se o Brasil “é uma democracia”, como parecem crer 9 entre 10 dos nossos jornalistas, qualquer alteração no status quo será “antidemocrática”. O.k., então. E para onde vamos na sequência da aceitação dessa premissa?

* FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM


El País: Câmara prevê contribuição menor para aposentadoria das mulheres

Nova versão da reforma, apresentada pelo relator à comissão da Câmara, muda proposta do Governo que previa mesmo tempo de contribuição para os dois sexos

Nesta quinta-feira, o relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentou à comissão especial da Câmara o seu parecersobre o texto da reforma proposto pelo Governo Jair Bolsonaro. Entre as principais mudanças trazidas no relatório estão a flexibilização de regras para as mulheres, uma nova alternativa de transição, a retirada de mudanças na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), além da exclusão da criação de um regime de capitalização. A nova versão da reforma da Previdência reduz a previsão de economia para 913,4 bilhões de reais em dez anos, abaixo da meta da proposta entregue pela equipe econômica de Paulo Guedes, que era de 1,2 trilhão de reais em uma década.

Mulheres contribuirão menos anos que os homens

A fixação de uma idade mínima está no cerne do texto original do Governo pondo fim as aposentadorias apenas por tempo de contribuição —muitas vezes precoces—, que hoje exigem aporte de 30 anos para mulheres e 35 para homens. Pela proposta de Bolsonaro, as mulheres só poderão se aposentar a partir dos 62 anos e os homens a partir dos 65 anos. Os beneficiários de ambos os sexos terão de contribuir por ao menos 20 anos.

O novo texto do relator mantém a idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores urbanos, mas defende que o tempo de contribuição suba dos 15 para 20 anos apenas para o trabalhador urbano do sexo masculino. “É notório que o afastamento do mercado de trabalho para cuidado dos filhos ou de algum familiar em situação de dependência ou com deficiência prejudica as mulheres e, portanto, justifica-se este tratamento diferenciado”, explica o relator.

Professoras poderão se aposentar aos 57 anos

Pela regra atual, os professores têm duas regras distintas. No setor privado não há idade mínima, mas se exige o tempo mínimo de contribuição de 25 anos para as mulheres e de 30 para os homens. No setor público, as mulheres se aposentam a partir dos 50 anos e os homens, dos 55. A PEC proposta pelo Governo prevê que para ambos os setores a idade mínima será de 60 anos.

No novo texto do relator a proposta é de que a idade mínima para aposentadoria das mulheres professoras seja de 57 anos e a dos homens de 60 anos, até que sejam definidos novos critérios por meio de lei complementar. A regra vale para professores de educação infantil, ensino fundamental e médio.

Regime de capitalização fica de fora

Em relação a criação de um regime de capitalização proposto pelo Governo Bolsonaro, no qual cada trabalhador contribui para sua futura aposentadoria, o parecer do relator considera que o modelo não é o mais adequado para um país cujos trabalhadores têm baixos rendimentos, além de ter elevado custo de transição. Por isso, o relatório retira do texto a possibilidade de uma lei complementar que deveria instituir esse novo regime.

BPC não terá regras alteradas

Desde que o Governo apresentou o projeto da reforma, alterando regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), houve um consenso entre a oposição e os deputados do centrão de que as mudanças não deveriam ser mantidas,porque atingiriam a população mais pobre do país. Hoje, o benefício é um pagamento assistencial de um salário mínimo para idosos a partir dos 65 anos ou para deficientes físicos que tenham renda inferior a um quarto do salário mínimo. Na proposta do Governo, esses beneficiário passariam a receber 400 reais a partir dos 60 anos, e um salário mínimo a partir dos 70 anos. Nesta quinta-feira, o parecer confirmou a exclusão de qualquer alteração no BPC.

Aposentadoria rural só muda para os homens

O Governo previa economizar 92,4 bilhões de reais em dez anos com as alterações sugeridas na aposentadoria para os trabalhadores rurais. Pelas regras atuais, o homem pode se aposentar aos 60 anos e as mulheres aos 55. Segundo o texto de Bolsonaro, a idade seria mantida em 60 anos para os homens e de 55 anos para as mulheres. No caso delas, contudo, haveria um aumento progressivo até 2030, quando passariam a poder se aposentar somente a partir dos 60 anos. Além disso, ambos teriam de contribuir por ao menos 15 anos, também com aumentos progressivos, quando em 2030 esse período de contribuição deveria atingir os 20 anos.

A nova versão do texto apresentada pelo relator estipula, no entanto, que a idade mínima para a aposentadoria das mulheres continue sendo de 55 anos com 15 anos de contribuição e que apenas os homens elevem o tempo de contribuição de 15 para 20 anos. A reforma queria que esse valor passasse pra um salário

Abono salarial para quem recebe até 1.364 reais

O abono salarial passará a ser pago para quem recebe até 1.364,43 reais, segundo o parecer do relator Samuel Moreira. Anualmente, trabalhadores que recebem até dois salários mínimos têm direito a receber um abono equivalente ao salário mínimo vigente (em 2019 é 998 reais). A reforma do Governo previa que esse abono só seria válido para quem recebesse até um salário mínimo mensal. Caso a nova regra do texto original da reforma fosse aprovada, 23,4 milhões de trabalhadores seriam afetados.

Reajuste dos benefícios pela inflação

A proposta original do texto da reforma da Previdência excluía o trecho da Constituição que garantia o reajuste dos benefícios pela inflação. Na nova versão do texto, a garantia do reajuste retorna à proposta.

Pensão por morte

Quanto à pensão por morte, o parecer do relator manteve a proposta do Governo de diminuir o valor do benefício  —que hoje é de 100% para segurados do INSS. Tanto para trabalhadores do setor público como do privado, a proposta do Governo é reduzir o benefício para 60% do valor mais 10% por dependente adicional. O parecer garantiu, contudo, um benefício de pelo menos um salário mínimo para os beneficiários que não têm outra fonte de renda. O relator alterou ainda o trecho que retirava o benefício de dependentes com deficiência grave, equivalente a 100% da aposentadoria.  "Certamente, o custo de vida da pessoa com deficiência é bem superior ao das demais pessoas, especialmente na ausência de familiares que possam prover cuidados necessários para o exercício de atividades da vida diária, que possibilitem sua participação na vida comunitária.", esclarece o parecer.

Estados e municípios ficam de fora

A proposta do Governo esperava incluir os servidores dos Estados e Municípios. Para a União, essa inclusão seria uma medida mais política do que econômica, já que não impacta nos cofres federais. Parlamentares não querem arcar com o desgaste de aprovar mudanças nas regras de aposentadorias de funcionários públicos estaduais e municipais.O relator ressaltou que os legislativos de cada ente federativo terão de aprovar regras próprias por meio de lei complementar, mas que não desistiu da inclusão das unidades da federação.

Nova regra de transição

O relator acrescentou uma nova regra de transição (além das outras três propostas pelo Governo, conforme explicado abaixo), que vale tanto para o regime geral de Previdência quanto para o regime próprio, dos servidores públicos. Pela alternativa, os trabalhadores que já contribuem hoje poderão se aposentar com 57 anos, no caso das mulheres, e com 60 anos, no caso dos homens, e precisam ter 30 e 35 anos de contribuição, respectivamente. Além disso, terão que pagar um pedágio de 100% do tempo que ainda falta para se aposentarem. Isso significa que essas pessoas teriam que trabalhar o dobro do tempo que faltaria para se aposentar pelas regras atuais. Um trabalhador homem que já tiver idade mínima e 33 anos de contribuição quando a PEC entrar em vigor terá que, por exemplo, trabalhar os dois que faltam para completar os 35, mais dois de pedágio.

Ele concordou, no entanto, que as outras três regras sejam contempladas na reformas. São elas:

- Transição 1 - tempo de contribuição + idade

A regra é semelhante à atual, estabelecida na fórmula 86/96: o trabalhador deverá alcançar uma pontuação que resulta da soma de sua idade somada ao tempo de contribuição. A fórmula tem esse nome porque hoje, para homens, essa pontuação é de 96 pontos, e, para mulheres, de 86 pontos, respeitando o mínimo de 35 anos de contribuição para homens e 30 para mulheres. A transição prevê um aumento de 1 ponto a cada ano, chegando aos 105 pontos para homens em 2028, e aos 100 pontos para mulheres em 2033.

- Transição 2 – tempo de contribuição + idade mínima

Estipula, desde já, a exigência de uma idade mínima para aposentadoria. Começa com 56/61 (mulheres/homens), em 2019, e aumenta seis meses a cada ano, até chegar aos 62/65, em 2031. É preciso ter completado o tempo mínimo de contribuição de 30/35 anos

- Transição 3 – pedágio

Quem estiver a dois anos de completar o tempo mínimo de contribuição, de 35 anos para homens e 30 para mulheres, pode pedir a aposentadoria nas regras atuais, mas precisa pagar pedágio de 50% sobre o tempo que falta para completar essa exigência. Quem estiver a um ano dos 30/35 de contribuição, por exemplo, precisará ficar outros seis meses além do um ano que falta, mas não precisa cumprir idade mínima. Incide o fator previdenciário, um cálculo que leva em conta a expectativa de sobrevida do segurado medida pelo IBGE. Quanto maior a expectativa, que vem aumentando a cada ano, maior a redução do benefício.

-Regra de transição para o setor público

Para os servidores públicos, a transição é feita por meio de uma pontuação que soma o tempo de contribuição com a idade mínima, começando em 86 pontos para mulheres e 96 pontos para homens. A nova regra prevê aumento de 1 ponto por ano, ao longo de 14 anos para mulheres e de nove anos para homens. O período de transição termina quando a pontuação alcançar 100 pontos para as mulheres, em 2033, e 105 para homens em 2028.


Zeina Latif: Jogo de empurra

É nos Estados que o quadro é dramático. De todos os lados, os números são muito ruins

Não se trata de apontar vilões. Mas é inegável que o País precisa discutir medidas urgentes, não só para conter o crescimento dos gastos com o funcionalismo, mas também reduzi-los. O Estado, que deveria servir aos cidadãos, tem seus recursos fiscais bastante comprometidos com a folha dos servidores.

No nível federal o quadro é menos grave. Em 2018, o gasto com a folha consumiu 24% da receita líquida, cifra que já foi mais elevada no passado. A reforma da Previdência de 2003, que eliminou a integralidade das aposentadorias para os servidores que ingressaram a partir daquele ano, vai contribuir para reduzir esse valor adiante.

É nos Estados que o quadro é dramático. De todos os lados, os números são muito ruins: o déficit previdenciário na casa de R$100 bilhões e a conta de restos a pagar em mais outros R$100 bilhões. Fora os repasses constitucionais a municípios atrasados. A maioria dos Estados não consegue cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que estabelece um teto de 60% da receita líquida corrente para o pagamento da folha. O gasto com a Previdência (mais de 40% da folha) é o que mais cresce: média de 7,6% ao ano descontada a inflação, segundo o Ipea, entre 2013 e 2018.

Pior, esse gasto vai crescer em ritmo mais acelerado nos próximos anos, partindo de um patamar já elevado – em 2017, para cada 100 funcionários na ativa, havia 88 inativos, segundo o Ibre-FGV. O Ipea aponta que, em 2015, 40% do funcionalismo tinha 49 anos ou mais. Os próximos anos serão de avalanche de aposentadorias. Teremos, pois, ainda muitos anos de deterioração dos serviços públicos.

A reforma da Previdência seria a luz no fim do túnel para os Estados, mas há um longo caminho a ser percorrido até que a reforma se traduza em redução dos gastos com inativos como proporção do PIB. É crucial, portanto, que seja aprovado o aumento da contribuição previdenciária. Impor idade mínima e aumentar o tempo de contribuição não é suficiente para estancar o agravamento da crise dos Estados.

É essencial que o Supremo Tribunal Federal vote a favor do dispositivo da LRF que permite que os governadores reduzam a jornada de trabalho e a remuneração do funcionalismo em caso de crise fiscal. A pressão de corporações do setor público sobre a Corte para não derrubar a liminar que congelou esse dispositivo não deve ser pequena.

Outro tema que o Brasil precisa discutir é a flexibilização da estabilidade dos servidores. Ela deveria ser restrita às carreiras de Estado e condicionada ao mérito. Passado um período probatório, com comprovação de bons serviços, a estabilidade poderia ser conquistada.

Diante desse cenário de inevitável ajuste, a elite dos servidores, com capacidade de bloquear reformas, reage. Além da pressão no Congresso e os sinais de força emitidos por várias corporações, haverá certamente propostas de emendas à PEC da Previdência. Acredito que a negociação com os servidores será a batalha mais difícil do governo.

Os diferentes graus de crise fiscal entre entes da federação e entre Estados acabam estimulando um jogo de empurra. Jair Bolsonaro, que pouco faz para defender sua reforma da Previdência, muito menos fará para ajudar os Estados. Assim, há o risco de a reforma da Previdência estadual ficar de lado, deixando para as assembleias estaduais a tarefa de aprová-la. Os governadores, por sua vez, não parecem muito dispostos a defender publicamente a reforma. As promessas de apoio feitas em Brasília não sobrevivem ao caminho de volta para casa. A briga, que deveria ser de todos, acaba não sendo de quase ninguém.

Um esforço coordenado dos governadores para aprovar a reforma da Previdência (e outras mais) parece algo distante. Ter comportamento de “caroneiro”, esperando que os demais assumam o desgaste político, é tentador. Nesse caso, o resultado final é conhecido na literatura econômica: uma reforma tímida, aquém do que ocorreria em caso de esforço coletivo. Fica a angustiante pergunta: quanto terá de piorar para melhorar?

*Economista-chefe da XP Investimentos


Vinicius Torres Freire: Não há governo

Rebelião na Câmara empareda governo, reformas naufragam, há anarquia em ministérios

O Congresso está à deriva, no que diz respeito aos interesses do governo. Alguns ministérios implodem em anarquia vexaminosa. A Câmara aprovou uma pauta-bomba nuclear, que na prática impede o governo de conter déficits —falta apenas a aprovação do Senado. Manter o teto de gastos talvez agora dependa da paralisação de parte da máquina pública.

Sem o serviço de bombeiro em tempo integral de Rodrigo Maia, foram detonadas várias bombas. Nada mais se pode dizer do que será feito da política e, pois, da economia, pois Jair Bolsonaro se omite, quando não agrava a crise.

No Congresso, havia ameaças de derrubar decretos do governo ou de chamar ministros às falas. Tudo isso, porém, virou picuinha, pois à noite a Câmara aprovou emenda constitucional que impede o Executivo de cortar certas despesas (como investimentos e emendas parlamentares).

Em menos de duas horas, maioria massacrante de deputados votou em dois turnos uma PEC que vai emparedar o governo, caso seja aprovada também no Senado.

De manhã, lideranças de partidos que juntam uns 300 dos 513 deputados até propuseram um novo pacto, mas com uma faca no pescoço do Planalto. Podaram da reforma previdenciária as mudanças nos benefícios para idosos muito pobres (BPC) e na aposentadoria rural. É um adeus para o trilhão de reais de economia em uma década, plano do ministro Paulo Guedes (Economia). Mas os deputados disseram ao menos que aceitam conversar, nessas novas bases.

O governo, porém, não tinha ordem ou capacidade nem de reagir a esse manifesto que na prática junta a Câmara inteira, afora oposição, o PSL e uns gatos pingados.

Os deputados não querem levar a fama de esfoladores de idosos, ainda mais porque os atingidos pela barragem da reforma da Previdência andam nas calçadas em que ficam os escritórios regionais dos parlamentares. Querem dividir a conta com o Planalto. O governo não está nem aí.

Ainda nesta terça-feira de naufrágio, Guedes ouviu dos governadoresque a reforma não anda sem que o governo crie um grupo de negociação, bancado por Bolsonaro. O ministro prometeu garantias para empréstimos estaduais, antecipação de receitas de privatizações e dinheiro do petróleo (royalties, participações e parte das concessões). Mas governador tem pouco voto no Congresso.

Vendo o tamanho do desarranjo, Guedes reuniu seu pessoal e o que resta de articuladores governistas a fim de nomear ao menos um relator para a reforma previdenciária. Não vai adiantar muito, pois a Comissão de Constituição e Justiça, onde a reforma tem de começar a tramitar, está em pé de guerra, interna e com o resto da liderança bolsonarista. O governo é omisso.

Deputados governistas faziam troça da desordem. "O cabaré pegou fogo e o Bolsonaro está lá resolvendo os problemas do Carluxo [Carlos, filho do presidente] na Secom [Secretaria de Comunicação] e recebendo o Flávio [o filho senador], que virou um zumbi", dizia um deles.

Um parlamentar próximo de Rodrigo Maia se dizia espantado com a ausência presidencial em assuntos críticos. Falava da anarquia no Ministério da Educação e o "risco" do Ministério do Turismo, "que está para explodir a qualquer momento". O ministro Marcelo Antônio é acusado de montar um esquema de candidatos-laranjas do PSL, na eleição de 2018.

Era difícil de entender se o governo espera um milagre, não entende a gravidade do vácuo ou quer um colapso, de propósito.


Miguel Reale Júnior: O estamento burocrático

Cumpre apoiar a redução da desigualdade previdenciária entre o setor privado e o público

A maior preocupação do dr. Ulysses Guimarães, a partir do texto produzido pela Comissão de Sistematização na Assembleia Nacional Constituinte, dizia respeito à previdência social, em vista dos benefícios concedidos ao servidor público e ao valor mínimo da aposentadoria no setor privado. Em reuniões prolongadas com técnicos em cálculo atuarial, faziam-se exames de receita e despesa para ver se a conta fechava. Havia, então, diferença em face dos dias atuais, com taxa menor de desemprego e reduzido índice de trabalho informal, sem o elevado número de hoje dos não contribuintes do INSS.

Mas a questão principal consistiu na criação de duas distintas camadas sociais. No primeiro degrau foi colocada a massa de trabalhadores do setor privado; acima, o estamento burocrático, composto pelos servidores públicos dos três Poderes das unidades da Federação: União, Estados e municípios.

Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, bem assevera que “o estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira”.

Com a supremacia do estamento instala-se a forma patrimonialista de exercício do poder, que atua segundo critérios personalíssimos, confundindo o público e o privado. O importante era ter a caneta que nomeia, cimentando-se a rede de relacionamento entre os detentores do poder, na qual vige a cordialidade de que fala Sérgio Buarque de Holanda.

A prevalência do estamento burocrático, cujas origens remontam ao Brasil colônia, instaurou-se ao longo da História. Mas na Assembleia Nacional Constituinte as corporações dos diversos segmentos da administração pública se fizeram especialmente presentes. A Lava Jato constitui a primeira grande brecha aberta nesse sistema de domínio político e social.

A Constituinte foi uma passarela na qual passaram de índios a magistrados – da tanga à toga –, sendo, todavia, mais que tudo o palco da atuação dos lobbies dos setores organizados do serviço público: as equipes de ação continuada dos Ministérios Públicos estaduais e federal, dos juízes, das Polícias Militar e Civil, dos advogados públicos, dos militares das três Armas, do funcionalismo em geral.

Além dos pontos específicos que cada corporação buscava introduzir, esse desfile de grupos de pressão do estamento burocrático estabeleceu precisa divisão de dois tipos de aposentadoria: os trabalhadores do setor privado, cujos proventos têm remuneração máxima, pelo INSS, correspondente a cinco salários mínimos, com desconto da contribuição; e a dos servidores públicos de todos os Poderes e de todos os níveis, que recebiam, segundo o texto original, remuneração integral ao ganho na atividade, sem desconto da contribuição, majorados os proventos conforme o reajuste dado aos servidores em atividade.

Os presidentes Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Michel Temer tentaram, com dificuldades, modificar o sistema imposto pela Constituição, seja ao setor público como ao privado, pois, com o aumento da expectativa de vida, havia (e há) uma bomba nas contas públicas. O maior obstáculo sempre foi a força dos grupos de pressão das corporações do setor público.

Após três anos de tramitação, a emenda modificativa da Previdência no governo Fernando Henrique trouxe como principal mudança não se considerar o tempo de serviço do trabalhador, mas sim o tempo de contribuição ao INSS. Por apenas um voto, não se aprovou a exigência de idade mínima para aposentadoria. Em contrapartida, Fernando Henrique veio a impor o fator previdenciário, pela Lei n.º 9.876/99, penalizando, por exemplo, o homem que viesse a se aposentar com menos de 65 anos.

Lula estabeleceu a cobrança de contribuição dos servidores públicos aposentados, na alíquota de 11% e teto para servidores estaduais e federais. Já Temer propôs que servidores públicos, agentes políticos e trabalhadores do setor privado deveriam aposentar-se com 65 anos os homens e 62 as mulheres. Previa-se que o maior valor a ser pago no setor público correspondesse ao máximo pago pelo INSS. Contudo, às vésperas de ser votada a emenda, passível de ser aprovada com algumas alterações, o Ministério Público Federal divulgou conversa de Temer com Joesley Batista, destruindo seu capital político e enterrando a reforma.

A tarefa impostergável ficou para o presidente seguinte. A equipe de Jair Bolsonaro vem de apresentar proposta de emenda constitucional que estabelece aquela mesma idade mínima para homens e mulheres e visa também a reduzir a desigualdade entre o setor público e o privado. Não mais iguala os proventos de ambos os setores, mas aumenta significativamente o valor da contribuição, que chega a 22%, sobre as mais elevadas remunerações da área pública.

Em 7 de agosto de 2003, editorial deste jornal destacava o objetivo das reformas: “A correção de um sistema que vem provocando enormes transferências de renda dos trabalhadores do setor privado para os do setor público, além de ser o maior fator estrutural do desequilíbrio das contas públicas”. Esse é o imenso desafio, enfrentado ao longo de mais de 25 anos, com pequenas vitórias, pois o estamento burocrático tem seus tentáculos, sabe fazer lobby, conhece os corredores do Congresso Nacional e forma rede de auxílio mútuo junto a parlamentares.

Cabe opor-se às injustiças das reduções: do benefício para os idosos pobres, da pensão por morte e da aposentadoria por invalidez. Mas cumpre apoiar a minimização da desigualdade entre o setor privado e o público, este o principal responsável pelo déficit previdenciário, faltando conhecer a proposta relativa aos militares.

A tarefa não é fácil, ainda mais em face da inabilidade política do capitão presidente, cotidianamente comprovada.

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça


Míriam Leitão: A reforma em terreno minado

Aprovar a reforma é fortalecer a espinha dorsal da economia, mas o projeto tramitará em terreno político minado pelos erros iniciais do governo

Três ministros do governo são do DEM, mas o DEM não se sente governo. Os dois presidentes do Congresso são desse mesmo partido e vão crescer na articulação política, principalmente o experiente Rodrigo Maia, até porque não existe espaço vazio em política. O ministro Onyx Lorenzoni tem dificuldades de diálogo com Maia, mas é o articulador civil que sobrou no Palácio. Gustavo Bebianno tinha mais canais com o confuso PSL. Esse é o quadro que analistas do próprio governo desenham como parte da complicação de tramitação da reforma da Previdência.

Esse é um governo que já foi atingido por denúncias de irregularidades. Mesmo assim ele quer parecer diferente de todas as outras administrações na relação com o Congresso. O problema é não saber diferenciar, com precisão, o que são os recursos políticos usados numa articulação no Congresso e quais são os mal feitos que deve rejeitar. Um exemplo dado por um político foi o seguinte: o presidente Jair Bolsonaro escolheu Luiz Mandetta para ser ministro da Saúde. Se ele, antes de convidar formalmente, tivesse ligado para o presidente do DEM, ACM Neto, e avisado, conseguiria fazê-lo sentir-se parte da decisão. Mas Bolsonaro acha que isso é a velha articulação com os partidos que ele condena.

É natural que deputados e senadores defendam os interesses de sua base, como uma obra, um projeto, explicou um parlamentar. O errado seria haver corrupção na obra, ou ela não ser necessária. O presidente tem que saber quais os pleitos pode atender para costurar a sua base de apoio e que outros trazem os vícios do passado do qual prometeu se dissociar. A bem da verdade, os fatos recentes mostram que ele nunca se distanciou de fato da velha política.

A reforma da previdência é agora criticada por servidores que a consideram dura demais com eles e querem entrar na Justiça contra as alíquotas. Por outro lado, tem sido criticada por ter sido fraca com algumas categorias ou por ter inflado os cálculos do ganho. Os servidores começaram a dizer que a alíquota é de 22%. Essa é a taxa bruta para quem se aposenta com mais do que R$ 39 mil hoje. A efetiva é menor. E esse valor de aposentadoria é alto demais para o Brasil ou qualquer país do mundo.

Daqui em diante o projeto ficará prisioneiro de dois tipos de críticas opostas. Alguns dirão que ele é duro demais. Outros, que ele é insuficiente e favorece alguns grupos. O adiamento do projeto dos militares será usado como pretexto para quem quer fazer corpo mole como forma de pressionar o governo na área política. Há também dúvidas jurídicas sobre o caminho escolhido de desconstitucionalizar futuras mudanças nos parâmetros da Previdência.

A reforma é, como escrevi aqui, o mais amplo projeto já apresentado ao país. Todos os presidentes tentam reformar a previdência desde o Plano Real. A diferença é que alguns quando estão na oposição são contra a reforma com argumentos demagógicos ou corporativistas. Foi o que aconteceu com Lula. Foi o que aconteceu com Bolsonaro. “Eu errei”, admitiu o presidente ao entregar seu projeto e apelar ao patriotismo dos parlamentares. Errou muitas vezes, quando deputado do baixo clero. Nunca demonstrou ter capacidade de ver o interesse do país num projeto de outro grupo político. Sempre agarrou-se a pautas menores, de interesse das categorias que defendia. Seu chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi outro adversário da última reforma.

Com todos esses passivos, o governo tentará fazer andar seu bom projeto de reforma, necessário ao país e fundamental para que outros passos sejam dados no caminho da retomada do crescimento. Por erros do governo Dilma, a dívida pública retomou o crescimento e entrou em rota perigosa. O rombo estrutural da previdência alimenta o temor de que a dívida não será paga pelo Tesouro em algum momento. E são os títulos públicos que sustentam as aplicações financeiras de pessoas, fundos e empresas do Brasil. Fazer a reforma é reforçar a espinha dorsal da economia.

No minado terreno político brasileiro, num governo precocemente envelhecido, essa importante reforma tramitará nos próximos meses. A economia depende de que Bolsonsaro, o improvável reformador da previdência, tenha sucesso em sua missão.


Ribamar Oliveira: Servidores precisarão pagar e trabalhar mais

STF terá que definir alíquota máxima da Previdência

As grandes novidades da proposta de reforma enviada ontem ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro são as alíquotas progressivas de contribuição para a Previdência Social e a permissão para que a União, os Estados e municípios instituam contribuições extraordinárias para equacionar os déficits atuariais dos regimes próprios de seus servidores.

Hoje, a alíquota do servidor que ingressou no serviço público antes de 2013 e não fez opção pela aposentadoria complementar é de 11% sobre o salário. Com a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) apresentada pelo governo Bolsonaro, haverá alíquotas diferentes para cada faixa de remuneração, da mesma forma que existe atualmente para o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF).

Para o servidor, a contribuição previdenciária ordinária será de 14%, e não mais 11%. A alíquota de 14% será reduzida em 6,5 pontos percentuais para a faixa da remuneração de até um salário mínimo. Ou seja, a alíquota será de 7,5% (14% menos 6,5 pontos percentuais). Para a faixa da remuneração acima de um salário mínimo até R$ 2 mil, a alíquota será reduzida em cinco pontos percentuais (ou seja, será de 9%). Para a faixa da renda acima de R$ 2 mil até R$ 3 mil, a redução será de dois pontos percentuais (12%). Acima de R$ 3 mil até R$ 5.839,45, não haverá redução. Para a faixa da remuneração de R$ 5.839,46 até R$ 10 mil, a alíquota de 14% será acrescida de 0,5 ponto percentual (14,5%).

Acima de R$ 10 mil até R$ 20 mil, o acréscimo será de 2,5 pontos percentuais (16,5%). Na faixa de renda acima de R$ 20 mil até R$ 39 mil, o acréscimo será de cinco pontos percentuais (19%). Para a faixa da renda acima de R$ 39 mil, o acréscimo será de oito pontos percentuais. Ou seja, a alíquota incidente sobre essa última faixa de renda será de 22% (14% mais oito pontos percentuais). As alíquotas efetivas da contribuição previdenciária, obtidas comparando-se o valor pago com a remuneração total, vão variar desde 7,5% até mais de 16,79%.

No caso do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada, as alíquotas atuais variam de 8% a 11% sobre o salário de contribuição. Com a incidência progressiva, as alíquotas irão variar de 7,5% a 14%, dependendo da faixa de renda. A alíquota efetiva de contribuição ao RGPS vai variar de 7,5% a 11,68%. "Quem ganha mais contribuirá com mais", enfatizou o secretário Especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho.

O governo espera uma arrecadação extra de R$ 33,6 bilhões nos próximos quatro anos com a mudança das alíquotas do Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) da União e de R$ 173,5 bilhões em dez anos. No caso do RGPS, a mudança de alíquotas reduzirá a arrecadação em R$ 10,3 bilhões nos próximos quatro anos e em R$ 27,6 bilhões em dez anos.

A progressividade é uma questão é controversa. O Supremo Tribunal Federal (STF) cristalizou entendimento contrário ao estabelecimento de alíquotas progressivas para as contribuições previdenciárias de servidores públicos, com o argumento principal de que a medida exige autorização expressa no texto constitucional. A proposta da reforma da Previdência do governo Bolsonaro pretende justamente mudar a Constituição para permitir a progressividade.

Existe outra discussão no Judiciário, ainda inconclusa, em torno da alíquota previdenciária máxima que pode ser cobrada dos servidores. Alguns tribunais têm chamado de abusiva, considerando até mesmo confisco, alíquota em torno de 20%. O argumento é que, além da contribuição previdenciária, os servidores também pagam imposto sobre a renda e os tributos sobre o consumo.

O Supremo ainda não decidiu qual é o limite para a alíquota previdenciária não ser considerada confisco. O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, admitiu ontem que essa questão dependerá de pronunciamento do STF.

A definição do limite para a contribuição previdenciária do servidor é uma questão central, pois, além da "alíquota ordinária", a PEC permite que a União, os Estados e os municípios cobrem alíquotas extraordinárias para o equacionamento dos déficits atuariais dos regimes próprios de seus servidores. A PEC não estabelece limite para a alíquota extraordinária. Em tese, a soma das duas (ordinária e extraordinária) poderá superar 20%. O déficit atuarial dos servidores da União ultrapassa R$ 1,2 trilhão, e o dos Estados, R$ 2,4 trilhões.

Se a PEC for aprovada, os servidores também terão que trabalhar mais. Quem ingressou no serviço público antes de 2003, por exemplo, embora mantenha o privilégio da aposentadoria igual à remuneração que recebe na ativa (integralidade), terá que trabalhar até 65 anos, se homens, e 62 anos, no caso das mulheres. Não há regra de transição para este caso. Atualmente, a idade mínima é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres.

Os maiores afetados pela PEC, no entanto, serão os servidores que ingressaram no serviço público depois de 2003 e antes de 2013 e que não optaram pelo fundo de aposentadoria complementar. A regra de transição a que eles serão submetidos exigirá mais tempo de trabalho para ter acesso à aposentadoria e um tempo de serviço público de 20 anos. Para eles, a PEC reduz o valor do benefício, pois o cálculo passa a considerar todas as contribuições realizadas durante o período de atividade. Hoje, o cálculo considera 80% das maiores contribuições.

Para aprovar a sua proposta de reforma da Previdência, o governo Bolsonaro terá, portanto, que enfrentar as grandes corporações de servidores. Foi esse embate que inviabilizou a reforma do ex-presidente Michel Temer, além, é claro, da denúncia contra ele apresentada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.

Para os trabalhadores da iniciativa privada, a proposta de Bolsonaro só é mais dura do que a de Michel Temer no prazo de transição. Bolsonaro estabeleceu prazo de 12 anos. Temer propôs 20 anos. A atual equipe econômica desistiu de desvincular os benefícios assistenciais (BPC) do salário mínimo, da mesma forma que fez a equipe de Temer. Na verdade, colocou uma "isca" para elevar de 65 a 70 anos a idade mínima para a requerer aposentadoria pelo BPC e ter direito a um salário mínimo: concede R$ 400 para quem está com 60 anos e tem renda familiar abaixo de 1/4 do salário mínimo.


O Globo: Entenda, ponto a ponto, as mudanças da reforma da Previdência

Proposta de Bolsonaro prevê idade mínima, altera regras para professores e policiais e cria regimes de transição

Por Geralda Doca, Daiane Costa e Stephanie Tondo, de O Globo

RIO - O texto da reforma da Previdência foi enviado ao Congresso nesta quarta-feira pelo governo federal. Veja quais são as propostas de novas regras para se aposentar.

» IDADE MÍNIMA
Como é hoje: Não existe idade mínima de aposentadoria no setor privado (INSS). No serviço público, ela é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres.
Como fica: Trabalhadores do INSS e do serviço público terão idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher).

 

» TRANSIÇÃO
» No INSS: A partir da aprovação da reforma, a idade mínima será de 56 anos (mulheres) e 61 anos (homens) para quem se aposenta por tempo de contribuição. Esse tempo é de 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). A idade mínima vai subir seis meses por ano até atingir 62/65 anos. No caso de quem se aposenta por idade (hoje de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres), a idade da mulher subirá seis meses por ano até alcançar 62 anos.

» No serviço público: As idades de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens) também subirão gradativamente até atingir 62/65 anos.

 

» COMO FUNCIONARÁ A REFORMA PARA QUEM ESTÁ NO MERCADO
No INSS, serão oferecidos quatro critérios para pedir aposentadoria. As pessoas poderão escolher o que for mais vantajoso:

» Aposentadoria por idade: será exigido pelo menos 20 anos de contribuição para essa modalidade de aposentadoria. E, ainda, idade mínima de 62 anos para as mulheres. Mas a regra de transição prevê uma “escadinha” para chegar até esses limites. A idade mínima para as mulheres sobe 6 meses a cada ano, até chegar 62 anos em 2023. E o tempo mínimo de contribuição aumenta em seis meses a cada ano, até chegar aos 20 anos de contribuição (para homens e mulheres) em 2029.

» Somatório de pontos: quem optar por este modelo terá de somar sua idade e tempo de contribuição para saber sua pontuação atual. E precisará ter contribuído por pelo menos 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Em 2019, poderá se aposentar quem tiver 86 pontos no caso de mulheres e 96 pontos, para os homens. Essa tabela 86/96 sobe um ponto a cada ano. Em 2020, será exigido 87 pontos das mulheres e 97 pontos do homem. Em 2021, 88/98. E assim progressivamente, até chegar a 105 pontos para os homens e cem pontos para as mulheres. O trabalhador só poderá se aposentar quando a sua pontuação encaixar na tabela de mínimo exigido na reforma naquele ano

» Por tempo de contribuição: Quem optar por esse modelo terá de cumprir a idade mínima para se aposentar seguindo uma tabela da transição. E precisará ter contribuído para o INSS por 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Essa transição para as novas idades mínimas vai durar 12 anos para as mulheres e oito anos para os homens. Ou seja, em 2027, valerá para todos os homens a idade mínima de 65 anos. E, em 2031, valerá para todas as mulheres a idade mínima de 62 anos. A reforma prevê que a idade mínima começará aos 61 anos para os homens e 56 anos para as mulheres, em 2019. E sobe seis meses por ano, até atingir os 62 anos para a mulher e 65 anos para o homem.

» Pedágio: quem está perto de se aposentar, faltando dois anos pelas regras atuais, terá uma opção a mais na regra de transição - pedir a aposentadoria por tempo de contribuição. Mas terá de "pagar um pedágio" de 50%. Funciona assim: se pelas regras atuais faltar um ano para o trabalhador se aposentar, ele terá de trabalhar um ano e meio (ou seja, 1 ano + 50% do "pedágio"). Se faltarem dois anos, terá de ficar no mercado por mais três anos.

» No serviço público: será oferecida uma única regra. A idade de aposentadoria atual de 55 anos (mulher) e 60 anos (homem) subirá para 56/61 anos em 2019 e assim progressivamente até atingir 57/62 anos em 2022 . Também será preciso obedecer o sistema de pontos, que começa com 86/96 pontos até alcançar 100/105 pontos.

 

» ALÍQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO
» Como é hoje: As alíquotas do INSS variam de 8% a 11% no INSS. Para o servidor, quem ingressou até 2013 e nao aderiu ao fundo complementar (Funpresp) recolhem 11% sobre o vencimento. Já quem ingressou depois de 2013 ou aderiu ao novo fundo recolhe também 11%, mas pelo teto do INSS.
» Como fica: As alíquotas serão de 7,5% a 14% para o INSS e de até 22% no caso dos servidores. E passarão a ser progressivas, variando por faixa de renda, como já é feito no IR. Assim, na prática, as alíquotas efetivas serão mais baixas.

 

» REGRA DE CÁLCULO
» Como é hoje: O valor do benefício é calculado com base em 80% dos maiores salários de contribuição.
» Como fica: O valor do benefício será calculado com base na média dos salários de contribuição. Com 20 anos de contribuição, a pessoa tem direito a 60% do valor do benefício. Quem ficar mais tempo na ativa ganhará um acréscimo de 2% até o limite de 100%. Para receber integral será preciso contribuir por 40 anos.

 

» SERVIDORES PÚBLICOS
Que ingressaram até 2003
» Como é hoje: têm direito à paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos) e integralidade (último salário da carreira).
» Como fica: para ter direito à paridade e integralidade será preciso atingir idade mínima de 65 anos (homem) e 62 anos (mulher), a partir da aprovação da reforma.
Aposentadoria do servidor público: saiba como são as regras atuais

 

» APOSENTADORIAS ESPECIAIS
» Policiais federais e civis
Como é hoje: Podem se aposentar com 30 anos de contribuição (homens) e 25 anos de contribuição (mulheres) e com tempo na atividade policial de 20 anos (homens) e 15 anos (mulheres). Não há idade mínima de aposentadoria.
Como fica: Precisam atingir idade mínima de aposentadoria de 55 anos (homens e mulheres). O tempo mínimo de contribuição será mantido em 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres). O tempo de exercício na função subirá um ano a cada dois anos até atingir 25 anos (homem) 20 anos (mulher).

» Agentes penitenciários
Como é hoje: Não há idade mínima de aposentadoria e as pessoas podem se aposentar com 30 anos de contribuição (homens) e 25 anos (mulheres) e tempo efetivo na função de 20 anos (homem) e 15 anos (mulheres).
Como fica: são enquadrados nas mesmas regras dos policiais federais e civis.

» Trabalhadores rurais
Como é hoje: Podem se aposentar aos 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens). Eles não são obrigados a contribuir para a Previdência, mas precisam comprovar pelo menos 15 anos de atividade no campo.
Como fica: A idade mínima de aposentadoria sobe para 60 anos (homens e mulheres). O tempo mínimo de contribuição também será elevado para 20 anos e eles serão obrigados a dar alguma contribuição para o sistema, podendo optar em recolher 1,7% sobre a comercialização da produção ou pagar um valor fixo de R$ 600 por ano por núcleo familiar.

» Professores (ensino infantil, médio e fundamental)
Como é hoje:
Rede privada (INSS) - Podem se aposentar com 30 anos de contribuição (homem) e 25 anos de contribuição (mulher), sem exigência de idade mínima.
Rede pública - Podem se aposentar com 30 anos de contribuição (homem) e 25 anos de contribuição (mulher). Há idade mínima de aposentadoria de 50 anos (mulher) e 55 anos (homem).
Como fica: Nos dois casos, a idade mínima será de 60 anos e 30 anos de contribuição (homens e mulheres). Será preciso comprovar exercício na função.

» Policiais militares e bombeiros
Como é hoje: As regras variam de acordo com as legislações estaduais. Não há idade mínima de aposentadoria.
Como fica: Serão igualados aos militares das Forças Armadas. Deverão permanecer sem idade mínima, mas as regras previdenciárias vão mudar: o tempo na ativa será de 35 anos, com possibilidade de cobrança da contribuição previdenciária para policiais inativos (reserva/reforma) e de pensionistas e alunos em escola de formação (academia).

» Políticos
Como é hoje: Podem se aposentar aos 60 anos (homens e mulheres), com 35 anos de contribuição, e incorporar no benefício uma parcela do salário no Legislativo.
Como fica: A idade subirá para 65 anos para os homens e 62 para mulheres. Quem atingir essa idade e não tiver ainda 35 anos de contribuição tem de pagar 30% de pedágio sobre o tempo de contribuição faltante. Os novos ocupantes de cargos eletivos serão enquadrados nas mesmas regras do INSS.

» APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
Como é hoje: Se aposenta com o valor integral do benefício a que tem direito
Como fica: O valor do benefício vai variar de acordo com a origem do problema que levou ao afastamento irreversível do mercado de trabalho. Se for acidente de trabalho, doenças profissionais ou doenças do trabalho continua recebendo o valor integral a que tem direito. Nos demais casos, só receberá 60% do valor a que tem direito e, quem tem mais de 20 anos de contribuição recebe 2% mais por ano que exceda essas duas décadas. Essa regra não vale para quem tem direito a apenas um salário mínimo. Nesse caso, não será feito nenhum desconto.

 

» BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS
Pago a idosos e deficientes da baixa renda que não contribuíram para regime

Como é hoje: O auxílio, no valor de um salário mínimo, é concedido aos 65 anos para homens e mulheres cuja renda mensal de cada integrande da família não ultrapasse 1/4 do salário mínimo. Deficientes recebem um salário mínimo com qualquer idade, desde que também comprovem essa situação de miserabilidade.
Como fica:
» Deficientes: renda mensal de um salário mínimo, sem limite de idade.
» Idosos (em condições de miserabilidade): Será possível antecipar os benefício assistencial no valor de R$ 400 aos 60 anos de idade e a partir dos 70 anos, o valor sobe para um salário mínimo.
Condição de miserabilidade: além da renda mensal per capita da família ser inferior a 1/4 do salário mínimo, o patrimônio familiar não pode ultrapassar o valor de R$ 98 mil.

 

PENSÕES
Como é hoje: O valor da pensão é integral.
Como fica: O valor da pensão cairá para 60%, mais 10% por dependente (incluindo a viúva ou o viúvo). Quando os beneficiários perderem a condição de dependentes, as quotas são extintas. Quem já recebe a pensão não será atingido.

 

ACÚMULO DE BENEFÍCIOS
Como é hoje: É possível acumular aposentadoria e pensão.
Como fica: O segurado ficará com o benefício de maior valor, mais uma parcela do de menor valor, obedecendo uma escadinha: 80% se o valor for igual a um salário mínimo; 60% do valor que exceder o mínimo, até o limite de dois; 40% do valor que exceder a dois mínimos e 20% do valor acima de três salários mínimos até quatro salários mínimos. Acima disso, não recebe nenhuma porcentagem. Algumas carreiras como médicos e professores, quem têm acumulações previstas em lei, não serão atingidos. No entanto, a acumulação de cada benefício adicional será limitada a dois salários mínimos.


Bruno Boghossian: Inabilidade de Bolsonaro envenena lua de mel do início do mandato

Largada desastrosa tem derrota no Congresso e auxiliar que contesta presidente

A caminho da lua de mel, Jair Bolsonaro pegou o desvio errado na estrada. O presidente insistiu em dirigir com os olhos vendados, enquanto as crianças berravam no banco de trás. Trocou meses de romance com aliados, eleitores e o Congresso por uma temporada no meio de uma praça de guerra.

Bolsonaro jogou fora o período em que os governantes tradicionalmente aproveitam sua popularidade para aprovar projetos importantes e contornar assuntos espinhosos. O vazamento de gravações que sugerem que o presidente falsificou uma versão sobre a queda de Gustavo Bebianno e a lavada que o governo levou na Câmara nesta terça (19) marcam uma largada desastrosa.

Já se previa certa hostilidade nas relações políticas de Bolsonaro, mas não se imaginava que os duelos surgiriam tão cedo. Em 50 dias de mandato, ele comprovou sua inabilidade para lidar com o Parlamento e gerenciar crises dentro de casa.

Chamado de mentiroso, Bebianno divulgou as conversas que precederam sua demissão. Nas gravações, o ex-ministro mostra que trocou mensagens com o presidente enquanto a crise das candidatas laranjas do PSL se desenrolava —o que o próprio Bolsonaro havia negado.

Não é normal que um auxiliar revele diálogos privados para desmentir um presidente. Para piorar, Bebianno diz que o chefe foi “envenenado” pelo filho e que Carlos fez uma “macumba psicológica na cabeça do pai”. A influência nociva da família sobre Bolsonaro ganha contornos de lavagem cerebral.

O governo ainda amargou derrotas humilhantes no Congresso. O Senado aprovou um convite para que Bebianno dê explicações sobre o laranjal do PSL, e a Câmara deu uma surra no presidente ao votar contra o decreto que permite expandir o sigilo de documentos públicos.

Na véspera da visita de Bolsonaro ao Congresso para apresentar a reforma da Previdência, a articulação política fracassou, e os partidos resolveram atacar. Agora, eles prometem cobrar caro por uma conciliação.


Valor: 'Com regra atual, nem em dez anos Estados vão ajustar as contas', diz economista

"Agora pelo menos nos Estados percebe-se que o problema independe de partidos, é sistêmico. Dar alívio a Estados em troca da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é grande"

Por Marta Watanabe, do Valor Econômico

SÃO PAULO - Desde que foi secretária da Fazenda de Goiás em 2015 e 2016, Ana Carla Abrão participa intensamente do debate sobre as contas públicas e agora propõe uma "reforma de RH do Estado", que inclui mudanças estruturais nas carreiras dos servidores públicos e um plano de ajuste para os governos estaduais. Elaborada em conjunto com o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e com o jurista Carlos Ari Sundfeld, a proposta se concentra em mudanças na legislação infraconstitucional.

Pela proposta, os Estados devem reconhecer o tamanho da despesa de pessoal, seja como resultado de mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), seja pela harmonização de interpretações da lei pelos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs). Com isso, todos os Estados, diz a sócia da Oliver Wyman, ficarão acima do teto de gastos de pessoal, de 60% da receita corrente líquida no consolidado dos poderes.

O prazo para reenquadramento dos Estados, segundo a ex-diretora do Itaú, será ampliado de dois quadrimestres para dez anos. A contrapartida dos governadores será replicar em seus Estados mudanças que inicialmente seriam feitas na legislação federal, com regulamentação de avaliação de desempenho relativo dos servidores, fim das promoções e progressões automáticas e reestruturação de carreiras. As alterações precisam passar pelas Assembleias Legislativas. O ajuste seria gradual e monitorado pelo Tesouro Nacional no decorrer dos dez anos e pode, num cenário otimista, resultar em redução nominal de 30% da folha ao fim de quatro anos.

Ex-economista chefe da Tendências Consultoria, Ana Carla avalia que atualmente há um grupo de Estados que claramente caminham no sentido de mudanças estruturais para reequilíbrio fiscal. Seria o que ela chama de coalizão, formada pelos governadores João Doria (PSDB), de São Paulo, Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Helder Barbalho (MDB), do Pará. Renan Filho (MDB), de Alagoas, destaca ela, se aproxima desse grupo em temas como a reforma previdenciária. Antes, diz Ana Carla, entre os governadores do mandato anterior, o ajuste era bandeira de vozes isoladas, como Paulo Hartung (sem partido/ES) e Renan Filho. O agravamento da crise, afirma ela, tornou o problema dos Estados mais claro. Ana Carla diz que não é possível esperar que todos abracem todas as agendas, mas à medida que a coalizão se amplia, avalia, há pautas básicas "passíveis de serem adotadas Brasil afora".

Apesar do quadro mais propício entre os governadores, Ana Carla teme que a reforma previdenciária vire moeda de troca por pacote de apoio aos Estados. O governo federal, diz ela, tem sido firme no sentido de que a reforma previdenciária é importante e prioritária. "O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional", diz. "Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. Não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos." A reforma tributária, defende, precisa ser aprovada por si só porque é imprescindível para que o país tenha alguma chance de crescer.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no escritório da Oliver Wyman:

Valor: Como é a proposta para ajuste dos Estados elaborada com o economista Arminio Fraga e o jurista Carlos Ari Sundfeld?
Ana Carla Abrão: A ideia é uma reforma de base, uma reforma de RH [recursos humanos] dos Estado para alterar a legislação infraconstitucional, deixando a discussão de estabilidade para depois. Mexer na estabilidade exige mudança na Constituição Federal e não há espaço para discutir isso agora, já que a prioridade é a emenda da reforma previdenciária. Nossa proposta está dividida em duas etapas: uma que trata do governo federal e do serviço público federal e uma que trata de Estados e municípios. Na esfera federal propomos três pontos. O primeiro é regulamentar critérios de avaliação de desempenho. Vamos regulamentar e estabelecer que é obrigatória a avaliação de desempenho de forma periódica num nível relativo de todo o servidor público do país. Nas avaliações de hoje, todo mundo ganha nota dez ou mil. E sabemos que os serviços públicos não são nem nota dez nem nota mil. O bom servidor público, que trabalha duro, está recebendo a mesma nota muitas vezes de outro que não é tão comprometido. O segundo ponto é acabar com promoções e progressões automáticas, que têm duas implicações nefastas. A primeira é que as pessoas não precisam se esforçar para ganhar mais ou ocupar cargos mais altos. Segundo, há impacto fiscal relevante. Porque mesmo se não der aumentos salariais a folha crescerá de forma vegetativa.

Valor: E isso afeta a capacidade de gestão da folha?
Ana Carla: Sim, tira a possibilidade de gestão do administrador público. As promoções e progressões continuarão porque fazem parte do desenvolvimento profissional, mas precisam ser vinculadas ao mérito. O terceiro ponto é resgatar a capacidade de planejamento da força de trabalho no setor público. Hoje na máquina pública se abrem concursos e não há mobilidade entre as carreiras. Então existem órgãos em que sobra gente e outros em que falta, o que gera mais concursos. O processo não tem fim. As empresas do mundo estão discutindo como lidarão com a disrupção tecnológica e o avanço da digitalização. Precisamos preparar o setor público para isso, atrair pessoas com perfil diferente, com capacidade de mobilidade dentro da máquina.

Valor: E Estados e municípios?
Ana Carla: É o outro pilar da proposta. Não é possível aceitarmos serviços públicos tão ruins num país onde mais da metade da população depende de educação e saúde pública e gratuita. Isso reforça a desigualdade social e precisa ser revertido. Os Estados e municípios são os provedores da maior parte desses serviços e é onde temos também o maior problema fiscal. Estamos alocando mal os recursos, e hoje o servidor público responsável por prover os serviços está desmotivado porque não recebe salários em razão da situação de colapso fiscal. A proposta original é rever a LRF e atualizar os conceitos de despesa de pessoal. Sabemos que nenhum Estado cumpre a LRF. Propomos rever o conceito de despesa de pessoal, reconhecer as despesas. A consequência disso é que 100% dos Estados estarão desenquadrados. A LRF estabelece dois quadrimestres de prazo para reenquadramento.

Valor: Mas o prazo não é viável.
Ana Carla: É absolutamente impossível. Não é razoável achar que os Estados vão baixar 15 ou 20 pontos de comprometimento da receita nesse prazo. Então criaríamos uma disposição transitória para, especificamente para neste momento, dar dez anos de prazo para o reenquadramento. Com os instrumentos atuais, é impossível enquadrar mesmo em dez anos. O enquadramento se dará com os Estados aderindo aos dispositivos que propusemos para o governo federal, com avaliação de desempenho relativa, proibição de promoções e progressões automáticas e revisão de planos de cargos e salários. A redução da despesa será feita de forma linear. Ao final, vão ter alguns ganhando mais, outros menos, mas teremos um contingente mais racional de servidores. Será possível dar condições de trabalho a eles e recuperar a capacidade de investimento. Com base em análise de planos de carreiras e de legislações de cargos e salários em entes federados e levando em conta uma situação otimista, a mudança pode trazer redução nominal de 30% da folha salarial ao fim de um período de quatro anos. Estudei leis de carreiras do país todo e esse modelo é muito replicável. Mesmo de forma gradual, faremos redução nominal da folha, algo impensável no modelo atual, mesmo com congelamento de salários. O congelamento não pode ser medida descartada. Nos regimes de recuperação fiscal é algo necessário, mas ele não funciona no longo prazo. Por isso é preciso revisão de cargos, salários, de leis, de processos internos de promoção, para que os reajustes sejam racionais, sustentáveis e criteriosos.

Valor: Mas a mudança nos Estados precisa ser antecedida por uma alteração da LRF?
Ana Carla: A alteração é para fazer os Estados reconhecerem a despesa de pessoal. Muitos dizem que essa discussão da LRF pode flexibilizar ainda mais as condições aos Estados. Um caminho alternativo é esse movimento dos TCEs, motivado pelo Tesouro Nacional, de criar padronização sobre as despesas de pessoal. Isso pode ter o mesmo impacto da revisão da LRF.

Valor: Mas esse movimento dos TCEs não é tão uniforme, certo?
Ana Carla: Eu sou otimista no sentido de finalmente haver autocrítica e pelo menos os absurdos desaparecerem, como retirar do cálculo da despesa de pessoal o Imposto de Renda sobre folha, os pensionistas e até aposentados. E a discussão da LRF ficaria para um momento mais oportuno. No momento em que se coloca IR, aposentados e pensionistas na conta, ninguém vai ficar com 75% porque criou-se o subterfúgio de dar auxílios sob forma de aumento e isso não estaria capturado, mas pelo menos se corrigiria na direção correta. Os Estados não podem fugir das discussões das leis locais de carreira porque os instrumentos de correção só existem com a mudanças nessas regras. É uma briga que está nas mãos dos governadores nas suas Assembleias Legislativas. Não depende da União ou do STF. O que o governo federal precisa fazer é a coordenação técnica. Não podemos deixar os Estados soltos. Quando o assunto chegar na Assembleia de cada Estado, se não houver uma onda acontecendo junto, com outros governadores indo na mesma direção, a briga fica muito mais difícil e a chance de fracasso é muito maior.

Valor: E os novos governadores estão propensos a essas mudanças?
Ana Carla: Há um grupo muito propenso, o da coalizão dos novos governadores, que são Eduardo Leite, Caiado, Zema, Doria e Barbalho. Eles se uniram numa coalizão para defender pautas de responsabilidade fiscal porque querem ter capacidade de governar. Nos Estados como Rio Grande do Sul, Minas e Goiás temos governadores assumindo esses mandatos pela primeira vez, com quatro anos pela frente e em condições de total ingovernabilidade. São forças políticas dependendo de pautas positivas para entregar um Estado com avanços daqui a quatro anos. Quando olhamos para trás, tínhamos poucos governadores nesse caminho em todo o mandato, como Renan Filho e Hartung. Agora há uma coalizão mais representativa, com maior poder de multiplicação. No mandato anterior eram vozes isoladas.

Valor: A aproximação do governador Renan Filho a essa coalizão, ao menos em algumas agendas, é importante politicamente?
Ana Carla: Sem dúvida. Renan Filho é governador reeleito e hoje mostra os resultados de uma gestão anterior responsável. À medida que a coalizão integra representantes de diversas regiões, pelo menos há pautas básicas passíveis de serem adotadas Brasil afora. Não podemos ser ingênuos de imaginar que o Brasil é um só. Não podemos ir a um extremo de todos abraçarem a mesma agenda nem cada um para si ou cada bloco defendendo a sua pauta. Senão chega no Congresso, onde as reformas têm que acontecer, e não saímos do lugar porque não há a necessária maioria ou representatividade. A vinda de Renan Filho ajuda a criar uma agenda básica comum. Ao longo dos últimos quatro anos, vimos uma divisão territorial do Brasil em que pautas importantes não sensibilizavam o Nordeste ou vice-versa. Há o bloco dos Estados exportadores querendo repasses da Lei Kandir, o do Nordeste, que depende muito do Fundo de Participação dos Estados (FPE), o do Centro-Oeste, que defende os incentivos fiscais. E há São Paulo tratado como se estivesse contra o Brasil inteiro. A divisão sempre existirá, mas precisamos chegar a um consenso. Reforma da Previdência, necessidade de racionalizar serviços públicos, reforma tributária, por exemplo.

Valor: Então os Estados estão tentando se reorganizar entre si?
Ana Carla: Sim. Depois desse ciclo em que os governadores que saíram pegaram uma situação difícil e deixaram para o sucessor uma pior ainda, o entendimento dos problemas está mais claro. E começa a perder a característica partidária. O problema é que, com tanta polarização anterior, as agendas viraram vermelhas ou azuis. Agora pelo menos no nível dos Estados percebe-se que, independentemente de partidos, temos um problema sistêmico. Não adianta ficar culpando governador do partido contrário ao meu.

Valor: A sra. acha que Estados que baterem à porta do governo federal em busca de recursos sem buscar ajuste não terão sucesso, então?
Ana Carla: Eu tenho um temor. Temos a pauta que é a mais importante para o Brasil hoje, que é a reforma da Previdência. O medo que tenho é entrar num processo de toma-lá-dá-cá. Aqui temos uma brecha que, se for usada, será ruim. Tenho receio de que, cedendo a essa pressão, mais uma vez erremos ao interpretar que o problema dos Estados é de falta de recursos, quando o problema é de excesso de gastos. E não haverá recursos suficientes para dar conta dessa trajetória de excesso de gastos. Usar a Previdência como moeda de troca mostraria que os governadores não entenderam que a reforma é um imperativo não só para a sobrevivência dos Estado, mas também para que o país tenha alguma chance de voltar a crescer.

Valor: E o governo federal tem força para impedir o uso dessa brecha?
Ana Carla: O governo federal tem dado declarações muito firmes nessa direção, de que a reforma da Previdência é importante para todos, é prioritária e urgente. O que me preocupa não é o governo federal, mas o jogo político no Congresso Nacional.

Valor: Mas esse jogo não depende da postura do governo?
Ana Carla: Sim, e a postura do governo tem sido muito firme. O que Mansueto [Almeida, secretário do Tesouro Nacional], que é o porta-voz do governo federal para a agenda dos Estados, fala é que não há recursos e que o problema dos Estados é de despesa de pessoal e Previdência. A primeira declaração que vi diferente dessa foi do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que disse estar negociando pacote de apoio aos Estados em troca da aprovação da reforma da Previdência. Quando ele fala do governo federal e da gestão da Câmara, o discurso dele é de muita responsabilidade. Para mim, soou estranho abrir espaço para que essa negociação exista. Não se trata de deixar Estados soltos, mas misturar essa duas agendas e dar alívio aos Estados em troca da aprovação da Previdência é resolver um problema e agravar outro que já é muito grande.

Valor: Qual sua perspectiva para a economia e como isso pode afetar os Estados?
Ana Carla: Vejo de forma binária, que felizmente está pendendo mais de um lado do que para outro. O Brasil tem hoje dois caminhos. Um deles é aprovar uma reforma da Previdência decente e isso por si só é muito importante, mas tem, além disso, um impacto de segunda ordem que é abrir espaço na agenda para reformas microeconômicas, estruturantes, que vão dar ganhos de produtividade para a economia brasileira. Nesse conjunto, eu coloco a reforma do Estado. Falar em produtividade sem falar no setor público não é falar em produtividade. Se trilharmos esse caminho, juntamente com privatização e concessões, com ganhos de investimentos em infraestrutura, o Brasil tem pela frente uma perspectiva positiva, de crescimento. Não estou falando de o Brasil crescer, 5%, 7%, 10%, mas sim de retomada de crescimento com uma possibilidade de surpreender positivamente. Isso seria muito favorável para os Estados. Não tira a agenda de reformas estruturais dos Estados da pauta, mas não podemos menosprezar o impacto positivo de ter investimentos, economia crescendo, de sair pelo menos três palmos da linha d'água, já que estamos submersos. Se não tivermos reforma da Previdência, será um desastre. O Brasil terá um agravamento adicional de uma situação que já é muito grave e os Estados serão a bomba da vez. Será uma situação de colapso generalizado e entramos num processo que não quero viver. Mas estou otimista porque o primeiro caminho se mostra mais provável.